Open-access QUALIDADE DA EDUCAÇÃO BÁSICA: PARA ALÉM DOS TESTES COGNITIVOS EM LARGA ESCALA

CALIDAD DE LA EDUCACIÓN BÁSICA: MÁS ALLÁ DE LOS TEST COGNITIVOS EN GRAN ESCALA

QUALITÉ DE L’ÉDUCATION DE BASE: AU-DELÀ DES TESTS COGNITIFS À GRANDE ÉCHELLE

Resumo

Este artigo analisa a avaliação da qualidade da educação básica no Brasil, questionando a ênfase excessiva nos resultados dos testes cognitivos como principal indicador de excelência educacional. Propõe-se um modelo interpretativo mais abrangente, baseado nos sete eixos da Matriz de Qualidade do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que considera múltiplas dimensões da educação. Além disso, apresentam-se as limitações do Saeb e discutem-se os efeitos adversos das avaliações em larga escala e a necessidade de uma visão mais ampliada sobre os aspectos que devem compor a qualidade educacional. O artigo conclui que um modelo de avaliação que vá além dos testes cognitivos é fundamental para uma compreensão mais abrangente da qualidade da educação.

AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA EDUCAÇÃO; AVALIAÇÃO EM LARGA ESCALA; INDICADORES EDUCACIONAIS; TESTE DE DESEMPENHO

Abstract

This article analyzes the evaluation of the quality of basic education in Brazil, questioning the overemphasis on cognitive test results as the primary indicator of educational excellence. A more comprehensive interpretative model is proposed, grounded in the seven axes of the Quality Matrix of the Sistema de Avaliação da Educação Básica [Basic Education Assessment System] (Saeb), which encompasses multiple dimensions of education. In addition, the limitations of Saeb are outlined, and the adverse effects of large-scale assessments are discussed, highlighting the need for a broader perspective on the dimensions that should constitute educational quality. The article concludes that an evaluation model that goes beyond cognitive tests is essential for a more comprehensive understanding of the quality of education.

EDUCATION QUALITY ASSESSMENT; LARGE-SCALE ASSESSMENT; EDUCATIONAL INDICATORS; PERFORMANCE TESTING

Resumen

Este artículo analiza la evaluación de la calidad de la educación básica en Brasil, cuestionando el énfasis excesivo en los resultados de los test cognitivos como principal indicador de excelencia educativa. Se propone un modelo interpretativo más integral, basado en los siete ejes de la Matriz de Calidad del Sistema de Avaliação da Educação Básica [Sistema de Evaluación de la Educación Básica] (Saeb), que considera múltiples dimensiones de la educación. Además, se presentan las limitaciones del Saeb y se discuten los efectos adversos de las evaluaciones a gran escala y la necesidad de una visión más amplia de los aspectos que deben componer la calidad educativa. El artículo concluye que un modelo de evaluación que vaya más allá de los test cognitivos es esencial para una comprensión más integral de la calidad de la educación.

EVALUACIÓN DE LA CALIDAD DE LA EDUCACIÓN; EVALUACIÓN A GRAN ESCALA; INDICADORES EDUCATIVOS; TEST DE RENDIMIENTO

Résumé

Cet article analyse les évaluations sur la qualité de l’éducation de base au Brésil et remet en question l’importance excessive accordée aux résultats des tests cognitifs comme principal indicateur d’excellence en matière d’éducation. Un modèle interprétatif plwus compréhensif est proposé, structuré autour des sept axes d’analyse de la qualité du Sistema de Avaliação da Educação Básica [Système d’évaluation de l’éducation de base] (Saeb), qui prend en compte les multiples dimensions de l’éducation. Les limites du Saeb et les effets négatifs des évaluations à grande échelle sont aussi discutés, tout comme la nécessité d’une vision plus large concernant les aspects devant intégrer la qualité de l’éducation. L’article conclut qu’un modèle d’évaluation qui dépasse les tests cognitifs est fondamental pour une compréhension plus exhaustive de la qualité de l’éducation.

ÉVALUATION DE LA QUALITÉ; DE L’ÉDUCATION; ÉVALUATION À; GRANDE ÉCHELLE; INDICATEURS ÉDUCATIFS; TEST DE PERFORMANCE

A AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA EDUCAÇÃO BÁSICA NO BRASIL SEGUE UMA VISÃO DO- minante em âmbito internacional que toma os resultados dos estudantes em testes cognitivos em larga escala como o principal indicador de excelência educacional. Essa perspectiva hegemônica se faz presente nas políticas públicas avaliativas do setor, sendo reforçada pela crescente implantação de sistemas próprios de avaliação pelos estados e municípios. Entretanto, enfatizamos que essa é uma abordagem reducionista, pois negligencia uma gama de fatores necessários à efetivação de uma educação de excelência, que vão além da proficiência dos alunos nos testes. Neste artigo propomos um modelo interpretativo para avaliar a qualidade da educação básica, estabelecendo uma visão abrangente sobre suas múltiplas dimensões componentes, diferentemente da perspectiva hegemônica que centraliza os bons resultados dos estudantes em exames de larga escala como o objetivo final - ou quase único - da educação.

Em todo o mundo, as avaliações externas são uma prática comum e desempenham um papel significativo na definição de políticas educacionais em escala global, sendo o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), conduzido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), um exemplo proeminente dessas iniciativas. Realizado a cada três anos, inclusive em países que não são membros da OCDE, o Pisa mede o desempenho de alunos de 15 anos de idade em testes de leitura, matemática e ciências. Os seus resultados forjam os padrões internacionais da educação, inspirando as nações a moldarem as reformas educacionais direcionadas a melhorar o desempenho dos estudantes.

Considerando o contexto brasileiro, nos últimos 25 anos, observou-se uma expansão significativa dos sistemas de avaliação educacional, tanto no âmbito federal quanto no de estados e municípios. Esses sistemas de avaliação são descritos por Oliveira e Clementino (2019, p. 555) como “um conjunto de políticas e práticas que o Estado usa para medir e responsabilizar escolas por elevar o desempenho dos alunos e para estimular e apoiar a melhoria quando necessário”. Diversos estudos (Sousa & Oliveira, 2007; Bauer, 2010; Brooke & Cunha, 2011; Horta, 2013; Sousa, 2013) documentam essa expansão, refletindo a crença de que é fundamental controlar os processos educacionais por meio de testes padronizados para promover a melhoria do desempenho estudantil e, consequentemente, da qualidade da educação.

O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), criado em 2007 por meio do Decreto n. 6.094, constituiu-se em uma ferramenta para mensurar e comparar o desempenho educacional do país, em todos os âmbitos da federação. Por meio desse índice, materializa-se ou reduz-se a um número o resultado de excelência da educação básica, tanto que é denominado um “indicador objetivo para a verificação do cumprimento das metas fixadas” (Decreto n. 6.094, 2007) nessa área. Seu elemento central é o desempenho dos estudantes nos testes padronizados, sendo mensurado por uma equação que considera, além desses resultados, o fluxo escolar dos alunos (aprovação e evasão). Os testes cognitivos são um dos instrumentos do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que é realizado a cada dois anos para avaliar a qualidade educacional do país e engloba também a aplicação de questionários contextuais a estudantes, professores, diretores de escolas e dirigentes municipais de educação. Cabe ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), vinculado ao Ministério da Educação (MEC), a responsabilidade pela realização do Saeb, cumprindo a sua função institucional de promover estudos, pesquisas e avaliações sobre a educação brasileira.

Desde a instituição do Ideb, os sistemas próprios de avaliação nos estados e municípios brasileiros cresceram de forma acentuada. Sendo assim, consideramos o Ideb como um dos instrumentos impulsionadores do aumento dos sistemas de avaliação desenvolvidos pelos entes subnacionais, ou adquiridos por eles, pois quase a sua totalidade enfatiza, do mesmo modo, o desempenho dos alunos em testes cognitivos. Dados recentes (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira [Inep], 2024) apontam o crescimento acentuado de municípios brasileiros de diferentes portes populacionais que passaram a desenvolver suas próprias avaliações ou contrataram empresas para realizá-las, indo de 28% em 2014 para 50% em 2021, o que representa um acréscimo de 22 pontos percentuais em somente 7 anos. Além de indicar que 11,3% dos municípios utilizavam testes para avaliar crianças de pré-escola, 41,6% aplicavam provas externas com periodicidade no mínimo semestral, e 19,3% adotavam sistemas apostilados de ensino, geralmente acoplados a treinamento de professores e avaliações externas.

A centralidade do Ideb na definição da agenda educacional na atualidade pode ser constatada no Plano Nacional de Educação (PNE), instituído pela Lei n. 13.005 (2014), na qual figura como um dos instrumentos balizadores das políticas públicas da área. Na sua Meta 7, o PNE estabelece que deverá “fomentar a qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem” (Lei n. 13.005, 2014), fixando metas a serem atingidas nos anos iniciais e finais do ensino fundamental e no ensino médio.

De acordo com Charlot (2021), a concepção de “qualidade da educação” predominante na atualidade emergiu no contexto das reformas educacionais realizadas nas décadas de 1960 a 1980, principalmente nos Estados Unidos e na Europa, focalizadas na melhoria do ensino de matemática e de ciências. Décadas depois, a OCDE, por meio de iniciativas como o Pisa, desempenhou um papel central na promoção e unificação desse conceito, tornando-o hegemônico, vinculando a qualidade da educação à capacidade dos sistemas educacionais de preparar estudantes para participar de forma mais efetiva da economia global.

Esse conceito é restrito ao desenvolvimento de competências e habilidades, especialmente em matemática, língua materna e ciências, para a formação de capital humano. Contudo, a qualidade da educação deve ser compreendida de maneira mais ampla, levando em consideração o desenvolvimento de diferentes dimensões que se relacionam com a vida em sociedade. Biesta (2018) afirma que a tarefa última da educação é ajudar as crianças e jovens a estar no mundo (e estar lá de modo adulto), fazendo a distinção entre a linguagem da aprendizagem, que é vazia de conteúdo, e a linguagem da educação, que precisa se engajar com questões de conteúdo, propósito e relações. Ainda alerta que a aprendizagem dos alunos não se baseia apenas no que é dito, mas também no que é feito, implicando que uma educação de qualidade deve incluir qualificação, socialização e subjetivação. No entanto, o autor enfatiza que decisões que deveriam ser tomadas pelos educadores são realizadas em outras instâncias, como a política, os elaboradores do currículo e do livro didático e o sistema global de avaliação.

Charlot (2021) chama a atenção para o fato de que o uso do termo “qualidade da educação” enfrenta problemas significativos devido à sua ambiguidade e à dificuldade de se definir e medir o que seria essa qualidade. Há uma década, Gusmão (2013) já havia feito uma sistematização da literatura da área com o objetivo de identificar as principais abordagens do tema da qualidade da educação, identificando cinco principais recortes: a expansão da escolarização; os resultados em provas de larga escala; a perspectiva economicista; a diversidade; e o modelo educacional. Curiosamente, essa ambiguidade e as múltiplas abordagens que revestem a “qualidade da educação” vai direto ao encontro do que é preconizado no próprio Saeb, ao destacar que “[a] qualidade da educação é multidimensional, por isso múltiplos fatores do contexto escolar e de fora dele devem ser considerados” (Inep, 2018, p. 8).

Desse modo, compreendemos que a “qualidade da educação” é um conceito abrangente e deve refletir as múltiplas dimensões que permeiam o contexto educativo, indo muito além dos resultados de testes cognitivos aplicados a estudantes. Buscando representar a diversidade de aspectos que consideramos necessário fazer parte da avaliação educacional brasileira, procuramos estruturar um modelo interpretativo a partir do uso dos eixos que compõem a Matriz de Qualidade do Saeb, para a ampliação dessa noção e maior adequação na sua implementação. Antes disso, destacamos alguns dos aspectos negativos das avaliações externas em larga escala.

Limitações do Saeb e efeitos adversos das avaliações em larga escala

As avaliações externas em larga escala, se por um lado se alastram pelo mundo como um instrumento que induz o desenvolvimento de políticas públicas no campo educacional, por outro, são alvos de muitas críticas. No Brasil, o Saeb é o principal mecanismo avaliativo dessa área, possuindo como objetivo central a “produção de informações sobre a qualidade da educação básica, de modo a, conjuntamente a outros dados, subsidiar as instâncias governamentais na avaliação, na redefinição e no estabelecimento de programas e políticas públicas em educação” (Inep, 2018, p. 6). Porém, esse sistema de avaliação possui uma série de limitações que impedem uma visão abrangente da educação.

Desde seu primeiro ciclo, em 1990, a aplicação do Saeb era amostral. A partir de 2005, a avaliação tornou-se quase censitária, abrangendo apenas escolas com dez ou mais alunos matriculados nas séries avaliadas. A abrangência não é censitária para o sistema educacional, pois negligencia as unidades escolares que não possuem essa quantidade mínima de alunos nessas séries. Esse recorte gera uma visão distorcida, pois ignora as realidades de estabelecimentos menores, muitas vezes situados em comunidades rurais ou remotas. Essas escolas representam contextos educacionais peculiares, cujas realidades não são capturadas na avaliação, comprometendo a representatividade dos dados coletados.

Outra característica do Saeb é que os testes são aplicados apenas a estudantes do 5º e 9º anos do ensino fundamental e da 3ª e 4ª séries do ensino médio. Embora somente quatro de doze anos/séries da educação básica sejam avaliados, essa medição amplia a percepção de qualidade da educação para toda a escola. Exclui, portanto, uma grande parte do corpo discente que se encontra em outros anos escolares, criando uma visão fragmentada da qualidade educacional ao longo da trajetória escolar.

A ênfase do Saeb recai nos testes de matemática e língua portuguesa aplicados aos alunos das séries indicadas, apesar das tentativas de ampliar o escopo das avaliações. Mesmo com a inclusão de ciências humanas e ciências da natureza, bem como a ampliação para o 2º ano do ensino fundamental, a informação fornecida à sociedade não muda substancialmente. Não consideramos que os exames devem ser aplicados a todos os anos escolares e abarquem todas as disciplinas ministradas, como proposto pelo MEC durante o governo Bolsonaro. O que apontamos é que, mesmo com as limitações expostas, os testes se referem à qualidade da educação, mas seus resultados não capturam toda a complexidade do processo educacional.

Sustentamos que essas limitações trazem uma visão incompleta e distorcida da qualidade da educação, dificultando uma avaliação precisa e abrangente do sistema educacional. A dependência de uma amostragem restrita, a parcela reduzida de séries/anos avaliados e a ênfase em poucas disciplinas não refletem de modo adequado a diversidade e a complexidade das escolas brasileiras. Isso se aplica exclusivamente aos testes cognitivos, sem considerar as outras dimensões que acreditamos que devem ser incluídas em uma avaliação da qualidade da educação.

Uma abordagem importante refere-se aos efeitos adversos das avaliações em larga escala, sobretudo para os docentes (Grek et al., 2020). Observa-se que a ênfase nessas avaliações tem levado a uma prática educativa conhecida como “teaching to the test”, ou seja, preparar os estudantes especificamente para realizar os testes (Gewirtz, 2002; Menken, 2006). Essa prática pressiona os sistemas educacionais a adaptarem seus currículos e métodos de ensino para melhorar o desempenho estudantil nos testes externos (Hypolito & Jorge, 2020).

A autonomia docente é um dos elementos mais impactados por esse modelo de avaliação centrada nos testes cognitivos. Segundo Maroy (2013), essa lógica de responsabilização compromete o profissionalismo docente, subordinando as decisões pedagógicas à obtenção de resultados em avaliações externas. Isso não apenas questiona a competência dos professores, mas também sugere uma desconfiança sobre sua capacidade de avaliar e promover o aprendizado pleno. Ranson (2003) destaca que os currículos escolares anteriormente eram desenvolvidos dentro de comunidades profissionais e agora são submetidos ao escrutínio público, limitando o controle dos educadores sobre o conteúdo e a metodologia de ensino. Esse cenário resulta em uma erosão da autonomia docente, restringindo esses profissionais a um papel limitado e orientado por métricas externas.

Especificamente no Brasil, o estudo de Oliveira e Clementino (2020) demonstrou que os efeitos negativos sobre os professores são maiores nos estados que adotam políticas de alta responsabilização. Em pesquisa realizada na região Nordeste do país, identificou-se que Paraíba e Pernambuco adotam políticas de alta responsabilização, com premiações e sanções para docentes e escolas conforme os resultados dos testes aplicados aos estudantes. Por outro lado, nos estados da Bahia e Rio Grande do Norte foram identificadas políticas que são consideradas de baixa responsabilização (Oliveira & Clementino, 2020). Os docentes de estados de alta responsabilização enfrentam maiores pressões internas para treinar os estudantes para os exames externos, além de considerarem que os resultados das avaliações influenciam mais na reputação das escolas.

Santos (2023), analisando os dados da mesma pesquisa,1 aponta uma desconexão entre aspectos relacionados às avaliações externas e condições objetivas de trabalho. Segundo a autora, enquanto a proporção de profissionais com vínculos efetivos alcança 70,6% em estados de baixa responsabilização, fica limitada a 57,9% naqueles de alta responsabilização. Em estados de baixa responsabilização, 56,9% dos professores recebem frequentemente recomendações da direção da escola no sentido de ajustarem o ensino de modo a alcançar os padrões de aprendizagem avaliados nos testes, contra 76,4% nos estados de alta responsabilização. Esses dados indicam que, nos estados de alta responsabilização, os professores são mais direcionados em suas práticas pedagógicas, ao mesmo tempo que possuem uma proporção menor de profissionais com vínculos efetivos de trabalho.

O uso dos resultados de estudantes em testes padronizados tem sido contestado até entre os próprios entes governamentais. Um caso recente e polêmico é o de Minas Gerais, que sancionou a Lei n. 24.431 (2023), determinando os critérios para repartição de parte do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) destinado à Educação. De acordo com os novos parâmetros, 50% do valor é distribuído às prefeituras com base no desempenho dos estudantes do ensino fundamental nas avaliações externas realizadas pelo estado, 20% dependem do fluxo escolar, 15% do atendimento em tempo integral e áreas rurais e os 15% restantes da gestão escolar. A lei, ao não considerar o número de matrículas para a distribuição da verba pública, gera disparidades acentuadas no valor por aluno repassado entre os municípios, afetando especialmente os mais populosos (Fontes, 2024).

Os sistemas de avaliação no Brasil focam de forma predominante os testes cognitivos, negligenciando outros fatores relevantes do processo educacional. Isso corrobora a preocupação de Duarte (2011, p. 170) ao afirmar que “o processo de avaliação, independentemente da esfera em que esteja (federal, estadual e municipal), não considera, com a devida importância, as condições de trabalho a que os docentes estão submetidos”. Diante disso, na seção seguinte, propomos um modelo interpretativo que contribui para a reflexão crítica sobre como outras dimensões podem ser contempladas no escopo avaliativo.

Modelo interpretativo da qualidade da educação

A estratégia que vislumbramos para representar analiticamente uma concepção mais ampliada sobre a qualidade educacional foi utilizar a estrutura do Saeb. Nessa lógica, incluímos todos os seus instrumentos de avaliação, que abrangem os testes aplicados a estudantes e os questionários contextuais respondidos por dirigentes municipais de educação, diretores escolares, professores e alunos. Coaduna, dessa forma, aos objetivos específicos do Saeb quando se considera avaliar a qualidade, a equidade e a eficiência da educação praticada no país e subsidiar a elaboração, o monitoramento e o aprimoramento de políticas públicas baseadas em evidências.

A principal referência da Matriz de Qualidade do Saeb é o documento intitulado Sistema de Avaliação da Educação Básica: Documentos de referência versão 1.0, publicado pelo Inep em 2018. Vale ressaltar que esse material leva em consideração a legislação da área, incluindo a Constituição Federal de 1988 (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988); a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) (Lei n. 9.394, 1996); e o Plano Nacional de Educação (Lei n. 13.005, 2014). Nesse documento, a qualidade da educação é representada por sete dimensões: 1. Atendimento Escolar; 2. Ensino e Aprendizagem; 3. Investimento; 4. Profissionais da Educação; 5. Gestão; 6. Equidade; e 7. Cidadania, Direitos Humanos e Valores. Cada um dos eixos compreende grandes temas, os quais se subdividem em tópicos específicos.

Para estruturar um modelo interpretativo abrangendo todas as dimensões da qualidade, é necessário, de antemão, estabelecer os itens que compõem cada uma e especificar a natureza de associação entre elas. Afinal, a trama de associações é que possibilita formular hipóteses claras e testáveis. A precisão na definição dessas relações permite identificar como uma variável pode afetar outra, sendo particularmente útil quando se considera a complexidade dos sistemas educacionais, que possuem múltiplas variáveis inter-relacionadas.

Propomos um modelo interpretativo para avaliar a qualidade da educação que abrange os sete eixos estabelecidos na Matriz de Qualidade do Saeb, refletindo a multidimensionalidade do processo educacional e sua complexidade (Figura 1). Em uma lógica sequencial, a perspectiva é que a “Equidade” influencie no eixo “Investimento”, que, sequencialmente, incide em “Atendimento Escolar”, “Ensino e Aprendizagem”, “Profissionais da Educação”, “Gestão” e “Cidadania, Direitos Humanos e Valores”.

Figura 1
Modelo interpretativo da qualidade da educação

Explorando o modelo, destacamos algumas características sobre as múltiplas associações estabelecidas entre os eixos ou dimensões da qualidade da educação. A primeira delas é que o eixo 6, “Equidade”, é considerado a variável independente, enquanto a dimensão 3, “Investimento”, é a variável dependente. Considerando que a equidade se refere à justiça na distribuição de recursos, garantindo que todos os estudantes e demais envolvidos, sobretudo os de grupos mais desfavorecidos, recebam o apoio necessário. Sob essa ótica, os grupos socioeconomicamente desfavorecidos devem receber mais investimentos para compensar desigualdades preexistentes e assegurar uma educação de qualidade para todos.

Na sequência da cadeia de relacionamentos, o eixo 3, “Investimento”, que é dependente do eixo 6, “Equidade”, passa a ser a variável independente para as outras cinco dimensões. Isso significa que os investimentos realizados influenciam diretamente os eixos “Atendimento Escolar”, “Ensino e Aprendizagem”, “Profissionais da Educação”, “Gestão Escolar” e “Cidadania, Direitos Humanos e Valores”. Em outras palavras, os investimentos são necessários para melhorar a infraestrutura escolar, valorizar os profissionais da educação, implementar práticas pedagógicas eficazes, promover uma gestão eficiente e desenvolver uma educação voltada para a cidadania.

Os cinco eixos dependentes - “Atendimento Escolar”, “Ensino e Aprendizagem”, “Profissionais da Educação”, “Gestão Escolar” e “Cidadania, Direitos Humanos e Valores” - são inter- -relacionados, possuindo associações baseadas em correlação, não em dependência. Isso implica que aprimoramentos em um eixo podem beneficiar os demais, sem uma ordem específica ou relação direta de causa e efeito entre eles. Por exemplo, uma gestão escolar eficaz pode melhorar tanto o atendimento escolar quanto o ensino e a aprendizagem, ao mesmo tempo que promove um ambiente propício ao desenvolvimento profissional dos educadores e à formação cidadã dos alunos.

Cinco eixos de qualidade representam o objetivo final da educação

O modelo interpretativo proposto reconhece a complexidade do processo educacional, ultrapassando a visão estreita centrada apenas nos resultados dos testes cognitivos aplicados aos estudantes. Esse enquadramento integra as diferentes dimensões da qualidade, identificando cinco delas como os resultados finalísticos da área educacional.

O primeiro eixo da qualidade é o “Atendimento Escolar”, que traz implícito que os estudantes devem ser atendidos em instituições escolares que os recebam de forma adequada e com o conforto necessário, o que favorece a sociabilidade e a troca de experiências e amplia as possibilidades de realização das atividades formativas. Como premissa, as escolas necessitam estar próximas das residências dos estudantes, ser adaptadas para receber pessoas com deficiências e oferecer condições para que os profissionais da educação desenvolvam, de forma plena, o processo educacional.

Diferentemente da visão tradicional, alocamos os testes cognitivos dos estudantes como somente uma - retirando dela sua centralidade como objetivo primordial da qualidade da educação - entre as várias componentes do eixo “Ensino e Aprendizagem”. Essa dimensão tem o foco de “gerar informações que permitam conhecer e acompanhar o ensino ofertado pelas unidades escolares” (Inep, 2018, p. 16), indo além de verificar as notas de estudantes em testes externos. Ela é composta por dois temas, o de currículo e o de práticas pedagógicas, os quais abrangem aspectos como as características das relações estabelecidas no ambiente de aprendizagem, a preparação das aulas, o apoio pedagógico, entre outros.

Outra dimensão refere-se aos profissionais de educação, incluindo “temas relacionados à atuação, formação profissional, condições de trabalho e de emprego dos professores e diretores escolares” (Inep, 2018, p. 30). Além de impactar o ensino, capta as condições e os contextos que influenciam a prática pedagógica e o bem-estar dos educadores, cujo ponto de vista costuma ser subestimado em modelos que focalizam exclusivamente o desempenho dos alunos. Resultam dessa dimensão fatores como retenção, saúde e satisfação profissional, considerados essenciais para a implementação de práticas pedagógicas efetivas e a promoção de um ambiente de trabalho positivo.

A gestão escolar é outra dimensão atendida nesse arquétipo, abrangendo áreas como planejamento, organização, monitoramento e avaliação das atividades educacionais. Sua ênfase recai em práticas de gestão que sejam estratégicas e que estimulem o envolvimento direto de diferentes atores no processo educacional, abordando elementos como clima escolar, trabalho colaborativo entre os docentes e desenvolvimento profissional. Esses aspectos demonstram a habilidade das escolas e redes de ensino em administrar recursos e cultivar um ambiente favorável ao ensino e aprendizado.

O quinto eixo, “Cidadania, Direitos Humanos e Valores”, vem ampliar a abrangência do modelo, de forma a captar o papel da educação na promoção de uma sociedade mais justa e equitativa. Enfatiza-se o compromisso em inserir a inclusão e a justiça social como fatores estruturantes, reconhecendo que os objetivos educacionais somente são alcançados quando todos os estudantes, especialmente os mais vulneráveis e com deficiências, têm suas necessidades atendidas. Isso evidencia o entendimento de que a qualidade da educação não pode ser dissociada do seu papel na formação cidadã e no respeito aos direitos humanos.

O direito à educação não se restringe à aprendizagem

A dialética das políticas de responsabilização é contribuir para a melhoria do desempenho dos estudantes, incentivando práticas que levam a melhores resultados nas avaliações. Para isso, os sistemas de ensino estabelecem padrões e metas para incentivar escolas e professores a focarem práticas educativas consideradas mais eficazes. Também realizam a prestação de contas e aumentam a transparência, divulgando os resultados obtidos sob a justificativa de envolver pais e comunidades no acompanhamento do desempenho escolar.

No entanto, essa centralidade no desempenho dos estudantes deixa de existir no modelo de avaliação da qualidade educacional proposto, o qual reconhece que o direito à educação vai além da aquisição de competências cognitivas e envolve a garantia de um espectro mais amplo de elementos educacionais. Nessa perspectiva, incorporam-se indicadores que refletem o direito a um ambiente de aprendizagem seguro e acolhedor, o acesso a um currículo diversificado e relevante, o desenvolvimento de habilidades para a vida, a promoção da cidadania e da equidade, bem como o respeito à diversidade cultural.

Ao integrar variáveis que abordam o bem-estar dos estudantes, como o clima escolar e a saúde mental, o modelo vai além das medidas tradicionais de desempenho estudantil. Isso permite que gestores escolares e formuladores de políticas monitorem e promovam ambientes educativos que acolham bem os estudantes e os apoiem em suas jornadas educacionais.

Em relação à equidade de oportunidades educacionais, o modelo considera a distribuição de recursos entre estudantes de diferentes origens (sociais, identitárias, raciais, geográficas), possibilitando que cada um deles se torne um cidadão de direitos. Isso pressupõe assegurar que o direito à educação seja equitativo, não se limitando a qualquer tipo de barreira, sobretudo as socioeconômicas.

O modelo também reconhece a importância da educação para a cidadania, enfatizando a necessidade de avaliar como as escolas preparam os estudantes para se tornarem cidadãos informados e engajados. Isso é refletido na inclusão de variáveis que medem o engajamento cívico, a compreensão dos direitos humanos e o desenvolvimento de valores sociais.

Ao adotar uma abordagem multidimensional, o modelo interpretativo estabelecido possibilita às redes de ensino não apenas atender ao direito à aprendizagem, mas também garantir a concretização da educação em sua plenitude. Ele estabelece, desse modo, uma visão de qualidade educacional que é inclusiva, abrangente e alinhada aos objetivos mais amplos da educação, que é um direito humano fundamental.

Existe uma cadeia de relacionamentos entre as dimensões da qualidade

O modelo apresentado ilustra uma abordagem sequencial e interativa na análise da qualidade educacional, alinhando-se à lógica de contexto > insumos > processos > resultados. Nesse modelo, o eixo 6, “Equidade”, é considerado um fator de contexto que influencia diretamente o eixo 3, “Investimento”, sugerindo que as políticas e práticas voltadas para a equidade devem - ou deveriam - impactar de forma direta na alocação de recursos para a educação. Esses investimentos, em sequência, são canalizados para áreas fundamentais como “Atendimento Escolar”, “Ensino e Aprendizagem”, “Profissionais da Educação”, “Gestão” e “Cidadania, Direitos Humanos e Valores”.

O uso de modelos analíticos que estabelecem uma cadeia de relacionamentos entre variáveis já foi realizado em estudos sobre condições de trabalho docente. Pereira (2017) considerou a retenção dos professores nas escolas como variável dependente de quatro variáveis independentes (nível econômico dos alunos, policiamento, vigilância e infraestrutura das escolas), todas correlacionadas entre si. O estudo constatou que a infraestrutura escolar exerceu a maior influência na retenção dos professores. De modo semelhante, Oliveira et al. (2017) demonstraram que as condições da sala de aula e as condições da escola estavam correlacionadas entre si e ambas influenciavam a satisfação profissional dos docentes.

Viabilidade e estratégias para implementação do modelo de avaliação da qualidade educacional

A implementação do modelo de avaliação proposto é viável no Brasil, utilizando recursos já disponíveis e realizando possíveis ajustes. O país dispõe de uma quantidade significativa de dados coletados pelo Inep e outros órgãos públicos, que podem ser articulados para sustentar um arquétipo abrangente e multidimensional de qualidade educacional. A seguir, sugerimos estratégias que representam um caminho factível para efetivar esse modelo de avaliação.

O Saeb constitui o ponto de partida para a implementação desse modelo, pois possui uma Matriz de Referência para a qualidade educacional e tem como finalidade avaliar a educação brasileira. Elaborada com base na Constituição de 1988 e na legislação específica, essa Matriz define sete dimensões da qualidade educacional, também chamadas de eixos de qualidade. Cada eixo se desdobra em temas, os quais se subdividem em tópicos. Esses tópicos se referem àquilo que deve ser medido, orientando a construção de itens nos quatro questionários contextuais do Saeb, aplicados a dirigentes municipais de educação, gestores escolares, professores e estudantes, além de indicar quais dados devem ser coletados em outras bases disponíveis.

No modelo proposto, os primeiros dados a serem articulados à Matriz de Qualidade são aqueles produzidos pelo Saeb. Inserem-se, em seguida, outros dados já desenvolvidos pelo próprio Inep, como o Censo Escolar, o Censo da Educação Superior e os indicadores educacionais. A partir dessas informações, já é possível obter uma visão mais detalhada sobre os tópicos abrangidos.

A etapa seguinte envolve a identificação de dados estatísticos produzidos por outros ministérios ou órgãos públicos que estejam associados à Matriz de Qualidade. O PNE 2014-2024, por exemplo, estabelece em seu artigo 4º que as metas previstas “deverão ter como referência a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - Pnad, o censo demográfico e os censos nacionais da educação básica e superior mais atualizados”. Dessa forma, devem ser buscados dados produzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e por órgãos como o Ministério de Desenvolvimento Social (MDS) e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), incorporando aspectos socioeconômicos e demográficos relacionados à qualidade da educação.

Caso sejam identificadas lacunas na Matriz de Qualidade do Saeb, no sentido de não existirem dados estatísticos disponíveis para representar tópicos específicos, é necessário planejar estudos e pesquisas direcionados para suprir os aspectos ausentes. Esses dados podem ser coletados em levantamentos amostrais e não precisam ser atualizados anualmente. Por exemplo, podem ser avaliadas escolas menores em áreas rurais ou comunidades específicas por meio de pesquisas que considerem suas características únicas, possibilitando incluí-las na análise da qualidade educacional.

As informações coletadas precisam ser integradas em uma estrutura unificada, considerando diferentes unidades de análise, como os níveis nacionais, estaduais, municipais e escolares. A partir dessa integração, desenvolvem-se indicadores multidimensionais para representar cada uma das dimensões da Matriz de Qualidade do Saeb, sem hierarquizações entre elas e sem priorizações de dados, diferentemente do enfoque atual, que privilegia os resultados dos alunos em testes padronizados. Esses indicadores refletem a complexidade e a diversidade da educação básica, abordando múltiplos fatores do ambiente escolar e da qualidade educacional.

O produto final é um sistema de indicadores que abrange todas as dimensões da Matriz de Qualidade do Saeb, proporcionando uma visão ampla e integrada do cenário educacional brasileiro. Essas informações organizadas passam a ser disponibilizadas ao público, seja por meio de painéis de visualização de dados que facilitam o entendimento, ou pela disponibilização dos microdados para uso em pesquisas. A transparência e o fácil acesso aos dados são fundamentais para que os gestores estaduais, municipais e escolares utilizem essas informações no planejamento e na tomada de decisão. Além disso, esses dados são fundamentais para dar suporte a pesquisadores em seus estudos sobre a educação básica, contribuindo para aprofundar o conhecimento sobre aspectos ainda pouco compreendidos.

Discussão

Com base nas informações e argumentos apresentados, aprofundaremos a discussão sobre alguns tópicos, expressando o nosso entendimento sobre a avaliação da qualidade da educação básica atualmente desenvolvida no Brasil. Isso sob uma perspectiva abrangente, a qual engloba múltiplos fatores e atores envolvidos. Discutiremos, ao final, como pode ser implementado o modelo proposto em nosso país.

Iniciamos por considerar a própria definição de objetivos do Saeb, sendo um deles “avaliar a qualidade, a equidade e a eficiência da educação praticada no país em seus diversos níveis governamentais” (Inep, 2018, p. 6). Essa formulação sugere uma distinção conceitual entre qualidade, equidade e eficiência na educação, tratando-as como aspectos independentes. No entanto, é fundamental reconhecer que a qualidade é um conceito amplo e que, intrinsecamente, engloba os outros dois. Tanto é que a existência da dimensão “Equidade” na Matriz de Qualidade do Saeb reforça essa visão, evidenciando que a qualidade educacional não pode ser alcançada sem considerar a equidade.

Outro objetivo do Saeb é “subsidiar a elaboração, o monitoramento e o aprimoramento de políticas públicas baseadas em evidências” (Inep, 2018, p. 6), que ressalta a importância da produção científica em fornecer dados empíricos para embasar decisões políticas. Esse objetivo ressalta a valorização da pesquisa acadêmica, a qual possibilita explorar relações entre variáveis, testar hipóteses e fundamentar políticas públicas com base em estudos empíricos. No entanto, acreditamos ser real o risco de que as “políticas públicas baseadas em evidências” se transformem em “políticas públicas enviesadas por evidências”, não devido a métodos inadequados ou à insuficiência de resultados para confirmar a validade dos estudos, mas pela ênfase excessiva nos testes cognitivos. Essa dominância pode, inadvertidamente, restringir o espectro de evidências, pois omite aspectos como valorização profissional, equidade, inclusão, entre outros.

Apontamos também os pactos estabelecidos no PNE, que é um importante balizador das políticas públicas educacionais. Sua Meta 7 estabelece as notas médias relativas ao desempenho dos estudantes nas séries avaliadas a serem obtidas a cada dois anos. Por outro lado, a estratégia 7.3 propõe a criação de um conjunto nacional de indicadores de avaliação institucional, considerando uma gama mais ampla de fatores do contexto educativo, como o perfil do alunado e do corpo docente, infraestrutura escolar, recursos pedagógicos, gestão escolar, entre outras dimensões. Sustenta, ainda, que devem ser consideradas as especificidades das diversas modalidades de ensino. No entanto, a implementação dessa estratégia enfrenta dificuldades, principalmente devido à falta de diretrizes claras e metas concretas para esses indicadores institucionais. A ausência de uma definição precisa do que deve ser medido e dos padrões a serem alcançados, do mesmo modo como ocorre com o desempenho dos alunos, dificulta a formulação de políticas públicas que possam promover melhorias nas diversas dimensões da educação.

Especificamente sobre os resultados dos estudantes em avaliações em larga escala, temos dúvidas se eles são suficientes até mesmo para representar o eixo “Ensino e Aprendizagem”. Porque, quando se ampliam as opções, acreditamos que devem ser incluídos fatores como a conclusão da educação básica, a entrada para o ensino superior, o respeito aos direitos humanos, entre outros. Todos esses com o mesmo grau de importância que tem o desempenho estudantil.

Levando a discussão para o arquétipo de avaliação que consideramos apropriado, que é abrangente e não se resume às notas dos estudantes em testes cognitivos, citamos o caso da Finlândia. Embora esse país se apresente bem posicionado em escalas internacionais, ele não prioriza ações direcionadas para testes padronizados, competição entre escolas ou privatizações. Sahlberg (2015) sustenta que é o contrário, pois o que se vê é a combinação de elementos que propiciam um ambiente onde a educação é valorizada. Um dos fatores relevantes da educação finlandesa, segundo o autor, é a autonomia concedida aos professores, o que lhes permite utilizar o seu conhecimento e experiência em sala de aula sem as pressões relacionadas aos exames padronizados. Como consequência, o país apresenta altas taxas de retenção dentro da profissão, com muitos professores dedicando suas carreiras inteiras à educação.

Por último, sustentamos que a implementação do modelo de avaliação da qualidade educacional que propomos é viável no Brasil. Utilizando dados já disponíveis - especialmente aqueles fornecidos pelo Saeb, Inep e IBGE -, podemos construir um sistema de indicadores multidimensionais que reflete a complexidade da educação básica. Essa abordagem integrada permite uma análise abrangente da qualidade educacional, contemplando diversos fatores além dos resultados em testes padronizados.

A disponibilização dessas informações de forma acessível e transparente se torna uma ferramenta útil para gestores e pesquisadores. Isso facilita o planejamento, a tomada de decisão e a possibilidade de avaliar uma série de aspectos que caracterizam o sistema educacional. Portanto, ao fortalecer a base para uma análise multidimensional, contribui-se para uma melhoria contínua da qualidade da educação brasileira, que vai além dos testes cognitivos em larga escala.

Conclusão

O modelo de avaliação proposto neste artigo oferece uma abordagem mais abrangente para a análise da qualidade da educação básica no Brasil, indo além dos resultados dos testes cognitivos em larga escala. Ao integrar múltiplas dimensões, como atendimento escolar, ensino e aprendizagem, profissionais da educação, gestão escolar, equidade e cidadania, direitos humanos e valores, o modelo busca refletir a complexidade e a diversidade do processo educacional. Isso possibilita uma avaliação mais completa e precisa da educação desenvolvida em nosso país.

A implementação desse modelo é viável, pois aproveita dados já coletados no Saeb, além de outros estudos e fontes, como o Censo Escolar, a Pnad Contínua e informações de outros ministérios e órgãos públicos. O principal desafio reside em estruturar e utilizar esses dados de maneira coerente e integrada, fornecendo uma visão abrangente para fundamentar políticas públicas mais efetivas. Ao adotar essa abordagem multidimensional, oferece-se a possibilidade de promover melhorias no sistema educacional, assegurando que a qualidade da educação básica seja entendida e avaliada em toda a sua complexidade.

  • 1
    Trata-se da pesquisa As condições da oferta da educação básica pública em quatro estados do Nordeste do Brasil, realizada de setembro de 2021 a março de 2022 pelo Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente da Universidade Federal de Minas Gerais (Gestrado/UFMG), com 1.109 professores das redes públicas estaduais e municipais da Bahia, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte.

Agradecimentos

Este estudo foi parcialmente financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por meio da Chamada 40/2022, código do projeto 421017/2022-8, e da Chamada 22/2016, código do projeto 440077/2017-6.

Disponibilidade de dados

Os dados subjacentes ao texto da pesquisa estão informados no artigo.

  • Como citar este artigo
    Oliveira, D. A., Pereira, E. A., Junior, & Horta, J. L., Neto. (2025). Qualidade da educação básica: Para além dos testes cognitivos em larga escala. Cadernos de Pesquisa, 55, Artigo e11295. https://doi.org/10.1590/1980531411295

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Maio 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    03 Jul 2024
  • Aceito
    03 Dez 2024
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