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BULLYING ENTRE MENINAS: TRAMAS RELACIONAIS DA CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES DE GÊNERO

BULLYING AMONG GIRLS: RELATIONAL FRAMES OF THE CONSTRUCTION OF GENDER IDENTITIES

BULLYING CHEZ LES FILLES: COMPLOTS RELATIONNELS DE LA CONSTRUCTION DES IDENTITÉS DE GENRE

ACOSO ESCOLAR ENTRE CHICAS: TRAMAS RELACIONALES DE LA CONSTRUCCIÓN DE IDENTIDADES DE GÉNERO

Resumo

Este estudo etnográfico realizado em duas escolas públicas de ensino fundamental II, de São Paulo e Salvador, analisa como meninas adolescentes negociam identidades de gênero nas tramas relacionais do bullying. Conformando um processo de controle social, o bullying assenta-se em jogos de diferenças que conduzem à apreensão de normas de gênero. A discussão do bullying como violência de gênero mostra como meninas manipulam categorizações e atributos femininos tradicionais para promover distinções sociais e desigualdades de poder entre elas. As disputas por poder e status subsidiam o ordenamento social do grupo, por meio da regulação da sexualidade e de comportamentos estereotipados de delicadeza e cuidado feminino, mas também possibilitam a reivindicação de valores e práticas igualitários.

BULLYING; GÊNERO; SOCIALIZAÇÃO; ADOLESCÊNCIA

Abstract

Conducted in two lower secondary schools (for children aged approximately 11 to 14 years) in São Paulo and Salvador cities, this ethnographic study analyzes how adolescent girls negotiate gender identities in the relational frames of bullying. As a process of social control, bullying is based on difference games that lead to the learning of gender norms. Discussing bullying as gender violence shows how girls manipulate traditional female categorizations and attributes to promote social distinctions and power inequality between them. Power and status disputes not only contribute to the social ordering of the group by regulating sexuality and stereotyped behaviors of feminine delicacy and care, but also make it possible to claim egalitarian values and practices.

BULLYING; GENDER; SOCIALIZATION; ADOLESCENCE

Résumé

Cette étude ethnographique réalisée dans deux collèges publiques, à São Paulo et à Salvador, analyse comment les adolescentes négocient les identités de genre dans les complots relationnels de l’intimidation. A la façon d’un processus de contrôle social, l’intimidation est basée sur des jeux de différences qui conduisent à l’absorption des normes de genre. La discussion sur le bullying en tant que violence de genre montre comment les filles manipulent les catégorisations et les attributs féminins traditionnels pour promouvoir des distinctions sociales et des inégalités de pouvoir entre elles. Les conflits de pouvoir et de statut soutiennent l’ordre social du groupe par moyen de la régulation de la sexualité et les comportements stéréotypés de la délicatesse et des soins féminins, mais permettent aussi revendiquer des valeurs et des pratiques égalitaires.

L’INTIMIDATION; RELATIONS DE GENRE; SOCIALISATION; ADOLESCENCE

Resumen

Este estudio etnográfico realizado en dos escuelas públicas de educación secundaria, en São Paulo y Salvador analiza cómo las adolescentes negocian identidades de género en las tramas relacionales del acoso escolar. Conformando un proceso de control social, el bullying se basa en juegos de diferencias que conducen a la aprehensión de normas de género. La discusión del acoso escolar como violencia de género muestra cómo las chicas manipulan categorizaciones y atributos femeninos tradicionales para promover distinciones sociales y desigualdades de poder entre ellas. Las disputas por poder y status subsidian el ordenamiento social del grupo, por medio de la regulación de la sexualidad y de comportamientos estereotipados de delicadeza y cuidado femenino, pero también posibilitan la reivindicación de valores y prácticas igualitarios.

INTIMIDACIÓN; RELACIONES DE GÉNERO; SOCIALIZACIÓN; ADOLESCENCIA

Nas duas últimas décadas, tem havido um interesse crescente em explorar e compreender as maneiras pelas quais meninas se envolvem em atos violentos. Reportagens alarmantes em jornais, livrosbest-sellers,1 1 Foram destacados nesse período os seguintes livros: Odd girl out: the hidden culture of aggression in girls, de Rachel Simmons (2002/2011); Queen bees and wannabes: helping your daughter survive cliques, gossip, boyfriends, and other realities of adolescence, de Rosalind Wiseman (2002); Fast girls: teenage tribes and the myth of the slut, de Emily White (2002); e The secret lives of girls: what good girls really do: sex play, aggression, and their guilt, de Sharon Lamb (2002). filmes2 2 Em 2004 foi lançado o filme estadunidense Mean girls (traduzido no Brasil como Garotas malvadas), considerado como marco na popularização da temática, juntamente com Thirteen (Aos treze), de 2003. O primeiro filme é baseado na obra supracitada de Rosalind Wiseman e o segundo, em fatos reais da vida de Nikki Reed. e documentários têm atentado para essa aparente escalada de agressividade. Histórias de manipulação, violência, colapso emocional, gangues e bullycide constituem um terreno de representação complexo e contraditório, espaço de um novo pânico moral que gira em torno da demarcação dos limites e possibilidades do que significa ser menina. Essa discussão acerca das “meninas más” é importante por consolidar um rótulo marcante, que situa uma preocupação contemporânea com a erosão da normativa heterossexual e dos papéis tradicionais de gênero.

Desde as primeiras investigações conduzidas por Dan Olweus na década de 1970, o bullyingvinha sendo focalizado nas relações entre garotos, pois considerava-se que esse tipo de violência ocorria com muito mais frequência nesse grupo. Em parte, isso foi consequência das primeiras conceituações serem restritas às agressões físicas, mais comumente praticadas por rapazes. No final da década seguinte, alguns estudos ampliaram a definição de bullyingpara incluir formas indiretas, descritas como relacionais, sociais ou dissimuladas, verificando que as meninas se envolviam mais em tal modalidade de intimidação do que os meninos (MELLO et al., 2017MELLO, Flávia C. et al. A prática de bullying entre escolares brasileiros e fatores associados, Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2015. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 9, p. 2939-2948, set. 2017.; MIRANDA; MAIA, 2017MIRANDA, Ana Paula; MAIA, Bóris. Olhares, xingamentos e agressões físicas: a presença e a (in)visibilidade de conflitos referentes às relações de gênero em escolas públicas do Rio de Janeiro. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 23, n. 49, p. 177-202, set./dez. 2017.).

De modo geral, obullyingentre garotas permanece sendo pouco investigado, com estudos centrando-se em evidenciar diferenças de modus operandi entre os gêneros. Assim, os meninos tenderiam a se envolver mais em situações debullyingdireto - mediante agressões físicas e/ou verbais -, enquanto as meninas costumam lançar mão de práticas indiretas (SIMMONS, 2002/2011SIMMONS, Rachel. Odd girl out: the hidden culture of aggression in girls. 2nd ed. New York: Harcourt, 2011. 1ª edição publicada em 2002.; MELLO et al., 2017MELLO, Flávia C. et al. A prática de bullying entre escolares brasileiros e fatores associados, Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2015. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 9, p. 2939-2948, set. 2017.). Essa natureza particular é realçada pela adoção do termo agressão relacional,3 3 Pondera-se que seria mais produtivo, ao fomento de um debate mais aprofundado acerca do fenômeno em sua natureza e papel social, manter o uso dos termos bullying ou bullying relacional. Afinal, o tipo relacional é uma das classificações do bullying, que inclui ainda o físico, o verbal e o cyberbullying. Ademais, acreditamos que a consolidação de uma área de estudos também passa pela adoção de uma terminologia comum. que é definida como uma manipulação social feita com a intenção de prejudicar relacionamentos ou sentimentos de aceitação, amizade ou inclusão no grupo de pares (SIMMONS, 2002/2011SIMMONS, Rachel. Odd girl out: the hidden culture of aggression in girls. 2nd ed. New York: Harcourt, 2011. 1ª edição publicada em 2002.). A agressão relacional compreende práticas de estigmatização (fofocas, maledicências, xingamentos) e de exclusão que, fundamentadas no dano à reputação, colocam-se como estratégia para manipular, difamar e/ou dominar outra pessoa.

O relevo da reputação nas relações entre pares manifesta-se nos benefícios sociais que torna tangíveis: status social, popularidade e possibilidades românticas (CURRIE; KELLY; POMERANTZ, 2007CURRIE, Dawn; KELLY, Deidre; POMERANTZ, Shauna. The power to squash people: understanding girls’ relational aggression. British Journal of Sociology of Education, v. 28, n. 1, p. 23-37, 2007.). Várias das agressões entre estudantes colocam em voga a forma dos envolvidos de desempenhar sua feminilidade ou masculinidade (RINGROSE; RENOLD, 2010RINGROSE, Jessica; RENOLD, Emma. Normative cruelties and gender deviants: the performative effects of bully discourses for girls and boys in school. British Educational Research Journal, v. 36, n. 4, p. 573-596, 2010.; MILLER, 2016MILLER, Sara. How you bully a girl: sexual drama and the negotiation of gendered sexuality in high school. Gender & Society, v. 30, n. 5, p. 721-744, 2016.; MIRANDA; MAIA, 2017MIRANDA, Ana Paula; MAIA, Bóris. Olhares, xingamentos e agressões físicas: a presença e a (in)visibilidade de conflitos referentes às relações de gênero em escolas públicas do Rio de Janeiro. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 23, n. 49, p. 177-202, set./dez. 2017.). Essas disputas integram o processo de construção de identidades, contribuindo para conformar diferenciações entre sujeitos e grupos, ao fixar classificações, ordenamentos e hierarquias sociais (LOURO, 2000LOURO, Guacira. Corpo, escola e identidade. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 25, n. 2, p. 59-75, jul./dez. 2000.). O aprendizado de gênero constitui-se nessa familiarização com práticas, valores, papéis e formas de interação presentes na cultura sexual local.

Compreender o como e o porquê desse tipo de violência torna-se premente com a sua institucionalização como problema social a partir da Lei n. 13.663/2018, conhecida como “lei do bullying” (BRASIL, 2018BRASIL. Lei n. 13.663, de 14 de maio de 2018. Inclui a promoção de medidas de conscientização, de prevenção e de combate à violência sistemática e a promoção da cultura de paz entre as incumbências dos estabelecimentos de ensino. Brasília, DF, 2018. ). Essa regulamentação inclui, entre as atribuições das escolas, medidas de conscientização, prevenção e combate às práticas de “intimidação sistemática”, a capacitação de docentes e equipes pedagógicas para implantação de intervenções (preventivas e resolutivas) e campanhas educativas de conscientização voltadas para pais e responsáveis de vítimas e agressores.

Entendemos que seja necessário aprofundar a discussão acerca do caráter normativo do bullying, marcando-o como aspecto da cultura de pares. Enquanto prática de socialização, o bullying assenta-se em um jogo de diferenças e oposições mobilizado para a organização de poder e hierarquias sociais entre jovens que, de tal modo, promove a inculcação de códigos de comportamento, valores e relacionamento socialmente convencionados de gênero. Apesar das intersecções entre gênero e sexualidade nas experiências de meninas com bullying permanecerem pouco exploradas, diversos estudos sobre bullying homofóbico e misógino têm apontado como essa modalidade de violência atua na reivindicação e conformação da sexualidade dentro dos limites das normas tradicionais de gênero (RENOLD, 2005RENOLD, Emma. Girls, boys and junior sexualities: exploring children’s gender and sexual relations in the primary school. London: Routledge Falmer, 2005.; SANTOS; SILVA; MENEZES, 2017SANTOS, Hugo; SILVA, Sofia; MENEZES, Isabel. Para uma visão complexa do bullying homofóbico: desocultando o quotidiano da homofobia nas escolas. Ex aequo, Lisboa, n. 36, p. 117-132, dez. 2017.). Essa literatura tem aportado à compreensão do bullying tanto como uma prática de gênero, ao constituir-se uma importante ferramenta de negociação de papéis e status nos grupos de pares (DUNCAN, 2004DUNCAN, Neil. It’s important to be nice, but it’s nicer to be important: girls, popularity and sexual competition. Sex Education, v. 4, n. 2, p. 137-148, 2004.; GOODWIN, 2006GOODWIN, Marjorie. The hidden life of girls: games of stance, status and exclusion. Malden: Blackwell, 2006.; ARMSTRONG et al., 2014ARMSTRONG, Elizabeth A. et al. Good girls: gender, social class, and slut discourse on campus. Social Psychology Quarterly, v. 77, n. 2, p. 100-122, 2014.), quanto como um processo de gênero, contribuindo na produção e regulação de significados sobre normas e expectativas de gênero (RINGROSE, 2008RINGROSE, Jessica. Just be friends: exposing the limits of educational bully discourses for understanding teen girls’ heterosexualized friendships and conflicts. British Journal of Sociology of Education, v. 29, n. 5, p. 509-522, 2008.; PEREIRA, 2012PEREIRA, Maria do Mar. Fazendo género no recreio: a negociação do género em espaço escolar. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais, 2012.), informando aos adolescentes como o gênero deve - e não deve - ser desempenhado.

Por essa razão, consideramos oportuna a concepção de Segato (2003SEGATO, Rita Laura. Las estructuras elementales de la violência: ensayos sobre género entre la antropología, el psicoanálisis y los derechos humanos. Bernal: Universidad Nacional de Quilmes, 2003.) de que o ato violento é um “mandato”. Em sua perspectiva, a violência seria uma condição necessária para a reprodução do gênero como estrutura de relações entre diferentes posições marcadas na hierarquia social, e instância paradigmática das diversas ordens destatus. A autora assinala que a violência é uma cobrança rigorosa, forçada e naturalizada de um tributo sexual, na reprodução da economia simbólica de poder da própria estrutura de gênero. Dessa forma, a violência atua nos ciclos regulares de restauração desse poder. Isso porque as regulações de gênero - que organizam a produção normatizada do masculino e do feminino - instituem constrangimentos, mas não conduzem a uma estabilidade definitiva. O poder não é uma posse, precisa ser conquistado e mantido nas interações sociais.

Tendo como base a ideia de que a violência se fundamenta na atribuição de valor desigual entre as pessoas (SEGATO, 2003SEGATO, Rita Laura. Las estructuras elementales de la violência: ensayos sobre género entre la antropología, el psicoanálisis y los derechos humanos. Bernal: Universidad Nacional de Quilmes, 2003.), tomamos a prática de bullying como um recurso que oportuniza o acesso a um poder socialmente legitimado. Sob esse enfoque, concebe-se o bullying como uma expressão da violência de gênero situada em cenas rotineiras de assimetrias e desigualdades de poder entre mulheres e homens, estabelecidas nas relações entre pares. Focalizando a negociação de feminilidades entre meninas, o objetivo deste artigo é analisar como elas reforçam e/ou contestam diferenças assentes nas categorias menina e menino através das tramas relacionais do bullying. Nessa direção, interpretamos a diferenciação de gênero - lastro da produção de identidades - como resultante de variados processos cotidianos de (re)afirmação e reconhecimento de diferenças (e semelhanças) entre mulheres e homens, nos conflitos situados nas relações de amizade, rivalidade, poder e desigualdade entre as adolescentes.

METODOLOGIA

Este estudo etnográfico foi realizado nos anos de 2014 e 2015, com meninas entre 11 e 15 anos, em duas escolas públicas brasileiras do segundo ciclo do ensino fundamental (6º a 9° anos), sendo uma localizada na cidade de São Paulo e a outra em Salvador, na Bahia.

No primeiro período letivo, o trabalho de campo foi empreendido na escola localizada na região noroeste de São Paulo, que oferece ensino fundamental II no turno vespertino, onde havia um total de 285 discentes, sendo 149 meninas. Cenário da pesquisa na segunda etapa letiva, a escola de Salvador está situada em um bairro da orla marítima, próximo à zona central da cidade. Na época da investigação, a instituição atendia um total de 422 discentes no turno matutino, com 238 meninas, e no turno vespertino 289 estudantes, sendo 154 garotas.

A observação participante teve a frequência regular de três dias por semana, estendidos quando houve acompanhamento de algum conflito entre garotas. A imersão mais abrangente em campo ensejou que a produção de dados ocorresse sobretudo no presenciar de diálogos e em conversas com os sujeitos (discentes e agentes institucionais) nas salas de aula, pátio, corredores e áreas adjacentes às escolas. Atenta aos comportamentos dos estudantes, essa abordagem incidiu sobre a natureza de suas interações cotidianas, fornecendo um quadro de referência para se compreender a adequação das adolescentes ao contexto social. Foram realizadas entrevistas etnográficas, individuais e em grupo, e a observação de um contingente mais próximo possível do universo total de garotas nos dois campos, a fim de obter uma visão ampla dos diversos discursos e práticas culturais em relação ao fenômeno observado e percepções acerca do contexto escolar.

No transcorrer da pesquisa, foram feitas 16 entrevistas em profundidade para melhor compreender situações ocorridas ou concepções de interesse apresentadas por algumas das garotas. Para contemplar uma visão relacional das questões de gênero, também foram entrevistados alguns garotos, em grupo e individualmente. Encerradas as visitas em cada campo, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os dois diretores, dois professores de São Paulo e três de Salvador. O acervo de anotações de campo e transcrições das entrevistas compõe-se de variados tópicos sobre a vivência da adolescência feminina e conflitos entre meninas.

Apesar do planejamento inicial, o estudo termina por não apresentar uma análise interseccionada com as categorias raça/cor e homo/heterossexualidade em função destas não fundamentarem as práticas de bullying dos grupos de garotas estudados. Apenas garotos utilizavam-se de insultos e apelidos discriminatórios sobre orientação sexual, raça/cor e características físicas para intimidar colegas. As meninas distinguiam-se umas das outras por meio de julgamentos avaliativos das performances heterossexuais. Assim sendo, adotou-se como mote da discussão e recorte metodológico o quadro de referências contextuais à constituição da identidade de gênero e da sexualidade entre meninas heterossexuais.

Para o tratamento dos dados, inicialmente foram construídas categorias de análise para descrever os aspectos culturais e os objetivos das práticas de bullying (MINAYO, 2014MINAYO, Maria Cecília. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Abrasco, 2014.). Essas categorias reportavam-se a: posições de sujeito e categorizações de menina; modos de sociabilidade; modos de organização e hierarquias sociais; relações inter e intragêneros; meios e escopos de poder; definições de bullying e significados da violência. As categorias estavam organizadas em subcategorias que definiam seus conceitos e elementos característicos.

No intuito de compreender as articulações entre o bullying e a produção de feminilidades a partir das percepções e experiências das adolescentes, optou-se por um procedimento de análise de discurso. Foi adotada a perspectiva teórica proposta por Fiorin (2005FIORIN, José Luiz. Elementos de análise do discurso. 13. ed. São Paulo: Contexto, 2005.), que concebe o discurso como uma rede de relações na qual a pessoa está inserida. Por meio do e no discurso, pode-se apreender as dimensões sociais, culturais e simbólicas que nele se expressam e que explicam a forma como os membros de sua comunidade discursiva se relacionam, comportam-se e agem.

Convém realçar que os nomes das participantes e das instituições de ensino citados neste artigo são fictícios para assegurar seu anonimato, de acordo com as normas de ética em pesquisa envolvendo seres humanos. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP), sob o protocolo de n. 22343413.3.0000.5421.

CONFLITOS ENTRE AMIGAS: INTROJETANDO VALORES E NORMAS DE GÊNERO

As principais questões produtoras de conflitos entre meninas são a concorrência, a regulação do grupo e a proteção da amizade. Assim, como já apontado por Goodwin (2006GOODWIN, Marjorie. The hidden life of girls: games of stance, status and exclusion. Malden: Blackwell, 2006.) e Ringrose (2008RINGROSE, Jessica. Just be friends: exposing the limits of educational bully discourses for understanding teen girls’ heterosexualized friendships and conflicts. British Journal of Sociology of Education, v. 29, n. 5, p. 509-522, 2008.), diversos confrontos originavam-se na atuação vigorosa dos grupos no alinhamento das condutas de amigas. A atenção à observância dos códigos de lealdade e reciprocidade mostrou-se fundamental na proteção dos laços de amizade (HEY, 1997HEY, Valerie. The company she keeps: an ethnography of girls’ friendship. Buckingham: Open University press, 1997.; BESAG, 2007BESAG, Valerie. Understanding girls’ friendships, fights and feuds: a practical approach to girls’ bullying. Maidenhead: Open University Press, 2007.). Esse tipo de conflito corriqueiramente se referia ao enfraquecimento da relação de amizade de uma díade pela aproximação de uma terceira pessoa. Ameaças de agressão física, apelidos, empurrões e cotoveladas nos corredores expressavam cobranças e punições a essas incorreções de amigas íntimas. Tais agressões sistemáticas, comumente definidas como “ciúme feminino”, conformam uma demanda por comprometimento e zelo em seus relacionamentos.

A prevalência de discursos e estereótipos dominantes do cuidado e da dedicação feminina ajuda a fixar regras de conduta relativas ao comportamento aceitável e esperado para meninas (DUNCAN, 2004DUNCAN, Neil. It’s important to be nice, but it’s nicer to be important: girls, popularity and sexual competition. Sex Education, v. 4, n. 2, p. 137-148, 2004.; BESAG, 2007BESAG, Valerie. Understanding girls’ friendships, fights and feuds: a practical approach to girls’ bullying. Maidenhead: Open University Press, 2007.; MILLER, 2016MILLER, Sara. How you bully a girl: sexual drama and the negotiation of gendered sexuality in high school. Gender & Society, v. 30, n. 5, p. 721-744, 2016.). Quando atentamos que a exclusão de um membro marca a decisão do grupo em relação a quem tem condições de a ele pertencer e quem não tem, entende-se que a importância da norma reside não apenas no seu valor substantivo intrínseco; mais do que seguir ou transgredir, a norma anuncia o status moral da pessoa (GOFFMAN, 2008GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. 15. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.).

O temor do envolvimento em fofocas prejudiciais à reputação e o isolamento decorrente colocam a negociação de atitudes e práticas como um imperativo nas relações de amizade (BESAG, 2007BESAG, Valerie. Understanding girls’ friendships, fights and feuds: a practical approach to girls’ bullying. Maidenhead: Open University Press, 2007.; DORAN, 2015DORAN, Miriam. An ethnography in an Irish girls secondary school: exploring how hegemony and power mediate agency and structure. Newcastle upon Tyne: Cambridge Scholars Publishing, 2015.). É nessa perspectiva que a partilha de experiências e segredos - majoritariamente sobre interesses românticos - aumenta o potencial de conflitos. Como exemplo apresento o caso de Daniela (6º ano, 12 anos), posicionada como uma bully contumaz da escola de São Paulo. Foi emblemático o ritual público de punição a que ela foi submetida quando se envolveu em uma disputa entre algumas garotas que aspiravam ao status (efêmero) de ser “a primeira a ficar” com o estudante recém-chegado, Matias.

Em conformidade com o modus operandi de Daniela, Matias havia recebido um bilhete anônimo, dando conta que sua amiga Carolina (6º ano, 11 anos) estava apaixonada por ele. Ante o entendimento consensual de que ela foi a autora do bilhete, algumas das garotas que estavam interessadas em Matias agrediram-na física e verbalmente no recreio durante algumas semanas. Essa intimidação teve como desfecho a ofensiva de uma roda composta por doze meninas, que se pôs a dar-lhe tapas, murros e xingá-la em uma área adjacente à escola. Mais do que machucá-la, essa reprimenda assumia um ritual de correção: as meninas falavam o quanto Daniela era insuportável, que não gostavam dela e do seu merecimento daquela “lição”.

Esses rituais de bullying refletem um processo político que ordena as relações entre pares na escola. Em um nível interacional de análise, os rituais funcionam como atos performativos de indexação das várias representações culturais situadas de “menina” (ou “menino”). Constituem uma forma de caracterização e posicionamento não apenas da garota alvo, mas de todo o grupo. Em um nível mais amplo de análise socioestrutural, o desempenho repetido desses atos, em concordância com sua circulação mais ampla na cultura popular, ajuda a criar e reificar categorias sociais para além do grupo de pares.

Ressalta-se o fato de todos (dos estudantes à direção da escola) terem certeza de que foi Daniela quem escreveu o bilhete, pois isso representa a sua institucionalização como praticante de bullying, com uma forma própria de agir, que prosseguia mesmo com o conhecimento geral. Ela costumeiramente causava problemas, atritos entre suas amigas, mas sempre conseguia encaixar-se em algum grupo de amizade, não sendo socialmente excluída de fato. Em verdade, suas ações de bullying eram interpretadas como eventos efêmeros e constituintes da engrenagem de convívio local.

Fofocas e exclusão social eram consensualmente aceitas e naturalizadas pelos agentes institucionais, de ambas as escolas, como “coisa de menina”, parte das relações (voláteis) de amizade por elas estabelecidas. Esses conflitos eram apenas monitorados a distância com o intuito de preservar um ambiente sem violência. Entretanto, ao longo de todo o período de observação, as situações de conflito majoritariamente produziram-se entre meninas. Isso se deve ao fato de a violência sutil ser considerada de consequências irrelevantes - muitas vezes sequer percebida como tal -, porque intangíveis, já que os danos provocados são morais e/ou psicológicos (CAMACHO, 2001CAMACHO, Luiza. As sutilezas das faces da violência nas práticas escolares de adolescentes. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 27, n. 1, p. 123-140, jan./jun. 2001.; MIRANDA; MAIA, 2017MIRANDA, Ana Paula; MAIA, Bóris. Olhares, xingamentos e agressões físicas: a presença e a (in)visibilidade de conflitos referentes às relações de gênero em escolas públicas do Rio de Janeiro. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 23, n. 49, p. 177-202, set./dez. 2017.).

Essas situações de violência precisam ser problematizadas não só em seus significados, mas também nas nuances e ambiguidades de seus empregos sociais. Seguindo com a Daniela, destacamos o importante papel instrumental que ela cumpria como intermediária (mensageira) de amigas em circunstâncias em que as meninas “não tinham coragem para falar pessoal” ou abertamente com outros. A maioria dos segredos que Daniela revelava por meio de bilhetes ou escritos nas mesas dos estudantes versava sobre interesses afetivos ou xingamentos de desafetos, rivais ou ex-amigas. Como algumas das meninas relataram, expor o desejo afetivo é sempre um momento delicado e gera insegurança ante uma possível negativa do garoto. Por outro lado, a disseminação de xingamentos e maledicências de rivais serve à intenção de mascaramento de confrontos. Sobre essa questão, convergimos com Sheldon (1996SHELDON, Amy. You can be the baby brother, but you aren’t born yet: preschool girls’ negotiation of power and access in pretend play. Research on Language and Social Interaction, v. 29, n. 1, p. 57-80, 1996., p. 61), quando menciona a estratégia da “dupla voz”, um estilo que permite “confrontar sem ser muito confrontativa, para esclarecer, sem precisar recuar; e usar mitigadores indiretos e até mesmo subterfúgios para suavizar o golpe”. Em perspectiva que consideramos complementar, Ringrose e Renold (2010RINGROSE, Jessica; RENOLD, Emma. Normative cruelties and gender deviants: the performative effects of bully discourses for girls and boys in school. British Educational Research Journal, v. 36, n. 4, p. 573-596, 2010.) questionam a “naturalidade” das agressões indiretas, advertindo que as normas de gênero e as expectativas sociais de gentileza feminina sustentam a dissimulação de confrontos pelas meninas, uma vez que expressões de violência física ou confrontos públicos ostensivos são culturalmente reprovados para garotas.

Disso podemos depreender o alcance das normas como scripts na construção de identidades, amizades e a própria cultura de pares. Os conflitos proporcionam aos membros do grupo tomar uma posição própria em relação às normas. Assim, a diferenciação entre as meninas era pontuada, performativamente, nas posturas morais que situam quem são e aquilo em que acreditam - um movimento primordial para a apreensão e produção de uma identidade generificada.

“COISA DE MENINA”? A FOFOCA NO PROCESSO COTIDIANO DE REGULAÇÃO SEXUAL

Estabelecida no empenho pela popularidade, a disputa sexualizada constitui um elemento importante da cultura entre pares, e da socialização de gênero, já que está associada ao êxito na apresentação de características de feminilidade (e masculinidade) normativa; refere-se, portanto, ao reconhecimento social de modos de ser menina (e menino). Assim sendo, essas disputas por poder apoiam-se em austeros sistemas de vigilância e controle social. Como vários autores têm mostrado, essa prática de monitoramento faz circular discursos reguladores em torno da sexualidade, aparência e comportamento de meninas a partir dos quais são delimitados critérios de inclusão e exclusão sociais (HEY, 1997HEY, Valerie. The company she keeps: an ethnography of girls’ friendship. Buckingham: Open University press, 1997.; DUNCAN, 2004DUNCAN, Neil. It’s important to be nice, but it’s nicer to be important: girls, popularity and sexual competition. Sex Education, v. 4, n. 2, p. 137-148, 2004.; KEHILY, 2004KEHILY, Mary Jane. Sexuality, gender and schooling: shifting agendas in social learning. London: Routledge, 2004.; SALES; PARAÍSO, 2013SALES, Shirlei; PARAÍSO, Marlucy. O jovem macho e a jovem difícil: governo da sexualidade no currículo. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 38, n. 2, p. 603-625, abr./jun. 2013.).

Comumente definida como uma conversa avaliativa sobre pessoas que não estão presentes, a fofoca destaca-se na micropolítica do cotidiano por fornecer um mapa do ambiente social (FINE, 1985FINE, Gary A. Rumors and gossiping. In: VAN DIJK, T. (org.). Handbook of discourse analysis. London: Academic Press, 1985. p. 223-237.). É também uma forma de gestão de impressão (GOFFMAN, 2008GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. 15. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.), por meio da qual as imagens de pessoas e grupos são construídas (FONSECA, 2004FONSECA, Claudia. Família, fofoca e honra: etnografia das relações de gênero e violência em grupos populares. 2. ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004.). Exemplifica-se tal ideia com um caso que envolveu uma novata na escola de Salvador, Isadora (12 anos). Recém-chegados geralmente despertam a curiosidade de colegas de turma sobre quem são e qual papel desempenharão naquele espaço, o que gera rigoroso escrutínio. Isadora desagradou um grupo de amigas de sua turma por dedicar um trato afetuoso a Emerson, um estudante do nono ano:

Acho que foi terceiro, quarto dia de aula... foi muito rápido... uma amiga lá da rua chegou e falou “Eu tô sabendo que Martina tá te chamando de puta”. Só porque eu ficava abraçada com Emerson, só que ele não era meu namorado, era meu amigo que conhecia antes de entrar aqui. [...] Eu perguntei a ela [Martina], ela fez aquela cara que não gostou, disse que eu ficava num pega-pega com ele... Não pode nada pra essas meninas daqui...

Ainda que aparentemente banal, o sucedido com Isadora traz alguns pontos notáveis de análise. Em primeira instância, o caráter ordinário da fofoca difamatória nas relações de dominação entre pares (EDER; EVANS; PARKER, 2003EDER, Donna; EVANS, Catherine; PARKER, Stephen. School talk: gender and adolescent culture. New Brunswick: Rutgers University Press, 2003.; CHAMBERS; TINCKNELL; VAN LOON, 2004CHAMBERS, Deborah; TINCKNELL, Estella; VAN LOON, Joost. Peer regulation of teenage sexual identities. Gender & Education, v. 16, n. 3, p. 387-415, 2004.). Compartilhar histórias de “putas” ofereceria a garotas e garotos a oportunidade de reivindicar a própria identidade de gênero, respectivamente, como “meninas direitas” e “homens”. Afirma Butler que a “nomeação é, ao mesmo tempo, o estabelecimento de uma fronteira e também a inculcação repetida de uma norma” (2003, p. 161). Como resultado, temos o acirramento da tensão constitutiva da feminilidade a partir da dicotomia das figuras da pura-impura, uma configuração que nos possibilita perceber a normalização do sexismo e da violência como forma de moralização da sexualidade feminina entre pares.

Piscitelli (2005PISCITELLI, Adriana. Apresentação: gênero no mercado do sexo. Cadernos Pagu, Campinas, n. 25, p. 7-23, jul./dez. 2005.), Gregori (2008GREGORI, Maria Filomena. Limites da sexualidade: violência, gênero e erotismo. Revista de Antropologia da USP, São Paulo, v. 51, n. 2, p. 575-606, 2008.) e Bragg et al. (2018BRAGG, Sara et al. “More than boy, girl, male, female”: exploring young people’s views on gender diversity within and beyond school contexts. Sex Education, v. 18, n. 4, p. 420-434, 2018.) são algumas das autoras que têm deslocado a discussão teórica da violência de gênero e da sexualidade feminina da temática da vitimização das mulheres. A ordem sexista passa a ser considerada em um terreno de disputas, espaço de resistência e subversão cultural. Consoante a essa perspectiva, abordamos neste estudo as reivindicações de status e poder no âmbito do processo de construção da identidade de gênero. A agência das meninas faz-se nas dinâmicas de manipulação de normas, categorizações e roteiros culturais de gênero nos contextos de vida cotidiana (BUTLER, 2003BUTLER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do sexo. In: LOURO, G. (org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. p. 151-172.). Muitas vezes, o investimento na respeitabilidade - para além da idealização cultural - está ligado a formas complexas de ganho material (BHANA, 2016BHANA, Deevia. Virginity and virtue: African masculinities and femininities in the making of teenage sexual cultures. Sexualities, v. 19, n. 4, p. 465-481, 2016.). Embora se possa argumentar que essas adolescentes reforçam o padrão sexual baseado na passividade feminina, suas narrativas e vivências apontam para a importância de ter acesso ao poder e reivindicar uma feminilidade aceita/desejável.

A natureza ritualística dos boatos sexuais manifesta-se na forma análoga da descrição das condutas desviantes. A nomeação “puta” era justificada por caracterizações que convergiam em frases ou expressões padronizadas, e um tanto quiméricas, constantemente repetidas: “Yolanda já pegou esse colégio todo”; “Lívia tem um jeito muito pra frente, fala de sexo, de homem, de um jeito vulgar”; “Sofia ficou com 28 meninos daqui, só no ano passado”; “Mafalda já pegou quase todos os meninos da sexta série”. Além de gerar divertimento e cumplicidade entre amigas, fortalecendo laços de camaradagem, o ato de condenação moral parecia afastar a possibilidade de que a denunciante incorresse em desvio, provendo-lhe um modo de distinguir-se e tornar-se reconhecível. O significado e a intencionalidade da difamação são redimensionados em seu uso para gerir ou manipular reputações (FONSECA, 2004FONSECA, Claudia. Família, fofoca e honra: etnografia das relações de gênero e violência em grupos populares. 2. ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004.; CARNEIRO, 2012CARNEIRO, Deivy. Mulheres honestas e que a todos tratam bem: relações de gênero e violência verbal em Juiz de Fora (Minas Gerais). Ler História, n. 62, p. 87-99, 2012.). Como muitas garotas indicaram, as fofocas eram motivadas por “querer ser melhor do que as outras”.

Notadamente, as conversações avaliativas não tinham relação com comportamentos reais. O conteúdo das práticas de bullying centrava-se não no que as garotas faziam, mas na representação e no significado social de ocupar uma posição abjeta. Esse caráter genérico, intercambiável ​e mesmo apócrifo da rotulação resume a ideia de uma “puta mítica”, enquanto uma categoria usada para delimitar o aceitável. Isso sugere que o estigma da puta é mais sobre a regulação do desempenho público do gênero do que a regulamentação das práticas sexuais privadas. Em suma, esse modelo discursivo não requer a existência de vadias “reais”: qualquer garota pode preencher provisoriamente a posição.

O entendimento de estarem submetidas à regulação sexual pelas colegas é sintetizada pela constância com que as adolescentes mencionavam a permanente ameaça de “difamação”. Tal como assevera Das (2007DAS, Veena. Life and words: violence and the descent into the ordinary. Berkeley: University of California Press, 2007), os rumores apresentam-se cotidianamente como um tipo de violência que exerce uma tensão ocasionada pelo constrangimento à conformidade das pessoas aos comportamentos sancionados pelo grupo social. De fato, algumas das meninas já haviam padecido ao rótulo e, no intento de distanciar-se dos efeitos temerários da desaprovação social, punham-se a reproduzir discursos da passividade feminina, evitando posicionarem-se como sujeitos desejantes (TOLMAN, 2005TOLMAN, Deborah. Dilemmas of desire: teenage girls talk about sexuality. Cambridge: Harvard University Press, 2005. ; SCHALET, 2009SCHALET, Amy. Subjectivity, intimacy, and the empowerment paradigm of adolescent sexuality: the unexplored room. Feminist Studies, v. 35, n. 1, p. 133-160, 2009.).

Paradoxalmente, “ficar” constitui uma forma de sociabilidade essencial na estruturação e dinamização das relações cotidianas de lazer, divertimento e amizades entre garotas e garotos. Apesar de tido como corriqueiro e normal, esse código de relacionamento deve ser constantemente negociado pelas meninas em um jogo de dissimulação de suas condutas sexuais, sob o risco de perda de status social. Esse cenário restritivo é descrito por Sales e Paraíso (2013SALES, Shirlei; PARAÍSO, Marlucy. O jovem macho e a jovem difícil: governo da sexualidade no currículo. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 38, n. 2, p. 603-625, abr./jun. 2013.) quando definem a “jovem difícil” como aquela que mantém constantemente o controle sobre sua sexualidade, não deixando margem para expressões manifestas de desejo e/ou atividade sexual. Há aqui uma prescrição de conduta moral que impinge às meninas o cuidado de si, de seus gestos, formas de vestir, falar e agir no meio social, especialmente em relação aos garotos:

Tem que ser quietinha, mas ousada... é tipo uma forma de iludir [...]. Eu não vou chegar logo “E aí, você quer ficar comigo?”, não pode fazer isso. Você começa a ser gentil com a pessoa, a pessoa pede pra você fazer aquilo e você vai lá e faz... Aí a pessoa vai vendo que você é quieta, mas você também é divertida, não é oferecida, esses negócios assim... Aí você vai ficar nessa até conquistar a pessoa, aí você vai mudando, mostrando seu jeito de verdade, mas tem que ir devagar. Aí a pessoa já vai vendo e vai se acostumando...(Leonor, 14 anos)

Forjada no exercício contínuo do discernimento e da prudência, a dissimulação do agir sexualizado mostra como são desenhados os limites que as próprias adolescentes estabelecem enquanto performances seguras. Há um equilíbrio delicado a ser negociado vis-à-vis a necessidade de atender a uma série de exigências culturais inscritas na tensão entre os dois polos constitutivos da identidade feminina (pureza-poluição e inocência-corrupção), sem pender a uma das extremidades: as meninas devem ser, mas não muito, autoabsorvidas sobre sua aparência; devem ser atraentes, mas não vistas como sexualmente “pra frente”; devem ser bem-comportadas, mas não vistas como “bestas”; notadas e apreciadas pelos colegas, mas não chamar muita atenção sobre si próprias, e assim por diante (CURRIE; KELLY; POMERANTZ, 2007CURRIE, Dawn; KELLY, Deidre; POMERANTZ, Shauna. The power to squash people: understanding girls’ relational aggression. British Journal of Sociology of Education, v. 28, n. 1, p. 23-37, 2007.).

A desigualdade de gênero era realçada com a imputação de meninas como atores culpáveis, ao passo que tornava invisíveis as escolhas e ações dos garotos. Quando interrogadas acerca do papel deles no ato desviante, as respostas convergiam em ignorá-los, intensificando as críticas morais às colegas. Isso é indicativo de como meninas e meninos encontram padrões distintos em suas experiências de (hetero)sexualidade adolescente e, igualmente, de como as maledicências promovem (e consolidam) o entendimento do que é e do que não é um comportamento sexual permissível para elas próprias. O peso da reputação sexual continua a restringir a construção de uma sexualidade ativa pelas meninas, já que permanece significada como “depravação” (KEHILY, 2004KEHILY, Mary Jane. Sexuality, gender and schooling: shifting agendas in social learning. London: Routledge, 2004.; FJAER; PEDERSEN; SANDBERG, 2015FJAER, Eivind; PEDERSEN, Willy; SANDBERG, Sveinung. “I’m not one of those girls”: boundary-work and the sexual double standard in a liberal hookup context. Gender & Society, v. 29, n. 6, p. 960-981, 2015.). Elas terminam por envolverem-se mais em discussões sobre padrões de gênero do que suas experimentações sexuais; como consequência, assimilam o papel (normatizado) de guardiãs da moralidade sexual.

Convém ainda observar que a fofoca integra a engrenagem cotidiana (ordinária) das interações entre pares na escola. Grande parte dos discentes tinha apenas a conversa social como fonte de entretenimento. Participar de um mexerico gerava entusiasmo, dando-lhes algo para fazer. Como explanaram Owens, Shute e Slee (2000OWENS, Laurence; SHUTE, Rosalyn; SLEE, Phillip. “Guess what I just heard!” Indirect aggression among teenage girls in Australia. Aggressive Behavior, v. 26, n. 1, p. 67-83, 2000.), o valor recreativo da fofoca é observável no seu uso para fazer o tempo passar: é uma maneira de aliviar o tédio e de trazer emoção a um ambiente marcado por uma rotina monótona forjada por regras de disciplina. Contudo, prevalecia a visão estereotipada da fofoca como prática feminina e a associação da menina normal à maldade. Amiúde, as garotas mencionavam as sistemáticas traições e falatórios “pelas costas”. Quando questionadas “De forma geral, o que você acha das meninas da escola?”, consensualmente elas associaram “fofoca” e “falsidade” como ação e característica proeminente da “menina”, uma categoria definida monoliticamente por elas como “duas caras”, “falsa”, assim como o fizeram as participantes do estudo de Ringrose (2008RINGROSE, Jessica. Just be friends: exposing the limits of educational bully discourses for understanding teen girls’ heterosexualized friendships and conflicts. British Journal of Sociology of Education, v. 29, n. 5, p. 509-522, 2008.). Por outro lado, como um modo de afirmar sua virilidade, muitos dos garotos tinham por hábito publicizar ou mesmo inventar “coisas que fazem com as meninas”, sem que esse tipo de boato ocasionasse mais do que aborrecimento ou desprezo delas; prevalecia uma concepção de que “os meninos são bobos [ingênuos]”.

Em verdade, consensualmente, os vários sujeitos (estudantes e agentes institucionais) costumavam justificar a constância de episódios de “rixas” por meninas serem “ranhetas”, “briguentas” e “encrenqueiras”. Fica patente a assimilação de discursos de naturalização da corrupção moral da mulher, que é vulnerável e invariavelmente sucumbe às forças de perversão. Precisamente essa imagem feminina, derivada de características imputadas a Eva, serve de lastro à estrutura hierárquica que define a mulher como o polo negativo e subalterno (SCOTT, 1995SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 71-99, jul./dez. 1995.; LAQUEUR, 2001LAQUEUR, Thomas W. Inventando o sexo: corpo e gênero dos gregos a Freud. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.), um contrassenso explorado por Ringrose e Renold (2010RINGROSE, Jessica; RENOLD, Emma. Normative cruelties and gender deviants: the performative effects of bully discourses for girls and boys in school. British Educational Research Journal, v. 36, n. 4, p. 573-596, 2010.) com a noção de “crueldades normativas”, concebida para referirem-se às práticas de bullying que apresentam conformidade com as posições de sujeito de gênero tradicionais. Considerando que expressar agressividade manifesta coloca as meninas sob o risco de serem constituídas como desviantes de seu gênero, as autoras concluem ser a “maldade” e “a falsidade” um contraponto esperado e, portanto, normatizado, para a delicadeza feminina. Essa conjunção converge com a discussão promovida por autores que têm salientado como a assunção de discursos de naturalização de práticas e posições sociais de mulheres e homens desempenha um papel particularmente central e decisivo no processo de (re)produção da diferenciação e desigualdades de gênero (CONNELL, 2002CONNELL, Robert. Gender. Cambridge: Polity Press, 2002.; BOURDIEU, 2012BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 11. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.; PEREIRA, 2012PEREIRA, Maria do Mar. Fazendo género no recreio: a negociação do género em espaço escolar. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais, 2012.; BHANA, 2016BHANA, Deevia. Virginity and virtue: African masculinities and femininities in the making of teenage sexual cultures. Sexualities, v. 19, n. 4, p. 465-481, 2016.).

A VIOLÊNCIA COMO INSTRUMENTO DE AFIRMAÇÃO DA MENINA “EVOLUÍDA”

A observação das interações de bullying indicou, como assinala Das (2011DAS, Veena. O ato de testemunhar: violência, gênero e subjetividade. Cadernos Pagu, Campinas, n. 37, p. 9-41, jul./dez. 2011., p. 15), que as adolescentes moldam suas performances e identidades “através de transações complexas entre a violência como momento originário e a violência que se infiltra nas relações correntes e se torna uma espécie de atmosfera que não pode ser expelida para ‘fora’”. Os rituais de insulto e intimidação mostram como a violência não necessariamente impõe obstáculos aos comportamentos das garotas, mas como, sobretudo, através de sua cotidiana encenação, elas movimentam e se movimentam nessas tramas relacionais, pontuando interesses próprios. Tal cenário mostra consonância com a proposição de Souza (2015SOUZA, Bruna M. Mulheres de fibra: narrativas e o ato de narrar entre usuárias e trabalhadoras de um serviço de atenção a vítimas de violência na periferia de São Paulo. 2015. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2015. ) de que a violência também pode ser produtiva quando levamos em conta a agência sobre ela e sua tessitura no processo de construção da identidade de gênero. Na seção anterior, essa questão foi abordada com a negociação de poder e status a partir da manipulação de normas e expectativas de gênero. Neste segmento, será focalizada como um grupo de meninas da escola de Salvador, que se autointitulavam “evoluídas” e buscavam lograr posições mais elevadas na hierarquia social mediante a ressignificação de valores e características relacionados à feminilidade tradicional.

Diversas autoras têm salientado a recriação do feminino nas relações sociais de poder mediante a desassociação com práticas que produzem passividade, submissão e superficialidade. A “modernização” do gênero emerge como parte de um processo cultural de reposicionamento da feminilidade idealizada a partir de atributos como assertividade, autonomia e a liberdade individual (HARRIS, 2004HARRIS, Anita (ed.). All about the girl: culture, power and identity. New York: Routledge, 2004.; MCROBBIE, 2009MCROBBIE, Angela. The aftermath of feminism: gender, culture and social change. London: Sage, 2009.; BUDGEON, 2014BUDGEON, Shelley. The dynamics of gender hegemony: femininities, masculinities and social change. Sociology, v. 48, n. 2, p. 317-334, 2014.; BRAGG et al., 2018BRAGG, Sara et al. “More than boy, girl, male, female”: exploring young people’s views on gender diversity within and beyond school contexts. Sex Education, v. 18, n. 4, p. 420-434, 2018.). Neste estudo, as meninas “evoluídas” costumavam afirmar que “o mundo mudou e as meninas também mudaram” como forma de justificar a assunção de práticas ativas na sexualidade e de expressões de autonomia e volição que, mesmo que pontuais, flexibilizavam a ideia de atributos masculinos e femininos rigidamente separados.

O termo evoluída simbolizava um modo progressivo de ser menina, marcando um fluxo oscilante de negociação de ideais e exigências de comportamentos e corporeidade femininas. “Poder fazer as coisas que os meninos fazem”, como explanou Beatriz (12 anos), erigia a reivindicação moral do seu direito de exercer liberdade de ação e de expressão de desejos e sentimentos. Considerando-se que as marcas identitárias de gênero, histórica e socialmente construídas, se faziam mais intensamente sentir no âmbito sexual, a violência apresentava-se como um modo mais accessível de expressar ideais e reivindicar esses direitos (CAMACHO, 2001CAMACHO, Luiza. As sutilezas das faces da violência nas práticas escolares de adolescentes. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 27, n. 1, p. 123-140, jan./jun. 2001.).

Nessa perspectiva, a significação das relações de bullying como “preconceito” e “discriminação” alinhavava o próprio reconhecimento das desigualdades de gênero em seu cotidiano. Assumida como ação de resistência, de não aceitação de um comportamento restrito e determinado pelas expectativas e normas de gênero, a violência constituía uma forma consciente (e excitante) de desestabilizar a hierarquia de gênero com potencial redistribuição de poder e reorganização das práticas sociais convencionais. As performances de defesa da honra mediante reações ativas ao bullying sofrido ou com o desenvolvimento de rivalidades em disputas sexualizadas constituíam uma via para lograr notoriedade e prestígio social (NEVES, 2008NEVES, Paulo Rogério. As meninas de agora estão piores do que os meninos: gênero, conflito e violência na escola. 2008. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008; CORDEIRO et al., 2010CORDEIRO, Rosineide et al. Meninas de moral: experiências socioeducativas em um bairro popular do Recife. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, v. 30, n. 1, p. 188-199, 2010.; CARNEIRO, 2012CARNEIRO, Deivy. Mulheres honestas e que a todos tratam bem: relações de gênero e violência verbal em Juiz de Fora (Minas Gerais). Ler História, n. 62, p. 87-99, 2012.). A afirmação de um contrapoder relativamente àqueles que exerciam dominância entre os pares pode ser concebido como um instrumento de significação simbólica: ser “evoluída” estava diretamente relacionada à posse de um senso moral de “coragem”. Nisso se insere uma gramática hierarquizante, cujo binômio corajosa-besta refere-se às interdições da feminilidade normativa.

Conforme Pitt-Rivers (1988PITT-RIVERS, Julian. Honra e posição social. In: PERISTIANY, J. (org.). Honra e vergonha: valores das sociedades mediterrânicas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1988. p. 11-60.), a honra constitui um sistema de regras de conduta apoiado nos ideais morais que ela representa, ou seja, tem como fundamento o código de valores sociais cuja definição de moralidade é utilizada para julgar reputações e, assim, definir posições sociais. A imposição da honra servia de sustentáculo à produção de um sistema de classificação alternativo pelas meninas evoluídas com a redefinição do grupo dominante a partir da manipulação discursiva de símbolos socialmente valorizados, como “coragem”, “atitude”, “melhor” e “superior”. Esse processo de alterização manifesta o empenho de estabelecer distinção e reconhecimento social não através de caracterizações de meninas como “boas” ou “más”, mas entre pessoas capazes de encarnar (ou não) atributos idealizados (legitimados) como desejáveis. Mostrando que a alterização pode ser opressiva, mas também desafiadora, como nesse caso, que expressa uma resistência cultural ao dispensar o comportamento de gênero afluente e o estigma a ele relacionado. A fala de Luzia (12 anos) nos ilustra esse intuito de transmutar o conceito social de menina sem controle para uma garota com pleno controle de si:

Quando uma pessoa te humilha não é brincadeira. Não tenho que aceitar porque eu sou menina... Por que tem que ter diferença entre meninos e meninas? Eu acho injusto as meninas não ocuparem um lugar de coragem. E eu gosto de ter essa capacidade de poder fazer as coisas que as meninas normalmente não fazem... sem medo, sem vergonha... Tá na hora de todo mundo aceitar a atitude da mulher.

Ressalva-se que classificações promovidas por subordinados, em dimensões potencialmente diferentes das designadas pelo grupo hegemônico, são difíceis de sustentar (ARMSTRONG et al., 2014ARMSTRONG, Elizabeth A. et al. Good girls: gender, social class, and slut discourse on campus. Social Psychology Quarterly, v. 77, n. 2, p. 100-122, 2014.). Essa conjuntura estabelece uma tensão permanente entre concepções liberalizantes e lógicas tradicionais da gramática de gênero (HEILBORN; CABRAL; BOZON, 2006HEILBORN, Maria Luiza; CABRAL, Cristiane; BOZON, Michel. Valores sobre sexualidade e elenco de práticas: tensões entre modernização diferencial e lógicas tradicionais. In: HEILBORN, M. L.; AQUINO, E. M.; BOZON, M.; KNAUTH, D. (org.). O aprendizado da sexualidade: reprodução e trajetórias sociais de jovens brasileiros. Rio de Janeiro: Garamond; Fiocruz, 2006. p. 207-266.; MELLO; SOUZA; SANTOS, 2008MELLO, Luiz; SOUZA, Marta; SANTOS, Nara. Sexualidades de estudantes universitários: um estudo sobre valores, crenças e práticas sociais na cidade de Goiânia. Sociedade e Cultura, Goiânia, v. 11, n. 1, p. 102-111, jan./jun. 2008.). Isso porque o engajamento em ações de rejeição da dominação masculina mobiliza a contraofensiva de discursos e práticas altamente restritivos e reguladores às condutas sociais das adolescentes; persistindo a suscetibilidade da estigmatização daquelas que assumem um comportamento mais independente como “problemáticas” (NEVES, 2008NEVES, Paulo Rogério. As meninas de agora estão piores do que os meninos: gênero, conflito e violência na escola. 2008. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008; BRAGG et al., 2018BRAGG, Sara et al. “More than boy, girl, male, female”: exploring young people’s views on gender diversity within and beyond school contexts. Sex Education, v. 18, n. 4, p. 420-434, 2018.).

A tradução de atitudes dissonantes ao padrão normal como indisciplina evidencia a incapacidade da escola de acessar e compreender outras realidades e formas culturais de existência, já que, sob a égide da democratização, a instituição centra-se em promover a homogeneização de condutas, estilos e ideais sociais (LOURO, 2000LOURO, Guacira. Corpo, escola e identidade. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 25, n. 2, p. 59-75, jul./dez. 2000.; SEBASTIÃO; ALVES; CAMPOS, 2003SEBASTIÃO, João; ALVES, Mariana; CAMPOS, Joana. Violência na escola: das políticas aos quotidianos. Sociologia, Problemas e Práticas, Oeiras, n. 41, p. 38-39, jan. 2003.; PAIS, 2008PAIS, José Machado. Máscaras, jovens e “escolas do diabo”. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 13, n. 37, p. 7-21, jan./abr. 2008.). Em ambas as comunidades que serviram de campo a este estudo, a presença do narcotráfico configurava a violência como elemento organizador do cotidiano. A violência era naturalizada não só pela constância de sua ocorrência, mas por encontrar-se entrelaçada nas relações interpessoais com os amigos, namorados e familiares “envolvidos” na criminalidade. Diante de tal cenário, as construções da feminilidade e da adolescência nas classes populares poderiam ficar alheias às práticas de violência? Pesquisas com mulheres de segmentos populares têm sugerido que as regras de conduta de recato, docilidade e fragilidade femininas, socialmente difundidas (legitimadas e impostas), não parecem se aplicar a elas, que seguem um modelo referenciado na valentia (FONSECA, 2004FONSECA, Claudia. Família, fofoca e honra: etnografia das relações de gênero e violência em grupos populares. 2. ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004.; MAGALHÃES; ARAÚJO; SCHEMES, 2013MAGALHÃES, Magna; ARAÚJO, Denise; SCHEMES, Claudia. Queixosas e valentes: as mulheres e a visibilidade da violência cotidiana. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 21, n. 3, p. 839-859, set./dez. 2013.). Como denomina Fonseca (2004FONSECA, Claudia. Família, fofoca e honra: etnografia das relações de gênero e violência em grupos populares. 2. ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004.), a mulher “valente” perfila características associadas a estereótipos masculinos como a bravura e a virilidade, os quais se apresentam como aspectos basilares na constituição de suas identidades.

Nesse sentido, com base em todo o conteúdo exposto, fica posta a necessidade de problematizar empiricamente a concepção de que a violência, como exercício do poder por meio da força e da dominação de sujeitos hierarquicamente inferiores, seja uma marca da socialização de meninos. A partir desse aprofundamento analítico, interpõe-se o questionamento acerca da reprodução de padrões masculinos de comportamento por garotas. Há de se compreender melhor a assimilação de discursos associados à modernização de costumes pelas meninas nas práticas de feminilidade produzidas nas interações cotidianas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Historicamente, a escola tem contribuído para a produção de diferenças e desigualdades entre os estudantes por meio de múltiplos mecanismos normalizadores, dentre os quais se destaca o bullying. Há de se atentar a como ele reflete e reproduz as desigualdades embutidas em estruturas sociais mais amplas e prepara os mais jovens para aceitá-las. Desvelar os significados e papéis sociais do bullying mostra que um insulto ou uma fofoca podem acionar códigos simbólicos e culturais que sustentam o engajamento em determinada conduta ou a assimilação de uma crença social.

Pensando em um jogo de interações agressivas e hostis, pode-se afirmar que o bullying mobiliza um aparato explicativo do que permite esse “fato” ocorrer. É desse modo que tal dispositivo socializador impulsiona um conjunto de discursos e práticas para o entendimento geral de questões de gênero, sendo composto de duas partes: primeiro, organiza algumas regras e casos de aplicação de punições. A intimidação reiteradamente comunica às partícipes ações ou características específicas reprochadas, indicando o que constitui um comportamento normativo de menina (ou menino).

Essa perspectiva de análise do fenômeno explicita modos em que os adolescentes realizam descrições, produzem reivindicações, arranjam as relações sociais e outros aspectos da micropolítica do cotidiano. Assim, em segundo nível, tem-se que esse dispositivo socializador produz uma lógica de compreensão acerca do mover-se em um determinado contexto e situações. O enquadramento de condutas possibilita às adolescentes entender a forma como categorias sociais estão organizadas em relação umas às outras (meninas, amigas, meninos, entre outras) e como essas categorias devem agir em relação às outras em qualquer circunstância particular.

O efeito performativo das situações de confronto contribui para a negociação de performances e identidades de gênero, desvelando como fronteiras e normas de gênero têm um peso muito significativo no cotidiano dos adolescentes no espaço escolar. O processo de normalização e naturalização das normas e fronteiras de gênero mediante variadas formas de violência obstaculiza a própria percepção dos estudantes e agentes institucionais acerca de sua construção contextual e, consecutivamente, a problematização de visões e comportamentos referenciados em estereótipos e estigmas generificados. Essas dinâmicas de vigilância e de sanção de condutas “desviantes” demonstram a abrangência e constância do trabalho de diferenciação de gênero no cotidiano, bem como do empreendimento de processo de socialização que conduz a identidades normatizadas.

A discussão sobre violência de gênero no ambiente escolar reforça a necessidade de a instituição voltar-se para práticas educativas que desestabilizem e desconstruam a naturalidade de ações e dos discursos de conteúdo sexista pelos estudantes. Importa problematizar o gênero como prática, constructo simbólico e princípio estrutural nas relações entre os vários sujeitos que participam desse contexto social. De fato, por exemplo nas escolas pesquisadas, as práticas de intimidação entre meninas eram significadas como incivilidades que mais chamavam a atenção dos agentes institucionais pelo seu desagrado com a decadência moral das garotas na contemporaneidade do que pela ideia de possíveis problemas na convivência e na produção de identidades entre os estudantes. Isso implica, dentre outras questões, refletir sobre os símbolos culturalmente disponíveis e as atribuições relativas ao que é ser homem e mulher em nossa sociedade.

REFERÊNCIAS

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  • 1
    Foram destacados nesse período os seguintes livros: Odd girl out: the hidden culture of aggression in girls, de Rachel Simmons (2002/2011SIMMONS, Rachel. Odd girl out: the hidden culture of aggression in girls. 2nd ed. New York: Harcourt, 2011. 1ª edição publicada em 2002.); Queen bees and wannabes: helping your daughter survive cliques, gossip, boyfriends, and other realities of adolescence, de Rosalind Wiseman (2002WISEMAN, Rosalind. Queen bees and wannabes: helping your daughter survive cliques, gossip, boyfriends, and other realities of adolescence. New York: Three Rivers, 2002. ); Fast girls: teenage tribes and the myth of the slut, de Emily White (2002WHITE, Emily. Fast girls: teenage tribes and the myth of the slut. New York: Scribner, 2002.); e The secret lives of girls: what good girls really do: sex play, aggression, and their guilt, de Sharon Lamb (2002LAMB, Sharon. The secret lives of girls: what good girls really do: sex play, aggression, and their guilt. New York: Free, 2002.).
  • 2
    Em 2004 foi lançado o filme estadunidense Mean girls (traduzido no Brasil como Garotas malvadas), considerado como marco na popularização da temática, juntamente com Thirteen (Aos treze), de 2003. O primeiro filme é baseado na obra supracitada de Rosalind Wiseman e o segundo, em fatos reais da vida de Nikki Reed.
  • 3
    Pondera-se que seria mais produtivo, ao fomento de um debate mais aprofundado acerca do fenômeno em sua natureza e papel social, manter o uso dos termos bullying ou bullying relacional. Afinal, o tipo relacional é uma das classificações do bullying, que inclui ainda o físico, o verbal e o cyberbullying. Ademais, acreditamos que a consolidação de uma área de estudos também passa pela adoção de uma terminologia comum.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2019

Histórico

  • Recebido
    27 Jun 2018
  • Aceito
    21 Set 2018
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