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Saberes, identidades, autonomia na cultura docente da educação profissional e tecnológica

Knowledge, identities and autonomy in the teaching culture of professional and technological education

Resumos

O artigo discute a formação dos professores da Educação Profissional e Tecnológica no Brasil na perspectiva de construção de uma cultura profissional diante das alterações ocasionadas pelas políticas públicas para essa modalidade de educação no cenário mais amplo das exigências, mudanças e crise global do capitalismo. A noção de cultura tem a possibilidade heurística de enfatizar a subjetividade dos atores num coletivo centrado nas relações com o conhecimento, uma vez que os saberes partilhados, que articulam práticas sociais e identidades coletivas, possibilitam atitudes reflexivas sobre os conhecimentos mobilizados em contexto de trabalho. Para o desenvolvimento dessas ideias, o texto está organizado em quatro teses com o foco nos professores da Educação Profissional e Tecnológica: a primeira tese põe em destaque os dilemas e paradoxos vividos por esses profissionais; a segunda discute os saberes docentes na perspectiva da experiência profissional; a terceira aborda a identidade docente nesse tipo de curso como uma categoria histórica e culturalmente situada e a quarta tese discute a autonomia dos professores diante do desenvolvimento científico e tecnológico e das regulações do modelo gerencial das instituições de ensino.

formação de professores; tecnologia; autonomia; cultura


This article discusses the training of teachers of Professional and Technological Education in Brazil aiming to construct a professional culture, in light of the changes promoted by public policies for this type of education within the broader scenario of demands, constant changes and the global crisis of capitalism. The notion of culture provides the heuristic possibility of emphasizing the subjectivity of the players within a group which focuses on the members' relationship with knowledge. In fact, the shared information that links social practices with collective identities allows for reflective attitudes towards the knowledge which arises within the working context. To develop these ideas, the article is organized into four theses which focus on teachers of Professional and Technological Education: the first highlights the dilemmas and paradoxes experienced by these professionals; the second discusses the teachers' knowledge from the perspective of professional experience; the third deals with teaching identity in this type of course as an historical and culturally situated category and finally, the fourth thesis discusses the autonomy of teachers when faced with scientific and technological development and the regulations introduced by the managerial model of teaching institutions.

teacher education; technology; autonomy; culture


TEMA EM DESTAQUE

Saberes, identidades, autonomia na cultura docente da educação profissional e tecnológica

Knowledge, identities and autonomy in the teaching culture of professional and technological education

Vera FartesI; Adriana Paula Q. Oliveira santosII

IProfessora da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, E-mail: verafartes@uol.com.br

IIProfessora do Instituto Federal de Alagoas, doutoranda em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, E-mail: apquixabeira@terra.com.br

RESUMO

O artigo discute a formação dos professores da Educação Profissional e Tecnológica no Brasil na perspectiva de construção de uma cultura profissional diante das alterações ocasionadas pelas políticas públicas para essa modalidade de educação no cenário mais amplo das exigências, mudanças e crise global do capitalismo. A noção de cultura tem a possibilidade heurística de enfatizar a subjetividade dos atores num coletivo centrado nas relações com o conhecimento, uma vez que os saberes partilhados, que articulam práticas sociais e identidades coletivas, possibilitam atitudes reflexivas sobre os conhecimentos mobilizados em contexto de trabalho. Para o desenvolvimento dessas ideias, o texto está organizado em quatro teses com o foco nos professores da Educação Profissional e Tecnológica: a primeira tese põe em destaque os dilemas e paradoxos vividos por esses profissionais; a segunda discute os saberes docentes na perspectiva da experiência profissional; a terceira aborda a identidade docente nesse tipo de curso como uma categoria histórica e culturalmente situada e a quarta tese discute a autonomia dos professores diante do desenvolvimento científico e tecnológico e das regulações do modelo gerencial das instituições de ensino.

Palavras-chave: formação de professores; tecnologia; autonomia; cultura

ABSTRACT

This article discusses the training of teachers of Professional and Technological Education in Brazil aiming to construct a professional culture, in light of the changes promoted by public policies for this type of education within the broader scenario of demands, constant changes and the global crisis of capitalism. The notion of culture provides the heuristic possibility of emphasizing the subjectivity of the players within a group which focuses on the members' relationship with knowledge. In fact, the shared information that links social practices with collective identities allows for reflective attitudes towards the knowledge which arises within the working context. To develop these ideas, the article is organized into four theses which focus on teachers of Professional and Technological Education: the first highlights the dilemmas and paradoxes experienced by these professionals; the second discusses the teachers' knowledge from the perspective of professional experience; the third deals with teaching identity in this type of course as an historical and culturally situated category and finally, the fourth thesis discusses the autonomy of teachers when faced with scientific and technological development and the regulations introduced by the managerial model of teaching institutions.

Keywords: teacher education; technology; autonomy; culture

Muito se tem pesquisado nos últimos anos acerca da formação e do trabalho docentes no Brasil e em diversas partes do mundo. Temas que envolvem perspectivas e desafios contemporâneos que vêm sendo colocados à educação em todos os níveis e modalidades, num cenário de mudanças profundas na sociedade e no mundo do trabalho, têm trazido à tona problemas ligados à profissão e às novas competências dos professores, com farta literatura.

Todavia, no campo da formação de docentes para a Educação Profissional e Tecnológica – EPT –, ainda que importantes contribuições de estudiosos da área, bem como iniciativas governamentais, a exemplo do 8º Simpósio da série educação superior em debate, sobre a formação de professores para a Educação Profissional e Tecnológica, realizado em 2006, venham se tornando mais frequentes, permanecem necessários estudos e pesquisas que deem conta de questões que tratem das dimensões da docência na EPT. Eles são particularmente importantes no que se refere às reflexões teórico-epistemológicas fundamentais à compreensão da cultura profissional, pedagógica e institucional que está na base do trabalho e dos saberes profissionais desses professores, suas relações com o saber, sua/s identidade/s e (im)possibilidades de uma práxis político-pedagógica autônoma e socialmente relevante.

Como observado por Machado (2008), mesmo consideradas em número insuficiente dado o potencial de demanda, existem atualmente ofertas diversificadas de cursos de formação de professores para a EPT, mediante programas de pós-graduação, formação em serviço e formação a distância, além de algumas iniciativas de cursos de licenciatura.

A essa ideia acrescentamos que "o campo da formação ainda é tendencialmente tributário de discursos teóricos e epistemológicos normativos, gestionários e funcionalistas" (Correia, 2003, p. 33) que levam a indagar sobre os saberes, a identidade e a autonomia desses professores em seus registros políticos e culturais, o que inclui, necessariamente, a problemática do poder dos docentes em situação de trabalho.

A incipiente literatura encontrada para dar conta das dimensões relativas à formação de docentes da EPT, salvo as importantes contribuições reunidas no Simpósio de 2006 por especialistas da área, nos traz, de início, um problema e um desafio que pretendemos enfrentar neste artigo, sabendo, desde já, das limitações e armadilhas teóricas à espreita. Assim, indagamos como:

  • tratar da docência na EPT, área que, ao mesmo tempo em que compartilha problemas gerais da formação docente, traz diferenciações nada desprezáveis em relação aos demais docentes de outros níveis e modalidades de ensino;

  • enfrentar esse desafio, a começar pelo fato de que a educação profissional e tecnológica está mais diretamente exposta às exigências dos setores produtivos e das constantes regulações nas políticas curriculares, além do que uma boa parcela de seus docentes, por ter formação superior nas áreas técnicas, não se identifica como professor, além de não trazer em sua bagagem curricular os aportes necessários à reflexão pedagógica;

  • pensar a docência em meio à diversificação desse público, constituído por graduados (bacharéis e/ou tecnólogos) originários de áreas técnicas, sem formação para o magistério, e por licenciados para disciplinas da educação básica sem a formação que lhes permita articular as relações entre o mundo do trabalho e a educação profissional.

Ainda há muito que caminhar para a constituição de um campo curricular com epistemologia própria sobre a formação e a cultura profissional de professores da EPT. A dificuldade maior, a par da contribuição que pretendemos oferecer nestas reflexões, reside, portanto, no esforço de uma construção teórica que contribua para o entendimento das questões propostas no intuito de complementar as abordagens de corte acentuadamente institucionais sobre a EPT. Desse modo, teremos de caminhar pelas dobras de uma literatura constituída por múltiplos campos, buscando insights importantes em trabalhos de alguns já clássicos autores da formação de professores e outros não necessariamente voltados para essa área, tais como os da Sociologia, a Antropologia, a Filosofia e, em menor medida, a Psicologia, mas igualmente indispensáveis, procurando articular tais contribuições às discussões mais recentes sobre a formação de professores da EPT.

As reflexões neste artigo partem do princípio de que é nas "formas identitárias" (Dubar, 2005) "reflexivas e coletivas" (Giddens, 1997a), implicadas no espaço das relações sociais e da "construção de sentidos em contexto de trabalho, por via da intersubjetividade" (Caria, 2007) que a cultura profissional docente se expressa.

Para o desenvolvimento dessa ideia, formulamos quatro teses. Na primeira tese, defenderemos que as atuais estruturas pedagógicas e organizacionais da EPT têm resultado em dilemas e paradoxos que interferem significativamente na cultura profissional dos docentes. Isso se deve ao fato de que as atribuições da educação, tal como vimos assistindo com mais ênfase desde o início dos anos de 1990, passam a obedecer aos mecanismos de ajustes econômicos e às políticas educacionais gestadas pelos organismos internacionais. Esse cenário, com suas interdependências globais, nacionais e locais (Ball, 2005), traz crescentemente novas demandas e decisões aos setores produtivos, desviando o papel formativo do trabalho e da educação (Beck, Young, 2008) para fins orientados pela racionalidade do mercado.

A essa tese articularemos uma segunda, que tratará da identidade docente. Assumimos, com Hall (1999), que não existe um núcleo essencial do eu, fixo e estável, imune às diferentes configurações históricas, culturais e relacionais, mas um sujeito constituído por várias identidades, algumas até contraditórias. Nesse sentido, as identidades docentes vem sendo compreendidas em meio a um cenário de "precariedade, instabilidade e vulnerabilidades", nos limites de uma modernidade que se liquefaz (Bauman, 2001, 2005), ao se desfazerem as certezas ontológicas modernas na "performance e na individualidade". Consideraremos a perspectiva que Dubar (2005) traz das "formas identitárias reflexivas e coletivas" nas sociedades pós-modernas, o que possibilita a apreensão de um conceito de "cultura profissional" coletivamente construído em contexto de trabalho, mediante a intersubjetividade presente nos grupos profissionais (Caria, 2007), e as relações assimétricas de poder existentes inter e intragrupos.

Na terceira tese discutiremos os saberes docentes como saberes da experiência, na perspectiva de estudiosos que compreendem esta noção com enfoques distintos, mas, em alguns pontos, complementares, como é o caso do clássico Dewey (1959, 1959a, 1976) e dos sociólogos contemporâneos Bourdieu (1987, 1998) e Dubet (1994, 1998), que mesmo não tendo se dedicado especificamente aos estudos sobre a docência, tem muito a dizer sobre o valor da experiência. Enquanto para o primeiro essa noção diz respeito às condições físicas e sociais, particularmente centradas no ambiente da escola, para os outros dois, pode-se muito bem depreender que a experiência é indissociável das condições sociais no seu aspecto histórico, estrutural e econômico.

A quarta tese tem como foco a autonomia docente na EPT. Com isso, procuraremos articular os argumentos discutidos anteriormente a partir de alguns insights propiciados por Habermas. Procuraremos compreender os docentes e os saberes da experiência, considerando a questão do poder que envolve a ciência e a tecnologia diante do dilema de conceber um sentido autônomo a sua profissão em meio às demandas da racionalidade instrumental do sistema produtivo, num espaço-tempo no qual, contraditoriamente, as práticas identitárias passam por profundas modificações e a dinâmica da sociedade e da constituição dos sujeitos se desenvolve mediante tendências descentradas, indefinidas e complexas.

SOBRE CULTURA PROFISSIONAL E REFLEXIVIDADE

Entendemos o conceito de cultura profissional tal como nas formulações de Caria, para quem o referido conceito

...permite perceber com maior detalhe a nova configuração do trabalho intelectual, face ao novo modo de acumulação capitalista no qual o conhecimento e a ciência se transformam numa força produtiva. Dizemos a nova configuração do trabalho intelectual, porque em grande medida este trabalho depende da reconfiguração social e simbólica das velhas profissões e semiprofissões, ainda que a sua educação formal continue, como no passado, a estar na dependência dos sistemas científicos de produção de conhecimento. (2008, p. 5)

A noção de cultura tem, pois, a possibilidade heurística de enfatizar "a subjetividade dos atores num coletivo centrado nas relações com o conhecimento" (uma vez que se trata de saberes partilhados) "que conjuga práticas sociais com identidades coletivas e estas com a reflexividade sobre o uso do conhecimento" (Caria, 2005, p. 44).

Na perspectiva desse autor, os saberes profissionais englobam dois tipos de fenômenos que expressam o modo pelo qual as pessoas vivenciam as organizações e as instituições nas sociedades contemporâneas: o primeiro refere-se à relação entre o papel institucional ocupado pelos grupos sociais e os processos coletivos de construção identitária na sociedade; o segundo trata da mobilização dos diferentes tipos de conhecimento em situação de trabalho diante dos variados requerimentos de qualificação hoje exigidos dos profissionais em contextos de intervenção.

Caria (2009) compreende a cultura profissional a partir de três dimensões principais. A primeira dimensão supõe uma prática social representada pela ação e pela cognição (competência) em que as rotinas e os processos de trabalho se desenvolvem autonomamente, de modo tácito. Seria o que se designa como "autonomia técnica dos profissionais". A segunda dimensão destacada pelo autor representa a identidade coletiva que é capaz de "interpretar transversalmente funções sociotécnicas num dado campo social, situando a autonomia ideológica e simbólica da profissão por relação a outros interlocutores", representando uma identidade coletiva estruturada mediante duas perspectivas: macro, que se apresenta explicitada nos "conflitos simbólicos e de legitimidade nos campos sociais"; micro, explicitada nos processos de socialização profissional.

No cenário das transformações do trabalho e dos avanços da ciência e da tecnologia, a imagem que o professor da EPT constrói de si mesmo perante a sociedade faz parte do processo de formação de sua identidade profissional. Nesse processo de construção identitária, concorrem interações com os alunos, mediadas pelas "recontextualizações e discursos pedagógicos" oficiais e não oficiais (Bernstein, 1996). A isso, acrescentaríamos, recorrendo a Homi Bhabha (2005, p. 85), que a identidade não é pois, "um produto acabado; ela é apenas e sempre o processo problemático de acesso a uma imagem da totalidade".

Caria aborda a terceira dimensão da cultura profissional a partir do conceito de reflexividade desenvolvido por Giddens, para quem "a reflexividade da vida social moderna consiste no fato de que as práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz de informação renovada sobre estas próprias práticas, alterando assim constitutivamente seu caráter" (1991, p. 39).

Em outras palavras, a reflexividade expressa a difusão do conhecimento social numa "dupla hermenêutica": ao tempo em que o conhecimento é aplicado reflexivamente às condições de reprodução do sistema, são alteradas as circunstâncias às quais o conhecimento originalmente se referia. Nesse sentido, a noção de reflexividade sobre o conhecimento em situação de trabalho, na acepção de Caria, constitui um dos elementos da cultura profissional, o que significa: i) a reflexividade articulada com a prática porque recontextualiza os conhecimentos obtidos na educação que orientam a ação nos locais de trabalho. Ela estende a autonomia simbólica de uma profissão pelo coletivo de praticantes e pelas instituições, partilhando tarefas e problemas que são da competência exclusiva de uma dada profissão; ii) a reflexividade articulada com a identidade coletiva, na medida em que, ao necessitar de respostas a situações imprevistas nas situações de trabalho, necessita questionar seu etnocentrismo e relativizar o poder profissional, mediante a valorização dos saberes sociais difusos.

Com isso, pode-se depreender que a cultura profissional tem dois movimentos que agem simultânea e complementarmente: um deles, impulsionado por uma força centrípeta, ou seja, que se move fechando a profissão sobre si mesma, numa dinâmica de interação social entre seus praticantes; o outro, impelido por uma força centrífuga, isto é, que se expande no diálogo multicultural e se problematiza para interagir com a complexidade, considerando os matizes que constituem "o outro" e suas identidades fluidas e cambiantes.

PRIMEIRA TESE

A exigência de novas propostas pedagógicas e organizacionais, bem como a reorganização social e simbólica da profissão docente na EPT, diante da hegemonia da racionalidade técnico-instrumental e seus artefatos gerenciais sobre a racionalidade ética, tem resultado em dilemas e paradoxos vividos pelos professores.

Ao ganhar destaque na nova LDB, a Educação Profissional e Tecnológica passa a ser considerada como modalidade educacional, reflexo do próprio processo de mudança das demandas e necessidades da sociedade contemporânea. Com as novas características do mercado de trabalho, envolvendo e exigindo mais aportes de qualificação do trabalhador, a proposta de educação profissional da LDB n. 9.394/96 buscou dar concretude à filosofia imposta pelo Banco Mundial, bem como ao discurso continuamente repetido pelo governo e pelo empresariado de que o trabalhador brasileiro precisa ser preparado para a "polivalência", "multifuncionalidade" e "empregabilidade". Esses são temas polêmicos, de há muito largamente debatidos por estudiosos do assunto, a exemplo de Ferretti (2007, 2008), Ferretti et al. (2003), Frigotto (2007) e Kuenzer (2007).

A concepção de Educação Profissional presente na referida lei remete as instituições de Educação Profissional à integração com as diferentes formas de educação, com o trabalho, com a ciência e com a tecnologia, no contexto do desenvolvimento de "aptidões para a vida produtiva". Com a regulamentação dos artigos 39 a 41 da LDB pelo Decreto n. 5.154, de 23 de julho de 2004, o campo de desenvolvimento da Educação Profissional se define por meio da oferta de cursos e programas de:

1. formação inicial e continuada de trabalhadores;

2. educação profissional técnica de nível médio;

3. educação profissional tecnológica de graduação e de pós-graduação.

Como premissas, a educação profissional adota, legalmente: a. organização por áreas profissionais, em razão da estrutura sócio-ocupacional e tecnológica; b. articulação de esforços das áreas da educação, do trabalho e emprego, e da ciência e tecnologia. Essa articulação de áreas está atrelada ao atendimento de diversas políticas públicas de interesse do governo.

As modificações nas atribuições do Estado, tal como vimos assistindo com mais ênfase desde o início dos anos de 1990, com a assunção dos mecanismos de ajustes econômicos e as políticas educacionais gestadas pelos organismos internacionais, com o propósito de dar suporte às determinações do capitalismo global, trouxeram consigo uma série de dilemas e paradoxos na atuação docente na EPT.

Um primeiro paradoxo a considerar deve-se ao fato de que a profissão de professor da Educação Profissional tem sua configuração histórica nos especialistas de outras áreas profissionais, que ingressaram na docência como uma alternativa à sua profissão de origem, aliada ao status de profissionais professor(es) das Instituições Federais de Ensino. Embora fazendo parte de uma instituição de ensino, não se constituíram como profissionais da educação, emergindo dessa situação uma corporação de especialistas em áreas tecnocientíficas, na sua maioria, não identificada com a função pedagógica, embora a ela ligada profissionalmente (Albuquerque, 2008).

Ainda podemos considerar um outro paradoxo vivido pelo professor da educação profissional a partir do fato de que este é selecionado pelo comprovado domínio do conhecimento em uma área especializada e passa a ter como exigência, imediatamente após seu ingresso na carreira, o desempenho na docência, uma atividade para a qual, na maioria das vezes, não foi preparado. Essa situação evidencia, "por um lado, o desconhecimento acerca das especificidades do trabalho docente e, por outro, a desvalorização do conhecimento pedagógico, ideias presentes explícita ou implicitamente nas instituições" (Berbel, 1994, p. 137).

Esse quadro tem profundas implicações para os docentes da EPT, ainda mais quando se considera que a educação profissional tem na tecnologia um de seus objetos de estudo e intervenção, configurando-se como uma "ciência transdisciplinar das atividades humanas de produção, do uso dos objetos técnicos e dos fatos tecnológicos [...] é disciplina que estuda o trabalho humano e suas relações com os processos técnicos" (Machado, 2008, p. 16).

Isso significa que as bases tecnológicas constituem um diferencial importante do perfil do docente a ser formado, pois se "referem ao conjunto sistematizado de conceitos, princípios e processos relativos a um eixo tecnológico e a determinada área produtiva de bens e serviços científicos" (Machado, 2008, p. 17).

No sentido da formação para o trabalho na sociedade contemporânea, Machado afirma ainda que para formar a força de trabalho requerida pela dinâmica tecnológica que se dissemina mundialmente, é preciso "um outro perfil docente capaz de desenvolver pedagogias do trabalho independente e criativo, construir a autonomia progressiva dos alunos e participar de projetos interdisciplinares" (2008, p. 15).

Essas discussões conduzem inevitavelmente às contradições e aos paradoxos vividos pelos docentes, no que diz respeito ao seu papel social, pois, se por um lado, necessitam dar conta dos conhecimentos técnico-científicos constantemente renovados, por outro, devem assumir responsabilidades inerentes ao pleno desenvolvimento humano que caracteriza a função formadora de que estão investidos, o que exige a mobilização de uma racionalidade ética que se constitui na singularidade e na coletividade.

Conferindo ênfase a esses dilemas docentes, a aparente confluência de interesses que estaria se delineando como resultado de um discurso ideologicamente produzido, argumenta-se que, do ponto de vista de uma parte dos educadores,

essas novas exigências da produção vieram embaralhar a polarização ideológica e politica que estava bastante nítida em décadas anteriores, quando do domínio do taylorismo-fordismo. [...] No entanto, a partir dos anos 80, as profundas mudanças tecnológicas e organizacionais, ao propor um novo perfil para o trabalhador [...] pareceriam aproximar, finalmente, segundo muitos educadores, os interesses da produção daquelas condições necessárias ao pleno desenvolvimento humano. Em outras palavras, no novo contexto, deixariam de existir contradições entre a formação ampla e profunda dos trabalhadores, objetivo de um conjunto amplo de educadores, e a preparação específica para o trabalho, interesse maior dos empregadores. (FERRETTI ET AL., 2003, p. 162, grifos nossos)

As especificidades do exercício profissional dos professores da EPT na atualidade, acentuadas por um contexto no qual sobressaem outras e mais sutis contradições, tal como as apontadas anteriomente, demandam novas relações com os saberes, o que, por sua vez, se traduz em processos de reconfigurações identitárias e questionamentos feitos à autonomia docente, com inevitáveis implicações em relação à sua cultura profissional , como veremos a seguir.

SEGUNDA TESE

Conquanto a noção de identidade seja ampla e não consensual, há concordância em torno da ideia de que as identidades institucionais e pedagógicas na EPT estão em crise.

Pensar sobre identidades profissionais e, mais ainda, sobre identidades docentes na EPT supõe, antes de mais nada, enveredar pelo estudo da identidade do sujeito. Dada a complexidade e heterogeneidade da sociedade contemporânea, tais estudos tem-se apresentado conceitualmente pouco definidos. É uma temática absorvida por diferentes áreas das Ciências Humanas e Sociais, constituindo-se em um campo de trabalho multidisciplinar, que talvez apenas pelo intercâmbio de diferentes enfoques e contribuições possa ser mais bem compreendida.

Isso se deve à conjugação de diversos elementos geradores de "culturas híbridas" (Canclini, 2006) que geram a necessidade de uma abordagem híbrida, pois resulta da combinação de vários campos do conhecimento. Esta, por sua vez, se traduz em "processos de hibridação epistemológica", relativizando a noção de identidade. Ainda segundo Canclini, "estudar processos culturais [...] serve para conhecer formas de situar-se em meio à heterogeneidade e entender como se produzem as hibridações".

Contrário aos discursos biologísticos e essencialistas da identidade e da pureza cultural, Canclini propõe uma abordagem que articule as estruturas ou práticas sociais num processo de fusão que gera novas estruturas e novas práticas. De particular interesse para o estudo das identidades dos professores da Educação Profissional e Tecnológica é o que diz o autor, quando afirma que

frequentemente a hibridação surge da criatividade individual e coletiva. Não só nas artes, mas também na vida cotidiana e no desenvolvimento tecnológico. Busca-se reconverter um patrimônio (uma fábrica, uma capacitação profissional, um conjunto de saberes e técnicas) para reinseri-lo em novas condições de produção e mercado. (2006, p. 22)

As instituições que compõem a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, historicamente, foram ou são escolas técnicas que preparavam, e ainda preparam, prioritariamente, os trabalhadores das indústrias e do trabalho agrícola. Com o desenvolvimento da tecnologia, as demandas de formação tornaram complexos os objetivos dessas instituições, cuja oferta se caracteriza, atualmente, por cursos de formação profissional pluricurriculares, com atuação na Educação de Jovens e Adultos, Educação Básica de nível Técnico, Educação Superior (graduação tecnológica, licenciaturas e bacharelados), além de cursos de Pós-Graduação. Como observa Machado,

As exigências com relação ao perfil dos docentes da educação profissional estão, hoje, mais elevadas. Não é mais suficiente o padrão do artesanato, quando o mestre da oficina-escola se apresentava como o espelho que o aluno praticante deveria adotar como referência. Superado também está o padrão da escola-oficina, que impunha ao aluno a aplicação de séries metódicas de aprendizagem. (MACHADO, 2008, p. 15)

As sociedades atuais ou "pós-tradicionais", enfrentam as incertezas da vida apropriando-se do conhecimento especializado desde os espaços da vida privada até os das instituições sociais (Giddens, 1997, 1997a). Esse processo se expressa nas experiências de vida e no dia a dia das pessoas, nos seus estilos de vida, estendendo-se até o âmbito do trabalho. "Em todas as sociedades, a manutenção da identidade pessoal, e sua conexão com identidades sociais mais amplas, é um requisito primordial de segurança ontológica" (Giddens, 1997a, p. 100).

A identidade social dos indivíduos é limitada pela tradição, pelo parentesco e pela localidade, ao passo que na sociedade moderna, caracterizada como uma ordem pós-tradicional, práticas e preceitos são rompidos. Esse contexto, fortemente constituído pela informação, dá lugar a individualidades mutantes, abertas a escolhas, tornando o indivíduo responsável por si mesmo que, ao negar modos tradicionais de comportamento, constrói sua própria narrativa de identidade. Nas palavras de Giddens,

No cenário do que eu chamo a modernidade tardia – o nosso mundo de hoje – o self, tal como os contextos institucionais mais vastos nos quais ele existe, tem de ser construído reflexivamente. No entanto, essa tarefa tem de ser cumprida no meio de uma confusa diversidade de opções e possibilidades. (1997, p. 2-3)

Essa perspectiva converge para a noção de Caria (2007), segundo a qual a identificação dos professores com sua atividade profissional é determinada pela subjetividade coletiva no âmbito da autonomia que eles têm para definir seu processo de trabalho. Nesse processo, há que se levar em conta, além da autonomia individual, o papel que desempenham as relações informais das instituições de ensino e seus agentes com o meio circundante, em virtude da crise de legitimidade pela qual passam as sociedades modernas e capitalistas. Essa crise, além de atingir os sujeitos, como referido, atinge também e em grande medida as instituições de um modo geral, e as educacionais em particular, e se expressa no questionamento do modo de socialização profissional apenas como decorrência da interiorização das condições sociais e culturais externas.

A par das considerações feitas até aqui, entendemos que a noção de identidade, como um jogo de processos identitários e mutáveis (Hall, 1999; Agier, 2001), deve também ser referenciada ao campo de possibilidades, múltiplas e diversificadas, em que os sujeitos, ativamente, optam por esquemas de ação que lhes são apresentados, tensionando permanentemente as "identidades para si, com as identidades para o outro". Nesse sentido, o homem não tem "uma identidade fixa, essencial ou permanente" (Hall, 1999, p. 12), mas há diferentes contextos e situações em que suas identidades se transformam a partir das interpelações sofridas por ele.

Castells (2002) contribui com essa reflexão, quando relaciona identidade e atributo cultural. Para esse autor, a identidade pode ser compreendida como um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, que por sua vez constituem fontes de significados para os próprios sujeitos. Ao constituírem fonte de significados e serem originadas pelo próprio sujeito, as identidades são construídas por meio de um processo de individuação que o sujeito empreende em suas relações com os outros indivíduos e as instituições em um contexto marcado por relações de poder. Nessa perspectiva,

...as identidades ainda que possam ser formadas tendo como referência as instituições dominantes da sociedade, só assumem significado para os sujeitos quando e se esses introjetarem-nas e construírem seus significados com base no processo de internalização que sofrerem. (CASTELLS, 2002, p. 23)

Com esse entendimento, Castells propõe uma distinção entre três formas e origens de construção de identidades: 1. identidade legitimadora: trazida pelas instituições dominantes da sociedade no intuito de expandir e racionalizar sua dominação em relação aos atores sociais; 2. identidade de resistência: construída por sujeitos e grupos sociais que, encontrando-se em posições de desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela lógica prevalente de dominação, podem lutar e resistir aos princípios reinantes nas instituições sociais; 3. identidade de projeto: produzida a partir do momento em que os sujeitos sociais, utilizando-se de qualquer tipo de material cultural ao seu alcance, constroem uma nova identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade.

Tais conceitos, no entendimento de Dubar (2005), devem estender-se para além da dimensão representacional, na medida em que as identidades têm um caráter dinâmico que não pode ser desvinculado das situações de emprego-desemprego, dos níveis escolares, das origens sociais, das transformações na ciência e na tecnologia como aspectos constitutivos de produção da identidade.

Nesse contexto, as identidades, no seu conjunto, refletem a estrutura social, ao mesmo tempo em que reagem sobre ela, conservando-a ou a transformando, sendo a determinação do seu significado uma escolha de natureza pessoal e subjetiva, visto que ela ocorre dentro de um quadro de valores selecionados, assegurando um sentido ao agir, simultaneamente individual e coletivo, constituindo, por isso, um processo de construção do sujeito historicamente situado.

Numa tipificação dos quatro processos identitários, Dubar (2005, p. 328) associa a cada um, um tipo de saber "que estrutura a identidade profissional e que constitui a matriz de lógicas de ação salarial e de 'racionalidades' específicas":

1. os saberes práticos (Ter): provenientes da experiência do trabalho e não vinculados a saberes teóricos ou gerais, vão de encontro ao modelo das competências difundido pelas empresas e assumido pelas políticas educacionais, em especial aquelas voltadas para a EPT;

2. os saberes profissionais (Fazer): supõem articulações entre saberes práticos e saberes técnicos e estão associadas à lógica da qualificação no trabalho;

3. os saberes de organização (Ser): valorizadas hoje pelo modelo da competência, implicam articulações entre saberes práticos e teóricos e estruturam a identidade dos locais de trabalho;

4. os saberes teóricos (Saber): não articulados a saberes práticos e profissionais, estruturam um tipo de identidade marcada pela incerteza e pela instabilidade; estão associados à lógica das recapacitações permanentes e se orientam fortemente para a autonomia e acumulação de distinções culturais.

Por essas razões, Dubar conclui que

As identidades estão, portanto, em movimento, e essa dinâmica de desestruturação/reestruturação às vezes assume a aparência de uma "crise das identidades" [...] as identidades sociais e profissionais típicas não são nem expressões psicológicas de personalidades individuais nem produtos de estruturas ou de políticas econômicas impostas de cima, mas sim construções sociais que implicam a interação entre trajetórias individuais e sistemas de emprego, de trabalho e de formação. (2005, p. 328-329)

Nesse contexto, em que estão em jogo aspectos macro e microssociais, os professores constroem sua identidade profissional mediante representações de si e de suas práticas pedagógicas, articuladas à história de vida e de formação em meio a crises de identidade profissional, geradas pela precarização, mercadorização e exigências de performatividade no trabalho (Beck, Young, 2008). Tais situações descentralizam, deslocam e fragmentam, em especial, as identidades dos docentes da EPT, devido às transformações estruturais que as sociedades modernas vêm experimentando ultimamente.

TERCEIRA TESE

Atitudes de formação e autoformação docentes são indissociáveis dos saberes da experiência e expressam poderes políticos. Ao transcenderem as ações cotidianas do espaço escolar, as experiências de vida dos professores imprimem mais força aos conhecimentos, transformando-os em dispositivos de construção de poderes políticos que se tecem no trabalho, ao tempo em que (re)configuram continuamente sua cultura profissional.

A articulação dos saberes à experiência, ainda que discutidos de longa data, é um tema caro aos educadores na atualidade. Esse estudo deve-se, em larga medida, ao filósofo e pedagogo norte-americano Jonh Dewey que, ainda na segunda metade do século XIX e primeira do século seguinte, já reconhecia os processos educacionais como reconstrução contínua da experiência. Ao distinguir a capacidade que os indivíduos têm de conferir sentido às suas experiências e delas dirigir o curso das seguintes, Dewey concebe um modo interativo de relacionamento das pessoas entre si e com o mundo, por meio da ação, da experimentação e da experiência que:

...envolve toda nossa sensibilidade e modos de receber e responder a todas as condições que defrontamos na vida. Desse ponto de vista, o princípio de continuidade de experiência significa que toda e qualquer experiência toma algo das experiências passadas e modifica de algum modo as experiências subsequentes. (1976, p. 26)

Em Dewey, o princípio da experiência é o mesmo do hábito – noção com a qual, posteriormente, a sociologia bourdieusiana viria a se ocupar. Assim entendida, a característica básica do "hábito" em Dewey é a de que toda experiência modifica quem a vive e por ela passa; a modificação, por sua vez, diz respeito à qualidade das experiências subsequentes, "pois é outra, de algum modo, a pessoa que vai passar por essas novas experiências" (1976, p. 2).

Pela ótica de Bourdieu (1998), pode-se conceber a prática docente como resultado de um processo histórico, uma operação de conhecimento estruturada e organizada a partir de esquemas classificatórios, ou seja, uma construção social, produto de todo um trabalho de constituição e de representações de grupos que se insinuaram no mundo social. Os saberes têm uma história, as aprendizagens têm contextos, os professores têm múltiplas ancoragens sociais, o que resulta numa diferenciação social quanto às apropriações dos saberes. Ainda, de acordo com a perspectiva de Bourdieu, os professores trazem construído um certo "capital cultural", valores e experiências do seu próprio contexto social que condicionam as atitudes diante da escola, das práticas pedagógicas e das aspirações profissionais como projetos individuais de carreira. A contribuição de Bourdieu para a noção de habitus profissional permite compreender que os saberes da experiência transcendem os saberes das ações cotidianas do processo de ensino-aprendizagem que ocorre no espaço escolar. Eles compreendem igualmente as rotinas, os esquemas operatórios, enfim, os "sistemas de disposições" adquiridos pelos docentes no decorrer de seu percurso de formação e atuação profissional.

A noção de hábito, tema recorrente em Dewey, desenvolvida em várias de suas obras desde as primeiras décadas do século XX, a exemplo de Como pensamos (1959), Democracia e educação (1959a) e Experiência e educação (1976), significa o recurso à experiência obtida numa dada situação para retomá-la e modificá-la, em outras experiências futuras, num continuum, mediante a reflexão. Ainda que diferentemente da noção de habitus em Bourdieu, para quem a noção significa conformidade às pressões externas e a esquemas interiorizados, a noção de hábito, em Dewey, a ela se interliga, com uma significação que expressa a própria dinâmica do trabalho docente, uma vez que refletir sobre a prática, como quer Dewey, é precisamente refletir sobre o habitus.

Em outrtos termos, a noção de experiência em Dewey possibilita apreender que os professores constroem saberes em cada situação de vida social e, sobretudo, realizam um ato político verdadeiramente autônomo, porque, como sujeitos e autores de seus pontos de vista, refletem sobre as limitações e imposições dos próprios "sistemas de disposições" (Bourdieu, 1998) que estruturam a sua cultura. Daí resulta, inevitavelmente, uma heterogeneidade das formas de acesso ao saber, que é sempre reconstruído, ressignificado e recontextualizado.

Nessa mesma direção se desenvolve o pensamento de Dubet (1994, 1998). Conquanto suas formulações se localizem no terreno da Sociologia de inspiração weberiana ao buscar compreender as condutas sociais na sociedade moderna, e as preocupações de Dewey voltam-se para as condutas individuais, considerando a sociedade para a qual aqueles indivíduos deveriam ser preparados, pode-se perceber o valor que ambos conferem à experiência como possibilidade de construção de sentidos.

Para Dubet, a experiência social representa uma possibilidade e um modo de dar sentido ao mundo, que tanto possui um caráter subjetivo, dado que se constitui numa "representação" do mundo vivido de forma individual e coletiva, quanto um caráter cognitivo, uma vez que a experiência é uma elaboração crítica do real mediante um trabalho reflexivo dos indivíduos que avaliam sua experiência e a reconfiguram. Nas palavras de Dubet:

A sociologia da experiência social visa definir a experiência como uma combinatória de lógicas de ação que vinculam o ator a cada uma das dimensões de um sistema. O ator deve articular estas lógicas de ação diferentes e a dinâmica que resulta desta atividade constitui a subjetividade do ator e sua reflexividade. (1994, p. 105)

Conduzindo as formulações de Dubet para o terreno da experiência docente, encontramos o pensamento de Tardif (2002), para quem o exercício da docência e os saberes pedagógicos dos professores são construídos a partir das necessidades postas pelo real e pelas reflexões sobre suas ações. Essa perspectiva evidencia o sentido dos saberes construídos em situação de trabalho, visto que uma das questões centrais nessa discussão é a necessidade de considerar a experiência como um dos fundamentos epistemológicos da função docente, ou seja, "o estudo do conjunto dos saberes utilizados realmente pelos professores em seu espaço de trabalho cotidiano para desempenhar todas as suas tarefas" (Tardif, 2002, p. 255).

Desse modo, o autor sustenta que a formação profissional e os saberes que constituem a prática docente supõem o conhecimento do conjunto dos saberes mobilizados e utilizados pelos professores em todas as suas tarefas, construídos num processo dinâmico, contínuo e plural, que se estabelece na diferença e no contraste e, nesse sentido, representa um campo contestado e de lutas, uma forma de afirmação de posições e resistência, o que o leva a considerar que

...o saber profissional está, de um certo modo, na confluência entre várias fontes de saberes provenientes da história de vida individual, da sociedade, da instituição escolar, dos outros atores educativos, dos lugares de formação etc. [...] quando estes saberes são mobilizados nas interações diárias em sala de aula, é impossível identificar imediatamente suas origens: os gestos são fluidos e os pensamentos, pouco importam as fontes, convergem para a a realização da intenção educativa do momento. (Tardif, 2002, p. 64)

Isso significa que o saber da experiência não pode ser concebido como um "circuito fechado, mas à medida de uma interação entre a experiência, a tomada de consciência, a discussão, o envolvimento em novas situações" (Perrenoud, 1993, p. 109). Tem de ser entendido mediante a reflexão sobre a prática, isto é, por meio da experiência dos docentes envolvidos, em situações sempre renovadas no trabalho pedagógico, no qual os saberes são construídos diante das situações particulares e singulares de trabalho. É nessa relação específica de trabalho que os saberes docentes ganham sentido e validade. Não é outra a concepção de Tardif, para quem

Tanto em suas bases teóricas quanto em suas consequências práticas, os conhecimentos profissionais são evolutivos e progressivos e necessitam, por conseguinte, uma formação contínua e continuada. [...] Desse ponto de vista, a formação profissional ocupa, em princípio, uma boa parte da carreira e os conhecimentos profissionais partilham com os conhecimentos científicos e técnicos a propriedade de serem revisáveis, criticáveis e passíveis de aperfeiçoamento. (2002, p. 249)

Isso significa conceber o trabalho docente como espaço não apenas de mobilização, mas também de produção de saberes, rompendo com a perspectiva do professor como "transmissor de conhecimentos", o que possibilita apreender os saberes articulados às situações reais do trabalho docente, em que estão presentes os conhecimentos personalizados, temporais e situados. Personalizados porque os professores lançam mão de saberes advindos da própria personalidade e dificilmente podem ser dissociados das pessoas, da sua experiência e da situação de trabalho. Os professores possuem emoções, um corpo, uma personalidade, uma cultura, e os pensamentos e as ações carregam as marcas dos contextos dos quais fazem parte. Os saberes são temporais porque adquiridos através do tempo, por experiências de ensino, incorporação de papéis e história de vida pré-profissional dos professores. E temporais, também, por serem utilizados, validados e se desenvolverem no âmbito da carreira, durante um processo de socialização profissional de longa duração na estruturação da prática profissional.

O trabalho docente, nessa perspectiva, deve ser visto muito mais como resultado da "confluência de ações de colaboração interdocentes do que como prosseguimento da tradicional ação isolada do professor no palco da sala de aula" (Pardal apud Tavares, 2001, p. 121), em que os saberes, não apenas formais ou institucionalizados, são construídos coletivamente, por meio da experiência, na ação com o outro.

QUARTA TESE

Existe uma autonomia, ainda que relativa, no trabalho docente na EPT, mesmo quando regulações globais, bem como constrangimentos político-institucionais locais e demandas tecnológicas exercem forte pressão.

Além das teses desenvolvidas até aqui, iniciadas com a definição de alguns dilemas e paradoxos dos docentes da EPT, seguidos pela reflexão sobre a construção da identidade docente e a importância dos saberes da experiência, torna-se indispensável acrescentar uma tese que trate da autonomia dos sujeitos docentes. Defendemos que é possível conceber um sentido autônomo na docência em EPT, na acepção ética da constituição dos sujeitos, em meio às regulações das políticas educacionais e demandas dos setores produtivos fundadas na racionalidade instrumental do trabalho.

O cenário de interdependências globais, nacionais e locais (Ball, 2005) gera políticas de intervenção crescente nos setores produtivos e nas decisões da vida econômica, desviando o papel formativo do trabalho e da educação (Beck, Young, 2008) para fins orientados pela racionalidade do mercado, desespecializando progressivamente as instituições de educacão profissional, fragmentando e esvaziando as identidades profissionais dos docentes. À medida que a racionalidade técnico-instrumental alcança as esferas institucionais da sociedade, ocorre um processo de subtração da autonomia das próprias instituições e de seus atores, professores e gestores. Mas seria este um processos inelutável? Argumentaremos que não, ainda que reconhecendo a existência desses constragimentos impostos aos professores.

Ao empreender sua crítica ao trabalho na sociedade contemporânea, em especial no que concerne à chamada sociedade pós-industrial, Habermas (1987) situa a questão do sujeito e da autonomia num plano privilegiado. Com raízes na tradição frankfurtiana, o teórico da ação comunicativa vê a racionalidade técnica transformar-se em instrumento particular da sociedade industrializada, na qual o "agir-racional-com-respeito-a-fins" é a expressão do exercício do poder, na medida em que, ao serem escolhidas as estratégias, empregadas as tecnologias e organizados os sistemas, os indivíduos são privados de uma ação comunicativa que possibilite a reconstrução racional da sociedade.

Uma das principais contribuições do autor para esse debate reside no fato de que sua teorização possibilita integrar criticamente o elenco de formulações teóricas que desde as abordagens economicistas vem tentando dar conta da articulação entre a escola, o conhecimento e o mundo do trabalho. A partir da elaboração de um modelo descritivo, baseado nas estruturas do capitalismo organizado, Habermas distingue as novas condições da sociedade em que ocorre a constituição dos sujeitos. Segundo ele, o estágio avançado de acumulação do capitalismo caracteriza-se, do ponto de vista econômico, por processos de concentração econômica, pela crescente organização dos mercados e pela intervenção estatal, sempre que necessária, à melhoria de condições de realização do capital.

Nesse sentido, do ponto de vista político, o Estado, para que possa ser legitimado, necessita de uma democracia formal que inspire confiança à população mas, ao mesmo tempo, afaste sua participação. Assim, uma democracia genuína poderia levar ao desvendamento da contradição entre a produção socializada e a apropriação privada do lucro. Por isso, organiza-se um sistema administrativo, independente da vontade legitimante, que embarga a conscientização dos cidadãos, impedindo-os de perceber aquela contradição fundamental.

Conquanto pretendamos nos apropriar de apenas uma parcela do pensamento de Habermas – haja vista a dimensão de sua obra, a par das críticas que recebe, tanto do pensamento pós-estruturalista, quanto da hermenêutica filosófica, bem como do marxismo –, sublinhamos a importância desse autor para a compreensão não só dos limites à autonomia dos sujeitos docentes da EPT, mas das possibilidades abertas pela prática reflexiva e comunicativa entre eles.

O processo de desenvolvimento das sociedades modernas ou, na expressão utilizada por Habermas (1987), o "projeto da modernidade", fundamentou-se nos princípios da racionalização da ação social, articulados às formas de desenvolvimento do trabalho industrial, que expandiram os procedimentos e a racionalidade a eles inerente para outros setores da vida. Há que se esclarecer, todavia, que Habermas não é contra a racionalidade instrumental da ciência e da técnica, pois reconhece sua importância para o homem, uma vez que o desenvolvimento da sociedade é o resultado de um processo histórico e inter-relacionado das dimensões culturais, tecnológicas e institucionais.

O que Habermas (1987, 1987a) critica é a universalização da ciência e da técnica e a prevalência da racionalidade científica e instrumental em esferas de decisão em que deveria haver um outro tipo de racionalidade: a que se orienta por, pelo menos, dois sujeitos agentes, de acordo com normas e comportamentos reconhecidos, recíprocos e preestabelecidos. Desse modo, à medida que a racionalidade técnico-instrumental alcança as esferas institucionais da sociedade, ocorre um processo de subtração da autonomia das próprias instituições educacionais e de seus atores, professores e gestores. Recente pesquisa de Fartes nessas instituições considera que

...a exigência de novas estruturas pedagógicas e organizacionais nas escolas estudadas recaíram, em grande parte, sobre os valores, a cultura e as subjetividades construídos em instituições de longa existência e com padrões de excelência tradicionalmente reconhecidos pela sociedade. A necessidade de sobrevivência das instituições fez aflorar sentimentos e atitudes ambíguos: ao mesmo tempo em que se rejeitavam orientações construídas externamente a elas, buscava-se dar conta das mesmas. A sensação de perda de proximidade com as questões sociais e educacionais mais amplas da sociedade, resultado das imposições do mercado, acaba por engendrar uma crise nas identidades pedagógicas e institucionais, na medida em que, tanto a equipe técnico-pedagógica quanto os docentes, vão se dando conta (com um pouco mais de visibilidade nos primeiros) da substituição dos valores construídos internamente, ao longo de sua formação, pelos princípios e orientações externos. (2008, p. 680)

Como observado na pesquisa, a racionalidade instrumental, no percurso de ampliação de seu âmbito de atuação, substituiu o espaço da interação comunicativa que havia anteriormente entre os docentes. Esse processo levou à desestabilização das antigas formas de legitimação das relações sociais, afastando as discussões sobre os valores éticos e formativos do processo educativo. Com isso, passaram a prevalecer a eficácia, a eficiência, o gerencialismo e a performatividade (Ball, 2005), valorizadas pelas finalidades propostas, ficando a reflexão sobre a autonomia e os valores éticos, anteriomente formados por compromissos internos ao grupo (Bernstein, 1996), constrangida pelo processo de globalização da economia e pelos interesses imediatos da lógica do mercado.

A perspectiva habermasiana permite reiterar as múltiplas dimensões da constituição dos saberes docentes da EPT, ultrapassando o entendimento que esses saberes dependem unicamente dos conhecimentos adquiridos na educação dita "formal" e de sua relação linear com a preparação de mão de obra para o mercado de trabalho. Ao contrário, sua abordagem sublinha que os sujeitos, por meio de um discurso competente e da ação comunicativa, ao tempo em que se apropriam de conhecimentos técnico-científicos necessários, revalidam as regras sociais, aprendendo a refletir e atuar autonomamente na esfera política e em diferentes espaços da sociedade.

Nesse sentido, a reflexividade expressa a difusão do conhecimento social numa "dupla hermenêutica": o conhecimento é aplicado reflexivamente às condições de reprodução do sistema e as circunstâncias às quais o conhecimento originalmente se referia são alteradas. Com isso, depreende-se que a cultura profissional tem dois movimentos que agem simultânea e complementarmente: um deles, impulsionado por uma força centrípeta, move-se fechando a profissão sobre si mesma, numa dinâmica de interação social de seus praticantes; o outro, impelido por uma força centrífuga, movimenta-se e se expande no diálogo multicultural e se problematiza para interagir com a complexidade, considerando os matizes que constituem "o outro" e suas identidades fluidas e cambiantes.

É por meio da reflexividade da vida social moderna, examinada e renovada à luz da informação sobre essas próprias práticas (Giddens, 1991), que os docentes da EPT (re)constroem as identidades, saberes e cultura profissionais, num processo de interação simbolicamente mediado (Habermas, 1987), no interior de dilemas e paradoxos com os quais se defrontam no atual contexto sócio-histórico e político.

Dito de outro modo, é nessa perspectiva que vislumbramos os princípios de construção da autonomia docente, mediada por relações dialógicas e reflexivas. Esses princípios são gerados na interação do contexto sociocultural dos professores com os saberes da experiência na sala de aula e para além dela, como resultado da articulação e da atribuição de sentido pelas subjetividades dos sujeitos e as condições sócio-históricas e econômicas nas quais estão inscritos.

As políticas de formação de professores têm o propósito de complementar a formação inicial dos professores não licenciados. Apesar da importância da preparação pedagógica no exercício docente, tais políticas não se baseiam ou não consideram os saberes oriundos das experiências docentes, construídos e mobilizados na prática profissional. Em outras palavras, essas propostas, mesmo que agreguem novas perspectivas para uma formação de docentes da EPT requerida pela dinâmica tecnológica, não são pensadas no sentido de "superar o histórico de fragmentação, improviso e insuficiência de formação pedagógica que caracteriza a prática de muitos docentes da educação profissional" (Machado, 2008, p. 15).

Há que se indagar, todavia, se tais problemas, ainda que corretamente apontados por Machado, teriam o poder de inibir e limitar a ação coletiva dos professores. Acreditamos que não. Ao supor a existência de um "poder periférico" presente na cultura profissional dos professores em oposição ao "poder centralizado", que institui as práticas profissionais socialmente legitimadas, Caria, aludindo a estudo empírico que realizou com professores em Portugal, observa que:

O poder periférico é o da resistência, da sabotagem, da oposição silenciosa que, portanto, não tem uma identidade discursiva própria que permita disputar um lugar dentro do poder e dos conflitos legítimos a um dado campo social, mas que, ao mesmo tempo, todos os dias, pode limitar ou potenciar o poder prático de instituir. (Caria, 2007, p. 131)

Por se saberem situados na periferia do poder, os professores jogam de modo "fundamentalmente informal, oral e interativo" (Caria, 2007, p. 131-132). Procuram um "saber-estar" diante da política educativa e não um "saber-ser", próprio e coletivo, como parte das lutas políticas e simbólicas do campo educativo. O mesmo autor enfatiza ainda a importância da análise da cultura profissional nas pesquisas sobre políticas educacionais:

O grupo [de professores] tornava‑se hábil na arte de desenvolver uma cultura que sabe criar consensos por entre a heterogeneidade de posições e trajectorias profissionais. E sabia fazer coexistir no mesmo local, sem oposições e clivagens explícitas, a inovação educativa, informal e interactiva com o conservadorismo formal e institucional, de resistência ao poder central da instituição. A cultura do professor realizava um trabalho simbólico sobre si mesma, no sentido de tornar e fazer parecer igual aquilo que é social e culturalmente heterogêneo. (CARIA, 2007, p. 132)

Essa atitude expressa uma cultura profissional construída e desenvolvida mediante a vivência no cotidiano profissional, no saber da experiência, que é o que garante aos docentes lidar com a diversidade social e cultural que sabem existir em seu grupo profissional. Mediante o silenciamento de divergências e dissonâncias internas ao grupo (o saber-estar), possibilitam a criação de consensos no modo de interpretar sua coletividade diante do mundo social, e, com isso, não permitirem que sua força política, expressa no ethos profissional, se desarticule e enfraqueça.

Essa observação converge em parte para as ambiguidades nos sentidos conferidos pelos professores às imposições trazidas pelas reformas nas políticas para a educação profissional no Brasil (Ferretti et al., 2003; Fartes, 2008).

Conquanto persistam as estruturas que propiciam essas imposições, a autonomia docente pode ser fundamentada e definida no âmbito da cultura profissional, assegurada pela continuação dos saberes materializados em objetos de uso e tecnologias, palavras e teorias, livros e documentos, bem como pela reflexividade e solidariedade entre os grupos profissionais como atores sociais capazes de expressar-se e de responder por suas ações, em larga medida, independentemente de constrangimentos externos.

CONCLUSÃO

Argumentamos que a formação de professores da EPT não se esgota na posse de credenciais acadêmicas, mas se constitui na dinâmica da cultura profissional e na reflexividade presentes na experiência, nos processos de construções identitárias e na autonomia dos grupos profissionais perante os dilemas e as pressões exercidas pelo desenvolvimento científico e tecnológico legitimado, muitas vezes, por meio dos poderes institucionais e das políticas públicas.

Com isso, procuramos defender que esse processo de legitimação conduz inevitavelmente às contradições enfrentadas pelos docentes quanto ao seu papel na sociedade, pois, se de um lado, seu objeto de estudo é constituído pelos conhecimentos técnico-científicos, de outro, devem responder pelo pleno desenvolvimento humano que caracteriza a função formadora de que estão investidos.

Para dar conta das argumentações desenvolvidas, foi preciso transitar pelo terreno multidisciplinar das Ciências da Educação, que se nutre de diálogos fecundos com os campos da Filosofia, da Psicologia, da Sociologia e da Sociologia do Trabalho, bem como da Antropologia, por entendermos que não há uma área específica de conhecimento que possibilite, por si só, compreender os saberes, a identidade e a autonomia docentes inscritos no movimento mais amplo da cultura profissional, em particular a dos docentes da EPT.

Assim como em reformas educacionais desenvolvidas em distintos níveis e modalidades de educação que vêm ocorrendo no Brasil e em diferentes partes do mundo, o conhecimento profissional dos professores da EPT assume um lugar de destaque pelas demandas da sociedade contemporânea, cujos efeitos da tecnologia exigem saberes concebidos de forma multidisciplinar.

Nesse sentido, entendemos que não há um campo de conhecimento específico e de uma única disciplina para compreender os saberes, a identidade e a autonomia como constitutivas da cultura docente. Sinalizamos para a necessária cautela em relação ao setor produtivo para o qual as atividades docentes se voltam, ou para o nível ou modalidade de educação em que se pretenda pensar a formação para o trabalho. Há que considerar o mundo produtivo e a educação como campos inter-relacionados, imersos no complexo tecido da sociedade onde não cabe, tal como sugere Caria (2005), uma visão etnocêntrica das Ciências Sociais e Humanas, pautada em uma única posição epistemológica.

Junto com o autor, destacamos a importância da relativização epistemológica e da substituição de uma perspectiva excessivamente disciplinar, comprometida com um certo corporativismo acadêmico, por uma visão verdadeiramente inter/multidisciplinar que procure dar conta da complexidade da sociedade contemporânea.

A identificação de vários desafios, aos quais procuramos dar respostas, argumentando e caminhando por entre as bordas de algumas importantes teorias, poderá ajudar a dar continuidade a uma parte significativa dos estudos sobre a formação de professores para a Educação Profissional e Tecnológica. Destacamos que:

  • há que se considerar a especificidade de cada uma das profissões quando se analisa o processo de crise pelo qual elas vêm passando, como por exemplo: as complexas e variadas práticas profissionais nos distintos cotidianos de trabalho, a organização formal de cada entidade profissional; o conhecimento produzido no âmbito da academia. As diferentes áreas das quais são provenientes os professores da EPT devem ser consideradas quando da elaboração de políticas de formação continuada para esses docentes, em vista da sua compreensão diferenciada do processo educativo;

  • a valorização dos saberes e da experiência dos professores da Educação Profissional e Tecnológica é questão debatida mas pouco aprofundada quando se trata da cultura profissional sob a perspectiva ética e política do docente, inclusive, no espaço institucional. É fundamental uma relação coerente entre educação, trabalho, tecnologia e uma formação pautada nesses valores;

  • a análise da formação de professores da EPT parece implicar a intervenção educativa orientada a alimentar em cada professor e a difundir em sua cultura profissional o processo de valoração de suas ações e de tomada de decisão, que possa auxiliá-lo na reflexão e na construção de atitudes que concorram para definir o que tem e o que não tem valor na vida pessoal, profissional e em sociedade.

Recebido em: julho 2010

Aprovado para publicação em: dezembro 2010

Este artigo é parte das reflexões teóricas do projeto matricial desenvolvido por Vera Fartes, A recontextualização do conhecimento profissional: saberes, autonomia e reflexividade no trabalho, que conta com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq – no escopo do Edital para Ciências Humanas e Sociais Aplicadas – biênio 2009-2011.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Jan 2012
  • Data do Fascículo
    Ago 2011

Histórico

  • Recebido
    Jul 2010
  • Aceito
    Dez 2010
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