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O valor do diploma nas práticas de recrutamento de grandes empresas

Resumos

Estudos mostram que diplomas de nível superior facilitam o acesso a posições de trabalho mais bem remuneradas e são uma fonte importante de prestígio e honra social no Brasil. Não obstante, uma ampla literatura afirma hoje a diminuição da importância do diploma nos processos de contratação, argumentando que ele seria cada vez menos suficiente para se conseguir um emprego. Este artigo examina os processos de seleção de engenheiros recém-formados por oito grandes empresas da região de Campinas. Com base em entrevistas com os principais atores da seleção e em observações das rodadas iniciais de uma seleção realizada por firma de consultoria contratada por uma das empresas, o estudo mostra que o peso do diploma obtido em uma universidade de prestígio ainda é a variável mais importante na decisão de contratação, definindo não apenas a obtenção do emprego, mas também o acesso às vagas que levam às posições gerenciais, mais bem remuneradas e mais prestigiosas. Ao final, discute as implicações teóricas e o que esses resultados sugerem em termos de políticas públicas.

ENGENHEIROS; DIPLOMA UNIVERSITÁRIO; IGUALDADE DE OPORTUNIDADES; RECRUTAMENTO


Studies show that higher level diplomas make access to well-paid jobs easier and are an important source of prestige and social honor in Brazil. However, a broad literature today indicates a reduction of the importance of the diploma in hiring processes and argues that having a diploma becomes less and less sufficient for getting a job. This article examines the processes of selection of recently graduated engineers by eight large companies in the region of Campinas. Based on interviews with the main actors of the selection processes and on observation of the initial steps of a selection carried out by a consultancy company hired by one of the companies, the study shows that the weight of a diploma from a prestigious university is still the most important variable for the hiring decision, as it defines not only whether it will be possible to get the job or not, but also the access to vacancies that lead to better paid and more prestigious managerial positions. Finally, it discusses theoretical implications as well as what these results suggest in terms of public policies.

ENGINEERING; BACHELORS DEGREES; EQUAL OPORTUNITIES; RECRUITMENT


OUTROS TEMAS

O valor do diploma nas práticas de recrutamento de grandes empresas

The value of the diploma in the recruitment practices of large companies

Ana Paula Salheb AlvesI; Ana Maria F. AlmeidaII

IPesquisadora Associada ao Grupo de Estudo sobre a Instituição Escolar e Organizações Familiares, da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas ana_salheb@yahoo.com.br

IIProfessora da Faculdade de Educação, Coordenadora do Grupo de Estudos sobre a Instituição Escolar e Organizações Familiares, da Universidade Estadual de Campinas aalmeida@unicamp.br

RESUMO

Estudos mostram que diplomas de nível superior facilitam o acesso a posições de trabalho mais bem remuneradas e são uma fonte importante de prestígio e honra social no Brasil. Não obstante, uma ampla literatura afirma hoje a diminuição da importância do diploma nos processos de contratação, argumentando que ele seria cada vez menos suficiente para se conseguir um emprego. Este artigo examina os processos de seleção de engenheiros recém-formados por oito grandes empresas da região de Campinas. Com base em entrevistas com os principais atores da seleção e em observações das rodadas iniciais de uma seleção realizada por firma de consultoria contratada por uma das empresas, o estudo mostra que o peso do diploma obtido em uma universidade de prestígio ainda é a variável mais importante na decisão de contratação, definindo não apenas a obtenção do emprego, mas também o acesso às vagas que levam às posições gerenciais, mais bem remuneradas e mais prestigiosas. Ao final, discute as implicações teóricas e o que esses resultados sugerem em termos de políticas públicas.

ENGENHEIROS - DIPLOMA UNIVERSITÁRIO - IGUALDADE DE OPORTUNIDADES - RECRUTAMENTO

ABSTRACT

Studies show that higher level diplomas make access to well-paid jobs easier and are an important source of prestige and social honor in Brazil. However, a broad literature today indicates a reduction of the importance of the diploma in hiring processes and argues that having a diploma becomes less and less sufficient for getting a job. This article examines the processes of selection of recently graduated engineers by eight large companies in the region of Campinas. Based on interviews with the main actors of the selection processes and on observation of the initial steps of a selection carried out by a consultancy company hired by one of the companies, the study shows that the weight of a diploma from a prestigious university is still the most important variable for the hiring decision, as it defines not only whether it will be possible to get the job or not, but also the access to vacancies that lead to better paid and more prestigious managerial positions. Finally, it discusses theoretical implications as well as what these results suggest in terms of public policies.

ENGINEERING - BACHELORS DEGREES - EQUAL OPORTUNITIES - RECRUITMENT

O encontro entre indivíduos e postos de trabalho é um momento fundamental dos processos de hierarquização social nas sociedades capitalistas. Define-se, neste caso, a maior ou menor participação de cada indivíduo na distribuição das riquezas materiais e simbólicas coletivamente produzidas numa dada sociedade.

Isso permite conceber o mercado de trabalho como uma máquina de classificar que opera um julgamento sobre o valor social dos indivíduos a cada seleção de candidatos a um posto de trabalho. Os processos de seleção de mão de obra podem constituir, por essa razão, um objeto privilegiado para o estudo das percepções e valores que orientam a definição do valor da pessoa em dada sociedade.

A pesquisa que deu origem a este texto focalizou a maneira pela qual se avalia, no momento da seleção para obtenção de um emprego, a educação escolar a que tiveram acesso engenheiros recém-formados.

Ao destacar a educação nesse estudo, estamos discutindo como opera um princípio de hierarquização social nas sociedades que dispõem de um sistema de ensino. Como se sabe, a relação entre postos de trabalho e credenciais escolares é objeto de ampla literatura. Uma vertente dos estudos mostra que, em diferentes países, há uma correlação positiva entre anos de escolarização e salários. No Brasil, por exemplo, os economistas afirmam que ela é particularmente forte (Birdsall, Sabot, 1996; Barros, Mendonça, 1995; Menezes Filho, 2001). Além disto, alguns trabalhos mostram que essa correlação positiva não é linear, mas sofre saltos nos momentos que correspondem à obtenção de um diploma, isto é, de um certificado de conclusão de um determinado nível de ensino (Menezes Filho, 2001). Isso parece indicar que o mercado de trabalho recorre a mecanismos de avaliação do valor do empregado centrados nos diplomas, produzindo desigualdade de renda entre os indivíduos.

Além disto, outros estudos demonstram que os diplomas de curso superior são nesse país uma fonte de prestígio e honra social que se expressa para além da renda, garantindo até mesmo regimes de tratamento especial por parte da justiça do Estado (Cury, Nogueira, 2001)1 1 . Ver também em Sérgio Buarque de Holanda (1994) e Raymundo Faoro (1987) a associação precoce entre diplomas e carreiras que levam a posições de poder. Ver, para o período mais recente, Maria Rita Loureiro (1997) e Luciano Martins (1985). .

Estamos discutindo também a maneira pela qual a hierarquização social se articula com processos de transmissão de desigualdades entre gerações. Nos estudos clássicos de estratificação social produzidos na década 1960 (Blau, Duncan, 1967; Sewell, Haller, Portes, 1969), por exemplo, o momento do primeiro emprego é considerado um momento de transição da escola para o mercado de trabalho, um passo fundamental para a "autonomização do status" do indivíduo com relação à família. Seria o momento de fazer valer os investimentos materiais e simbólicos realizados nas etapas anteriores da socialização. Embora estudos posteriores tenham nuançado essa percepção, mostrando que na maioria dos países industrializados a transição não é tão "limpa" assim, uma vez que os jovens experimentam idas e vindas entre a escola e o mercado de trabalho (Kerckhoff, 1995), permanece o fato de que os processos de entrada num posto de trabalho ao final de um ciclo de estudos revelam de forma particularmente concreta as interações entre escola e mercado de trabalho e sua contribuição com a transmissão intergeracional das desigualdades sociais2 2 . Sobre isso, ver também Hasenbalg (2003). . Assim, embora a desigualdade de renda associada às credenciais escolares seja mais comumente medida pelos economistas como desigualdade entre indivíduos, ela corresponde mais propriamente a uma desigualdade entre grupos sociais.

Mais recentemente, no entanto, vários estudos que tomam como objeto o funcionamento do mercado de trabalho contemporâneo e, particularmente, as relações entre escolarização e trabalho afirmam que o diploma de curso superior, embora importante, seria cada vez menos suficiente para a obtenção de um posto de trabalho qualificado (Jackson, 2001/2003; Lazuech, 2000). Esse diagnóstico é aplicado também ao Brasil (Régnier, 2007; Paiva, Cavalheiros, Potengy, 2003).

Evidentemente, o que está em jogo nessa discussão não é a importância do diploma, mas a sua carga informativa, isto é, aquilo que ele indica sobre quem o possui e pode apresentá-lo em um processo de recrutamento e seleção. O argumento desenvolvido por esses autores passa pela hipótese de que as mudanças recentes ocorridas nos espaços de produção, considerando-se a noção de "reestruturação produtiva", teriam promovido alterações na definição do trabalhador necessário. Além ou mesmo ao invés de uma qualificação técnica específica, esperar-se-ia agora que o trabalhador apresentasse uma certa destreza para se adaptar a um mundo em constante transformação, capacidade que não estaria incluída no pacote formativo oferecido pelo sistema de ensino. Nesse novo quadro, a hierarquia da estrutura de empregos estaria mais descolada da hierarquia do sistema de ensino e todos os diplomas seriam considerados equivalentes, uma vez que pouco indicariam sobre os novos atributos esperados dos candidatos3 3 . A difusão dessa percepção tem, como mostram Catani, Oliveira e Dourado (2000), afetado a forma como as universidades pensam os seus cursos, inaugurando, uma era de "reformismo curricular" (p.13). .

Um dos amplificadores dessa visão, se não a sua origem, são os profissionais que trabalham na área de Recursos Humanos - RH - em empresas e/ou em consultorias. Tanto nas informações que passam aos sociólogos (Régnier, 2007; Lazuech, 2000), quanto na literatura que produzem (Amaral, 2004) e nas palestras que proferem nas universidades sobre os processos de recrutamento abertos pelas empresas em que trabalham, esses profissionais mobilizam noções como "liderança", "flexibilidade", e "competitividade", entre outras, para descrever as habilidades individuais básicas à obtenção de um posto qualificado. Em geral, eles deixam claro que o diploma é algo cada vez menos decisivo na contratação.

A pesquisa sobre as práticas de recrutamento de engenheiros recém-formados consistiu em examinar como esses são avaliados ao procurar por empregos em grandes empresas. Tentamos, mais precisamente, identificar as qualidades valorizadas pelos empregadores, verificar a maneira pela qual tais qualidades são avaliadas no momento do recrutamento e, finalmente, examinar o papel atribuído ao diploma nesse processo. Para isso, realizamos entrevistas com os principais atores do recrutamento em oito grandes empresas da região de Campinas4 4 . A escolha das empresas foi baseada em levantamento realizado com alunos e professores dos cursos de engenharia da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp - sobre as principais empresas empregadoras de ex-alunos. Entre as citadas foram escolhidas oito, procurando-se variar o setor de atuação. Como resultado, estão presentes no grupo estudado empresas que atuam nos setores automotivo, químico, elétrico, eletrônico e de telefonia. Também foram incluídas duas empresas que atuam apenas em pesquisa e desenvolvimento na área de telecomunicações. Os nomes das empresas foram omitidos e os nomes dos indivíduos foram modificados nesta publicação. Também foram modificados alguns termos que remetem diretamente ao estilo gerencial da empresa e que permitiriam, portanto, sua identificação. e acompanhamos as primeiras rodadas de um recrutamento de engenheiros realizado por uma firma de consultoria, a serviço de uma das empresas envolvidas no estudo5 5 . As etapas observadas consistiram em uma dinâmica de grupo realizada na própria consultoria e uma apresentação feita pelos candidatos em que falavam de si próprios (nome, idade, curso, faculdade, profissão dos pais, quantidade de irmãos, experiência profissional, área de interesse e disponibilidade para o trabalho). Para participar desta etapa do processo, os candidatos já haviam passado pelo cadastro do currículo e pelo teste online de inglês. Ao final dessas etapas, seriam escolhidos mais ou menos dez candidatos que se submeteriam a dinâmicas de grupo na empresa. Os selecionados nessa etapa, no máximo três, fariam uma entrevista com o engenheiro-gerente, encarregado da seleção final. . A pesquisa incidiu principalmente sobre o recrutamento de trainees, grupo do qual serão escolhidos os profissionais efetivados6 6 . Importa explicitar que focalizar os engenheiros significou, nesse quadro, estudar processos de entrada e permanência em posições sociais dominantes uma vez que tratamos aqui de uma profissão que recebe bastante destaque no mercado de trabalho brasileiro, ocupando uma posição que se mantém inabalada há algumas décadas. Como mostram diversos estudos sobre os grupos dirigentes no Brasil (Grün, 1995; Medeiros 2003), os engenheiros permanecem entre os profissionais que recebem as maiores remunerações no Brasil, apesar das crises econômicas e das modificações na estrutura produtiva. Essa percepção sobre o lugar social ocupado pelos engenheiros na sociedade brasileira aparece também no discurso da imprensa, que regularmente documenta a posição privilegiada que ocupam na hierarquia das corporações (Weimberg, 2003, p.76; Lima, 2004, p.44; Mano, 2005, p.20). Além disso, limitar o estudo ao caso dos recém-formados significou definir uma dimensão pela qual a população de candidatos estudada poderia ser uniformizada, permitindo maior eficiência na comparação das avaliações a que eram submetidos. .

COMO SE CONTRATA UM ENGENHEIRO PARA AS POSIÇÕES INICIAIS

Há que se reconhecer que uma contratação bem-sucedida não é necessariamente coisa simples, uma vez que a avaliação dos candidatos é feita em situação bastante artificial, desvinculada dos desafios, pressões e urgências da prática cotidiana e autonomizada das relações que definem o tecido social da empresa na qual o candidato vai atuar. No entanto, contratos de trabalho são fechados com bastante regularidade, mostrando que tanto as empresas quanto os candidatos se consideram satisfeitos para se engajar em uma relação que pretendem duradoura.

Supondo-se que as empresas não tenham muito interesse em arcar com os custos de eventuais "erros de avaliação" cometidos no momento da contratação, o fechamento regular de contratos de trabalho ao final dos processos de seleção parece indicar que estes detêm a capacidade de identificar os candidatos mais adequados aos postos de trabalho.

Como essa adequação é alcançada? De que instrumentos lançam mão os processos de seleção de mão de obra para definir os candidatos mais adequados a um posto de trabalho?

No âmbito dos postos de trabalho qualificado, sabe-se que as credenciais escolares são elementos fundamentais da avaliação por que passa o candidato à vaga no processo de seleção. As credenciais aparecem, num primeiro momento, como instrumento de uma separação no interior do grupo de todos os indivíduos que estão em busca de um emprego. Elas definem os indivíduos que podem ser considerados candidatos legítimos à vaga naqueles casos em que as empresas pedem expressa e explicitamente que eles tenham concluído algum grau de ensino ou alguma formação escolar específica. Num segundo momento, as credenciais podem ser, e muitas vezes são, tomadas como documentos ou como indicadores das qualidades dos candidatos aos postos de trabalho.

Para responder à pergunta sobre o lugar das credenciais escolares no processo de seleção de engenheiros é preciso compreender exatamente como esses são avaliados. Para isso importa examinar como se desenrola o processo. Isso permite identificar os responsáveis em cada etapa, o que, por sua vez, revela que os diferentes profissionais envolvidos não definem da mesma maneira as características buscadas no profissional.

As etapas de contratação de um engenheiro recém-formado são muito semelhantes nas empresas selecionadas para esse estudo e independem do setor de atuação. Isso é verdade tanto quando dirigem elas próprias o processo de recrutamento e seleção, quanto quando o delegam, em parte, pelo menos, a consultorias especializadas7 7 . Embora fuja do escopo do presente trabalho, é importante notar que essa coincidência de métodos de recrutamento não é um dado natural, mas o resultado do recorte adotado em empresas de um tipo específico - vinculadas a grandes corporações multinacionais - e um tipo particular de posto de trabalho - qualificado, mas em fase inicial da carreira. Para uma discussão sobre a variação de processos de recrutamento que focalizou o setor e o tamanho da empresa, o tipo do posto de trabalho e a composição de gênero da força de trabalho, ver Peter Marsden (1994). .

Os depoimentos dos principais atores do recrutamento revelam uma distribuição de responsabilidades entre os dois grupos envolvidos: os profissionais de Recursos Humanos e os engenheiros-gerentes. Ambos os grupos descrevem o processo como colaborativo, fundamentado por uma complementariedade entre as competências específicas dos diferentes profissionais.

A primeira fase do recrutamento consiste na definição, a mais precisa possível, do perfil do profissional desejado. Isso é feito pelo responsável pela área para a qual se abriu a vaga. No caso das empresas em foco, o responsável por essa etapa é sempre um engenheiro-gerente, como explica William, chefe de engenharia de produção da empresa A:

...primeiro a gente envia os requisitos para o [setor de] recrutamento fazer uma descrição do perfil que a gente deseja. [...] Fala: eu quero um engenheiro que tenha esse perfil, tal, tal, tal. Dependendo do projeto, eu posso falar que tenha necessidade de falar um alemão fluente, alguma coisa assim, por exemplo, estágios em alguma área afim, interesse em trabalhar com pessoas, gostar de trabalhar com produção, vai depender muito pra que área você vai... (Entrevista de pesquisa, Campinas, junho 2005)

Após essa etapa, há a divulgação do processo seletivo pela mídia podendo incluir, em certos casos, palestras em algumas universidades.

Inicia-se, então, o período de inscrições. Essas são realizadas em geral pela Internet e consistem no preenchimento de um formulário ou no cadastramento do currículo no site da empresa ou da consultoria contratada para realizar aquele processo seletivo. Em seguida, os candidatos passam por um teste de inglês online e, em alguns casos, um teste de raciocínio lógico. Em todas as empresas analisadas, declara-se o idioma como primeiro filtro nos processos seletivos.

...

sine qua non

, hoje quase 100% dos programas [

trainee

] pedem [um segundo idioma]. O idioma é um filtro. Só o idioma derruba mais de 50% do número de pessoas. Pedem do avançado pro fluente, quer dizer, são pessoas que têm que saber se comunicar e escrever... (Soraia, psicóloga - presidente da Consultoria Gama; entrevista de pesquisa, Vinhedo, 2005)

Após o teste de idioma, passa-se para a etapa dita presencial, que consiste em dinâmicas de grupo e entrevista. De todos os processos seletivos estudados, as únicas empresas que não realizam dinâmica de grupo são aquelas que se ocupam de pesquisa e desenvolvimento8 8 . Nos depoimentos, os profissionais de Recursos Humanos dessas empresas justificam a renúncia às dinâmicas de grupo, afirmando que "as pessoas envolvidas com pesquisa não se prestam a dinâmicas. Eles ficam entediados" (Cecília, administradora de empresas, consultora interna de RH do Instituto de Pesquisa B; entrevista de pesquisa, Campinas, 2005). .

As dinâmicas de grupo são acompanhadas por todos os profissionais que participam do recrutamento, isto é, os profissionais de Recursos Humanos e os engenheiros-gerentes que definiram a vaga. Elas variam um pouco, de acordo com a empresa ou consultoria. Basicamente é apresentado um case para o grupo de candidatos que, nesse ponto, está dividido em grupos de, em média, 15 indivíduos. O case é um problema a ser solucionado coletivamente. A partir das interações estabelecidas pelos participantes no esforço para resolver o problema, buscam-se elementos para avaliar, principalmente, a capacidade de o candidato se adaptar à função. Privilegia-se aquilo que os profissionais de RH denominam "competências comportamentais". No final dessa etapa, que pode consistir de uma a duas ou, mais raramente, três rodadas de dinâmica, são escolhidas, em média, três candidatos para a entrevista final.

...a dinâmica de grupo é normalmente uma situação com que talvez o profissional possa se deparar no dia a dia, numa vivência empresarial e como é a postura dele diante daquele problema, quando se resolve no grupo. Normalmente são

cases

bem profundos que exigem uma boa avaliação por parte dos candidatos, tá? E o

trainee

, através do desempenho dele no processo, vai demonstrar se tem ou não competência. Tem uma avaliação das competências para que ele possa ir para uma etapa seguinte do processo. É através dele que a gente seleciona os que vão para a etapa final. Embora, claro, vá demandar uma análise técnica da situação, mas fica muito no subjetivo [...]. É muito mais comportamento mesmo... (Verônica, administradora de empresas, analista de RH da Empresa A; entrevista de pesquisa, Campinas, 2005)

Após a rodada das dinâmicas de grupo, o número de candidatos já está bem reduzido. É realizada, então, a última etapa do recrutamento, que consiste em uma entrevista com o engenheiro-gerente requisitante da vaga. Nesse momento, os critérios são percebidos de modo ainda mais subjetivo, como explica esse profissional:

...depois da dinâmica tem uma entrevista pessoal. Eu falo, eu gostei, desse, desse, desse, e daí eu trago aqui na área, mostro o que a gente pode oferecer pra ele, mostro pra ele o trabalho que ele vai fazer, o que se espera dele e aí eu pergunto pra ele se ele tem empatia com a área, se ele consegue se ver trabalhando nisso. Então... aí eu fico de olho no brilho do olho da pessoa. Eu acho que a grande coisa é o brilho no olho... (William, engenheiro, chefe de engenharia de produção da Empresa A)

O processo de seleção, tal como descrito pelos nossos informantes, parece não dar mesmo lugar para uma avaliação da origem do diploma dos candidatos, focalizando as competências ditas comportamentais. Até esse ponto, tudo parece indicar que o diploma serve essencialmente como instrumento de corte entre aqueles que concluíram um curso superior de engenharia e aqueles que não concluíram.

Isso significaria que todos os diplomas são iguais? Foi essa pergunta que nos permitiu compreender um importante não-dito dos processos de recrutamento. Constatar que há uma seleção anterior, eufemizada ou mesmo negada pelos profissionais de RH. Os engenheiros-gerentes são bastante abertos quanto a isso. Um deles nos explicou por que que a avaliação dos candidatos é tão fortemente baseada em características mais subjetivas:

...[eu não me preocupo com a avaliação técnica porque] eu imagino que uma pessoa que passou seis horas por dia numa faculdade, durante cinco anos, não tem como, nem que seja por osmose ele pegou isso. Por isso que eu já até faço a opção por uma faculdade de primeira linha, porque eu sei que mesmo ele não querendo, ele aprendeu, diferente de uma faculdade de três horas por noite que a pessoa, por mais que ela queira aprender, ela não... (William, engenheiro, chefe de engenharia de produção da Empresa A)

Em que momento, no entanto, faz-se a "opção por uma faculdade de primeira linha" mencionada pelo engenheiro-gerente?

Segundo os entrevistados, essa opção é feita no momento de construção do "perfil da vaga", na primeira etapa do recrutamento. Trata-se de uma instrução específica, verbal, e que não é formalizada no material de divulgação. Uma forma de implementá-la é solicitar dos profissionais de RH a realização de palestras de divulgação da vaga em universidades selecionadas.

Trata-se, segundo as pessoas entrevistadas, de uma demanda dos engenheiros-gerentes, aliás, bastante combatida pela maioria dos profissionais de RH:

As universidades de ponta que eles [engenheiros] consideram são as universidades públicas, né? O pessoal do RH é meio contra falar de... falar isso aí... o que é uma faculdade de ponta... Por uma questão de não acreditar mesmo. Porque é o ser humano. Se ele chegou, a gente deixa livre. A gente não gosta de rotular. (Fatima, psicóloga, especialista em RH da Empresa C; entrevista de pesquisa, 2004)

Assim, embora o processo de recrutamento seja descrito como algo essencialmente colaborativo, com uma distribuição bastante consolidada dos papéis, funções e lugares de cada grupo de profissionais e, pelo menos aparentemente, baseada em um acordo sobre a competência específica de cada um, essa percepção não resiste a um exame mais minucioso que revela o recrutamento como uma arena de lutas na qual esses profissionais encontram-se em posições bastante diferentes.

O RECRUTAMENTO COMO ARENA DE LUTAS: RH VERSUS ENGENHEIROS

Os discursos sobre os diplomas explicitam o embate entre engenheiros-gerentes e profissionais de RH. Convivem no recrutamento dois discursos contraditórios:

O diploma indica simplesmente que a pessoa fez um curso superior e está apta a participar de um programa de desenvolvimento de jovens. Se ele fez [a graduação] na Unicamp, se ele fez... muitas vezes não é nem olhado... (Soraia, psicóloga, presidente da Consultoria Gama)

O diploma tem um poder decisivo no processo seletivo. A pessoa que está aqui [na Unicamp] ralou mais pra entrar, não [é] só a marca, mas o que isso representa para a história de vida ter passado por essa universidade, até pelo nível de exigência. O discurso do pessoal de RH [desqualificando a importância do diploma] centra-se no politicamente correto... (Rogério, engenheiro elétrico, presidente da Empresa D; entrevista de pesquisa, 2005)

Assim, de um lado, os profissionais de RH negam utilizar a universidade de origem dos candidatos como indicador de sua qualidade, privilegiando as chamadas competências individuais, medidas por dinâmicas e entrevistas. De outro lado, os engenheiros-gerentes dizem atribuir grande importância à origem do diploma, usando-o como indicador do valor do candidato diante de seus concorrentes. Vejamos mais precisamente como isto se manifesta.

UM MUNDO SEM FRONTEIRAS: PROFISSIONAIS DE RH E COMPETÊNCIAS INDIVIDUAIS

O discurso dos profissionais de recursos humanos encontra-se fortemente ancorado no que eles chamam "competências" dos candidatos. Essas não são nunca claramente definidas e decididamente não são técnicas. Como será visto, elas se referem a um conjunto bastante amplo de habilidades e características.

Soraia, fundadora, proprietária e presidente de uma consultoria em recrutamento de médio porte, pode ser considerada uma das porta-vozes mais mobilizadas na defesa da priorização dos aspectos comportamentais em detrimento dos aspectos técnicos nos processos de recrutamento. Formada em Psicologia pela Faculdades Metropolitanas Unidas - FMU -, ela exemplifica a posição dos outros profissionais de RH entrevistados. Afirma categoricamente que a origem do diploma universitário "não é mais levada em consideração nos processos seletivos".

O assunto é abordado em seu livro9 9 . Para evitar a identificação da profissional, o livro não será citado neste trabalho. , sobre como orientar os jovens em início de carreira, no qual ela argumenta que até a primeira metade da década de 1990 o valor do currículo de uma pessoa era dado fundamentalmente pela faculdade de origem. Dessa maneira, quem cursava uma faculdade de primeira linha tinha, praticamente, sua carteira de trabalho carimbada. Segundo ela, com o tempo, as empresas teriam começado a perceber que os egressos dessas faculdades eram muito inteligentes, mas apresentavam outros tipos de dificuldade, principalmente no que se refere ao relacionamento com os outros, colegas e subordinados. Em contrapartida, os alunos medianos, que levavam a escola como apenas um dos pontos da vida, tinham a oportunidade de desenvolver habilidades comportamentais importantes, pois, como afirmou na entrevista, "a universidade emburrece nas questões comportamentais".

...a universidade se preocupou em [...] estar atualizada quanto aos conteúdos técnicos a dar, mas não se atualizou quanto à forma de dar aula, à metodologia do dar aula. [...] os métodos de ensino sendo os mesmos. Aí o que ela faz? Chega lá, os professores, doutores, mestrados, pós-doutorados, donos do saber, passam pra você uma bibliografia, uma matéria, pra estudar e tirar nota. Poucos deles fazem construir um raciocínio, [fazem] você questionar o porquê daquela forma. Então deixa o aluno num fator extremamente pacífico [

sic

], só de receber... (Entrevista de pesquisa, 2005)

Ainda segundo ela, em um determinado momento da década de 1990, as empresas teriam percebido que "era mais fácil ensinar assuntos técnicos, como química de performance e matemática financeira básica do que determinação, garra, iniciativa, entre outros". Por isso, considera que tais empresas teriam deixado de se importar com a origem do diploma, uma vez que todas ou quase todas as universidades teriam condições de formar essas competências técnicas. A dificuldade seria encontrar as pessoas com as competências necessárias para interagir no ambiente de trabalho. Daí a nova importância assumida pelos departamentos de recursos humanos e de uma metodologia de trabalho específica, desenvolvida por eles, a "gestão de pessoas por competência". Tudo isso teria provocado mudanças fundamentais no espaço do recrutamento:

...mudou dizendo assim, eu valorizo mais o que a pessoa é enquanto ser humano, que competências comportamentais ele traz, que habilidades humanas ele traz e aquilo que é técnico, eu desenvolvo, eu ensino. Porque lá na Unicamp ele com certeza vai aprender na engenharia química, química fina, só que fazer química fina eu vou ter que ensinar pra ele a especialidade de como é que faz um sabonete, [...] aí já que eu vou ter que ensinar como é que faz um sabonete eu também ensino um pouquinho mais de química fina, até porque muitas vezes as universidades ensinam errado! Porque os professores muitas vezes são acadêmicos que nunca viveram o mundo do trabalho e às vezes o que é na teoria não é na prática, então isso fez com que tivesse uma revolução no mercado de trabalho, e, hoje, de uma forma geral, seja para contratação de um presidente, seja para contração de um estagiário, o que mais é levado em consideração são as competências comportamentais e aí, com isso, a universidade de grife, ele ser de primeira linha, ser de quinta linha, perdeu a importância. Com isso veio também a questão da globalização. Com a globalização, já era valorizado antes, mas valorizou-se muito mais o idioma, então hoje, assim, se eu sei me relacionar, se eu sei argumentar, se eu tenho uma capacidade analítica e eu sei falar inglês, eu estou em igualdade de condição de qualquer aluno. Então aluno que ralou pra entrar na Unicamp, ele vai concorrer com aluno da pior universidade daqui de Campinas ou do Brasil. Com a Internet, tivemos 27.500 inscrições, gente do Brasil inteiro lá de Manaus ao Chuí, brasileiros que estão fora do Brasil, fazendo faculdade fora do Brasil. Então se globalizou as oportunidades do mercado de trabalho... (Entrevista de pesquisa, 2005)

As competências arroladas são competências sociais. Embora descritas em vocabulário psicologizante que as trata como "habilidades humanas", trata-se de competências sociais que permitem estabelecer um bom relacionamento com chefes, colegas e subordinados, trata-se de capacidades intelectuais relativas à argumentação e à análise, todas elas resultado de um processo de aprendizado que, ao contrário do que dizem acreditar os profissionais de RH, não está distribuído de forma tão aleatória entre os diferentes grupos sociais. Os profissionais do RH estão cientes de que há uma diferença entre a percepção deles e a dos engenheiros-gerentes:

É uma linguagem de engenheiro, faculdade, universidade de ponta e está quebrando um pouco, de uns tempos para cá, até porque a gente tá vendo na prática, né? Porque sendo pessoas mais antigas, engenheiros mais antigos estudaram nas chamadas universidades de ponta. E quanto ao comportamento, sem comentários. Você pega o pessoal mais jovem ou de outra universidade que tão ralando aí e cresceram, né?" (Fatima, psicóloga, especialista em RH da Empresa C; entrevista de pesquisa, 2004)

Embora negando-se a empregar o discurso da competência técnica dos engenheiros-gerentes, os profissionais de RH não conseguem negar a forte seletividade social nos processos de recrutamento e seleção não tanto quando reconhecem a importância do teste de inglês, mas quando discutem as suas implicações. E é na discussão sobre o idioma que o jogo do recrutamento aparece em toda sua crueza:

...partindo do pressuposto que todos já vêm com o idioma, então com certeza as competências falam mais alto no processo seletivo, porque o idioma já é pré-requisito. Ele [o candidato] ter um segundo idioma, o.k., ele já vai fazer parte do processo, saber o terceiro e ter um comportamento mais adequado certamente ele [recrutador] vai buscar quem tem o comportamento. Assim, é preferencialmente, mas não que seja excludente, que um aluno de uma outra faculdade participe do processo. O que a gente percebe é... assim... e isso até entre nós, uma pessoa que teve uma formação na Unicamp, por exemplo, ela já tem uma estrutura que já vem com idioma. O que acontece muitas vezes [é] que quem trabalha e estuda a noite às vezes acaba não tendo tempo de se qualificar na questão do idioma. Então... na hora do processo é meio que... acho que a questão da prioridade... é mais centrado na questão do idioma, né, do que na formação. Mas é que acaba calhando... (Verônica, administradora de empresas, analista de RH da Empresa A)

Trata-se neste caso de uma seleção social que os engenheiros não têm tanta dificuldade de reconhecer.

A FORÇA DA HIERARQUIA: OS ENGENHEIROS-GERENTES E A COMPETÊNCIA TÉCNICA

Não chega a ser surpreendente que o ponto de partida dos engenheiros das mesmas empresas para discutir o recrutamento e a seleção seja bastante diferente. O engenheiro-gerente da empresa B, por exemplo, embora afirme que atribui grande importância ao comportamento dos candidatos, ressalva que essa questão passa a ser um critério somente quando esses já passaram pelo crivo da origem do diploma.

...[o comportamento] é o diferencial hoje. Todo mundo tem o produto, todo mundo tem qualidade, todo mundo tem serviço. O comportamento é um fator que diferencia, é o diferencial. As relações interpessoais... hoje isso é considerado um fator muito importante na fidelização de clientes... A pessoa tá cursando uma universidade, com nível de Unicamp, de Universidade de São Carlos, né, Federal de São Carlos, a gente já sabe que é uma pessoa muito bem formada. Então, assim, a gente não tem muita preocupação de estar avaliando tecnicamente essa pessoa. O lado pessoal, o lado assim comportamental é muito mais importante. Esse lado comportamental vai facilitar ele conviver melhor com as pessoas aqui dentro, então tudo depende do relacionamento mesmo, isso daí é muito fortemente abordado nas entrevistas... é porque a gente já escolhe algumas universidade, né, Unicamp, Universidade de São Carlos e a gente acha isso daí. Ele vindo de uma universidade... já está preconcebido que ele está apto a estar exercendo esse tipo de função ou a ter esse conhecimento. A gente [então] avalia muito mais, realmente, o equilíbrio, fator relacionamento, a criatividade de sair de situações embaraçosas assim, jogo de cintura que a gente chama. Isso daí é muito importante, muito importante... (Lauro, engenheiro, gerente de operações da Empresa B)

Apesar de o processo seletivo ser aberto "para todos", um dos engenheiros-gerentes explica que a entrada de estudantes oriundos de faculdades particulares

...é recente, a própria empresa de recrutamento [...] começou a olhar bons currículos, começou a colocar, começou a chamar e o negócio foi crescendo, mas de engenharia especificamente, de engenharia eu não vi ninguém da área de... Já veio aluno [universidade particular], pra participar do processo, mas efetivo, que eu saiba, nenhum ainda se tornou. (Alexandre, engenheiro, coordenador de engenharia de manutenção da Empresa C)

UM CASO EXEMPLAR

De maneira mais clara e direta, o engenheiro entrevistado da Empresa A oferece um exemplo da associação entre diplomas e percursos possíveis dentro da empresa. Trata-se do caso de dois engenheiros recém-formados.

...nós temos casos, por exemplo, de engenheiros recém-formados que foram aproveitados da produção. Eles eram supervisores, eram operadores [na empresa], e fizeram curso de engenharia. Então, esses aí, normalmente, eles já têm uma certa afinidade com alguma etapa do processo e aí, existindo uma disponibilidade de vaga, desse mesmo departamento, nessa área, a gente faz o aproveitamento, sim. [...] Outras vezes, a gente pega alguém que se formou agora no começo do... fim do ano, né? Ele foi estagiário durante seis meses e se formou numa escola de primeira linha, lá na USP São Carlos. Falava inglês e alemão fluente e veio aqui pra gente fazer o desenvolvimento de um sistema de produtividade. Só que nesses dois meses ele teve até uma parte do relacionamento, aquela parte da atitude, tão forte que efetivou uma vaga em janeiro, de um outro produto, aqui no nosso mesmo meio e todos os colegas vieram aqui e falaram - contrata fulano que ele é capaz, ele tem dois idiomas, tem uma boa formação, que é o que a gente precisa - aliás três idiomas, né? Porque tem alemão, inglês e português, e [com] ele [foi] diferente de muitos engenheiros recém-formados que precisam ganhar espaço. Agora em março ele foi pra Alemanha e ficou um mês junto com outros colegas lá, num serviço da empresa, e todos os colegas o indicaram, mesmo os mais velhos o indicaram, que ele deveria ser a pessoa pra ir. (Willian, engenheiro, chefe de engenharia de produção da Empresa A)

Ao ser questionado sobre o motivo principal da diferença de percurso na empresa entre a pessoa que veio da linha de produção e o estagiário da USP, ele respondeu:

...eu acho que uma pessoa que... quem faz uma faculdade pública, ela já tem uma formação diferente. Se a gente for pesquisar... Isso não é preconceito, mas ela teve oportunidades melhores na vida do que os outros que fizeram faculdades noturnas. Então tudo isso faz parte da formação, aquilo que a gente discutiu, atitude, capacitação e comportamento. Atitude não é por acaso, ela tem toda uma história de vida, e a vantagem de uma pessoa que fez uma faculdade noturna e trabalhava já na empresa, ela tem muito do conhecimento específico e no final às vezes fica fazendo falta aquela base de quem fez uma faculdade integral, de quem fez um bom colégio técnico tal. Então eu acho que, eu vou arriscar, mas vou falar alguma coisa assim, quando você contrata uma pessoa que está fazendo carreira dentro da empresa e, por uma infelicidade social, a pessoa faz uma faculdade noturna, ela tem uma vida mais finita do que o outro. Em qualquer lugar, em qualquer lugar, a tendência de crescimento, de desenvolvimento, de outras coisas... A tendência, não é uma regra, mas é uma tendência, [é] que ela não vai conseguir oferecer muito mais. Enquanto quem faz uma faculdade de primeira linha tem toda uma base social diferenciada. Eu acho que consegue melhores resultados.

Como se vê, a análise dos discursos desses profissionais permite explicitar as posições opostas em que se encontram nos processos de recrutamento. No entanto, não é possível compreender de onde cada um deles fala sem se debruçar também sobre as ambiguidades e lacunas que as entrevistas revelam. É assim que a proprietária e presidente da Consultoria Gama, por exemplo, após afirmar categoricamente a ocorrência de uma mudança inexorável nos esquemas de percepção das qualidades dos candidatos, resume com uma franqueza desarmante: "eu me considero claramente uma pessoa que se tivesse entrado no mercado de trabalho hoje, eu não seria aprovada num programa de trainee, porque eu não falo inglês fluente, porque eu não fiz uma universidade de primeira linha".

As posições, no caso, não são apenas opostas, mas correspondem também a uma hierarquia associada a diferenciais de poder que se concretiza, no recrutamento, pelo fato de que os engenheiros-gerentes detêm a prerrogativa de definir tanto o perfil da vaga, no início do processo, quanto o candidato a ser contratado, no final.

Os depoimentos permitem, em primeiro lugar, ver que a seleção dos candidatos operacionaliza uma definição bidimensional das qualidades esperadas do indivíduo a ser contratado, privilegiando tanto competências técnicas quanto competências sociais, às vezes percebidas ou rotuladas como comportamentais. Em segundo lugar, eles permitem perceber que essas duas dimensões das competências estão estreitamente conectadas e que cada mecanismo de seleção ativado ao longo do processo de recrutamento incide ao mesmo tempo sobre ambas as dimensões. Assim, por exemplo, a prova de inglês "avançado", no dizer de uma das profissionais de RH, pode funcionar como um instrumento de captação dos estudantes oriundos de universidades públicas, mais prestigiosas e nas quais se formam os melhores técnicos, mas também onde se formam aqueles que estiveram, desde a infância, imersos em ambientes familiares capazes de produzir uma série de competências apreciadas pelas empresas, como a capacidade e a possibilidade de se pensar como líder, a disposição para organizar o futuro como um projeto que exige investimentos no presente e, consequentemente, poder se concentrar em resultados, entre outras.

A associação entre competência técnica e competência social não é fortuita, mas é o resultado do arranjo institucional específico que comanda a distribuição de oportunidades educacionais entre os diferentes grupos na sociedade brasileira.

Como o locus de aprendizagem da língua inglesa não é a escola regular, pública ou não, mas os cursos livres e, principalmente, uma vez que estamos falando de um nível avançado de domínio da língua, das possibilidades de intercâmbio durante os anos de escola ou universidade, o acesso a essa competência, que poderia ser percebida apenas como técnica, acaba reservado àqueles cuja história familiar e/ou pessoal preparou para pensar tal investimento como interessante e que, ao mesmo tempo, podem arcar com o seu custo.

Provoca-se, assim, uma reação em cadeia: selecionar pela habilidade de falar bem e escrever em inglês implica privilegiar jovens recém-formados das universidades públicas. Isso, por sua vez, implica selecionar egressos das escolas secundárias privadas mais seletivas, às quais têm acesso apenas os que nasceram em famílias que dispõem dos recursos econômicos e simbólicos capazes de orientá-los nessa direção. Tudo isso revela a seleção social em curso nos processos de recrutamento e seleção, os mais objetivos e racionais.

No item seguinte, discutimos os princípios que guiam as tomadas de posição dos profissionais de RH e dos engenheiros-gerentes com relação a essa forma de avaliação dos candidatos.

MÚLTIPLAS OPOSIÇÕES

Até aqui procuramos mostrar como as interações entre profissionais de RH e engenheiros-gerentes acabam por configurar uma situação de seleção caracterizada essencialmente por um forte viés conservador do status quo. Como vimos, isso não é resultado de um acordo entre os atores do recrutamento, uma vez que, durante a análise das entrevistas, ficou evidente que o processo de recrutamento é marcado por uma diferenciação entre os pontos de vista dos profissionais envolvidos. Mais do que uma diferenciação, no entanto, trata-se de uma hierarquização que se vincula às características sociais e profissionais dos envolvidos. Essas estão estruturadas como oposições múltiplas mas interligadas, expressando-se em três dimensões: a profissão e ocupação dos profissionais entrevistados (engenheiros-gerentes versus psicólogos/administradores); universidade de origem (primeira linha versus segunda linha); e por fim o gênero (homens versus mulheres).

No que se refere às características dos profissionais do recrutamento, percebe-se que, nas oito empresas estudadas, há um predomínio de psicólogos, encontrando-se mais raramente administradores de empresas "a minha gerente é psicóloga, a minha supervisora é psicóloga. Nessa área de carreira e recrutamento e seleção, somos todos psicólogos..." (Gláucia, psicóloga, planejamento de carreira, RH; entrevista de pesquisa, Campinas, 2005).

A oposição aqui não é tanto entre Psicologia/Administração e Engenharia, mas entre Psicologia e Administração na posição de profissional de Recursos Humanos e engenheiro. Embora faltem pesquisas mais específicas sobre a hierarquização das áreas de atuação no interior dos grupos profissionais, sabemos que no interior dos cursos de Psicologia a atuação na área de recursos humanos é menos nobre. Isso aparece nas percepções dos próprios estudantes de Psicologia (Bastos et al., 2005), mas também pode ser aferido pela ausência ou quase ausência de programas de formação específica nessa área nos cursos de Psicologia das universidades mais prestigiosas que concentram a formação na área clínica.

Além disso, os psicólogos e administradores da nossa amostra foram formados nas mesmas faculdades privadas consideradas nesse universo como "de segunda linha" e não receberam nenhum tipo de formação específica para atuar na área de Recursos Humanos durante os cursos de graduação. Apenas uma delas havia feito um Master in Business Administration - MBA - na Fundação Getúlio Vargas.

Os engenheiros, por sua vez, na sua totalidade, atuam na área nobre da profissão e são formados em universidades públicas consideradas "de primeira linha".

Essas oposições, por sua vez, estão associadas a uma relação de gênero: enquanto o grupo de psicólogos é constituído em maioria por mulheres, no segundo, predomina a presença masculina. Não parece ser por acaso que os salários divulgados na imprensa especializada sejam maiores para os gerentes de projeto e de operações, cargos ocupados pelos engenheiros entrevistados, e menores para os gerentes de pessoal e de Recursos Humanos, cargos ocupados pelas psicólogas e administradoras.

Como se pode ver, o momento da seleção de cada novo candidato é também o momento de enfrentamento de profissionais enredados numa luta simbólica para fazer valer a própria competência específica e, logo, seu lugar na empresa. Do lado do mercado de trabalho, é o resultado cotidiano desse enfrentamento que define em boa parte as oportunidades que ali encontram os jovens recém-formados.

O QUE SE APRENDE PELO ESTUDO DOS PROCESSOS DE RECRUTAMENTO

A oposição existente entre os profissionais que participam do processo seletivo (engenheiros-gerentes versus profissionais de RH) indica que, por um lado, os profissionais de RH parecem agir ou ser compelidos a agir, mesmo sem ter consciência disso, como um mecanismo de amortecimento dos conflitos em torno da democratização da educação na própria tentativa de inverter uma hierarquia simbólica que os coloca em posição secundária nesse contexto (Grün, 1995). Escudados por uma suposta "ciência" dos recrutamentos, apoiados em seus diplomas de Psicologia e Administração, esgrimindo a sua alegada capacidade técnica de definir quem é apto ou não a atuar nesse espaço social que é a empresa, os psicólogos constroem o que parece ser uma mitologia pós-moderna sobre o funcionamento do mercado de trabalho - negando o que se lhes passa diante dos olhos: o fato de que a grife do diploma abre e fecha portas nas empresas; de que é um indicador, mais do que de competência técnica, de competência social. Dessa maneira, contribuem para vender a ilusão da mobilidade social perfeita, a do país das oportunidades, para uma população que experimenta no cotidiano uma das mais altas taxas de desigualdade do planeta.

O discurso de aparente igualdade de oportunidades em um meio de profundas e duradouras desigualdades dá margem a algumas hipóteses dignas de serem exploradas em pesquisa mais ampla. Uma delas é que o discurso dos profissionais de RH só pode ser o que é porque constitui resultado de uma estratégia coletiva de reconversão dos próprios diplomas, originada nos processos de inflação dos certificados escolares. Marginalizados pelo pouco valor atribuído a suas credenciais escolares, esses profissionais tiveram a possibilidade de utilizá-las em um espaço do mercado de trabalho que, na lógica de suas profissões, é subalterno, embora encontre-se em expansão.

Interessa, nesse caso, interrogar sobre a ausência, na amostra de empresas especializadas nesse trabalho, de profissionais de RH formados nas universidades ditas de primeira linha. Tratar-se-ia de coincidência ou seria revelador de uma situação mais geral? Aproveitando-se das transformações nos modos de gerência do trabalho nessa fase do capitalismo, o diploma desvalorizado pode, apesar disso, constituir um mecanismo coletivo de proteção, na medida em que o poder do diploma é coletivo e não pode ser contestado individualmente (Bourdieu, Boltanski, 1998).

Os engenheiros, por sua vez, munidos de um diploma que atesta de forma inquestionável nesse ambiente a sua competência técnica e social, tampouco explicitam o quanto utilizam o diploma para avaliar uma competência que, tanto quanto técnica, é também social. Sentindo-se garantidos ou se tentando garantir por um título considerado de primeira linha que lhes assegura competência, se não de fato, com certeza de direito (Bourdieu, Boltanski, 1998), esses engenheiros acabam por desempenhar um papel ativo na reprodução da sua própria situação ao longo do tempo ao priorizar, nos processos de seleção, engenheiros recém-formados que ostentam títulos escolares de mesmo "valor" que os seus, justificando esta prática ao associar à passagem por determinadas universidades um certo número de benefícios materiais e simbólicos. Nesse processo, terminam por estabelecer "uma luta simbólica não explícita, que visa à imposição do princípio de excelência legítimo" para as práticas de recrutamento (Grün, 1995).

O exame dessa questão oferece, assim, pistas produtivas para se pensar sobre a maneira como se relacionam os diplomas e os cargos, o nominal que oculta a disparidade real, explicitando alguns elementos que fundamentam a contribuição da escola na produção das desigualdades. O fato de que as microinterações cotidianas permitem traduzir a hierarquia da escolarização em hierarquia social revela o processo mais geral pelo qual a educação podese constituirem produtor de desigualdades (inclusive de renda), embora em sentido bastante diferente daquele pensado pela teoria do capital humano.

Trata-se de uma constatação que permite compreender melhor o que está em jogo na atual discussão sobre a expansão do ensino superior no Brasil, particularmente no que diz respeito à ambiguidade das implicações da eventual decisão de se apoiar essa expansão na diversificação da oferta.

Recebido em: outubro 2007

Aprovado para publicação em: setembro 2008

Esse artigo apresenta resultados de pesquisas realizadas com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - Fapesp.

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  • 1
    . Ver também em Sérgio Buarque de Holanda (1994) e Raymundo Faoro (1987) a associação precoce entre diplomas e carreiras que levam a posições de poder. Ver, para o período mais recente, Maria Rita Loureiro (1997) e Luciano Martins (1985).
  • 2
    . Sobre isso, ver também Hasenbalg (2003).
  • 3
    . A difusão dessa percepção tem, como mostram Catani, Oliveira e Dourado (2000), afetado a forma como as universidades pensam os seus cursos, inaugurando, uma era de "reformismo curricular" (p.13).
  • 4
    . A escolha das empresas foi baseada em levantamento realizado com alunos e professores dos cursos de engenharia da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp - sobre as principais empresas empregadoras de ex-alunos. Entre as citadas foram escolhidas oito, procurando-se variar o setor de atuação. Como resultado, estão presentes no grupo estudado empresas que atuam nos setores automotivo, químico, elétrico, eletrônico e de telefonia. Também foram incluídas duas empresas que atuam apenas em pesquisa e desenvolvimento na área de telecomunicações. Os nomes das empresas foram omitidos e os nomes dos indivíduos foram modificados nesta publicação. Também foram modificados alguns termos que remetem diretamente ao estilo gerencial da empresa e que permitiriam, portanto, sua identificação.
  • 5
    . As etapas observadas consistiram em uma dinâmica de grupo realizada na própria consultoria e uma apresentação feita pelos candidatos em que falavam de si próprios (nome, idade, curso, faculdade, profissão dos pais, quantidade de irmãos, experiência profissional, área de interesse e disponibilidade para o trabalho). Para participar desta etapa do processo, os candidatos já haviam passado pelo cadastro do currículo e pelo teste
    online de inglês. Ao final dessas etapas, seriam escolhidos mais ou menos dez candidatos que se submeteriam a dinâmicas de grupo na empresa. Os selecionados nessa etapa, no máximo três, fariam uma entrevista com o engenheiro-gerente, encarregado da seleção final.
  • 6
    . Importa explicitar que focalizar os engenheiros significou, nesse quadro, estudar processos de entrada e permanência em posições sociais dominantes uma vez que tratamos aqui de uma profissão que recebe bastante destaque no mercado de trabalho brasileiro, ocupando uma posição que se mantém inabalada há algumas décadas. Como mostram diversos estudos sobre os grupos dirigentes no Brasil (Grün, 1995; Medeiros 2003), os engenheiros permanecem entre os profissionais que recebem as maiores remunerações no Brasil, apesar das crises econômicas e das modificações na estrutura produtiva. Essa percepção sobre o lugar social ocupado pelos engenheiros na sociedade brasileira aparece também no discurso da imprensa, que regularmente documenta a posição privilegiada que ocupam na hierarquia das corporações (Weimberg, 2003, p.76; Lima, 2004, p.44; Mano, 2005, p.20). Além disso, limitar o estudo ao caso dos recém-formados significou definir uma dimensão pela qual a população de candidatos estudada poderia ser uniformizada, permitindo maior eficiência na comparação das avaliações a que eram submetidos.
  • 7
    . Embora fuja do escopo do presente trabalho, é importante notar que essa coincidência de métodos de recrutamento não é um dado natural, mas o resultado do recorte adotado em empresas de um tipo específico - vinculadas a grandes corporações multinacionais - e um tipo particular de posto de trabalho - qualificado, mas em fase inicial da carreira. Para uma discussão sobre a variação de processos de recrutamento que focalizou o setor e o tamanho da empresa, o tipo do posto de trabalho e a composição de gênero da força de trabalho, ver Peter Marsden (1994).
  • 8
    . Nos depoimentos, os profissionais de Recursos Humanos dessas empresas justificam a renúncia às dinâmicas de grupo, afirmando que "as pessoas envolvidas com pesquisa não se prestam a dinâmicas. Eles ficam entediados" (Cecília, administradora de empresas, consultora interna de RH do Instituto de Pesquisa B; entrevista de pesquisa, Campinas, 2005).
  • 9
    . Para evitar a identificação da profissional, o livro não será citado neste trabalho.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Maio 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Aceito
      Set 2008
    • Recebido
      Out 2007
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