Acessibilidade / Reportar erro

Autoavaliação vocal: relação com o tipo de instrumento utilizado, gênero, faixa etária e profissão em indivíduos sem queixas de voz

Resumos

OBJETIVO:

Obter os índices de autoavaliação vocal de indivíduos sem queixas de voz e relacioná-los às variáveis referentes a gênero, profissão e faixa etária.

MÉTODOS:

Estudo observacional, analítico e transversal. Participaram 601 indivíduos sem queixas vocais, sendo 241 homens e 360 mulheres, com idades entre 18 e 59 anos (média de 30,1 anos). As faixas etárias foram subdivididas em: 18 a 29 anos (n=353; 58,7%); 30 a 44 anos (n=159; 26,5%); e 45 a 59 anos (n=89; 14,8%). Participaram 136 (22,6%) profissionais e 465 (77,4%) não profissionais da voz. Os indivíduos responderam a um questionário com dados de identificação e aos protocolos Qualidade de Vida e Voz (QVV), o Índice de Desvantagem Vocal (IDV) e o Perfil de Participação e Atividades Vocais (PPAV). Os dados foram analisados estatisticamente.

RESULTADOS:

Os escores médios totais obtidos nos protocolos QVV, IDV e PPAV foram de 95,5, 5,4 e 3,1, respectivamente. Transferindo esses valores para a base 100, IDV e PAVV diferenciam-se quanto aos escores obtidos. Mulheres apresentaram valores significativamente mais baixos no QVV e IDV. Além disso, não houve diferença nos escores médios obtidos nas diferentes faixas etárias estudadas. Quanto à utilização da voz profissional, houve diferenças no IDV e PPAV, sendo que os "não profissionais" apresentaram menor desvantagem vocal quando comparados aos profissionais.

CONCLUSÃO:

O tipo de instrumento utilizado e as variáveis gênero e profissão podem influenciar no resultado da autoavaliação vocal.


OBJECTIVE:

To obtain the vocal self-assessment rates of individuals without vocal complaints and relate them to gender, occupation, and age range.

METHODS:

This is an observational, analytical, and cross-sectional study. In this study, 601 individuals without vocal complaints, 241 men and 360 women, aged between 18 and 59 years (mean of 30.1 years) were included. The individuals were divided into following age groups: 18-29 years (n=353; 58.7%), 30-44 years (n=159; 26.5%), and 45-59 years (n=89; 14.8%); 136 individuals (22.6%) were voice professionals and 465 (77.4%) were nonprofessionals. The individuals answered a questionnaire with identification data and the protocols Voice-Related Quality of Life (V-RQOL), Voice Handicap Index (VHI), and Voice Activity and Participation Profile (VAPP). The data were statistically analyzed.

RESULTS:

Mean scores obtained in the V-RQOL, VHI, and VAPP were 95.5, 5.37, and 3.06, respectively. If we transfer these values to the base 100, differences were found in the scores of the VHI and VAPP. Women presented significantly lower scores in the V-RQOL and VHI. Moreover, there were no differences in the mean scores obtained by the different age groups. Regarding professional vocal use, there were differences in the VHI and VAPP, and the "nonprofessionals" presented lower VHI than professionals.

CONCLUSION:

The type of the instrument, gender, and profession variables can influence the vocal self-assessment results.


INTRODUÇÃO

A compreensão sobre o impacto de uma disfonia na vida do indivíduo pode fornecer dados sobre sua real demanda ao processo terapêutico fonoaudiológico. Atualmente, há três protocolos de autoavaliação vocal, amplamente utilizados no Brasil: o Qualidade de Vida e Voz (QVV)( 11. Gasparini G, Behlau M. Quality of Life: Validation of the Brazilian Version of the Voice-Related Quality of Life (V-RQOL) Measure. J Voice. 2009;23(1):76-81. ), o Índice de Desvantagem Vocal (IDV)(2) e o Perfil de Participação e Atividades Vocais (PPAV)( 33. Ricarte A, Gasparini G, Behlau M. Validação do Protocolo Perfil de Participação e Atividades Vocais (PPAV) no Brasil. In: XIV Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia. Salvador. Anais; 2006. ).

Diversas pesquisas envolvendo tais instrumentos já foram realizadas( 44. Kasama ST, Brasolotto AG. Percepção vocal e qualidade de vida. Pró-fono R Atual Cient. 2007;19(1):19-28.

5. Carmo RD, Camargo Z, Nemr K. Relação entre qualidade de vida e autopercepção da qualidade vocal de pacientes laringectomizados totais: estudo piloto. Rev CEFAC. 2006;8(4):218-28.

6. Krischke S, Weigelt S, Hoppe U, Kollner V, Klotz M. Quality of life in Dysphonic Patients. J Voice. 2005;19(1):132-7.

7. Grillo MHMM, Penteado RZ. Impacto da voz na qualidade de vida de professores de ensino fundamental. Pró-Fono R Atual Cient. 2005;17(3):321-30.
- 88. Tutya, AS, Zambon F, Oliveira G, Behlau M. Comparação dos escores dos protocolos QVV, IDV e PPAV em professores Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16(3):273-81. ). Embora já se mencione os valores esperados de QVV, IDV e PPAV para indivíduos com vozes saudáveis( 99. Behlau M, Oliveira G, Santos LMA, Ricarte A. Validação no Brasil de protocolos de auto-avaliação do impacto de uma disfonia. Pró-Fono R Atual Cient. 2009;21(4):326-32. ), a relação entre tais valores e algumas variáveis sociodemográficas ainda pode ser melhor investigada.

Aprofundar o conhecimento sobre os resultados desses protocolos em indivíduos sem queixas de voz pode contribuir para o raciocínio clínico e para o delineamento do trabalho fonoaudiológico junto ao paciente disfônico. Assim, o objetivo deste estudo foi obter os valores de referência de autoavaliação vocal em indivíduos sem queixas de voz e relacioná-los a gênero, faixa etária e utilização profissional da voz.

MÉTODOS

Trata-se de estudo observacional, descritivo e transversal. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTRO, sob o número 04715/2009.

Participaram 601 indivíduos, 241 homens e 360 mulheres, com idades entre 18 e 59 anos (média de 30,1 anos). As faixas etárias foram subdivididas em: 18 a 29 anos (n=353; 58,7%); 30 a 44 anos (n=159; 26,5%); e 45 a 59 anos (n=89; 14,8%). Participaram 136 (22,6%) profissionais e 465 (77,4%) não profissionais da voz. Foram considerados como profissionais da voz os indivíduos que dela dependiam para exercer suas atividades ocupacionais. A coleta de dados ocorreu em locais públicos, com busca ativa pelos participantes.

Adotou-se como critério de inclusão a autoclassificação da voz como "regular", "boa" ou "excelente". Em contrapartida, foram excluídos os indivíduos que referiram quaisquer queixas referentes à voz, no passado ou presente. Para a obtenção de tais dados, antes da aplicação do questionário de identificação, os sujeitos responderam a três perguntas: "Você tem alguma queixa em relação à sua voz?"; "Você já teve algum problema de voz no passado ou tem um problema de voz atualmente?; "Como você classifica a sua voz?" (muito ruim; ruim; regular; boa; excelente). Caso o indivíduo respondesse sim para qualquer uma das duas primeiras questões e/ou "muito ruim" ou "ruim" para a terceira questão, ele era automaticamente excluído da pesquisa e não prosseguia para a etapa seguinte.

Todos os indivíduos responderam a um questionário com dados de identificação e aos protocolos QVV, IDV e PPAV, aplicados pelas quatro primeiras autoras desta pesquisa. No QVV e IDV, as pesquisadoras fizeram a leitura das frases e das opções de respostas, bem como a marcação no protocolo após a escolha do sujeito. No PPAV, as pesquisadoras leram a frase, orientaram o sujeito quanto à marcação na escala analógico-visual e solicitaram que eles mesmos fizessem a marcação. Não foram feitas quaisquer interpretações a respeito do conteúdo das frases.

Os resultados foram calculados de acordo com a proposta de cada protocolo e analisados estatisticamente. Foi utilizado o teste de Mann-Whitney para comparar os escores dos protocolos com as demais variáveis estudadas.

Considerando que os escores máximos dos protocolos são diferentes, para a comparação dos instrumentos entre si, os resultados de IDV (base 120) e PPAV (base 280) obtidos foram transformados em base 100, por regra de três simples. Além disso, para tal análise, como o QVV é um protocolo de qualidade de vida, ou seja, quanto maiores os escores, melhores são os resultados, houve a subtração do escore final total obtido em relação à pontuação máxima do protocolo (100 - escore total obtido). Desta forma, a perda de qualidade pôde ser comparada à desvantagem e limitação vocal mensurada pelos outros dois protocolos (IDV e PPAV). Foi aplicado o teste ANOVA de Friedman para comparar os resultados obtidos nos três instrumentos. Para todas as análises, foi adotado nível de significância de 0,05.

RESULTADOS

Foram analisados os escores médios totais obtidos nos protocolos QVV, IDV e PPAV, bem como nos diferentes domínios avaliados por cada um deles (Tabela 1). Fazendo a transferência dos escores de IDV e PPAV para a base 100 (uma vez que esses protocolos têm valores totais diferentes) e a inversão dos valores do QVV (por este ser um protocolo de qualidade de vida), observamos que os indivíduos autorreferiram melhores condições no PPAV do que no QVV e no IDV (Tabela 2).

Tabela 1.
Estatística descritiva dos protocolos Qualidade de Vida e Voz, Índice de Desvantagem Vocal e Perfil de Participação em Atividades Vocais em indivíduos sem queixas vocais
Tabela 2.
Comparação dos escores médios obtidos nos protocolos Qualidade de Vida e Voz, Índice de Desvantagem Vocal e Perfil de Participação em Atividades Vocais padronizados na base 100*

Foram observadas, ainda, as relações entre os escores médios totais obtidos nos três protocolos e as variáveis referentes a gênero, faixa etária e utilização profissional da voz. Mulheres apresentaram valores significativamente mais baixos no QVV e IDV (Tabela 3). Não houve diferença nos escores médios obtidos nas diferentes faixas etárias (Tabela 4). Não profissionais da voz apresentaram menor desvantagem vocal quando comparados aos profissionais (no IDV e no PPAV) (Tabela 5).

Tabela 3.
Relação entre os escores obtidos nos protocolos Qualidade de Vida e Voz, Índice de Desvantagem Vocal e Perfil de Participação em Atividades Vocais e a variável gênero
Tabela 4.
Relação entre os escores obtidos em Qualidade de Vida e Voz, Índice de Desvantagem Vocal e Perfil de Participação em Atividades Vocais e a variável faixa etária
Tabela 5.
Relação entre os escores obtidos nos protocolos Qualidade de Vida e Voz, Índice de Desvantagem Vocal e Perfil de Participação em Atividades Vocais e a variável profissão

DISCUSSÃO

Quanto aos escores médios obtidos nos três protocolos, os valores são próximos aos apontados em estudo anterior( 99. Behlau M, Oliveira G, Santos LMA, Ricarte A. Validação no Brasil de protocolos de auto-avaliação do impacto de uma disfonia. Pró-Fono R Atual Cient. 2009;21(4):326-32. ). As razões pelas quais os resultados do PPAV foram melhores do que os resultados do IDV e QVV precisam ser investigadas. Uma hipótese é a de que a falta de familiaridade em responder questões por Escala Analógico-Visual (EAV) tenha gerado uma tendência do indivíduo à marcação automática na extremidade esquerda da escala, que indica "normalidade".

Na relação entre gêneros, mulheres apresentaram menores escores médios. No entanto, não foram localizados outros estudos que corroborassem esse achado. Sabemos, no entanto, que, de forma geral, as mulheres são mais autocríticas em relação à saúde( 1010. Gomes R, Nascimento E, Araujo F. Por que os homens buscam menos os serviços de saúde do que as mulheres? As explicações de homens com baixa escolaridade e homens com ensino superior. Cad Saúde Pública. 2007;23(3):565-74. ), o que pode ter relação com a diferença observada, uma vez que os sujeitos de ambos os grupos não apresentavam queixas vocais.

Os indivíduos adultos apresentaram escores semelhantes nos três protocolos, independentemente da faixa etária em que se encontravam. Tal resultado discorda de pesquisa realizada com indivíduos disfônicos, que observou que indivíduos na faixa etária entre 20 e 29 anos tendem a se autoavaliar de forma mais positiva do que indivíduos mais velhos( 1111. Putnoki D, Hara F, Oliveira G, Behlau M. Qualidade de vida em voz: o impacto de uma disfonia de acordo com sexo, idade e uso vocal profissional. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010;15(4):485-90. ).

Os profissionais da voz apresentaram piores escores nos protocolos IDV e PPAV, o que indica que, mesmo sem queixas, esse grupo parece estar mais atento à saúde da voz( 1212. Ribeiro VV, Santos AB, Bonki E, Prestes T, Dassie-Leite AP. Identificação de problemas vocais enfrentados por cantores de igreja. Rev CEFAC. 2012;14(1):90-6. , 1313. Spina AL. Correlação da qualidade de vida e voz com atividade profissional. Rev Bras Otorrinolaringol. 2009;75(2):275-9. ). Além disso, esses dois instrumentos dão maior ênfase à autopercepção do sujeito em relação às atividades profissionais, quando comparados ao QVV. Em recente estudo, que comparou os escores obtidos por professoras disfônicas nos três protocolos( 88. Tutya, AS, Zambon F, Oliveira G, Behlau M. Comparação dos escores dos protocolos QVV, IDV e PPAV em professores Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16(3):273-81. ), as autoras concluíram que o PPAV tem questões não contempladas pelos outros protocolos e, por isso, pode apresentar resultados mais interessantes quando se trata de profissionais da voz.

Na prática clínica, muitos fatores parecem interferir na autoavaliação vocal do paciente. Por isso, sugerimos a realização de novos estudos, que valorizem outras variáveis, como escolaridade e nível socioeconômico.

CONCLUSÃO

O tipo de instrumento utilizado e as variáveis referentes ao gênero e à profissão podem influenciar no resultado da autoavaliação vocal dos indivíduos.

REFERENCES

  • 1
    Gasparini G, Behlau M. Quality of Life: Validation of the Brazilian Version of the Voice-Related Quality of Life (V-RQOL) Measure. J Voice. 2009;23(1):76-81.
  • 2
    Behlau M, Santos LMA, Oliveira G. Cross-cultural adaptation and validation of the voice handicap index into Brazilian Portuguese. J Voice. 2011;25(3): 354-9.
  • 3
    Ricarte A, Gasparini G, Behlau M. Validação do Protocolo Perfil de Participação e Atividades Vocais (PPAV) no Brasil. In: XIV Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia. Salvador. Anais; 2006.
  • 4
    Kasama ST, Brasolotto AG. Percepção vocal e qualidade de vida. Pró-fono R Atual Cient. 2007;19(1):19-28.
  • 5
    Carmo RD, Camargo Z, Nemr K. Relação entre qualidade de vida e autopercepção da qualidade vocal de pacientes laringectomizados totais: estudo piloto. Rev CEFAC. 2006;8(4):218-28.
  • 6
    Krischke S, Weigelt S, Hoppe U, Kollner V, Klotz M. Quality of life in Dysphonic Patients. J Voice. 2005;19(1):132-7.
  • 7
    Grillo MHMM, Penteado RZ. Impacto da voz na qualidade de vida de professores de ensino fundamental. Pró-Fono R Atual Cient. 2005;17(3):321-30.
  • 8
    Tutya, AS, Zambon F, Oliveira G, Behlau M. Comparação dos escores dos protocolos QVV, IDV e PPAV em professores Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16(3):273-81.
  • 9
    Behlau M, Oliveira G, Santos LMA, Ricarte A. Validação no Brasil de protocolos de auto-avaliação do impacto de uma disfonia. Pró-Fono R Atual Cient. 2009;21(4):326-32.
  • 10
    Gomes R, Nascimento E, Araujo F. Por que os homens buscam menos os serviços de saúde do que as mulheres? As explicações de homens com baixa escolaridade e homens com ensino superior. Cad Saúde Pública. 2007;23(3):565-74.
  • 11
    Putnoki D, Hara F, Oliveira G, Behlau M. Qualidade de vida em voz: o impacto de uma disfonia de acordo com sexo, idade e uso vocal profissional. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010;15(4):485-90.
  • 12
    Ribeiro VV, Santos AB, Bonki E, Prestes T, Dassie-Leite AP. Identificação de problemas vocais enfrentados por cantores de igreja. Rev CEFAC. 2012;14(1):90-6.
  • 13
    Spina AL. Correlação da qualidade de vida e voz com atividade profissional. Rev Bras Otorrinolaringol. 2009;75(2):275-9.
  • *SD, BB e JW realizaram a coleta de dados; todos os autores participaram da análise de dados e redação do artigo e contribuíram de forma semelhante para a realização do trabalho. Trabalho realizado no Departamento de Fonoaudiologia, Universidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTRO - Irati (PR), Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014

Histórico

  • Recebido
    03 Ago 2012
  • Aceito
    20 Fev 2013
Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia Al. Jaú, 684, 7º andar, 01420-002 São Paulo - SP Brasil, Tel./Fax 55 11 - 3873-4211 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@codas.org.br