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O TEMPO NO COTIDIANO INFANTIL: PERSPECTIVAS DE PESQUISA E ESTUDO DE CASOS

RESENHAS

Elisandra Girardelli Godoi

Faculdade de Educação da Universidade de Campinas elisandragodoi@hotmail.com

O TEMPO NO COTIDIANO INFANTIL: PERSPECTIVAS DE PESQUISA E ESTUDO DE CASOS

Anna Bondioli (org.)

São Paulo: Cortez, 2004. 189p.

Como transcorre a vida infantil no cotidiano?

Este é o tema discutido no livro, que reúne um conjunto de trabalhos apresentados durante o seminário "Os tempos das crianças", experiência realizada em 1999, no município de Cesena (nordeste da Itália), que debateu sobre a qualidade do tempo vivenciado pela criança em diversos contextos: na creche, na pré-escola, na escola de ensino fundamental, em casa e na cidade. Analisar os tempos e os espaços do cotidiano infantil é a contribuição desse livro e um desafio para a área da educação, já que tais elementos não são neutros e revelam a pedagogia presente nas instituições educativas.

O livro é organizado em três partes. A primeira, denominada "Na escola", divide-se em cinco capítulos.

Bondioli, no primeiro capítulo, fala da observação como um valioso instrumento de pesquisa, por aproximar o pesquisador de seu objeto de estudo, principalmente quando se trata de temas relacionados às práticas cotidianas. Dessa maneira, a autora apresenta, como proposta de análise para o contexto educativo, o estudo do dia, uma categoria da vida cotidiana. Para esse estudo, indica os focos de observação que devem ser privilegiados pelo pesquisador, formando uma grade de análise: espaço, participantes, atividades, agrupamentos, modalidades de gestão, duração e posição na seqüência temporal, além de apontar a necessidade da elaboração de um parecer como forma de registro e análise dos dados.

No segundo capítulo, Galdabino sugere uma forma de descrição do cotidiano da creche, baseada no instrumento de pesquisa apresentado no capítulo anterior com adaptações para o contexto. Após a discussão dos focos de observação, a autora faz a descrição de um dia do cotidiano de uma creche, da região Nordeste da Itália.

Na mesma direção, Nigito, no terceiro capítulo, apresenta dados referentes a observações realizadas em três turmas (dos pequenos, médios e grandes) de uma creche municipal da região da Lombardia, em três dias diferentes de pesquisa. Nesse relato, destaca-se a modalidade de gestão praticada nos diversos contextos. A modalidade relaciona-se com a organização geral da experiência e "(...) indica, por um lado, o grau de intervenção do adulto na situação, e por outro, o grau de liberdade de decisão e de organização concedida às crianças". A partir da análise dessas experiências, o artigo revela os padrões da organização do trabalho pedagógico que caracterizam as três turmas, cruzando suas semelhanças e diferenças, bem como o uso e a qualidade do tempo nesses espaços.

Dando continuidade à descrição do cotidiano, no quarto capítulo, Gariboldi traça as características do dia-a-dia de uma pré-escola que trabalha com o modelo de uma turma aberta. A forma de organização demonstra que "(...) a atividade de uma turma e atividades de intersecção de turmas se alteram durante o dia, da mesma maneira que diferentes professores se alternam na regência de diferentes grupos..." De acordo com as observações da autora, esse tipo de experiência não proporciona às crianças tempos necessários de ambientação às situações, às atividades e à construção de relações significativas.

Fechando a primeira parte, Ferrari descreve o cotidiano vivido por crianças de uma turma de 1ºano de uma escola elementar em uma cidade de província, durante o ano de 1993. As observações, o registro e a apresentação dos dados foram realizados a partir do roteiro da grade de análise do dia em que os pesquisadores traçaram as experiências deste contexto educativo. Segundo a autora, esse instrumento favorece "(...) a construção de competências de observação e de auto-análise no pessoal docente, de diversas ordens e graus da escola...", além de significar uma possível reorganização do trabalho pedagógico na escola. Essas mudanças podem representar um novo olhar em relação à vida infantil, em que os tempos das crianças poderão ser mais valorizados que os tempos dos programas escolares.

Entre a casa e a escola, segunda parte do livro, Bondioli apresenta o dia de Érika, um estudo de caso da dinâmica da vida cotidiana. Inspirada nos estudos de Goffmann, a autora discute a participação da criança no jogo social, expressão criada pelo pesquisador, para definir "(...) um conjunto mais ou menos formalizado de regras que determinam o comportamento dos indivíduos nas diferentes situações e ocasiões da vida cotidiana, definem o papel dos participantes, orientam as modalidades com que estes se agrupam para desenvolver as tarefas e as atividades específicas de cada encontro". Isso significa, uma análise do envolvimento do sujeito, sua adesão e compreensão em relação às regras, ou melhor, sua participação efetiva na prática social.

O estudo possibilita perceber a constituição dos ambientes: os tempos, os ritmos, as experiências, as relações e suas diversas configurações, representando diferentes formas de aprendizagem e envolvimento.

Finalizando o livro, a terceira parte, "O tempo na vida cotidiana das crianças", contempla dois textos. O primeiro, escrito por Becchi e Borando, mostra uma pesquisa realizada com um grupo de crianças pequenas e grandes, moradoras da cidade de Milão, sobre os tempos e os espaços vivenciados por elas no cotidiano doméstico.

Com uso de questionário, as pesquisadoras identificaram e traçaram um perfil dos diversos contextos nos quais elas se inseriam, e numa segunda etapa, conseguiram informações mais apuradas sobre esses contextos, mediante observações e outros instrumentos de pesquisa que revelaram como se concretizava a vida cotidiana dos dois grupos de crianças estudadas.

O segundo texto também apresenta uma pesquisa realizada por Zeiher com crianças de dez anos, moradoras de uma cidade da Alemanha. Nesse estudo, o autor descreve situações vivenciadas por duas crianças, Daniel e Thomas. O relato mostra dois mundos diferentes. Revela, no entanto, características que os aproximam e que identificam a própria vida das crianças: suas ações e a produção da cultura infantil.

A pedagogia italiana, por intermédio dessa obra, nos faz repensar acerca dos tempos e dos espaços oportunizados às crianças, trazendo um debate bastante pertinente que deve ser encaminhado aos cursos de formação de professores. Voltando à questão inicial do livro: como transcorre a vida infantil no cotidiano? Seria interessante acrescentar: o que devemos priorizar? Sim, essas são questões que precisamos discutir, a fim de construirmos uma pedagogia que valorize a infância.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Mar 2006
  • Data do Fascículo
    Dez 2005
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