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Voucher educacional: nova e discutível panacéia para a América Latina

Educational voucher: a new and debatable panacea for Latin America

Resumos

Este artigo propõe-se a analisar as matrizes teóricas do sistema de voucher educacional, o qual consiste no subsídio oferecido pelo Estado às famílias, para que elas paguem a escola em que desejam que seus filhos estudem. Formula uma crítica aos vários pressupostos do sistema, fornece informações que desmentem conclusões centrais da proposta e sintetiza resultados de algumas experiências de adoção do voucher em diferentes países, detendo-se particularmente nas realizadas na Argentina, Chile e Uruguai.

ESCOLA; SISTEMA VOUCHER EDUCACIONAL; ANÁLISE DE SISTEMAS


The purpose of this article is to analyze the theoretical matrixes of the educational voucher system that consists of subsidies provided by the state, so families can pay for the school in which they want their children to study. It criticizes several premises of the system, provides information which challenges central conclusions of the proposal and synthesizes results of some experiments in adopting the voucher system in different countries, examining especially the ones carried out in Argentina, Chile and Uruguay.

SCHOOL; VOUCHER EDUCATIONAL SYSTEM; SYSTEMS ANALYSIS


OUTROS TEMAS

Voucher educacional: nova e discutível panacéia para a América Latina

Educational voucher: a new and debatable panacea for Latin America

Gustavo Cosse

Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais – Flacso (Buenos Aires), E-mail: gustavocosse@wanadoo.fr

Tradução: Isolina Rodriguez Rodriguez

RESUMO

Este artigo propõe-se a analisar as matrizes teóricas do sistema de voucher educacional, o qual consiste no subsídio oferecido pelo Estado às famílias, para que elas paguem a escola em que desejam que seus filhos estudem. Formula uma crítica aos vários pressupostos do sistema, fornece informações que desmentem conclusões centrais da proposta e sintetiza resultados de algumas experiências de adoção do voucher em diferentes países, detendo-se particularmente nas realizadas na Argentina, Chile e Uruguai.

ESCOLA – SISTEMA VOUCHER EDUCACIONAL – ANÁLISE DE SISTEMAS

ABSTRACT

The purpose of this article is to analyze the theoretical matrixes of the educational voucher system that consists of subsidies provided by the state, so families can pay for the school in which they want their children to study. It criticizes several premises of the system, provides information which challenges central conclusions of the proposal and synthesizes results of some experiments in adopting the voucher system in different countries, examining especially the ones carried out in Argentina, Chile and Uruguay.

SCHOOL – VOUCHER EDUCATIONAL SYSTEM – SYSTEMS ANALYSIS

Há muito os especialistas e estudiosos da educação têm feito diversas críticas aos sistemas educacionais latino-americanos. Algumas delas são: sua ineficiência, os pobres resultados nas avaliações de qualidade, os altos custos por aluno e por egresso, os rendimentos diferenciados segundo os diferentes tipos de escolas (segmentação), entre outras. Em todas essas dimensões a comparação entre as escolas de gestão pública e as de gestão privada favorece estas últimas.

Com intensidade crescente nos últimos anos, uma solução tem sido apresentada por alguns organismos internacionais, especialistas, partidos e alguns governos: o subsídio à demanda e especialmente duas de suas formas: o financiamento às escolas segundo a matrícula de cada uma, ou o subsídio às famílias (voucher) para que estas paguem as taxas da educação de seus filhos nas escolas de sua escolha.

Este trabalho propõe-se a analisar sumariamente as origens teóricas do sistema mencionado, formular uma crítica aos vários pressupostos da nova panacéia, fornecer informação para alguns casos que desmentem conclusões centrais da proposta e sintetizar resultados de algumas experiências conhecidas de aplicação do sistema voucher.

AS ORIGENS HISTÓRICAS DO VOUCHER

No final da década de 50, surgiu nos Estados Unidos uma nova corrente de pensamento econômico denominada teoria da escolha pública (public choice). O paradigma dominante na economia havia relegado a análise da oferta e da demanda de bens públicos a um lugar secundário; a partir da public choice começa-se a direcionar a atenção ao tema devido à expansão do papel regulador e prestador de serviços do Estado. Essa nova focalização da análise ocorreu no contexto da crítica à – para a época – moderna economia do bem-estar.

O novo interesse estendeu-se para além do âmbito da própria disciplina, uma vez que se supõe que todas as condutas humanas podem ser entendidas como comportamentos econômicos. Utilizou-se inclusive o enfoque econômico para explicar comportamentos políticos, posteriormente, não apenas como uma explicação dos comportamento políticos, mas de todos os comportamentos sociais.

A teoria pressupõe que os indivíduos movem-se racionalmente na sociedade para maximizar interesses e dispõem de toda a informação existente para tomar decisões. Seus outros pressupostos: expande a noção de mercado tradicional – espaço de intercâmbio de bens privados – definindo-o como espaço de intercâmbio de bens públicos; entende que o mercado é o que há de mais eficiente para se obterem recursos.

Paralelamente a essa ampliação do campo de estudo dos economistas, as ferramentas econômicas atraíram a atenção de outras ciências sociais. Numerosos sociólogos e politicólogos questionaram as deficiências da abordagem sociológica para a compreensão do funcionamento da sociedade e começaram a utilizar a teoria econômica com a finalidade de superar o formalismo e "tornar mais científica" a teoria sociológica e política. Essa expansão da teoria econômica, tanto da produção dessa disciplina como do uso de suas categorias e conceitos pela sociologia e ciência política, tem, em grande parte, sua explicação na crise da teoria sociológica e da teoria política produzida a partir da década de 60. Com efeito, o funcionalismo em suas vertentes principais, Merton e Parsons, foi objeto de fortes e fundamentadas críticas, mas não havia surgido uma teoria alternativa1 1 O marxismo em suas variantes distintas não tinha muito peso nos ambientes acadêmicos norte-americanos. . O paradigma emergente foi a teoria da pluralidade de escolha decorrente de uma aproximação econômica em relação à política. A política substituiu a sociologia como a principal fonte de inspiração dos cientistas políticos.

Essa perspectiva economicista ignora ou prescinde das tradições da ciência política desde Maquiavel, Locke, Montesquieu, Constant, Rousseau, Tocqueville e Mill, até Easton, Dhal, Macpearson etc. Implica, mais especificamente, uma concepção da sociedade como um agregado de indivíduos que não têm nenhum grau de organização social quando tomam decisões, nem são influenciados por contexto supra-individual algum:

O individualismo como método analítico sugere... que toda a teoria... finalmente se resolve em considerações às que faz frente o indivíduo como agente decisor... (esse método) tende a destruir qualquer distinção... entre os setores público e privado... (Buchanan, Tullock, 1962, p.358)

Essa proposta conclui, entre outras coisas, que é melhor um sistema de financiamento à demanda educacional, de modo que não haja restrições para o funcionamento desse mercado, incluindo os bens públicos (saúde, educação, assistência social etc.) e não só os privados. As propostas atuais de subsídio à demanda – formuladas em grande parte por economistas – assumem os mesmos pressupostos e demonstram um similar desconhecimento da ciência política, que se reflete diretamente em seus argumentos.

As primeiras contribuições à teoria da escolha pública correspondem à escola da Virginia e em particular a um de seus pioneiros, James Buchanan. Uma das contribuições principais é o Cálculo del consenso [Cálculo do consenso], escrito em colaboração com Gordon Tullock (1962), no qual se desenvolvem as regras sobre a tomada de decisões e se analisa, particularmente, o cálculo de um indivíduo racional diante da escolha de um regra constitucional. Os autores incorporam, além disso, o custo das transações na análise econômica das decisões coletivas e a visão do homem político como homem econômico. Outra contribuição é a de Downs (1973), que proporciona um modelo para compreender o funcionamento do governo em um sistema democrático. Sustenta que enquanto os empresários buscam obter lucros, os políticos buscam a renda, o prestígio e o poder que lhes proporcionam os cargos públicos. Conseqüentemente, o interesse de maximizar votos mediante a formulação de políticas deve-se à necessidade de ganhar as eleições para ocupar ou manter os cargos que lhes proporcionam tais benefícios (Buchanan, Tullock, 1962, p.384). Ou seja, um político racional defenderá aquela política que atraia a maior quantidade de eleitores, qualquer que seja ela.

Desse modo, a política é concebida como um meio para os fins privados dos políticos, e os partidos políticos não são mais do que um grupo de pessoas que se unem com a finalidade de obter e manter cargos. Conseqüentemente, a ideologia (projetos da sociedade e do Estado) deixa de ser entendida como uma motivação dos partidos políticos e converte-se em uma manifestação do oportunismo dos políticos que a utilizam como um simples instrumento para diminuir a necessidade de informar aos eleitores sobre a política. É importante destacar que isso não é concebido como uma perversão possível do sistema político representativo baseado na disputa dos partidos pelo apoio da cidadania, mas como uma característica estrutural, sistêmica, da política. O resultado é a sua deslegitimação e a minimização da complexa problemática do sistema político, do conteúdo representativo dos partidos políticos e mesmo da ordem democrática.

Em uma situação de pleno conhecimento, um eleitor racional fará uma opção, calculando as vantagens que obteria ao vencer o partido de sua preferência e a probabilidade de que seu voto incida no resultado eleitoral. Entretanto, a base da análise está na afirmação de que o cidadão está consciente de que seu voto apenas conta com oportunidades de influenciar no resultado (Down, 1973). Se o valor de cada voto individual é infinitesimal com relação aos resultados eleitorais, e o custo de conseguir a informação sobre as propostas políticas de cada candidato, em um mundo de incertezas, é demasiado elevado pelo tempo e o esforço que consomem, provavelmente um eleitor racional se absterá. Ainda que um cidadão racional possa adquirir informação por entretenimento, para a maioria dos eleitores o racional é ser ignorante com respeito às políticas. A ignorância racional consiste na decisão de não adquirir informação, já que o custo para obtê-la é maior que o benefício que decorre de possuí-la. É certamente uma translação insólita da idéia de custo-benefício do nível dos bens privados para o processo de decisão política.

Tudo que se sabe, há décadas, dos processos de decisão eleitoral por meio de inumeráveis investigações empíricas em diversos países – começando por um clássico como Lipset (1967) ou Lipset e Rokkan (1977), ignorados pelos teóricos clássicos e atuais da public choice – mostra evidência contrária ao ponto de vista descrito. Os que decidem primeiro são os mais informados e o bolsão de indecisos sempre está integrado majoritariamente pelos menos informados e instruídos, ou seja, por aquelas pessoas para quem adquirir informação e/ou definir uma opinião é mais difícil. Também há décadas existem evidências – por exemplo no clássico Voting (Berelson, Lazarsfeld, McPhee, 1954) – de que: tendencialmente os ocupados têm maior participação política do que os não-ocupados, e os jovens, maior do que os velhos; de que a população com maior participação político-eleitoral é dos que lêem mais jornais, escutam mais rádio e TV etc. Também as evidências são conclusivas de que: a informação político-eleitoral e as mudanças na atitude de voto variam de acordo com quem as pessoas discutem política; o desempenho, ou não, de posições de liderança comunitária ou corporativa; as atitudes dos colegas de trabalho. Análises concordantes podem ser encontradas em Milbrath (1965) e Heintz (1970).

Como se supõe que a informação circula livremente e que todos podem, se quiserem, ter acesso a ela, a idéia de uma segmentação da decisão eleitoral, tendo por base um acesso diferencial à informação, é uma possibilidade nessa teoria. Além disso, a redução economicista estabelece um cálculo custo-benefício do eleitor como única variável, com o qual se ignora toda a importância do ideológico em termos da dimensão de "o que é bom para o país (ou a sociedade)" e não somente "o que é bom para mim". Geralmente, o cidadão, ao contrário do que se argumenta, não visualiza a obtenção de informação como "custo", mas como "benefício", já que esta lhe permite um exame mais completo das diversas alternativas. Não há nenhum fundamento empírico que permita demonstrar que as pessoas preferem ser ignorantes, que é o que definitivamente propõe Down. O pressuposto – indemonstrável – do livre acesso à informação é um ponto-chave das propostas atuais do voucher, como veremos.

Além disso, como observam Hargreaves Heap e outros (1994), a teoria da public choice foi construída a priori por um discurso sobre a racionalidade, e não pela observação dos comportamentos políticos eleitorais.

O plano elimina toda a problemática da autonomia do Estado. Além disso, ignora-se todo o processo de formulação, decisão e implementação de políticas públicas como resultado das ações e omissões de um conjunto de atores políticos, do setor público e das corporações, por meio de um processo complexo que se inicia na existência de um problema para um certo setor da sociedade, continua em sua transformação em uma questão objeto de debate público, prossegue no ingresso na agenda de algum órgão do Estado e termina em uma decisão de governo. Esse processo contradiz todo um vasto conjunto de evidências acumuladas pela ciência política no mundo inteiro, inclusive nos Estados Unidos. Ao suprimir do horizonte teórico a noção de autonomia do Estado, elimina-se também seu papel na redistribuição de bens públicos, o que, no caso da educação, tem como corolário as propostas do tipo voucher. Pelo contrário, as decisões públicas constroem-se em um complexo processo com múltiplos atores: a oposição política, com a qual freqüentemente há que negociar, as organizações corporativas, o Congresso etc. (Cf. Meny, Tohening, 1992; Oszlak, 1984; Subirats, 1989).

Um dos pressupostos centrais da analogia mercado-política é que, por definição, o mercado é eficiente, enquanto todas as outras formas de organização são ineficientes, entre elas, obviamente, o Estado. Conseqüentemente, quanto mais limitada for a intervenção do governo, melhor será a alocação de recursos pelo mercado. O mercado é o melhor mecanismo para a tomada de decisões políticas e para a integração social, idéia que será acolhida pelas propostas de voucher. Nesse sentido, Udehn (1996) observa que esse pensamento surge ao utilizar-se a teoria econômica do mercado como uma teoria normativa da política. A isso, atualmente, poderia acrescentar-se que essa forma de ver o mercado foi desmentida mais de uma vez pela realidade. Para tanto bastaria citar as crises asiática, russa e argentina e as críticas a um mercado hoje mundialmente globalizado, sem controles estatais.

PROPOSTAS CONTEMPORÂNEAS DE SUBSÍDIO À DEMANDA

Para sintetizar tais propostas e seus argumentos nos basearemos em um trabalho de Edwin G. West, do qual transcreveremos e comentaremos os princípios do sistema expostos pelo autor:

..."os fundos seguem a criança", no qual [sistema] os governos subsidiam as "escolas escolhidas" em estrita proporção com o número de alunos matriculados... Em sentido mais amplo um voucher educacional financiado com impostos é um pagamento efetuado pelo governo a uma escola eleita pelo pai da criança... O sistema introduz a rivalidade entre as escolas públicas... e entre as escolas públicas e as privadas... (1998, p.2)

Os argumentos em favor do sistema de vouchers

Princípio 1: O direito de escolha do consumidor (na educação) é o equivalente ao direito de escolha dos pais, como resultado de sua autoridade como pais.

Princípio 2: O desenvolvimento pessoal baseia-se na convicção de que as pessoas desejam construir seus próprios destinos. A oportunidade de escolha e decisão estimula o interesse, a participação, o entusiasmo e a dedicação.

Comentário: Aqui estão desdobrados, plenamente, todos os pressupostos da public choice já examinados. Por exemplo:

1. Assume-se que não há diferença alguma entre esses pais do ponto de vista da informação que utilizam para escolher uma boa escola, porquanto cada pai pode, como sustenta Buchanan (1986) e os outros teóricos da public choice, converter-se realmente em um decisor racional. Ou seja, todos contam com a mesma informação e só é necessário que lhes seja dada a oportunidade para que realizem uma boa escolha; porque se não possuem boa informação, poderão escolher boas escolas, regulares ou ruins, e se dissipa a base da proposta de que as boas escolas aumentem suas matrículas e as ruins as percam. Mas acontece que essa é uma premissa notoriamente falsa, sobre a qual há centenas de páginas escritas. Nesse sentido, como há muito assinalou Simon (1970), a racionalidade é limitada porque a maioria dos atores não conta com toda a informação sobre as alternativas disponíveis e seus resultados, e – poderia acrescentar-se – o que é pior, ignoram como obtê-la. A sociologia em geral e a sociologia política em particular têm demonstrado contundentemente que a informação de que as pessoas dispõem depende fortemente da posição social e, em especial, do nível educativo. Isso significa que uma decisão "racional" poderá ser assumida somente pelos setores dos estratos médios para cima2 2 West (1998) cita vários acadêmicos com posições críticas ao sistema voucher, dizendo que esses autores sustentam que "não se pode esperar que os pais façam escolhas sensatas para seus filhos"; uma versão mais precisa (por exemplo a de Levin) diz que os pais não contam com a informação pertinente. .

2. A segunda e não demonstrável suposição, deste primeiro princípio, consiste em derivar da idéia de um mercado perfeito a idéia de uma sociedade perfeita; ou seja, de que todos os pais têm os recursos – financeiros e de tempo – para que seus filhos freqüentem escolas distantes de sua casa3 3 O que não quer dizer que seja sempre correta a idéia, muitas vezes vigente, da obrigatoriedade de freqüentar a escola mais próxima do domicílio. Os pais deveriam poder escolher a qual escola estadual desejam enviar seus filhos. . Obviamente, a situação não é essa. As famílias dos estratos médios e altos têm flexibilidade de horários, transporte próprio ou possibilidade de contratar transporte particular, mas essa não é a situação dos setores populares. Como demonstra Jonathan (1997) a atribuição de liberdade de escolha ao mercado é ilusória.

Princípio 3: É aplicável... uma vez que as escolas públicas geralmente constituem monopólios. O objetivo é desafiá-las a competir – entre si e com as escolas privadas – por meio de uma redução de custos, um aumento da qualidade e a introdução de uma inovação dinâmica. E na página 5: Os estudos que comparam o rendimento das escolas privadas nos países em desenvolvimento... (por exemplo) a análise feita por Lockeed e Gymenez das escolas privadas e públicas, em cinco (sic) países em desenvolvimento, revelou que as escolas privadas têm uma vantagem significativa tanto no rendimento dos alunos como nos custos unitários (p.5).

Comentário: O conceito de monopólio aparece em um uso extensivo e pouco técnico já que, com exceção do ex-sistema comunista, as escolas privadas existem em quase todo o mundo; não se poderia sequer falar de "monopólio das escolas públicas com financiamento estatal". Na realidade as propostas de privatização, em todo o tempo e lugar dos defensores do subsídio à demanda, aparecem muito fortemente condicionadas ao fato de que nos Estados Unidos e Canadá não há financiamento estatal para as escolas privadas, mas não é assim na Europa (Barro, 1998) nem na América Latina. Nesta região, por exemplo na Argentina e Chile, entre muitos outros casos, o Estado subsidia boa parte das escolas privadas. Dita de outro modo, a proposta do subsídio à demanda por meio do financiamento ao setor privado não é novidade para quase todo o mundo, excluída a América do Norte, já que é uma prática habitual; ainda que certamente combinada com o financiamento à oferta "tradicional".

O tema da vantagem na qualidade e nos custos das escolas privadas está no centro das atuais propostas do subsídio à demanda. Como a lógica de argumentação se baseia em um plano econômico – definitivamente de custo-benefício – com total renúncia das realidades sociais nas quais funciona o sistema educacional, simplesmente ignoram-se conclusões irrefutáveis acumuladas, há décadas, pela pesquisa educacional em diferentes partes do mundo.

O fato de que as variáveis que têm relação com a eficiência e os custos (abandono e repetência), assim como os resultados de qualidade, estão muito associados à condição social das famílias e especialmente ao seu nível educacional (Fuller, Clarke, 1994, OECD, 2001) é corroborado pelo famoso Pisa – Programme International pour le Suive des Acquis des Élèves –, que evidencia o que já quase todos sabem. Isto é, que também na Europa uma parte altamente significativa das diferenças de expectativa de permanência no sistema educacional e de aquisição de aprendizagens significativas explica-se pelo nível social e cultural das famílias. Por exemplo, a probabilidade de que os alunos cuja mãe não terminou o nível secundário estejam no quartil inferior de compreensão escrita varia entre 1,5 (Polônia) e 3 na Alemanha (em uma escala de 0 a 4, na qual 4 é a pior posição). Como era de se esperar, nos países mais pobres a situação piora. No México, por exemplo, é de 3,7.

Ignora-se também que as escolas públicas têm uma porcentagem muito mais alta de alunos de setores pobres do que a das escolas privadas4 4 Obviamente não todas; na Argentina e em outros países não há poucas escolas religiosas estabelecidas em zonas de alta pobreza. . É evidente que nessa situação há muito mais egressos e repetentes no setor público do que no privado e, portanto, é lógico que os custos unitários sejam mais altos no primeiro caso. Mas, além disso, é habitual que no setor público existam serviços com a finalidade de compensar, no sistema educacional, desigualdades incrustadas na sociedade, como: merenda escolar, programa do leite, fornecimento gratuito de equipamento, textos etc., que obviamente aumentam os custos. É surpreendente que uma proposta baseada em uma perspectiva econômica não leve em conta – por exemplo, na discussão destes temas feita por West – características elementares do funcionamento dos sistemas educacionais relativos aos custos, que é uma análise econômica bastante elementar.

Sabe-se – ainda que o dado não seja levado em conta pelos proponentes do subsídio à demanda – que o custo médio cai até um ponto de estabilização ao aumentar o número de alunos por escola5 5 Na Argentina, na educação primária, o custo mínimo era alcançado, em 1997, nos 400 alunos (Mejer, Gens, 1997); na Inglaterra, no ensino médio, nos 1.200 e, nos Estados Unidos, nos 2 mil (Johnes, apud González, 1998). . Portanto o subsídio por aluno deveria ter um complexo sistema de ponderação segundo o número de alunos por escola.

Polemizando com Carnoy, o qual sustenta que a questão "é o investimento muito maior que as sociedades necessitam fazer nas crianças de baixa renda se desejam superar os efeitos da pobreza sobre a aprendizagem", West responde que este autor

...não indica de que modo se deverá financiar esse maior investimento (p.20); e argumenta logo em seguida que poderiam se obter recursos consideráveis... através de uma transferência (por meio dos vouchers) a um custo significativamente menor da oferta... por parte das escolas públicas. (1998, p.20)

Naturalmente, a pergunta sobre como se podem obter fundos adicionais não tem uma resposta única para qualquer tempo e lugar. Depende das prioridades de cada sociedade, dos mecanismos de redistribuição da riqueza e dos consensos de como destinar os recursos. E se não forem levadas em conta as variáveis sociais que determinam, no setor estatal, custos unitários mais altos do que os que haveria sem repetência e evasão, uma discussão séria sobre o subsídio à demanda não pode sequer começar. Entretanto, é importante assinalar que é evidente que compensar as desigualdades no capital cultural dos setores pobres exige um aumento dos recursos para a educação; em outras palavras, não é suficiente subsidiar a demanda. Em quase toda a América Latina e boa parte dos países em desenvolvimento o gasto com educação aumentou, às vezes, bastante.

No Chile a subvenção por aluno era, em 1990, de $ 9.345 (valores médios de 1997) e chegou, com o regime democrático, a $ 17.214, o que implicou que o gasto com subvenções passasse, nesse período, de 286 milhões de pesos para 634 (González, 1998). Há conclusões categóricas similares para a América Latina e Ásia (Barro, 1998).

Apesar de tudo há um fato notório: não há evidência empírica – tampouco aparece no trabalho de West – a respeito de que os custos unitários sejam sempre mais baixos no setor privado.

Com relação à qualidade, o que importa não é comparar escolas públicas e privadas em um dado momento, mas a tendência durante um período prolongado.

Princípio 4: ...a igualdade de oportunidades é uma conseqüência lógica dos outros três e se expressa com o objetivo de aumentar o acesso às escolas privadas...

Como se supõe que as escolas privadas são melhores, a igualdade de oportunidades resume-se em aumentar a sua matrícula: se isso acontece, a mencionada igualdade será alcançada. As escolas ruins perderão alunos até que eventualmente fechem, e o sistema, em seu conjunto, chegará a um optimum. Esse é o raciocínio.

Comentário 1: Entre outros problemas da estratégia estão: o denominado efeito "concorrência" (Glennerster, 1993; González, 1998), que consiste em excluir os alunos de baixo rendimento, o que se verifica em toda parte, como no Chile6 6 O que levou o Ministério da Educação do Chile a desenvolver estratégias no sistema de informação, orientadas a aplicar penas para a exclusão de estudantes (González, 1998). e no School Choice Scholarships Program, da cidade de Nova Iorque. Esta é certamente uma prática conhecida dos colégios particulares que torna muito discutíveis as comparações de qualidade, e em geral, de eficiência (repetência, evasão etc.). Outro problema consiste no prejuízo educacional gerado aos estudantes das escolas medíocres, deixadas à sua própria sorte nesse processo que induz ao fechamento, o qual pode levar anos.

Além disso, não há evidência empírica clara de que as famílias escolham as escolas de mehor qualidade; informação oposta a tal tipo de racionalidade foi encontrada no programa de voucher de Nova Iorque.

Comentário 2: Sobre esse assunto é necessário apresentar alguma informação empírica que não confirme a seqüência de pressupostos em que se baseia o autor. Veremos três casos.

1. O caso uruguaio e o chileno mostram mais uma vez evidências acumuladas pelas pesquisas acerca das diferenças na situação social dos alunos de escolas públicas e privadas, mas que, pelo visto, é necessário reiterar diante de seu aparente desconhecimento por muitos dos proponentes do subsídio à demanda.

2. O caso argentino e o chileno mostram – ao contrário do que sustenta a proposta do subsídio à demanda – que quando se utiliza um período prolongado, no qual atuam políticas compensatórias das desigualdades sociais, as escolas públicas melhoram mais que as privadas. E além disso, no caso chileno, que a implementação desse sistema, deixada ao livre jogo do mercado – isto é, sem políticas corretivas do Estado – causou fortes conseqüências negativas sobre a qualidade e a eficiência.

No Uruguai em 45% dos lares dos alunos das escolas rurais havia até cinco livros, e em 9,3% das escolas rurais, mais de 50; esses valores são de 26,7% e 19,6% nas escolas urbanas do interior, e de 4% e 57,8% nas escolas privadas de Montevidéu (Administración..., 1997).

A reta de regressão do gráfico mostra o ordenamento dos resultados pelo tipo de escola e contexto. Primeiro, as escolas públicas estão abaixo do zero que separa o contexto social deficitário do satisfatório, e as privadas estão acima. Além disso, cada tipo de escola está situada em um patamar de contexto socioeducativo superior, conseqüentemente, de menos pobreza. Começando pelas rurais, aumenta aproximadamente 10% em cada grupo a proporção de alunos que vão bem nos testes, salvo entre as escolas públicas de Montevidéu e privadas do interior, em que a diferença é quase de 20 pontos. Nas privadas de Montevidéu obtêm-se resultados satisfatórios na proporção de 2,5 vezes a mais do que nas rurais, e a distância em termos de contexto é de 140. Na realidade, o desempenho das modestas escolas públicas rurais é excelente, superior ao esperado devido a seu contexto social (Administración..., 1997)7 7 É interessante ressaltar que a atitude dos pais a respeito dos professores dá um valor de 68,4% de "contente" ou "muito contente" nessas escolas, nas públicas de Montevidéu, 62,2%, e 67% nas privadas de Montevidéu. .

No Chile 53,3% das matrículas das escolas municipais estão no primeiro e segundo decis de renda, e 2,4% no nono e décimo decis; nas privadas subvencionadas em 31,5% e 8,6% respectivamente, e em 4% e 66% nas privadas (Carnoy, McEwan, 1997).

Na Argentina, até 1996, 90% das matrículas do ensino fundamental das crianças provenientes de 20% dos setores de mais baixa renda estavam na rede pública, o mesmo acontecendo com 72% das matrículas da pré-escola desses mesmos setores.

Os resultados do Chile, dos subsídios à demanda, anteriores às políticas compensatórias implantadas pelo governo democrático, a saber, nas condições puras de "disputa no mercado educacional desajustado", foram analisados por diversos experts que são unânimes em assinalar a piora do sistema educativo.

Segmentação do Sistema

O mecanismo de subvenção às escolas com base na assistência média prejudicou as comunidades pobres nas quais os fatores externos, como problemas de acesso à escola ou necessidade de trabalho em determinados períodos do ano, incidem nos níveis de freqüência escolar (Cf. Brunner, Cox, 1995; Cox, 1995; Cox, 1995a). Por outro lado, a subvenção diferenciada (às escolas municipais em zonas de maior pobreza) foi suficiente para que tivesse um impacto positivo do ponto de vista redistributivo. A diferença de custo não conseguia ser coberta pelo adicional destinado aos estabelecimentos com populações em risco, somado ao escasso propósito dos mandantes poderosos.

Hopenhayn (1996) afirma que a diferença da qualidade entre os estabelecimentos mostra um corte socioeconômico que se visualiza na variação dos resultados dos testes de avaliação entre as escolas municipais classificadas como de nível socioeconômico alto e as de nível socioeconômico baixo.

As escolas municipais devem admitir, necessariamente, toda a matrícula solicitada. Nas privadas subvencionadas um terço dos alunos fizeram exame de ingresso e, de acordo com informantes qualificados (Carciofi, 1996), são dispensados os alunos com problemas, o que é uma forte vantagem em favor do setor privado. Em termos da qualidade de ensino oferecido, o período de subsídio à demanda e descentralização audaciosa, que West usa como exemplo do que há que se fazer, não fez mais do que deteriorar o sistema.

De acordo com os princípios de descentralização, o critério básico da mudança curricular do início dos anos 80 foi a sua flexibilização quanto à regulamentação estatal, mais do que uma proposta acerca dos saberes transmitidos por um sistema escolar contemporâneo diante dos desafios da sociedade. As escolas foram autorizadas a determinar quantas horas os alunos dedicariam à aprendizagem de certas disciplinas, e aos alunos de nível secundário permitiu-se que elegessem algumas disciplinas. As medidas flexibilizadoras e descentralizadoras do currículo, em um contexto de políticas que não se guiavam pelo critério da eqüidade, tiveram efeitos negativos sobre a educação dos mais pobres. A flexibilidade nos planos de estudo foi sinônimo de autorizada redução curricular nos contextos de pobreza: menos horas nos planos de estudo e menos conteúdo. (Cox, no prelo)

Nesse período que combinou subsídio à demanda, descentralização audaciosa e desregulamentação estatal, verificou-se uma tendência à diminuição da matrícula que, iniciada em meados dos anos 70, prolongou- se por toda a década de 80. Assim, entre 1981 e 1989 a matrícula total de ensino fundamental caiu para pouco mais de 150 mil crianças (considerada a partir de 1974, ano em que se alcançou a maior matrícula nesse nível, a perda de matrícula correspondeu a 345 mil crianças), para depois recuperar-se durante os anos 90, aumentando entre 1989 e 2000 em quase 370 mil alunos. No ensino médio, por outro lado, desde meados dos anos 60 começa um processo de expansão acelerada, que se estende sem interrupções por duas décadas e meia (nesses 25 anos, a matrícula aumentou de 150 mil para 554 mil em 1981, e disso para 742 mil em 1989). Depois, entre 1989 e 1993, pela primeira vez em sua história, a matrícula do ensino médio não só rompe a tendência ao crescimento, como diminui significativamente (em quatro anos perderam-se 100 mil alunos). Finalmente, a partir de 1994, a educação secundária retoma um acelerado impulso expansivo, que se mantém até hoje: em sete anos a matrícula aumentou em pouco mais de 150 mil jovens; no ano de 1997 superou-se a matrícula de 1989 (Bellei, 2001).

Se uma parte dessas mudanças na matrícula relaciona-se com o crescimento populacional, este está longe de explicar o total. No ensino fundamental, a cobertura caiu de 98% em 1985 para 93% em 1990, para depois recuperar-se quase completamente até o ano 2000. Na educação média, a cobertura cresceu aceleradamente nos anos 80, de 65% em 1982 para 82% em 1988, mas depois caiu para 74% em 1993, para finalmente recuperar-se durante a segunda metade dos anos 90, até alcançar 85% em 2000. Esse segundo período coincide com a implementação da Reforma do Ensino Médio.

Por outro lado, ao se considerarem os índices de cobertura educacional, segundo o nível de renda das famílias, obtêm-se conclusões importantes. No ensino fundamental, apesar de todos os grupos socioeconômicos terem tido no final dos anos 80 um amplo acesso à escola, foram as crianças provenientes dos lares do quintil mais pobre da população as mais beneficiadas, diminuindo assim a diferença de cobertura que as separava daquelas provenientes de lares mais ricos. De aproximadamente 4% em 1987, a diferença reduz-se a aproximadamente 2% em 2000 (Bellei, 2001).

Desse modo a cobertura do sistema melhora depois que começam as ativas políticas estatais de reforma do sistema e a correção das iniqüidades funcionais. Enquanto se manteve a política preconizada pelos defensores do sistema de subsídio à demanda ela não fez mais do que reduzir o atendimento, obviamente, aos setores mais pobres da sociedade.

Com respeito à qualidade, análises técnicas recentes das avaliações mostram que a evolução dos resultados não é comparável porque nada garante que o nível de exigência seja similar, salvo para os últimos anos da década passada (Cox, no prelo). Mas é correto analisar a diminuição das diferenças entre os tipos de escolas, uma vez que a exigência é similar em cada ano. O resultado é o seguinte.

Nota-se que entre 1983-1990, apogeu da desregulamentação e do subsídio à demanda, as diferenças – ou seja a iniqüidade – entre os tipos de escola se mantêm, enquanto já nos primeiros anos de uma forte intervenção estatal, depois de 1991, as diferenças entre as escolas pagas, freqüentadas pelos setores de alto poder aquisitivo, e as municipais, às quais vão os mais pobres, diminuíram significativamente. Além disso, diversas análises de Carnoy e McEwan, Mizala e Romaguera, Rounds Parry e de Medlin (apud Cox, no prelo) com informação posterior a 1996, descrevem com precisão o fato de que as características da origem social dos alunos explicam as diferenças observadas, e não as diferenças no regime de administração. As noções da superioridade dos resultados das escolas de administração privada (com financiamento público) sobre as de administração municipal vêem-se revertidas no caso do grupo de extrema pobreza, em relação ao qual a educação municipal obtém melhores resultados; no grupo de renda média-baixa, não há praticamente diferença entre as duas modalidades; no grupo de renda média a educação privada subvencionada supera efetivamente a municipal; e no grupo de renda média-alta, no qual se situa um reduzido conjunto de estabelecimentos de excelência, estes obtêm melhores resultados que os da administração privada.

A evidência é que as variáveis explicativas da eficiência e da qualidade não se encontram no sistema público ou privado, mas na origem social dos alunos, e que as políticas estatais compensatórias dessas diferenças parecem ser inocultáveis. Entretanto, o tipo de proposta do sistema voucher continua ignorando o social como fator relevante de análise.

A ARGENTINA

Na Argentina, país no qual desde 1993 e até 1999 se aplicou também uma política de mudanças profundas no sistema educacional e de políticas compensatórias, pode-se observar o mesmo processo de melhoria da eficiência e atenuação das diferenças nas avaliações de qualidade. Em primeiro lugar cresceu fortemente a matrícula e, portanto, a cobertura, sobretudo a proveniente dos setores mais pobres. Foi especialmente alto, em período recente, o crescimento do ensino médio, absorvido quase por completo pelo setor estatal.

Não há dúvida de que o que mais cresceu (mais de um milhão de alunos entre 1994 e 1998 em todos os níveis) foi a matrícula dos setores mais pobres, uma vez que os outros já estavam no sistema escolar. Por exemplo, na província de Buenos Aires (45% da matrícula de todo o país) havia, em 1995, uma cobertura de 74% no primeiro decil (o mais pobre), de 81% no segundo e terceiro decis, e de 97% nos decis mais altos, oitavo, nono e décimo. Em 2000 os valores eram de 95% no primeiro decil, 99,4% nos segundo e terceiro decis, de 100% nos mais altos (Cosse, 2001). Ou seja, houve um notório aumento da eqüidade na distribuição da educação. Voltando a um tema já mencionado sobre o Chile: que sentido tem comparar o rendimento de qualidade entre o setor público e privado com populações com background cultural tão diferente?

A eficiência também melhorou nesse período de forte intervenção estatal. A repetência no ensino fundamental, entre 1994 e 1999, diminuiu 2,9% nas províncias com maiores déficits educacionais e 1% naquelas com menores déficits8 8 Essas mudanças certamente parecem modestas. Deve-se ter em conta a lentidão com que mudam tais variáveis mesmo nos países desenvolvidos e que, quando se incorporam setores de níveis educacionais familiares muito baixos, o esperado seria que a repetência aumentasse e a qualidade baixasse. Para a América Latina a média de declínio da repetência para períodos que vão de sete e dez anos é de 2,2% (Unesco, 1977). . No ensino médio 1,3% e 0,6%, respectivamente. No meio rural, a repetência diminui quase o dobro no primeiro grupo em relação ao segundo, ou seja, houve um maior declínio das situações piores (Cosse, 2001). É especialmente importante assinalar os resultados de um programa de bolsas de estudo para alunos dos dois primeiros anos do ensino médio do decil de renda mais baixa (mais de 100 mil sujeitos). A repetência melhorou, nas escolas com bolsistas, de 87%, passando para 91% entre 1996 e 1998, e a taxa de promoção passou de 60% para 66% (Ravela, 2000).

Com relação à qualidade verifica-se o mesmo processo de diminuição das diferenças entre as províncias de melhor e pior situação na educação primária e entre os setores público e privado urbanos, por um lado, e entre o setor rural e urbano por outro.

A única exceção no processo de diminuição das diferenças é o ensino médio, explicável por essa irrupção de setores de baixo nível educativo familiar. Adverte-se, além disso, que a diferença entre as escolas públicas e as estatais urbanas não era em 1993 muito significativa.

O URUGUAI

No Uruguai a intervenção do Estado, visando à melhoria do sistema educacional, começa depois dos outros países, em 1995. O processo de transformações que incrementam a eqüidade é também significativo. Como era de se esperar, os resultados de eficiência e qualidade estão fortemente explicados pela condição social dos alunos, recrutados na maior parte pelo sistema público.

A repetência total, que havia aumentado significativamente no primeiro qüinqüênio, retrocede no segundo período cerca de 12%; mas o mais notável é a brusca diminuição no setor rural, sempre o de piores resultados e maior pobreza. Além disso, é importante o processo no primeiro ano, que constitui o filtro principal (1/3 dos repetentes em 1990). Entre 1990 e 1995 a repetência aumenta 6,3%, mas entre 1995 e 1999, depois que começaram a implementar um conjunto de políticas, diminui para 6% (Llanes, 2001).

Em primeiro lugar, é muito alta a diferença entre os dois primeiros contextos e os dois últimos, em 1996, o qual dá conta de uma forte segmentação do sistema na apropriação de conhecimento. Em segundo lugar, é muito grande a melhoria no contexto mais desfavorável em apenas dois ou três anos de políticas. Se se faz essa mesma análise tomando-se a educação da mãe, os resultados são similares: entre os alunos cuja mãe tinha até o primário completo entre 1996 e 1999 os resultados melhoraram 6,2% em língua e 5,8% em matemática; e entre aqueles cujas mães tinham o secundário completo, os resultados ficaram iguais em língua e melhoraram 2,2% em matemática (Llanes, 2001).

Para que não restem dúvidas sobre a conexão entre políticas e resultados, poderia acrescentar-se o seguinte. No Uruguai seguiu-se, como na Argentina e no Chile, uma estratégia de concentrar recursos em escolas localizadas em zonas de muita pobreza, chamadas "piloto"; a avaliação permite comparar os resultados de qualidade entre elas e uma amostra de outras escolas em que isso não ocorreu, chamadas "testemunha". O quadro mostra que nos níveis sociais médio e baixo os resultados são bem mais altos nas escolas que concentraram recursos e dispositivos de apoio que nas outras. Enquanto os centros "piloto" incluídos na reforma de 1996 registram uma taxa de abandono de 10,4%, os centros "testemunha", que continuam com o Plano de 1986, apresentam uma taxa de 14,9% (Filgueira, Martinez, no prelo).

Além disso, como na Argentina e no Chile, a matrícula no ensino médio aumentou, na década (a educação primária, como nos outros países, está há muito tempo praticamente universalizada com 100% de cobertura), muito acima do crescimento populacional, 28,3% entre 1993 e 1999. E ainda mais do que na Argentina, o crescimento do ensino médio foi absorvido pelo sistema público (38,8%), enquanto o privado diminuiu 21,1% (Llanez, 2001). Foi especialmente importante o aumento da cobertura no nível inicial, fundamental, segundo os especialistas, em maximizar as possibilidades de um bom desempenho posterior.

AS POLÍTICAS IMPLEMENTADAS

Vejamos pois brevemente quais as políticas implementadas. Em primeiro lugar as estratégias, ainda que com muitos aspectos comuns, tiveram também diferenças importantes.

Na Argentina houve uma mudança radical e simultânea do sistema. Em 1992, por meio de uma lei, descentralizou-se o ensino médio para as províncias (a educação primária já estava descentralizada há tempo) e, por outra, em 1993, mudou-se a estrutura do sistema e se definiram objetivos e políticas. A estrutura passou de cinco anos de ensino primário (obrigatórios) e de sete do ensino médio para dez anos obrigatórios: um ano de pré-escola e três ciclos, de três anos cada um, o que se chamou ensino geral básico. Depois vêm mais três anos, curso chamado Polimodal, diversificado por grandes áreas disciplinares. Às províncias foi atribuída a responsabilidade de prestação e financiamento dos serviços educacionais, e ao Ministério Nacional coube a avaliação da qualidade, a organização de um sistema estatístico, a formação docente (as províncias também tinham seus próprios programas), a proposta de mudança curricular e a implementação de políticas compensatórias e de ampliação e recuperação da infra-estrutura, entre outras. Esperava-se que no final da década o processo estivesse terminado. Houve um aumento importante do gasto com educação (de 3,5% do PIB em 1993 para 4,3% em 1999) e um importante investimento em políticas compensatórias e de infra-estrutura (quase 1.600 milhões de dólares entre 1993 e 1999). Desse investimento, 30% foram destinados a equipamentos pedagógicos e didáticos, textos, bibliotecas etc. para escolas urbanas e rurais em zonas de muita pobreza; para bolsas de estudo foram alocados 8%; 2% subsidiaram um sistema de concurso de projetos inovadores nas escolas, e o restante destinou-se à capacitação docente em larga escala9 9 É importante destacar o programa de apoio aos professores rurais com um sistema de tutores itinerantes. e em infra-estrutura. A isso deve agregar-se a expansão dos serviços de almoço e café-da-manhã (também existentes no Uruguai e Chile) financiados, em sua maior parte, pelo Ministério do Interior. A cobertura dessas políticas compensatórias foi muito alta, alcançando 35% em média e, em algumas províncias, cerca de 45%.

No Chile, como nos outros dois países, voltou-se a legalizar os sindicatos de professores, que retornam como interlocutores legítimos (Nuñez, no prelo; Cox, no prelo), revertendo a um status de funcionário público a que tinham sido submetidos os docentes no apogeu do modelo de administração descentralizada. Estabelece-se como objetivo das políticas o alcance substancial de maior qualidade e eqüidade do provimento da educação, financiada pelo setor público, e com isso

...se redefine o papel do Estado no setor: de um papel subsidiário, que consistia em alocar recursos e supervisionar os marcos institucionais e educativos nos quais a disputa pelas matrículas produzia determinados níveis de desempenho e padrões de distribuição social, a um papel pró-ativo e responsável, tanto com respeito aos objetivos de qualidade no nível do sistema em seu conjunto, quanto em relação aos objetivos de eqüidade. (Cox, no prelo)

Definem-se dois eixos principais: programas integrais de intervenção de cobertura universal para a melhoria da qualidade da aprendizagem e programas compensatórios focalizados nas escolas e liceus de menores recursos para a melhoria da eqüidade.

As políticas implementadas podem sintetizar-se em:

• dois programas integrais que combinam investimentos em insumos materiais com intervenções destinadas à criação ou fortalecimento de capacidades e processos, de cobertura universal: Programa de Mejoramento de la Calidad e Equidad de la Educación Básica (1992-1997) e Programa de Mejoramento de la Calidad e Equidad de la Educación Média (1995-2000);

• cinco programas de cobertura focalizada: Programa das 900 escolas (1990...); Programa Educação Rural (1992...); Programa Enlaces, de Informática Educativa (1991- 2002); Programa Liceu para Todos (2001...);

• três programas com foco docente: Programa Fortalecimento da Formação Inicial Docente (1997...); Programa de Aperfeiçoamento Fundamental de Docentes para a Implementação da Reforma Curricular (1999-2002) e Programa de Intercâmbios Docentes no Exterior (1998...).

A política de subvenções do Ministério Nacional buscou corrigir os desequilíbrios mais importantes entre os recursos por subvenção e o gasto de funcionamento normal nos diferentes tipos de educação. Isso significou elevar de modo expressivo a subvenção para escolas rurais, a educação técnico-profissional e a educação de adultos. Adicionalmente, desde 1995, tem havido subvenções especiais para: 1. escolas de setores de pobreza, as quais estenderam sua jornada para oferecer atividades de reforço aos alunos com atraso na aprendizagem; 2. para os estabelecimentos que ampliaram a jornada em uma ou duas horas diárias para cursos completos (Cox, no prelo). O Chile também propôs, além disso, um objetivo muito ambicioso e caro: a ampliação da jornada escolar, iniciada em 1997.

Adicionalmente estabeleceu-se um sistema de estímulo salarial para os docentes cujas escolas melhoravam os resultados quanto à qualidade, mediante comparação de colégios que atendem a grupos socialmente homogêneos.

Tudo isso fez com que o Chile tivesse um forte aumento no gasto com educação, passando de 2,6% do PIB em 1990 para 4,3% em 2000, em um período no qual o produto aumentou 7% ao ano.

No Uruguai as políticas caracterizam-se por ser ainda mais graduais. Os objetivos principais foram os seguintes. Em primeiro lugar, muda drasticamente o currículo do curso secundário, diminuindo a ênfase nas humanidades e nas artes e incrementando o conteúdo pragmático que prepara o indivíduo para o mercado de trabalho, mais que para a universidade. Essa transformação implica um reagrupamento de disciplinas e a preparação de professores com cursos de treinamento para satisfazer à nova demanda, ao mesmo tempo que se incrementam as horas de estudo e de docentes e são atenuados os requisitos de assistência para a aprovação anual.

Em segundo lugar, a reforma propôs o ambicioso plano de expandir a educação pública, gratuita e obrigatória no nível pré-escolar. A educação pré-escolar havia crescido significativamente, nas últimas duas décadas, para a classe média e alta nas escolas privadas. Isso foi assinalado na análise de anos anteriores da Cepal como um dos fatores fundamentais para determinar o rendimento das crianças nos anos posteriores e, portanto, como um dos fatores-chave para o aumento da apropriação desigual de conhecimentos e habilidades (Filgueira, no prelo).

Em terceiro lugar, a reforma buscou criar escolas de tempo integral para os setores sociais em pior situação. A idéia central é manter as crianças fora das ruas e dar-lhes um referencial que vá além do ensino; inclui serviços e fornece modelos de identificação. Também, e nessa mesma direção, a reforma desenvolveu um sistema de textos para todos os alunos, cursos para os professores em escolas de contexto crítico e um programa denominado "todas as crianças podem aprender", que outorgou incentivos salariais aos docentes, recursos materiais e apoio técnico às escolas de contextos sociais carentes. Propiciou ainda o investimento em infra-estrutura e equipamentos, o que inclui atividades como a construção de novas salas e locais, aquisição e distribuição de materiais didáticos, compra de equipamentos de informática para a nova disciplina, Aulas de Informática; capacitação intensiva e em larga escala de docentes de diferentes níveis da educação, seja por meio da formação inicial, seja contínua; e ampliação e melhoria da qualidade dos serviços sociais oferecidos aos alunos de estabelecimentos escolares situados em locais de poucos recursos (Filgueira, Martínez, no prelo). Devem-se destacar a extraordinária expansão da matrícula pública inicial, o processo de concentração regional dos institutos de formação docente, conjuntamente ao incremento dos egressos dos cursos de professores, a realização de cursos de capacitação em serviços, a extensão das escolas de tempo integral e as transformações do currículo do ensino médio, consideradas como pilares da reforma.

Por tratar-se de um ciclo particularmente crítico, grande parte dessas inovações e dos debates concentraram-se na educação média e, particularmente, no ciclo básico, correspondente aos três primeiros anos do ensino médio. Nesse ciclo reformulou-se um dos paradigmas do ensino secundário intocado em todas as reformas anteriores, constituído pela organização curricular em torno das disciplinas. A nova organização é feita por áreas disciplinares sociais, e uma mudança similar trabalha na criação da área de "ciências experimentais", a partir das disciplinas científicas anteriores. As inovações também avançam pela criação e relevância que se outorga à formação em informática e à língua inglesa, além de outras medidas relativas à gestão e às atividades docentes (Filgueira, Martínez, no prelo).

Como nos outros países, o gasto com educação aumentou significativamente. Entre 1996 e 1998 o incremento foi de 42% em valores constantes. Entretanto, como porcentagem do PIB permaneceu estacionado em 3%.

Esta sintética e incompleta descrição das políticas10 10 Uma descrição muito mais analítica e ampla pode ser vista em Filgueira e Martínez (no prelo). só tem por objetivo apresentar os enormes esforços financeiros, organizacionais, de diagnóstico, mobilização de recursos humanos e implementação de políticas necessários para se obterem resultados moderados na melhoria da eqüidade e da qualidade. Tudo o que foi exposto não quer dizer, naturalmente, que não existam problemas, muitos deles graves. Para mencionar alguns exemplos, no Chile, atente-se para o acesso desigual à universidade – que é paga – segundo os diferentes setores sociais, bem como para o lento avanço na qualidade da aprendizagem apesar das políticas mantidas por mais de dez anos. Na Argentina, o alto nível de abandono no ensino médio, que em algumas províncias chega a 35%. No Uruguai, a altíssima evasão no segundo ciclo do ensino secundário, um dos mais elevados de que se tem conhecimento. Deve levar-se em conta que no Uruguai e na Argentina, desde meados dos anos 90 houve um processo de aumento importante da desocupação e do trabalho informal – muito forte na Argentina, que está atualmente com mais de 23% de desemprego – que complica o funcionamento do sistema educacional. Apesar de tudo a evidência mostra que as políticas públicas, como as descritas, reduzem as iniqüidades e as diferenças quanto à eficiência e aos resultados de qualidade, enquanto o exemplo paradigmático de desregulamentação, subsídio à demanda e concorrência entre as escolas no Chile, adotado antes do início de um conjunto importante de políticas públicas, aumentou as iniqüidades e diminuiu a qualidade da aprendizagem.

A informação para os três países permite estabelecer, sem dúvida alguma, que as escolas privadas apresentam melhores resultados que as públicas, pelo motivo evidente de que estas operam com carências de todo tipo.

Nem sempre tudo vai melhor nas escolas privadas11 11 Tedesco (1992) afirma que, no Chile, as escolas privadas que apresentam bons resultados são as que têm mais de 10 anos de existência; ou seja, que o caráter meramente privado tampouco garante bons resultados. ; quando existem políticas que procuram compensar desigualdades as escolas públicas melhoram bastante, mais ainda que as privadas. Portanto o problema está, mais substancialmente, nas características sociais da matrícula do que na pretensa melhor qualidade do ensino privado em relação ao público.

Comentário 3: Agora interessa analisar a lógica da proposta do ponto de vista do conjunto do sistema educativo. As escolas com bons resultados recebem mais matrículas e as que não têm bons resultados as perdem. Uma vez que o esquema é o pagamento por aluno matriculado, as primeiras terão cada vez mais recursos e as segundas, menos. O sistema propõe uma espécie de círculo cumulativo da mediocridade no qual umas escolas ganham e outras perdem, sem se importar com os fatores exógenos que limitam a qualidade dos resultados. Diversas pesquisas mostram que a qualidade e a eficiência, seja em escolas públicas ou privadas, dependem, em grande parte, de aspectos organizacionais tais como um significativo grau de autonomia na tomada de decisões dos diretores, a existência de um projeto institucional – escolar, distrital etc. – que dê respostas específicas à realidade própria de cada instituição, o nível de especialização dos professores etc. (Para a Argentina pode-se ver Braslavsky, 1993; Raschia, 1998).

Comentário 4: Entretanto a idéia de West, que está servindo como marco de referência, expõe duas coisas em distintos níveis de análises. Por um lado, propõe como solução geral dos problemas da educação um sistema de subsídio à demanda. Por outro, menciona casos específicos, em alguns países, de aplicação restritas dos vouchers a populações de famílias pobres. São duas coisas bem diferentes. Não há por que se opor a um sistema que apóia seletivamente a setores carentes. Neste caso a discussão é outra: qual é a melhor maneira de fazê-lo? A proposta fortemente economicista de West considera que se se financia a matrícula dos alunos provenientes de famílias pobres, estes optarão pelas boas escolas privadas e tudo sairá da melhor maneira possível. Esse argumento, além de basear-se na idéia – já vimos que discutível – de que sempre as escolas privadas são boas e as públicas ruins, não leva em conta qual é a melhor forma possível de ajuda financeira a famílias pobres. Isto é, será melhor gastar essa ajuda em uma tarifa de escola privada ou em uma ajuda à família que lhe permita financiar os gastos com materiais etc. ou, ainda, contribuir para que a criança permaneça na escola ao invés de trabalhar no mercado informal?

QUESTÕES CONCEITUAIS RELATIVAS AO SISTEMA VOUCHER

O mercado educacional, por assim chamar-se, é um mercado de concorrência imperfeita (González, 1998.). Entre os fatores principais que permitem caracterizá-lo dessa forma encontram-se:

1. Falta de incentivos para que uma escola satisfaça a demanda dos pais: a teoria sustenta que as melhores escolas atrairão mais crianças, o que as incentiva a disputar mais matrículas para obter mais dinheiro (de forma proporcional à quantidade de crianças, uma vez que não se aceitam somas acima das estipuladas no voucher). Entretanto: um maior número de crianças não significa sempre uma vantagem para a escola, pois mesmo obtendo maior quantidade relativa de dinheiro, mais alunos podem significar mais trabalho, o que, talvez, não seja percebido como um ganho, uma vez que a possibilidade de economizar depende da função de produção do estabelecimento e das suas condições de obter economias de escala. Por exemplo, em alguns casos seria necessário aumentar a relação alunos/turma ou alunos/docente, o que poderia afetar a eficiência e o trabalho personalizado, pedra angular da filosofia das escolas privadas. Se se ocupa toda a capacidade física do estabelecimento os custos marginais de aceitar mais um aluno podem ser superiores ao valor proveniente de seu voucher.

Não há evidência alguma – esta é uma suposição não denominada– que indique que o objetivo principal de todas as escolas privadas seja a maximização de benefícios; muitas escolas podem aspirar a uma determinada quantia de recursos e, uma vez obtida, preferir permanecer nesse nível. É provável que, como muitos outros tipos de organizações, o objetivo predominante de muitas escolas seja a continuidade de sua própria existência e a minimização de riscos de uma expansão que necessitaria grandes investimentos, mudanças organizacionais etc. Este tipo de perspectiva, ligada à teoria das organizações, é impensável para os teóricos do subsídio à demanda, já que, como foi visto, as escolas são equiparadas às empresas.

2. Impedimentos geográficos para a livre escolha: a densidade e concentração demográficas são fatores naturais que podem impedir a localização não só de mais de uma escola como de mais de um programa. Sobre esse aspecto o equilíbrio é difícil de se alcançar, e uma vez que a área deve ser suficientemente pequena para que não se apresentem problemas na obtenção da informação, transporte (e se este fosse coberto pelo Estado, por exemplo, poderiam apresentar-se problemas com a disponibilidade de tempo ou o interesse dos pais quanto a sacrificar parte do tempo dos filhos para ir até a escola) etc. mas suficientemente grande para permitir a diversidade, senão se perdem as economias de escala e/ou aumentam os custos de produção do serviço.

Além dessas dificuldades, podem-se assinalar os custos que demandaria a implementação do voucher: ao lado dos custos diretos, há os provenientes da coleta e manejo de informação, assessoria às famílias, distribuição dos vouchers, acompanhamento e avaliação do sistema e da alocação de recursos feita pelas escolas, administração das preferências reveladas pelas famílias (ou seja, a administração propriamente dita do sistema).

Resta analisar a efetividade do voucher com relação a um de seus objetivos intermediários: a possibilidade de induzir maior influência e força à soberania do consumidor. Isso depende, naturalmente, da efetividade do voucher como instrumento para a melhor fixação de recursos. Mas essa possibilidade torna-se relativa se se considera a natureza imperfeita do mercado educacional.

O voucher – como instrumento – ignora a natureza semicompetitiva desse mercado, supondo um mercado de concorrência perfeita. Mas como a concorrência é imperfeita, para que o mecanismo funcione deve existir regulação governamental e, dependendo necessariamente da natureza do mercado, se as imperfeições são muitas, contradiz-se o objetivo do voucher, tornando-se o sistema adotado muito similar ao existente anteriormente, porém mais caro.

Os teóricos do voucher – por exemplo West – assinalam que se poderia permitir que as famílias desembolsassem um pagamento suplementar se desejam uma educação mais cara dada por outras escolas. Ainda que, pela natureza dos serviços (demanda obrigatória) os consumidores não possam influir na quantidade oferecida, por essa via poderiam induzir a uma melhoria na qualidade. Entretanto, é evidente que o pagamento suplementar é justamente um dos pontos que gera mais iniqüidade, uma vez que os que têm mais poder aquisitivo não só são os que estariam dispostos a pagar por uma melhor educação para seus filhos como também os que efetivamente podem pagar por ela; o efeito final seria a maior segmentação, como ocorreu com a política educacional do regime militar chileno.

Outra desvantagem é a localização da oferta, já que o voucher ou os sistemas de livre escolha são ineficazes em zonas rurais ou de baixa concentração populacional.

ANÁLISE DE EXPERIÊNCIAS DE SUBSÍDIO À DEMANDA

Não está demonstrado que a qualidade melhore

Não há evidência empírica conclusiva, na bibliografia dos que propõem o subsídio à demanda (tampouco no trabalho de West que analisei), que demonstre que os usuários dos vouchers têm melhor rendimento nas escolas privadas que passam a freqüentar. E é assim porque essa evidência não existe. A evidência empírica proveniente dos Estados Unidos não permite confirmar a tese de que a qualidade melhora entre os usuários do sistema; por exemplo, as provas de qualidade não oferecem informação conclusiva já que os resultados são díspares, segundo o caso, entre as escolas de livre escolha e as públicas tradicionais: em alguns casos são melhores e em outros piores, ainda que pertencendo ao mesmo modelo de gestão (Smith, Meier, 1995).

A experiência de Milwaukee

O caso de Milwaukee foi exposto por West como uma das experiências que abonam a proposta do sistema vouchers. Vejamo-lo com um pouco de minúcia12 12 Esta análise se baseia em Cosse, Morduchowicz e Raschia, 1997. . O programa nesta cidade atende a famílias de baixa renda, pelas quais se paga uma cota de $ 2.500 anuais às escolas incluídas no programa. Os fundos são desviados do orçamento total destinado ao setor, o que fez com que as escolas públicas recebessem uma menor atribuição global de recursos. Os colégios privados participantes, que devem oferecer educação laica, precisam atingir um dos quatro objetivos seguintes: a) ao menos 70% dos alunos devem ser promovidos na série a cada ano; b) a média de presença deve ser, no mínimo, de 90% do total; c) pelo menos 80% das crianças devem demonstrar "significativos progressos acadêmicos" e d) ao menos 70% das famílias devem participar do processo educativo conforme critérios estabelecidos pelas escolas privadas participantes.

A avaliação, realizada por uma equipe da Universidade de Wisconsin-Madison (Witte, Stern, Thorn, 1995), assinala que os resultados das provas de língua e matemática dos alunos que participaram do programa não foram significativamente superiores, em comparação com os rendimentos dos estudantes de condição socioeconômica similar, que permaneceram nas escolas públicas, e que a porcentagem de presença foi só levemente superior.

Entre os principais problemas que mencionam os avaliadores, ressaltam-se o déficit do governo em matéria de supervisão e a falta de informação para que os pais possam realizar uma escolha responsável. O risco da escassa regulamentação estatal ficou claro quando algumas escolas tiveram que fechar por problemas financeiros e outras foram fechadas porque forjavam o número de inscritos para receber maior quantidade de recursos.

Não foram encontradas diferenças significativas na assistência aos estudantes envolvidos no programa; e, sobretudo, os controles de regressão, comparando-se os estudantes do programa e os da escola pública, feitos pela equipe de Witte, apresentaram resultados ambíguos e não significativos depois de quatro anos (Ascher, Fruchter, Berne, 1996, p. 71).

A experiência de Alum Rock

Como o voucher era visto como um instrumento para ampliar as oportunidades de escolha das famílias, em 1969 o U.S. Office of Economic Opportunity – OEO – encomendou ao Centro de Estudo de Políticas Públicas – CSPP – o estudo exaustivo desse instrumento. As recomendações ficaram prontas em 1970 (preferiram a forma compensatória) e, em nome do OEO, enviaram-se cartas, nas quais se explicava o sistema voucher aos superintendentes dos principais distritos educacionais, convidando os distritos interessados a pedir mais informação. Em 1971, cinco distritos mostraram interesse pela proposta de introduzir o voucher em sua esfera, mas, ao final, quatro deles opuseram-se à idéia de experimentá-lo. Entre as razões que alegaram encontram-se o temor de que a liberdade de escolha dos pais induziria a uma maior segregação e a resistência entre os docentes pela potencial maior disputa e responsabilidade (os professores viam o voucher como uma ameaça à sua estabilidade no trabalho e autonomia).

Entretanto, o distrito de Alum Rock (San José, Califórnia) decidiu fazer a experiência. Ele foi o primeiro dos Estados Unidos a implementar a proposta de voucher, em 1972. Alum Rock é um dos subúrbios mais pobres do estado e, em 1972, atendia 15 mil alunos. Mais de 50% deles participavam dos refeitórios escolares; os mexicanos representavam 48%, os negros, 12% e o restante era de brancos, norte-americanos.

1. Os objetivos da experiência de Alum Rock eram13 13 As condições sobre esta experiência se baseiam, principalmente, em Van Gendt, 1980. : a) oferecer a todos os habitantes da comunidade uma possibilidade de educação para seus filhos (esperava-se maior participação das famílias de renda baixa e média); b) conferir maior responsabilidade às escolas com respeito às necessidades da comunidade e incrementar a participação dos pais; e c) aumentar o sucesso educacional dos alunos.

A evolução dos participantes de Alum Rock foi a seguinte: 1972-73: 6 das 24 escolas primárias com miniescolas; 1973-74: 13 das 24 (45 miniescolas); 1974-75: 14 das 25 (51 miniescolas); 1976-77: somente 7 das 14 que participavam continuaram com a oferta de programas diferentes e, em 1977-78, somente dois colégios ofereciam mais de um programa.

2. Tanto para as escolas como para os programas que desenvolviam, os pais deviam indicar a ordem (até três opções) das que pretendiam para seus filhos. Todas as escolas deviam estar igualmente disponíveis e os que possuíam irmãos maiores tinham direito a concorrer ao mesmo estabelecimento. Se a demanda superava a oferta, primeiro tinha-se que tentar ampliar o espaço (quantidade de salas, ou oferecer o programa em outro estabelecimento com capacidade disponível etc.). Se isso não fosse possível, recorria-se ao método aleatório (por exemplo, sorteio). Por isso, podia acontecer de as crianças serem alocadas na segunda ou terceira opção e, se isso acontecesse, garantia-se que os custos de transporte seriam pagos pelas autoridades).

3. O responsável pela experiência não era o Education Voucher Advisory Council – Evac –, mas a direção do estabelecimento e o superintendente do distrito. Nesse sentido, o Evac – com respresentantes dos pais e professores – era um órgão consultivo e se encarregava, entre outras coisas, de garantir a informação necessária às famílias.

Quanto à questão operacional: era entregue a cada pai um voucher para cada filho, que representava o custo médio da educação em Alum Rock. Para os alunos com desvantagens aumentava-se até em um terço o valor. A escolha das crianças aos quais se entregaria o adicional baseava-se na renda das famílias; o fato de elegê-los de acordo com uma caracterização socioeconômica e não educacional baseava-se na forte correlação entre o desempenho escolar e essas variáveis e a relativa facilidade para instrumentalizar o adicional. Naturalmente, se os pais estavam descontentes com os programas que atendiam seus filhos, podiam trocá-los; além disso podiam propor ou levar adiante novos programas com os professores, sempre que fossem aprovados pelo Evac.

Posteriormente se realizou uma avaliação da experiência, que teve por objetivo analisar seu impacto sobre: a) os sucessos educacionais dos alunos; b) o custo e eficiência do programa; c) relação entre a comunidade e suas escolas; e d) efeitos sobre os profissionais dos colégios e o processo decisório dentro do sistema escolar. Para tanto foram recolhidas informações sobre: a) as diferentes opções educacionais; b) os resultados dos alunos nas provas; c) os tipos de escolha dos pais; d) a avaliação feita pelos pais; e) o tipo de direção dos colégios; f) organização das aulas; g) papel dos professores; h) custos e uso dos recursos; i) distribuição socioeconômica e étnica dos alunos.

Seguem-se os principais resultados:

Equilíbrio no mercado educacional

Quando a demanda excedia a oferta, o exercício da opção por parte dos pais era limitado por falta de infra-estrutura, recursos humanos etc. Isso pôde ser melhorado com o tempo – realocando-se recursos financeiros e materiais, criando-se, por exemplo, classes móveis e escolas satélites em outros edifícios, ainda que essas alterações nem sempre fossem adequadas, sobretudo por problemas entre as direções dos colégios. Quanto aos recursos humanos e a questão do excesso ou falta de vagas, tampouco foi uma boa solução pois quando era necessário os docentes chamados deviam ser primeiro os provenientes de experiências que não tinham tido êxito ou que os pais haviam recusado (além do que as miniescolas, incorporando docentes de outros programas, perdiam sua identidade). Em outras palavras, observou-se rigidez na oferta. Outras vezes acontecia que as próprias escolas ou programa não queriam ampliar sua experiência.

Uso da opção

Durante o primeiro ano os pais quase não fizeram uso da opção que lhes era oferecida, seja pela escassez de oferta desse ano, seja por certo conservadorismo que os prendia à escola que seus filhos já estavam freqüentando. Isso mudou no segundo e terceiro ano quando se observaram mudanças principalmente entre programas dentro de um mesmo estabelecimento.

O Evac

O Evac foi logo dominado pelos docentes que entendiam melhor o assunto do voucher e os pais participaram pouco, tanto na conformação do programa como na solicitação de informações sobre ele. Segundo os avaliadores, a comunidade preferia outro tipo de participação no processo do voucher.

Participação dos pais

Confirmaram-se as análises sociológicas existentes sobre a circulação da informação: somente os pais com maior nível socioeconômico aproveitaram a experiência e a disponibilidade de informação. Entretanto, foi surpreendente que, apesar da propaganda nos jornais, rádio, televisão, correio, reuniões nas escolas etc., 25% da população não sabia da experiência que estava sendo desenvolvida. Tampouco houve interesse por parte dos pais de estimular novas experiências, apesar de o programa permitir que o fizessem. Tampouco utilizaram o poder do voucher para estimular mudanças nas escolas; contrariamente ao esperado, o poder dos docentes ficou fortalecido pela maior autonomia e a possibilidade de influir em áreas curriculares e contratação de novos docentes.

Custos do programa

O custo do programa de Alum Rock foi cerca de 10% superior ao observado anteriormente, devido à maior necessidade de informação, transporte escolar, voucher compensatório etc.

Resultado final

Ao final do quarto ano do programa, o Evac sugeriu a possibilidade de terminar com a experiência de forma paulatina. Isso deveu-se, principalmente, à dificuldade de ajustar a oferta à demanda das famílias: ele fazia com que programas e/ou escolas impopulares ainda tivessem garantida uma grande matrícula. Por sua vez, o governo de Washington foi perdendo o interesse na experiência.

Em síntese, a experiência não mostrou todas as mudanças que se esperavam dela: os pais não optaram por bairros diferentes daqueles em que moravam e a diversidade de programas dentro das escolas dependia dos planos que os próprios docentes faziam, e não da demanda por esse tipo de programas. E mais, observou-se que nesta experiência os pais desapareceram das escolas (Ascher, Fruchter, Berne, 1996, p. 42).

A privatização audaciosa: Baltimore-Maryland

Desde finais dos anos 80, diferentes cidades e distritos começaram a implementar outra modalidade de livre escolha: as escolas charter. Os precursores desse tipo de escola são os contratos de desempenho firmados por alguns distritos, no final da década de 60, com empresas privadas, para implementar os programas compensatórios destinados aos estudantes com menos recursos.

Em 1991, em meio a uma profunda crise financeira, a superintendência da cidade de Baltimore, para obter mais lucro, decidiu contratar uma empresa (Education Alternatives Inc. – EAI ) para administrar, durante um período de cinco anos, nove escolas: uma escola primária, sete escolas elementares e uma escola média. A finalidade era o aumento do rendimento escolar, a diminuição dos custos e o incremento da participação dos pais.

Baltimore atende a uma população de 130 mil estudantes em 183 escolas. A maioria dos alunos pertence a setores de baixa renda e de origem afro-americana; 82% freqüentam os refeitórios escolares.

O contrato determinava que a responsabilidade em matéria de financiamento era do distrito, que deveria entregar os recursos às escolas calculados com base na média do custo/aluno do distrito, incluídos aí os destinados à educação especial e compensatória.

A empresa implementou um programa de inovação educacional, conhecido como programa Tesseract, e um programa de ensino computadorizado, com a finalidade de melhorar os resultados de aprendizagem e, simultaneamente, adotar uma série de medidas para diminuir os custos baseadas na redução de pessoal: 1) substituição do maior número possível de docentes por computadores; 2) substituição dos profissionais de apoio por estudantes do último ano do college14 14 College: faculdade que corresponde atualmente ao ensino pós-médio, ou tecnológico, no Brasil (N. da E.) ; 3) diminuição dos programas especiais e compensatórios mediante a integração dos estudantes nos cursos regulares.

Essas medidas suscitaram a resistência do sindicato docente e um conflito com o Departamento de Educação do Estado pela violação da lei federal de educação especial.

Diante dessa situação, o superintendente propôs à Universidade de Maryland que fizesse uma avaliação dessa experiência. Os resultados mostram os principais problemas da instrumentação dessas escolas charter em Baltimore.

Quanto à qualidade da educacão, a avaliação limitou-se a analisar as porcentagens de freqüência e de aprovação nos testes. Nesse aspecto, não foram constatadas diferenças substanciais entre os níveis de freqüência e os resultados das provas dos alunos dessas escolas e dos que freqüentavam as escolas públicas (Cf. Ascher, Fruchter, Berne, 1996, p. 45 e ss.).

Os pais tiveram um papel passivo sem possibilidade de escolher a escola, ou melhor dizendo, foi-lhes dada opção limitada de retirar seus filhos das escolas administradas pela EAI e não tiveram canais de participação institucional.

O custo/aluno em matéria de ensino foi 11% superior ao do restante das escolas. Esse aumento é significativo, uma vez que a experiência não só não produziu melhoria no desempenho dos estudantes como diminuiu, simultaneamente, o pessoal docente e aumentou a razão alunos/professor.

Antes do término do contrato, o distrito anunciou sua anulação.

O Programa de bolsas para livre escolha15 15 School Choice Scholarships Program (N. da E.) da cidade de Nova Iorque

Os problemas metodológicos apontados aparecem também em um informe do primeiro ano deste Programa (Peterson, Myers, 1997). Em primeiro lugar menciona-se que os estudantes que receberam bolsa de estudo tiveram resultados altos nos testes de matemática e leitura, mas que as diferenças em relação aos estudantes do grupo de controle de escolas públicas eram mínimas, de 2%, nas 2as a 6as séries, e de 5% (média de ambos os itens) nas 4as e 5as séries. Na continuação, assinala-se que 50% dos bolsistas tiveram "A", contra 18% dos alunos das escolas públicas. Isso coloca dois problemas. O primeiro: a diferença entre os testes (não se explica em que consistem eles) e as avaliações dos professores. Segundo: não se tem informação dos bolsistas antes de iniciar o programa, com isso, na realidade, ignora-se o que ocorreu de mudança nos resultados que alcançaram. Em outros indicadores não há muitas diferenças; por exemplo, o percentual de alunos suspensos e expulsos e o de troca de escola eram similares, e os estudantes financiados pelo programa estavam menos satisfeitos que os do grupo de controle quanto às possibilidades de acesso à biblioteca, lanchonete, ambulatório, pessoal de apoio educacional e programas para estudantes que não eram de fala inglesa e com dificuldades de aprendizagem.

Por outro lado foram feitas as seguintes críticas (p. 7): 1) as escolas privadas selecionaram os "melhores e mais brilhantes", deixando para trás os que apresentavam dificuldades ou necessidades especiais; 2) as famílias de baixa renda escolhem as escolas mais pela localização, a filiação religiosa e os programas esportivos do que pela qualidade da educação; 3) as escolas privadas desmembram a população em ambientes educacionais raciais e étnicos; 4) as escolas públicas possuem um grande número de programas para atender à população necessitada.

O fracasso do voucher também pode ser observado em um país tão diferente dos mencionados até aqui, como a Nova Zelândia. Em estudo recente, Waslander, Thrupp (1997) chegam às seguintes conclusões: 1) em termos gerais o estudo corrobora os argumentos dos críticos da mercantilização da educação; 2) a segregação socioeconômica entre as escolas foi muito mais exacerbada do que o previsto; 3) as escolas com maiores necessidades educacionais estão sendo forçadas a gastar de forma inadequada o tempo e os recursos para sobreviver, prejudicando desse modo seus alunos, que já são desprivilegiados; 4) Os mecanismos de mercado não puderam demonstrar que são capazes de alcançar os propósitos de igualdade de oportunidades e alto padrão educacional.

De tudo o que foi apresentado, parece bastante claro que não há justificativa teórica nem empírica que leve a pensar que o sistema de subsídio à demanda é a solução para os problemas do sistema educacional. Nada permite supor que essa solução poderia melhorar substantivamente a eficiência, a eqüidade e a qualidade do sistema em seu conjunto. A América Latina ciclicamente recebe e muitas vezes adota como panacéias – sem crítica – soluções geradas em outros contextos sociais e econômicos que tiveram êxito em outros países com características muito diferentes, o que não é o caso, como se viu, das experiências de subsídio à demanda. Desde o planejamento regional de territórios hidrográficos, que copiava o modelo de desenvolvimento da região do rio Tennesse, até o desenvolvimento rural total, que fazia o mesmo com a peculiar experiência em Israel, passando pela teoria dos pólos de crescimento, especialistas e organismos internacionais pensaram que haviam encontrado como resolver os problemas, mas isso na realidade não aconteceu nunca a partir dessas receitas transplantadas (De Mattos, 1989).

Espera-se que não ocorra o mesmo com a educação, para a qual está se propondo, novamente, uma solução que sequer teve êxito nos casos em que foi aplicada.

Recebido em: agosto 2002

Aprovado para publicação em: setembro 2002

A primeira versão deste artigo foi publicada na Revista Novedades Educativas, da Flacso argentina (Cosse, 1999) e em Sociología del desarrollo: políticas sociales y democracia, pela Cepal, no México (Cosse, 2001). Esta versão atualiza praticamente toda a informação empírica que ampara a argumentação e incorpora outras não disponíveis anteriormente; nela também se recuperam várias contribuições recentes na literatura sobre o tema. O título glosa o de um artigo de Carlos de Mattos (1989): "¿La descentralización, una nueva panacea para América Latina?"

O arquivo disponível sofreu correções conforme ERRATA publicada no Número 119 da revista.

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  • 1
    O marxismo em suas variantes distintas não tinha muito peso nos ambientes acadêmicos norte-americanos.
  • 2
    West (1998) cita vários acadêmicos com posições críticas ao sistema
    voucher, dizendo que esses autores sustentam que "não se pode esperar que os pais façam escolhas sensatas para seus filhos"; uma versão mais precisa (por exemplo a de Levin) diz que os pais não contam com a informação pertinente.
  • 3
    O que não quer dizer que seja sempre correta a idéia, muitas vezes vigente, da obrigatoriedade de freqüentar a escola mais próxima do domicílio. Os pais deveriam poder escolher a qual escola estadual desejam enviar seus filhos.
  • 4
    Obviamente não todas; na Argentina e em outros países não há poucas escolas religiosas estabelecidas em zonas de alta pobreza.
  • 5
    Na Argentina, na educação primária, o custo mínimo era alcançado, em 1997, nos 400 alunos (Mejer, Gens, 1997); na Inglaterra, no ensino médio, nos 1.200 e, nos Estados Unidos, nos 2 mil (Johnes, apud González, 1998).
  • 6
    O que levou o Ministério da Educação do Chile a desenvolver estratégias no sistema de informação, orientadas a aplicar penas para a exclusão de estudantes (González, 1998).
  • 7
    É interessante ressaltar que a atitude dos pais a respeito dos professores dá um valor de 68,4% de "contente" ou "muito contente" nessas escolas, nas públicas de Montevidéu, 62,2%, e 67% nas privadas de Montevidéu.
  • 8
    Essas mudanças certamente parecem modestas. Deve-se ter em conta a lentidão com que mudam tais variáveis mesmo nos países desenvolvidos e que, quando se incorporam setores de níveis educacionais familiares muito baixos, o esperado seria que a repetência aumentasse e a qualidade baixasse. Para a América Latina a média de declínio da repetência para períodos que vão de sete e dez anos é de 2,2% (Unesco, 1977).
  • 9
    É importante destacar o programa de apoio aos professores rurais com um sistema de tutores itinerantes.
  • 10
    Uma descrição muito mais analítica e ampla pode ser vista em Filgueira e Martínez (no prelo).
  • 11
    Tedesco (1992) afirma que, no Chile, as escolas privadas que apresentam bons resultados são as que têm mais de 10 anos de existência; ou seja, que o caráter meramente privado tampouco garante bons resultados.
  • 12
    Esta análise se baseia em Cosse, Morduchowicz e Raschia, 1997.
  • 13
    As condições sobre esta experiência se baseiam, principalmente, em Van Gendt, 1980.
  • 14
    College: faculdade que corresponde atualmente ao ensino pós-médio, ou tecnológico, no Brasil (N. da E.)
  • 15
    School Choice Scholarships Program (N. da E.)
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jan 2004
    • Data do Fascículo
      Mar 2003

    Histórico

    • Aceito
      Set 2002
    • Recebido
      Ago 2002
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