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A FORMAÇÃO DE OPINIÃO POLÍTICA ENTRE ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO DE GUARULHOS-SP

POLITICAL OPINION FORMATION AMONG SECONDARY EDUCATION STUDENTS IN GUARULHOS

LA FORMACIÓN DE OPINIÓN POLÍTICA ENTRE LOS ESTUDIANTES DE EDUCACIÓN MEDIA DE GUARULHOS

LA FORMATION D’OPINION POLITIQUE CHEZ DES LYCÉENS A GUARULHOS

Resumo

Este artigo visa a compreender o posicionamento político e a formação de opinião dos jovens a partir da aplicação de um survey junto aos estudantes de escolas públicas do município de Guarulhos, São Paulo. Por meio de análises descritivas e modelos de regressão logística, buscou-se identificar os determinantes de uma posição mais progressista ou mais conversadora em relação a diferentes temas políticos, considerando características socioeconômicas e relacionais. Os resultados mostram que a proximidade com a família, com determinadas denominações religiosas ou com o grupo de pares pode influenciar na formação de opinião. Da mesma forma, a questão de gênero e a autoidentificação como pobre e de periferia exercem influência importante no posicionamento em questões políticas relativas a esses grupos.

JUVENTUDE; OPINIÃO PÚBLICA; POLÍTICA; ESCOLAS

Abstract

This article aims to understand youths’ political positions and opinion formation based on a survey with students in public schools in the municipality of Guarulhos, Brazil. We used descriptive analysis and logistic regression models to identify the determinants of a more progressive or conservative position on different political issues, considering socio-economic and relational characteristics. The results show that closeness to family, to certain religious denominations or to the group of peers can influence opinion formation. Likewise, the gender issue and self-identification as a poor person from a deprived neighborhood have a significant influence on youths’ positions on political issues related with these groups.

YOUTH; PUBLIC OPINION; POLITICS; SCHOOLS

Resumen

El artículo intenta comprender la posición política y la formación de opinión de los jóvenes, a partir de la aplicación de una encuesta junto a los estudiantes de escuelas públicas del municipio de Guarulhos, Brasil. Por medio de análisis descriptivos y modelos de regresión logística, se trató de identificar los determinantes de una posición más progresista o más conservadora em relación con distintos temas políticos, considerando características socioeconómicas y relacionales. Los resultados muestran que la proximidad con la familia, con determinadas denominaciones religiosas o con el grupo de pares puede influenciar la formación de opinión. De la misma forma, el tema de género y la autoidentificación como pobre y habitante de la periferia ejercen una importante influencia en la posición relativa a temas políticos en dichos grupos.

JUVENTUD; OPINIÓN PÚBLICA; POLÍTICA; ESCUELAS

Résumé

L’article vise comprendre le positionnement politique et la formation d’une opinion des jeunes à partir de l’application d’un survey auprès des étudiants d’écoles publiques de la municipalité de Guarulhos, Brésil. Par moyen des analyses descriptives et des modèles de régression logistique on a cherché à identifier les déterminants d’une position plus progressiste ou plus conservatrice par rapport à différents thèmes politiques, prenant en compte des caractéristiques socioéconomiques et relationnelles. Les résultats montrent que la proximité avec la famille, avec quelques dénominations religieuses ou avec le groupe de pairs peut influencer dans la formation d’opinion. De la même façon, le genre et l’auto-identification comme pauvre et banlieusard exercent une influence importante dans le positionnement sur les questions politiques concernant ces groupes.

JEUNESSE; OPINION PUBLIQUE; POLITIQUE; ÉCOLES

O Brasil tem atravessado um momento em que diversas questões, principalmente aquelas ligadas a determinadas políticas públicas, são alçadas a um palco de disputas que se desdobra do cenário político para o debate cotidiano, especialmente nas redes sociais. Assim, as temáticas da união civil entre pessoas do mesmo sexo, liberação da posse de armas, políticas afirmativas e compensatórias, aborto, cotas e Programa Bolsa Família, entre outras, são tomadas como pautas que organizam determinados grupos de opinião a promoverem intensas campanhas pró ou contra decisões políticas que envolvam essas questões. Em grande medida, a última campanha eleitoral para a Presidência da República, em 2018, foi dominada por esses temas. Contudo, qual seria a influência dessas pautas no cotidiano das pessoas que não necessariamente estariam envolvidas na constituição desses grupos de opinião? O que se quer aqui é justamente tentar responder a essa indagação a partir de um olhar direcionado para um segmento específico: a juventude.

Portanto, o intuito deste artigo é apresentar um levantamento do que pensam os jovens estudantes secundaristas de escolas da periferia do município de Guarulhos, na Região Metropolitana de São Paulo, sobre essas questões que têm mobilizado uma série de tensões no cenário político atual. Trabalha-se, aqui, com a opinião, uma categoria que se mostra fundamental na formação da modernidade e que tem seus sentidos e potências alterados ou intensificados na contemporaneidade.

Conforme Gabriel Tarde (2005TARDE, Gabriel. A opinião e as massas. São Paulo: Martins Fontes, 2005.), com a invenção da imprensa, desponta um coletivo com características bastante peculiares e em constante crescimento: o público, um agrupamento que se forma a partir do compartilhamento de opiniões comuns sobre o que ocorre no mundo. Ou, nas palavras do próprio Tarde (2005, p. 5), trata-se de “uma coletividade puramente espiritual, como uma disseminação de indivíduos fisicamente separados e cuja coesão é inteiramente mental”.

No caso da presente pesquisa, não se trata de efetivamente detectar a formação de grupos de opinião entre os jovens, mas sim de tentar compreender quais processos mostram-se hoje importantes para a formação de posicionamentos sobre determinados temas sensíveis no cenário político atual. Acredita-se que tal formação seja um movimento crucial para ampliar a compreensão sobre os modos de subjetivação da juventude contemporânea, bem como perceber que fatores levariam determinadas opiniões ou posicionamentos a obterem maior ou menor adesão. Esse último ponto mostra-se fundamental na medida em que os movimentos de criação de vínculos contínuos das opiniões entre si engendrados pela imprensa, conforme a discussão de Tarde (2005TARDE, Gabriel. A opinião e as massas. São Paulo: Martins Fontes, 2005.), intensificam-se e adquirem contornos ainda mais radicais com as novas tecnologias da informação e da comunicação, em especial as redes sociais e aplicativos de transmissão de mensagens instantâneas.

As opiniões extremadas têm tomado conta da cena pública brasileira desde as manifestações de junho de 2013, ganhando contornos ainda mais dramáticos na eleição presidencial de 2018, com a intensificação do papel das redes sociais na divulgação de informações, fossem elas verdadeiras ou não, desde que reforçassem determinada adesão a um ponto de vista ou a uma corrente política. A questão de formação de públicos de opinião bastante coesos ou afetivamente conectados parece, em grande medida, explicar algumas atitudes extremadas e até emotivas de apego a certos posicionamentos políticos, pois, ainda conforme Tarde (2005TARDE, Gabriel. A opinião e as massas. São Paulo: Martins Fontes, 2005., p. 35), “os públicos, como as multidões, são intolerantes, orgulhosos, enfatuados, presunçosos e, sob o nome de opinião, entendem que tudo submete-se a eles, mesmo a verdade quando esta os contraria”. Reafirma-se, assim, a importância de se prestar atenção em como as correntes de opinião se formam entre esse segmento jovem aqui analisado, indagando a força de sua adesão e se haveria grande influência de instituições mais tradicionais, como a religião, a escola e a família, ou se estaríamos a observar uma diminuição dessa influência, em detrimento de coletividades mais desinstitucionalizadas, num movimento mais horizontal de formação de opinião.

Conforme François Dubet (1998DUBET, François. A formação dos indivíduos: a desinstitucionalização. Revista Contemporaneidade e Educação, Rio de Janeiro, v. 3, n. 3, p. 27-33, 1998.), haveria, desde o final do século XX, um processo em curso de transformação no modo de socialização dos indivíduos. Assim, instituições como a escola, a família, as igrejas e os sindicatos e partidos políticos teriam reduzido seu poder de configurar papéis sociais e transmitir valores. Essa mudança manifestar-se-ia de forma mais contundente na instituição escolar, que encontraria grandes dificuldades em relacionar-se com elementos das chamadas culturas juvenis e, dessa maneira, não conseguiria evitar que dispositivos que lhes são externos adentrem o seu espaço e participem ativamente da formação subjetiva dos estudantes, como os telefones celulares, por exemplo. Não se trata de pensar que instituições como a escola não cumpririam mais nenhum papel, mas sim de compreender que elas teriam cada vez mais concorrentes nesse processo de socialização.

Para Dubet (1998DUBET, François. A formação dos indivíduos: a desinstitucionalização. Revista Contemporaneidade e Educação, Rio de Janeiro, v. 3, n. 3, p. 27-33, 1998.), esse processo implicaria uma formação mais diversificada e individualizada, pois mais concentrada na experiência social de cada um e que considera cada vez menos os papéis e valores comuns transmitidos pelas instituições. Nuno Augusto (2008AUGUSTO, Nuno Miguel. A juventude e a(s) política(s): desinstitucionalização e individualização. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n. 81, p. 155-177, jun. 2008.), em argumentação próxima à de Dubet, também defende o avanço da desinstitucionalização e da individualização na formação da juventude contemporânea. Essa desinstitucionalização levaria a um afastamento de formas mais institucionais de participação e a uma privatização “das lógicas e das agendas de ação política, mais centradas na experiência quotidiana” (AUGUSTO, 2008AUGUSTO, Nuno Miguel. A juventude e a(s) política(s): desinstitucionalização e individualização. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n. 81, p. 155-177, jun. 2008., p. 163). Não se trata, portanto, de alternar-se entre certas interpretações românticas e pejorativas a respeito da opinião e participação política da juventude, concebendo-a ou como ator político privilegiado, ou como desinteressada e apática politicamente. Para Augusto (2008), trata-se de compreender justamente a participação política da juventude nessa chave da desinstitucionalização, que tem trazido, inclusive, novas agendas e formas de participação política, muitas delas relacionadas mais diretamente a campos como o lazer, por exemplo.

O presente estudo pretende dialogar com os levantamentos mais amplos já realizados sobre a juventude no Brasil, pensando mais detidamente sobre o posicionamento político dos jovens do ensino médio das escolas públicas de bairros periféricos do município de Guarulhos. No entanto, também é estabelecida uma grande relação com essa tradição dos estudos sobre juventude no Brasil e na América Latina de uma maneira mais ampla, principalmente no que se refere às indagações sobre as diferentes modalidades de posicionamento e participação política das novas gerações. Com isso, buscou-se apreender, por meio do survey realizado em 2019, o modo como as diferentes características socioeconômicas e formas de relações horizontais ou institucionalizadas influenciam na formação da opinião e no posicionamento político desses jovens.

A JUVENTUDE NAS CIÊNCIAS SOCIAIS

A discussão sobre o tema da juventude nas Ciências Sociais tem muitos pontos de partida e percorre vários caminhos, sendo difícil apontar um marco inicial. Contudo, como destaca Helena Abramo (1994ABRAMO, Helena Wendel. Cenas juvenis: punks e darks no espetáculo urbano. São Paulo: Scritta, 1994.), os estudos das ações desviantes ou da formação de gangues, em especial aqueles produzidos pela Escola de Chicago, nos Estados Unidos, são certamente um dos marcos dessa reflexão. Nesse contexto, como em grande parte dos trabalhos sociológicos dos primeiros anos desse grupo de pesquisa, a preocupação estava em compreender as consequências do processo de crescimento da cidade de Chicago. Dessa forma, o trabalho de Frederic Thrasher (2013THRASHER, Frederic. The gang: a study of 1.313 gangs in Chicago. Chicago: University of Chicago Press, 2013.) sobre as gangues já na década de 1920 nessa cidade estadunidense é bastante revelador de tal enfoque. Como aponta Ulf Hannerz (2015HANNERZ, Ulf. Explorando a cidade: em busca de uma antropologia urbana. Petrópolis: Vozes, 2015.), esse direcionamento para a juventude que se organizava em gangues observava a relação tanto com o território quanto com os processos migratórios. A grande questão dessa perspectiva inicial, conforme também destacado por Abramo (1994), estava justamente no olhar para determinados segmentos da juventude, em especial a migrante, negra e pobre, como problema, principalmente do ponto de vista da integração à sociedade estadunidense adulta, e para a dificuldade de entender os jovens como agentes dotados de autonomia e capacidade criativa.

Posteriormente, o enfoque das ciências sociais para a discussão sobre juventude, como demonstra José Machado Pais (2003PAIS, José Machado. Culturas juvenis. Lisboa: INCM, 2003.), alternou-se com o apontamento das dificuldades de socialização da juventude a partir de elementos geracionais ou de classe. Em outras palavras, haveria uma abordagem que definiria a formação dos jovens a partir de sua relação de contraposição e/ou acomodação à geração adulta, e outra que enfatizaria mais as ações que os jovens das classes populares ou de origem operária estabeleceriam para ou querer incorporar elementos das classes dominantes ou estabelecer comportamentos de contestação a elas. Nessas duas abordagens da temática da juventude, a noção de subcultura é mobilizada para pensar as culturas juvenis como subordinadas a outra, dominante, em conformidade ou em desacordo com ela. Ainda que a partir dessas duas perspectivas a discussão sobre juventude comece a considerar mais a agência dos atores sociais, os jovens ainda seriam hegemonicamente abordados a partir da chave do desvio ou do problema social.

Uma das mais relevantes pautas de pesquisa sobre a juventude que apresentaram uma proposta de compreensão das culturas juvenis como campos de atuação política e de resistência, principalmente de classe social, ainda que por meio da mobilização de elementos simbólicos ou da indústria cultural, surgiu no Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS), da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, por meio de sua mais importante obra, a famosa coletânea de textos intitulada Resistance through rituals: youth subcultures in post-war Britain ([1976]/1993). Interessados em analisar o conceito de cultura jovem como novidade do pós-guerra na Europa e particularmente na Grã-Bretanha, os pesquisadores desse grupo apontaram para o que consideraram como marcos responsáveis pela visibilidade alcançada pela categoria juventude após os anos 1950. Eles destacam, por exemplo, o expressivo aumento do mercado e do consumo no pós-guerra que propiciou o crescimento de uma indústria de lazer voltada para a juventude. Essa mudança proporcionaria as condições para o desenvolvimento de um fator fundamental: “a emergência dos meios de comunicação de massa, dos entretenimentos de massa, da arte de massa e da cultura de massa”1 1 No original: “the arrival of mass communications, mass entertainment, mass art and mass culture”. (CLARKE et al., 1993CLARKE, John; HALL, Stuart; JEFFERSON, Tony; ROBERTS, Brian. Subcultures, cultures and class. In: HALL, Stuart; JEFFERSON, Tony (ed.). Resistance through rituals: youth subcultures in post-war Britain. London: Hutchinson and Co, CCCS, University of Birmingham, 1993. p. 9-74., p. 18, tradução nossa).

Conforme os pesquisadores de Birmingham, o despontar da cultura de massa, por sua vez, levaria ao surgimento de estilos juvenis distintivos, baseados em novas maneiras de se vestir e em determinados gêneros musicais, como o rock. A partir do conceito de hegemonia de Gramsci, eles interpretaram a sucessão de estilos culturais juvenis como formas simbólicas de resistência, como consequências espetaculares de uma dissidência mais ampla com o período do pós-guerra. Assim, como afirma Rossana Reguillo (2013REGUILLO, Rossana. Culturas juveniles: formas políticas del desencanto. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2013.), assistimos à intensificação de um processo de ascensão de novas e distintas práticas juvenis, principalmente organizadas a partir de ações no campo da produção cultural e das atividades realizadas no tempo livre, mas que nem por isso deixaram de apresentar certo conteúdo político ou contestatório.

A anarquia, os grafites urbanos, suas músicas, os consumos culturais, a tomada da palavra por meio de dispositivos digitais novos e cada vez mais sofisticados, o protesto, a fuga, seus silêncios, a busca de alternativas e os compromissos itinerantes devem ser lidos como formas de ação política não institucionalizada e não como práticas mais ou menos inofensivas de um monte de desajustados.2 2 No original: “La anarquía, los grafitis urbanos, sus músicas, los consumos, culturales, la toma de la palabra a través de nuevos y cada vez más sofisticados dispositivos digitales, la protesta, la huida, sus silencios, la búsqueda de alternativas y los compromisos itinerantes deben ser leídos como formas de actuación política no institucionalizada y no como prácticas más o menos inofensivas de um montón de inadaptados”. (REGUILLO, 2013REGUILLO, Rossana. Culturas juveniles: formas políticas del desencanto. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2013., p. 13, tradução nossa)

Embora o lazer ou a fruição do tempo livre não seja uma prática cultural exclusiva dos jovens, parece ter se tornado um elemento importante da representação construída a respeito do jovem na sociedade atual. Nas pesquisas da Escola de Birmingham, a temática surge a partir da abordagem dos estilos espetaculares articulados, principalmente, às manifestações de lazer. A relação da juventude com o tempo livre é também destacada por Carles Feixa (2006FEIXA, Carles. De jóvenes, bandas y tribus. Antropología de la juventud. Barcelona: Ariel, 2006.), que testa como essas atividades juvenis muitas vezes modificam o próprio espaço urbano. Helena Abramo (1994ABRAMO, Helena Wendel. Cenas juvenis: punks e darks no espetáculo urbano. São Paulo: Scritta, 1994.) aponta o lazer como uma das dimensões mais significativas na vida dos jovens, caracterizado como um espaço importante para a sociabilidade e estruturação de identidades individuais e coletivas. Para Luís Antonio Groppo (2000GROPPO, Luis Antonio. Juventude: ensaios sobre sociologia e história das juventudes modernas. Rio de Janeiro: Difel, 2000.), é no lazer que os jovens encontram locais e momentos favoráveis para as atividades diferenciadas e relativamente autônomas em relação aos adultos. José Machado Pais (2003PAIS, José Machado. Culturas juvenis. Lisboa: INCM, 2003.), por sua vez, ressalta a ligação existente entre a sociologia da juventude e a sociologia do lazer, demonstrando o constante interesse de uma certa sociologia da juventude pelo tema do lazer.

Grande parte da sociologia da juventude tem passado pela sociologia do lazer. Pode mesmo dizer-se que quem não quiser falar de lazer deve calar-se se sobre juventude quiser falar. Porquê este insistente e tradicional interesse da sociologia da juventude pelos lazeres juvenis? Provavelmente, e é uma hipótese a confirmar, porque é no domínio do lazer que as culturas juvenis adquirem maior visibilidade e expressão. (PAIS, 2003PAIS, José Machado. Culturas juvenis. Lisboa: INCM, 2003., p. 159)

No Brasil, um dos mais importantes marcos da pesquisa sobre juventude está na clássica pesquisa de Marialice Foracchi (1972FORACCHI, Marialice Mencarini. A juventude na sociedade moderna. São Paulo: Pioneira, 1972.), realizada entre os anos 1960 e 1970, cujo foco principal são os jovens universitários, majoritariamente de classe média, que constituíam importante ator político da época. Inspirada na discussão geracional de Karl Mannheim, Foracchi (1972) já indicava como a noção de juventude, naquele momento, despontava como categoria histórica e social, por ter se afirmado como um artefato histórico que se materializava no que a autora denomina de movimentos de juventude.

Ao longo dos anos 1980 e 1990, esse enfoque começou a mudar e novas temáticas despontaram entre os pesquisadores brasileiros que formaram um crescente campo de estudos das juventudes. Uma das principais abordagens nesse período voltou-se para o que se passou a denominar culturas juvenis. O próprio trabalho de Abramo (1994ABRAMO, Helena Wendel. Cenas juvenis: punks e darks no espetáculo urbano. São Paulo: Scritta, 1994.), sobre os punks e darks nas décadas de 1980 e 1990, em São Paulo, é um marco. Porém, cabe destacar outras pesquisas que também constituíram importantes referências, como os trabalhos de Janice Caiafa (1989CAIAFA, Janice. Movimento punk na cidade: a invasão dos bandos sub. Rio de Janeiro: Zahar, 1989.), sobre os punks no Rio de Janeiro, Márcia Regina da Costa (1993COSTA, Márcia Regina da. Os “carecas do subúrbio”: caminhos de um nomadismo moderno. Petrópolis: Vozes, 1993.), a respeito do movimento carecas do subúrbio na Região Metropolitana de São Paulo, e Glória Diógenes (1998DIÓGENES, Glória. Cartografias da cultura e da violência: gangues, galeras e o movimento hip hop. São Paulo; Fortaleza: Annablume; Secretaria da Cultura e Desporto, 1998.), sobre gangues, galeras jovens e o movimento hip-hop em Fortaleza.

Essa abordagem, iniciada entre os anos 1980 e 1990, abre caminho para que se comece a retratar os jovens muito menos sob uma preocupação centrada na ação política tradicional e mais a partir dos novos modos de organização informais e não necessariamente associados a instituições sociais, como a escola, a universidade, os sindicatos ou os partidos políticos; contudo, nem por isso, como defendeu Reguillo (2013REGUILLO, Rossana. Culturas juveniles: formas políticas del desencanto. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2013.), deixando de ter uma atuação política efetiva, seja de viés mais progressista ou mais conservador. A discussão passou a se situar justamente na esfera do lazer e das atividades lúdicas. Além disso, essa ampliação de olhar para a juventude brasileira começou também a se estender para as culturas juvenis periféricas, como, por exemplo, as pesquisas acadêmicas a respeito do movimento hip-hop. Conforme demonstra Elmir Almeida (2009ALMEIDA, Elmir de. Os estudos sobre grupos juvenis: presenças e ausências. In: SPOSITO, Marilia (coord.). O estado da arte sobre juventude na pós-graduação brasileira: educação, ciências sociais e serviço social (1999-2006). Belo Horizonte: Argvmentvm, v. 2, 2009. p. 121-173.), em texto sobre o estado da arte da produção acadêmica brasileira sobre grupos juvenis, destaca-se justamente o grande número de estudos que se debruçaram sobre o rap ou o hip-hop. Isso talvez se explique, em alguma medida, pelo olhar mais político para as questões sociais e raciais que os protagonistas dessa expressão, jovens pobres e negros em sua imensa maioria, passaram a manifestar.

Contudo, pode-se dizer que uma grande virada aconteceu no início da década de 2010, na cena política nacional, que afetou em larga medida os interesses dos estudos sobre os jovens. Desde 2013, a temática da juventude brasileira passou a ser muito mais discutida, com base em diferentes formas de participação na cena pública. Primeiro com o conjunto de manifestações que aconteceram em todo o país, a partir da forte repressão aos protestos realizados em São Paulo pelo Movimento Passe Livre, contra o aumento das passagens de ônibus. Embora a pauta dessas manifestações tenha se diversificado ao longo do tempo e assumido um viés mais conservador e os seus participantes não necessariamente pudessem ser identificados como jovens, não se pode negar que, ao menos no início, nos primeiros protestos, e mesmo na composição desse movimento, eram os jovens que estavam mais à frente do processo.3 3 Para mais detalhes sobre as manifestações de 2013, ver Scherer-Warren (2014).

No final de 2013 e início de 2014, outro movimento protagonizado por jovens, assim como a repressão que atraiu contra si, tornaram-se pauta de discussão pública: os rolezinhos. Encontros marcados pela internet, por jovens em sua maioria fãs da música funk, em shopping centers de São Paulo, geraram uma reação de repressão policial desproporcional e um intenso processo de rotulação e estigmatização da juventude pobre e periférica (PEREIRA, 2016PEREIRA, Alexandre Barbosa. Os “rolezinhos” nos centros comerciais de São Paulo: juventude, medo e preconceito. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, Manizales, Colômbia, v. 14, n. 1, p. 545-557, jan./jun. 2016.). Nesse caso, não se tratava de um movimento com intenções políticas ou contestatórias em seu início, mas que terminou, de alguma forma, politizando-se justamente por conta da repressão desmedida a encontros de jovens pobres em shopping centers em bairros periféricos de São Paulo e outros municípios da Região Metropolitana.

Por fim, em 2016, a questão da juventude retornou ao cenário político nacional, com o movimento de ocupação de escolas contra o fechamento de algumas instituições e em defesa de melhores condições de educação (CAMPOS; MEDEIROS; RIBEIRO, 2016CAMPOS, Antonia; MEDEIROS, Jonas; RIBEIRO, Márcio. Escolas de luta. São Paulo: Veneta, 2016.). Embora iniciado em São Paulo, esse movimento também se espalhou por todo o Brasil, conforme mostram Costa e Groppo (2018COSTA, Adriana; GROPPO, Luís (org.). O movimento de ocupações estudantis no Brasil. São Carlos: Pedro e João Editores, 2018.), disseminando novas pautas e formas mais horizontais de atuação política.

Esse panorama recente de movimentos da juventude brasileira na cena pública leva a duas constatações principais: a de que, ao contrário de certa abordagem pejorativa da juventude contemporânea, há sim alguns de seus segmentos mais engajados em ações políticas; e a de que não existe um modelo unívoco de participação política. No Brasil, já há um considerável acúmulo de levantamentos amplos sobre pesquisas a respeito da temática da juventude. Muitos deles apresentam aspectos da participação e opinião política dos jovens brasileiros. Paulo Krische (2005KRISCHE, Paulo J. Questões sobre juventude, cultura política e participação democrática. In: ABRAMO, Helena Wendel; BRANCO, Pedro Paulo Martoni (org.). Retratos da juventude brasileira: análises de uma pesquisa nacional. São Paulo: Instituto Cidadania, 2005. p. 323-350.), por exemplo, discute a cultura política e a baixa adesão dos jovens à democracia no livro Retratos da juventude brasileira, organizado por Helena Abramo e Pedro Branco (2005ABRAMO, Helena Wendel; BRANCO, Pedro Paulo Martoni (org.). Retratos da juventude brasileira: análises de uma pesquisa nacional. São Paulo: Instituto Cidadania, 2005.), para analisar os resultados de uma pesquisa nacional, realizada em 2003, que tinha por objetivo traçar justamente um perfil da juventude brasileira.

Na década seguinte, em 2016, outra publicação com o intuito de apresentar um panorama geral em sentido muito parecido foi a Agenda da juventude, organizada por Novaes et al. (2016NOVAES, Regina; VENTURI, Gustavo; RIBEIRO, Eliane; PINHEIRO, Diógenes (org.). Agenda juventude Brasil: leituras sobre uma década de mudanças. Rio de Janeiro: Unirio, 2016.), trazendo agora uma pesquisa realizada em 2013, dez anos após a anterior. Nessa outra obra, entre as diferentes temáticas, como educação, questão racial, saúde, sexualidade, religiosidade, etc., há também um texto sobre participação política, escrito por Anna Luiza Salles Souto (2016SOUTO, Anna Luiza Salles. Juventude e participação. In: NOVAES, Regina; VENTURI, Gustavo; RIBEIRO, Eliane; PINHEIRO, Diógenes (org.). Agenda juventude Brasil: leituras sobre uma década de mudanças. Rio de Janeiro: Unirio, 2016.), cujo objetivo é identificar valores e posicionamentos políticos dessa geração. As grandes transformações percebidas são destacadas pela autora da seguinte forma:

Mais escolarizados, menos católicos, mais urbanos e autodeclarando- -se menos brancos, esses jovens, nascidos pós-campanha das Diretas Já, cresceram no contexto da redemocratização do país e de vigência dos requisitos básicos do sistema democrático. Mais ainda, a maioria deles compartilha a experiência de ter vivido boa parte de suas vidas e/ou de ter se tornado cientes de questões relativas à vida política do país no decorrer do período em que o Partido dos Trabalhadores esteve à frente do governo federal. Nunca é demais demarcar a conjuntura histórica vivida pela nova geração, de modo a contextualizar e melhor apreender os dados relativos à sua percepção sobre o país, sobre as formas de atuação política e os desafios que se colocam para o Brasil. (SOUTO, 2016SOUTO, Anna Luiza Salles. Juventude e participação. In: NOVAES, Regina; VENTURI, Gustavo; RIBEIRO, Eliane; PINHEIRO, Diógenes (org.). Agenda juventude Brasil: leituras sobre uma década de mudanças. Rio de Janeiro: Unirio, 2016., p. 266)

Nesse contexto, uma das principais mudanças notadas na investigação de Souto (2016SOUTO, Anna Luiza Salles. Juventude e participação. In: NOVAES, Regina; VENTURI, Gustavo; RIBEIRO, Eliane; PINHEIRO, Diógenes (org.). Agenda juventude Brasil: leituras sobre uma década de mudanças. Rio de Janeiro: Unirio, 2016.) diz respeito ao crescimento da percepção de que os jovens poderiam mudar o mundo. Na faixa de idade entre 15 e 24 anos, o percentual daqueles que entendiam que poderiam mudar muito o mundo saltou de 57%, em 2003, para 71%, em 2013. Por outro lado, ao serem indagados sobre o que era importante para a sua vida ou o que contribuiria para melhorá-la, a maioria dos entrevistados indicou ou o esforço pessoal ou o apoio da família. Nesse sentido, Souza e Vazquez (2015SOUZA, Davisson Charles Cangussu; VAZQUEZ, Daniel Arias. Expectativas de jovens do ensino médio público em relação ao estudo e ao trabalho. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 41, n. 2, p. 409-426, abr./jun. 2015.) demonstram que a elevada expectativa em relação à continuidade dos estudos também reproduz a ideologia do mérito e do dom, em que o esforço individual possibilitaria superar as dificuldades colocadas pela situação socioeconômica. Complementarmente, outro dado importante é que a maioria dos entrevistados por Souto (2016), 55,7% deles, afirmou que desconhecia qualquer política pública voltada para a juventude. Embora este artigo não aborde tal dimensão da participação política efetiva, mas sim a das opiniões e posições políticas que os jovens apresentam, esses são dados importantes que ajudam a pensar como se situam os estudantes de ensino médio das escolas públicas da cidade de Guarulhos.

Atualmente, Guarulhos é o segundo município mais populoso do Estado de São Paulo, com cerca de 1.200.000 habitantes, além de ser o 4º mais alto PIB (Produto Interno Bruto) do estado e o 12º no país. Apesar desses indicadores, o município tem cerca de 30% da sua população em setores de vulnerabilidade alta ou muito alta, segundo os últimos números do Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS), calculados pela Fundação Seade. Inseridos nesse espaço de contradições sociais, os estudantes da periferia de Guarulhos constituem um público ideal para esta pesquisa.

Na sequência, serão apresentados a formatação e os resultados obtidos com a aplicação do survey, com o qual buscou-se captar o posicionamento desses jovens e as influências sociais e relacionais sobre a formação da opinião referente a diferentes temas políticos.

DESENHO E ANÁLISE DO SURVEY

Para verificar o posicionamento político e as principais influências sobre a formação de opinião dos jovens, realizamos um survey com estudantes do ensino médio em escolas públicas do município de Guarulhos. Ao todo, foram aplicados 265 questionários durante a 4ª edição do Dia Aberto, promovida pela Universidade Federal de São Paulo, quando estudantes do ensino médio de 14 escolas visitaram o campus Guarulhos, em 9 de abril de 2019. Por meio de um formulário digital autoaplicável, os entrevistados responderam às 22 questões nos laboratórios de informática da universidade. Com um público total de 600 jovens, foi possível obter uma amostra representativa4 4 Com intervalo de confiança de 95% e margem de erro de 4,5%. desse grupo, mesmo que essa não tenha sido uma preocupação central da pesquisa, que tem um caráter ainda exploratório em relação à opinião política dos jovens.

Dentre os entrevistados, a idade média é de 16,9 anos, e 60% são do sexo feminino. Quanto à cor da pele, 38% se autodeclararam brancos; 14%, pretos; 43% pardos e apenas 5% se definiram como amarelos ou indígenas. Avançando nas características socioeconômicas, a Figura 1 mostra as distribuições de frequência das variáveis: nível de escolaridade dos pais, autodefinição em relação à classe social e situação de moradia.

FIGURA 1
CARACTERÍSTICAS SOCIOECONÔMICAS DOS ENTREVISTADOS

Como o público-alvo da pesquisa é bastante jovem, optamos por não perguntar sobre a renda domiciliar, pois acreditamos que essa informação não seria de domínio da maior parte dos entrevistados, ainda mais considerando-se o contexto socioeconômico em que está inserida, no qual é comum uma renda familiar variável em função da informalidade e do trabalho por conta própria. Em vez disso, optamos por uma questão mais subjetiva sobre classe social, solicitando ao jovem que se autodefinisse como pobre, classe média (baixa ou alta) ou rico. De acordo com os resultados, um terço dos estudantes se considera pobre, 61% afirmaram pertencer à classe média baixa e 5% à classe média alta, enquanto menos de 1% se definiu como rico. O quadro é bastante próximo ao esperado devido à localização das escolas dos alunos, todas em Guarulhos, e grande parte na periferia desse município, semelhante à proporção observada no estudo de Souza e Vazquez (2015SOUZA, Davisson Charles Cangussu; VAZQUEZ, Daniel Arias. Expectativas de jovens do ensino médio público em relação ao estudo e ao trabalho. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 41, n. 2, p. 409-426, abr./jun. 2015.), no qual a maioria dos jovens (74%) também se considera de classe média, mesmo sendo moradores de periferia.

É importante ressaltar que essas questões envolvem subjetividade, baseada em posição relativa e que demonstram pertencimento. No presente survey, é muito superior a identificação dos jovens como periféricos (68,5%) do que como pobres (33,3%). Márcio Macedo (2016MACEDO, Márcio. Hip-hop SP: transformações entre uma cultura de rua, negra e periférica (1983-2013). In: KOWARICK, Lúcio; FRÚGOLI JR., Heitor (org.). Pluralidade em São Paulo: vulnerabilidade, marginalidade, ativismos. São Paulo: 34, 2016. p. 23-54.), ao analisar a história do hip-hop em São Paulo, apresenta a noção de periferia, conforme constituída pela juventude paulistana, como uma espécie de reelaboração de certas representações do gueto estadunidense, por meio da criação de espacialidades simbólicas e/ou imaginárias que remeteriam a uma marginalidade conectiva. Em sua pesquisa sobre coletivos de videoativistas, Guilhermo Aderaldo (2017ADERALDO, Guilhermo. Reinventando a cidade: uma etnografia das lutas simbólicas entre coletivos culturais vídeo-ativistas nas “periferias” de São Paulo. São Paulo: Annablume, 2017.), por sua vez, demonstra como a categoria periferia é acionada com muitos sentidos, não se limitando às referências a um território de carências e, assim, tornando-se uma noção sempre relacional e contextual. Deve-se destacar que muitos coletivos juvenis em São Paulo têm tomado a periferia como categoria de reconhecimento e pertencimento, aludindo não só à referência territorial de bairros pobres e segregados, mas também a determinadas relações de sociabilidade e mesmo elementos de demarcação racial (PEREIRA, 2018PEREIRA, Alexandre Barbosa. Um rolê pela cidade de riscos: leituras da piXação em São Paulo. São Carlos: EdUFSCar, 2018.). Assim, pode-se afirmar que a categoria periferia, a partir das muitas elaborações e reelaborações dos coletivos juvenis, converte-se de marca de estigma a uma referência de afirmação orgulhosa de si.

Outro fator de vulnerabilidade é a baixa escolaridade dos pais. Na Figura 1, observa-se que a escolaridade das mães é superior à dos pais, tendo como referência o percentual daqueles que completaram o ensino médio, que corresponde a mais de 60% das mães e não chega a 45% dos pais. Por outro lado, 19% das mães e 28,4% dos pais estudaram apenas até o primeiro ciclo do ensino fundamental (antiga 4ª série). Vale ressaltar que a figura paterna (ou de alguém que desempenhe esse papel) é ausente em 8,3% dos casos, enquanto a ausência materna é de apenas 0,8%.

A religião é outra característica social que buscamos identificar por se tratar também de um fator relevante para a formação da opinião política. Gracino Junior, Targino e Rezende (2019) demonstram que certo alinhamento a determinadas posições políticas, influenciadas pela adesão religiosa dos jovens do chamado campo evangélico, pode ter múltiplos sentidos e formas de expressão. Segundo os autores, há inclusive aqueles que se expressam publicamente alinhados ao discurso das denominações religiosas a que pertencem, no âmbito privado, e alguns deles podem apresentar posições discrepantes às de suas lideranças religiosas. Nesta pesquisa com os jovens do município de Guarulhos, utilizou-se o cruzamento de duas questões: a qual religião pertence e qual a frequência de participação em atividades religiosas (cultos, missas, etc.). Dessa maneira, buscou-se verificar as práticas religiosas predominantes e a frequência desses jovens em atividades das respectivas igrejas. O resultado pode ser visto na Tabela 1.

TABELA 1
IDENTIFICAÇÃO DA RELIGIÃO DOS JOVENS E FREQUÊNCIA ÀS ATIVIDADES RELIGIOSAS

A religião evangélica é seguida por 40% dos jovens, ocupando o primeiro lugar, com destaque também para a frequência nos cultos, já que mais da metade afirma comparecer sempre ou quase sempre a essas atividades. Em comparação, 21,5% dos jovens se declararam católicos, e apenas 28% deles disseram comparecer sempre ou quase sempre às missas. Portanto, a liderança da igreja evangélica é bastante grande nos dois critérios utilizados para identificar a religiosidade dos jovens entrevistados, com praticamente o dobro de praticantes e de assiduidade às atividades religiosas do que a igreja católica. Por esse motivo, nossa hipótese é a de que esse grupo recebe mais influência das igrejas e suas lideranças na formação da opinião política, ainda que tal influência não possa ser determinada como unívoca, como demonstram Gracino Junior, Targino e Rezende (2019).

Uma parte significativa dos jovens, 23,8%, afirmou não ter religião, mas acreditar em Deus, superando a parcela católica da amostra. Obviamente, a frequência às atividades religiosas é bem mais esporádica, já que quase 70% indicaram que raramente ou nunca comparecem a cultos ou missas. Há ainda os jovens ateus, que correspondem a 6,8%, com presença praticamente nula nas atividades religiosas. Por fim, 7,9% citaram diversas outras religiões, mas sem quantidades suficientes para compor um novo grupo. Dessa maneira, optou-se por criar a categoria “Outras”, na qual a média de frequência às atividades religiosas é bem inferior às das igrejas evangélica e católica.

No segundo bloco de questões, buscou-se captar os interesses dos jovens por política e outros temas correlatos. Para mensurar os interesses, utilizou-se uma escala de 0 a 5, na qual o jovem indicava seu grau de interesse por política e movimentos sociais em comparação com outros interesses gerais, como música, meio ambiente, esportes e religião, a fim de obter uma base comparativa de mensuração para análise mais apurada da política como objeto de interesse dos jovens. O Gráfico 1 mostra a média do interesse dos jovens, por tema, segundo grupos de características socioeconômicas, a saber: mulheres, pais de alta escolaridade (ambos com ensino médio completo), cor da pele preta, evangélicos praticantes (presente sempre ou quase sempre nos cultos), autodefinição como pobre e morador de periferia. Existe diferença significativa no interesse por política entre esses grupos?

Nota-se, em primeiro lugar, um nível menor de interesse por política em comparação aos demais temas. Além disso, as diferenças entre os grupos são pequenas, ou seja, o interesse geral por política é baixo, e não há um grupo que se destaque dos demais, tal como ocorre, por exemplo, com o tema música, no qual os evangélicos apresentam um nível bem superior de interesse, ou ainda o tema esporte, cujo interesse feminino é menor do que a média, sem contar o próprio tema religião, que, naturalmente, desperta maior interesse do grupo de evangélicos. Por outro lado, existe um interesse maior por meio ambiente e movimentos sociais, dois temas bastante relacionados com a política, cujo grau médio de interesse só é inferior à música. Nesses casos, também há maior variação entre os grupos, com as mulheres, filhos de pais com maior escolaridade, pobres e moradores da periferia com interesse acima da média, enquanto evangélicos praticantes e pretos indicaram um nível de interesse inferior à média nesses temas, tal como demonstra o Gráfico 1.

GRÁFICO 1
MÉDIA DO GRAU DE INTERESSE (EM ESCALA DE 0 A 5), POR TEMA, SEGUNDO GRUPOS SOCIAIS

No entanto, se o interesse médio por política é baixo e pouco variável em função das diferentes características sociais, isso não quer dizer que não haja diferenças de interesses entre os jovens. Analisando a frequência de respostas, nota-se que 28,3% dos entrevistados indicaram que seu interesse por política é de 0 ou 1, e, na outra ponta, 30,2% apontaram um nível de interesse de 4 ou 5. Na comparação com os outros dois temas correlatos, 22,6% e 8,7% disseram ter baixo interesse (0 ou 1) por movimentos sociais e meio ambiente, respectivamente, enquanto 47,7% e 62,3% afirmaram ter interesse alto (4 ou 5) nesses temas. Sob essa perspectiva, o interesse por política ou por movimentos sociais pode ser uma boa variável independente para compreender a opinião política dos jovens. Aqueles mais interessados teriam posicionamentos mais progressistas ou mais conservadores do que os demais? Essa questão será abordada na seção seguinte.

Antes disso, é preciso verificar as opiniões políticas dos jovens e, para tanto, solicitamos seus posicionamentos diante de temas polêmicos da atualidade, sem entrar em questões específicas sobre política eleitoral.5 5 Dentre os entrevistados, 19% votaram nas últimas eleições, uma vez que o voto é facultativo para jovens entre 16 e 18 anos. Em primeiro lugar, solicitou-se ao respondente que se posicionasse “contra”, “a favor” ou “não sei” em relação aos seguintes temas: a) cotas raciais nas universidades; b) liberação da posse de armas; c) legalização da maconha; d) legalização do aborto; e) reforma da previdência; f) programa Bolsa Família; g) união civil entre pessoas do mesmo sexo; h) redução da maioridade penal; e i) intervenção militar.6 6 No survey, também foram questionados o posicionamento em relação à “ocupação de imóveis vazios” e ao “projeto Escola sem Partido”. No entanto, muitos entrevistados não souberam responder ou não tinham opinião formada a respeito, o que fez com que a resposta “não sei” alcançasse 34% e 40,8%, respectivamente. Assim, optou-se por excluir esses dois temas do escopo do presente artigo.

Propositalmente, as questões alternam itens em que posições mais progressistas exigiriam respostas positivas (a favor/concordo) e negativas (contra/discordo), a fim de evitar respostas automáticas, sem reflexão sobre cada pergunta específica. Também foram misturados temas econômicos, morais e de ordem pública, os quais serão reagrupados nas análises a seguir. Os resultados dos posicionamentos sobre cada tema estão no Quadro 1.

QUADRO 1
POSICIONAMENTO POLÍTICO SOBRE TEMAS (EM %)

Os maiores consensos são a favor do Programa Bolsa Família (84,2%) e da união civil de pessoas do mesmo sexo (73,6%), além do posicionamento contrário à liberalização da posse de armas (70,9%). Em seguida, aparecem as opiniões favoráveis às cotas raciais (63,8%) e contrárias à intervenção militar (62,3%) e à reforma da previdência (53,2%). Todas essas opiniões indicam um posicionamento mais progressista da maioria dos jovens, com exceção da defesa da redução da maioridade penal por 50,6% dos entrevistados, tema que afeta diretamente a juventude de uma forma geral. Por fim, estão outros dois temas da pauta de costumes que dizem respeito às legalizações do aborto e da maconha, nos quais as opiniões dos jovens encontram-se mais divididas, conforme consta no Quadro 1.

A fim de identificar a formação da opinião, as últimas questões buscaram captar as influências das instituições tradicionais/hierárquicas (família, escola e igreja) e das redes mais informais/horizontais (amigos e internet) sobre as opiniões relacionadas à política. Para tanto, foram elaboradas três perguntas: a) quem o jovem consulta em caso de dúvida sobre que atitude tomar, com possibilidade de múltipla escolha, sendo consideradas separadamente a incidência de cada resposta (como variável dummy); b) o grau de influência dessas instituições sobre as opiniões e atitudes dos jovens, em uma escala de 0 a 5; e c) se a opinião deles sobre esses temas está de acordo com a maioria ou a minoria da sua família, dos professores, das pessoas da igreja, dos amigos e das pessoas que eles seguem nas redes sociais, sendo admitida também a resposta “não sei” ou “não se aplica”. O Gráfico 2 mostra os resultados vinculados à influência geral dessas instituições formais e informais.

GRÁFICO 2
AVALIAÇÃO DA INFLUÊNCIA NA FORMAÇÃO DA OPINIÃO DOS JOVENS

Considerando-se todos os critérios, a família e os amigos são as principais influências dos jovens na formação da sua opinião. Segundo eles, a família é a instituição com maior grau de influência, alcançando uma média de 3,57 contra 2,85 dos amigos, que aparecem em 2º lugar nesse critério, em uma escala de 0 a 5. Essa mesma ordem é observada em relação a quem os jovens recorrem em caso de dúvida, sendo que 58,1% mencionaram que recorrem à família e 54,3%, aos amigos. No entanto, os jovens apresentam maior concordância com a opinião dos amigos, pois 58% afirmaram que seus posicionamentos sobre os temas levantados são compatíveis com a opinião da maioria dos amigos, sendo esse percentual de cerca de 40% no caso das famílias e dos professores, cujo grau de influência é bastante semelhante ao dos amigos (2,86 e 2,85, respectivamente). Contudo, um a cada três jovens não conhece a opinião dos seus professores, ao contrário da família, cuja opinião dos seus membros é desconhecida por 15% dos jovens, enquanto apenas 12% indicaram ignorar a opinião dos amigos sobre esses temas.

Portanto, a opinião da família é a que mais exerce influência, bem como a quem os jovens mais recorrem em caso de dúvida, embora nem sempre eles estejam de acordo com a opinião da maioria dos seus familiares. Os amigos formam o grupo com quem eles mais concordam, mais conhecem suas opiniões e a quem recorrem em segundo lugar, com grau de influência menor do que o das famílias. A escola ocupa uma posição intermediária, com um grau de influência dos professores semelhante ao dos amigos, com nível de concordância igual ao das famílias, mas a quem os jovens recorrem menos em casos de dúvidas (apenas 31,7%) e boa parte deles (33%) desconhece a opinião dos professores sobre os temas políticos.

Por outro lado, a igreja e as redes sociais têm menor importância nos três critérios utilizados para avaliar a formação da opinião política dos jovens. Segundo os entrevistados, o menor grau de influência (1,17) sobre suas opiniões corresponde às pessoas que eles seguem nas redes sociais, enquanto o maior desconhecimento e o menor nível médio de concordância referem-se às opiniões das pessoas da igreja. Além disso, apenas 12,5% dos jovens buscam orientação religiosa em caso de dúvidas. Obviamente, ainda não estamos considerando as diferenças entre jovens que têm religião ou não.

À luz dos resultados apresentados até aqui, é possível relativizar o que Edgar Morin (1990MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo I - neurose. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1990.), em texto já clássico sobre a cultura de massas no século XX, afirma em relação à juventude: no modo como se passou a concebê-la especialmente no pós-guerra no Ocidente, teria como característica fundamental justamente o desapego às instituições tradicionais em seus processos de formação, cujos “modelos dominantes não são mais os da família ou da escola” (MORIN, 1990MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo I - neurose. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1990., p. 157). Em resumo, o que esse survey revelou foi que, ao mesmo tempo que relações mais horizontais com os pares de amigos e com as redes sociais e novas mídias mostram-se importantes, instituições tradicionais como a família, a escola e a a religião ainda exercem grande influência na opinião e no modo de vida dos jovens.

Por fim, deve-se ressaltar que os resultados apresentados estão apoiados no valor médio, cabendo agora verificar se o nível de interesse e as opiniões políticas mudam de acordo com as características socioeconômicas, os interesses dos jovens e as diferentes influências na formação da opinião, o que será analisado na seção seguinte.

POSICIONAMENTO POLÍTICO DE JOVENS E SEUS DETERMINANTES SOCIOECONÔMICOS E RELACIONAIS

Para avaliar as principais influências sobre a opinião política dos jovens, optou-se por uma análise multivariada, na qual os efeitos das variáveis independentes ocorrem simultaneamente e suas capacidades explicativas levam em consideração a possibilidade das associações existentes entre as variáveis. Por exemplo, uma associação demonstrada de uma opinião política com o sexo ou pelo interesse por movimentos sociais pode ser explicada pela predominância de um fator sobre o outro, caso as mulheres sejam mais interessadas por movimentos sociais. Na análise multivariada, o efeito de uma variável independente é avaliado em função das outras que também são determinantes na explicação do fenômeno.

Antes de escolher o melhor método de análise multivariada, deve-se primeiramente decidir o tratamento a ser dado às respostas “não sei”, quando o respondente não tem claro seu posicionamento. Optamos por incluir essa alternativa nas questões para evitar uma opinião forçada dos jovens sobre os temas, garantido maior fidedignidade às respostas. Como demonstrado na análise descritiva realizada na seção anterior, o percentual de “não sei” é maior em alguns temas, demonstrando distância dos jovens em relação a eles, como ocorreu com a “reforma da previdência” e a “intervenção militar”, sobre os quais um em cada quatro jovens não tem opinião definida, conforme dados do Quadro 1.

Como o objetivo aqui é compreender o posicionamento político dos jovens, optou-se por considerar as respostas “não sei” como missing. Por um lado, a principal vantagem é centrar a análise na compreensão dos fatores determinantes sobre posicionamentos já definidos, descartando casos em que a opinião ainda não esteja formada; por consequência, a principal desvantagem é a perda de casos, o que pode reduzir a capacidade explicativa nos temas em que há mais indecisão.

Considerando-se os tipos de variáveis, a metodologia escolhida foi a construção de modelos de regressão logística, que permitem analisar posições dicotômicas em função da atuação concomitante de um conjunto de variáveis. Nosso objetivo com essa técnica, mais do que predizer algo, é demonstrar a influência das características sociais e relacionais (variáveis independentes) sobre a opinião política dos jovens em cada tema (variável dependente), a fim de revelar melhor as influências sobre os posicionamentos políticos e as explicações para opiniões mais progressistas ou mais conservadoras em função do sexo, da cor da pele, da autoclassificação como pobre ou morador de periferia, da escolaridade dos pais, da religião, dos interesses por política e movimentos sociais, além da concordância com a família, amigos, professores, pessoas da igreja e aquelas que os jovens seguem nas redes sociais.7 7 A cor da pele e a escolaridade dos pais não apresentaram associação estatisticamente significante com o posicionamento político em nenhum dos modelos. Ou seja, as opiniões políticas não variaram, de forma significativa, em função dessas variáveis. Por esse motivo, ambas não aparecem no Quadro 2.

Para a análise de cada modelo, selecionamos duas informações relevantes: a razão de chance (exp B) e sua significância estatística (sig.), além do valor R² de Nagelkerke, que mensura a capacidade de explicação dos modelos de regressão logística. Cada modelo terá uma variável dummy dependente que corresponde à posição contra ou a favor do tema específico (sendo 0 = “contra” e 1 = “a favor”), mantendo as mesmas variáveis independentes em todos os modelos. Obviamente, os resultados são diferentes e algumas variáveis independentes podem ser estatisticamente significantes em um modelo e não ser em outro, pois dependem da associação em conjunto com o tema em análise.

O Quadro 2 consolida os resultados dos modelos de regressão, definidos pelo método stepwise e calculados com auxílio do software SPSS (versão 21), mostrando as variáveis explicativas que tiveram significância estatística em cada modelo.

QUADRO 2
RESULTADOS DOS MODELOS DE REGRESSÃO LOGÍSTICA

O primeiro modelo analisa o posicionamento em relação à união civil de pessoas do mesmo sexo, com capacidade de explicação de 60,4% das variações registradas na variável dependente (R² de Nagelkerke), o que é bastante significativo, se considerarmos que se trata de um modelo aplicado a um fenômeno social, cujos determinantes podem ser muito amplos e ligados às diferentes histórias de vida. Sobre esse primeiro tema, a concordância com a opinião das pessoas da igreja é a variável independente com maior significância, fazendo com que as chances de uma posição favorável à união civil sejam reduzidas em 94,2% entre os que concordam com a maioria das pessoas da igreja em comparação com os demais jovens. Em segundo lugar, o fato de o jovem ter alto interesse por movimentos sociais aumenta em 65,7 vezes, na média, as chances de ele ser favorável à matéria em comparação com aqueles que têm menos interesse nos movimentos. A terceira variável mais significativa é a concordância com a maioria dos amigos, o que aumenta em 8,3 vezes as chances de o jovem ser favorável à união civil de pessoas do mesmo sexo, em comparação com aqueles que dizem que sua opinião é semelhante à minoria dos amigos. Na sequência, o modelo indica que os jovens evangélicos têm 85% menos chances de serem favoráveis do que os demais, sem que haja diferença significativa de posicionamento dos jovens em função do pertencimento a outras religiões ou da ausência de religião. Por fim, os jovens que se consideram pobres também têm um posicionamento mais conservador em relação a esse assunto, com 78% menos chances de terem opinião favorável à união de pessoas do mesmo sexo.

O segundo modelo refere-se à legalização do aborto e também apresentou boa capacidade de explicação (43%), segundo o R² de Nagelkerke. Por ordem de significância das variáveis independentes, o alto interesse por política aumenta em 9,6 vezes as chances de um posicionamento a favor da legalização, em comparação com os menos interessados. O segundo fator relevante é a ausência de religião, o que eleva em cinco vezes as chances de posicionamento favorável dos jovens ateus ou que dizem acreditar em Deus, mas não seguem nenhuma religião. Na sequência, os jovens com opiniões semelhantes à maioria dos amigos têm 3,5 vezes mais chances de serem favoráveis à matéria em comparação com aqueles que dizem que a minoria dos seus amigos tem posicionamentos semelhantes aos deles. A questão de gênero também diferencia o posicionamento dos jovens nesse tema, uma vez que as mulheres têm 2,7 vezes mais chances do que os homens de apoiarem a legalização do aborto. A última variável independente do modelo é a concordância com a maioria das pessoas da igreja, que reduz em 72% as chances de apoio em relação aos jovens que têm opinião semelhante à minoria das pessoas da igreja.

O modelo que tem como variável dependente o posicionamento relacionado com a liberalização da posse de armas é capaz de explicar quase 40% das variações registradas (R² = 0,385), com quatro variáveis independentes significantes. A primeira é o sexo dos jovens, com as chances de apoio das mulheres sendo 88% menores do que as dos homens. Na mesma direção, o alto interesse por movimentos sociais reduz em 82% as chances de apoio à liberação da posse de armas em comparação com aqueles que afirmaram ter menos interesse em movimentos sociais. As chances de apoio também são reduzidas em 76% quando os jovens se autodefiniram como pobres, indicando que essa classe é mais contrária ao tema. Em contraposição, a concordância com as opiniões da maioria das pessoas que o jovem segue nas redes sociais aumenta em 2,4 vezes as chances de apoio à matéria, segundo as estimativas do modelo de regressão.

Os dois últimos modelos do Quadro 2 analisam os posicionamentos sobre a intervenção militar e a legalização da maconha, cujas capacidades explicativas diminuem para cerca de 25%, segundo o R² de Nagelkerke. Ainda assim, esses valores são satisfatórios, por se tratar de uma avaliação individual de questões sociais com base em múltiplos fatores, sendo que, no limite, essa estimação se torna decisiva caso haja um incremento proporcional no apoio ou na reprovação dos temas políticos.

Em relação à intervenção militar, a concordância com a maioria das opiniões dos amigos reduz em quase 80% as chances de uma posição favorável ao tema, em comparação com os jovens que têm uma opinião contrária à maioria dos seus amigos. Por outro lado, os jovens que compartilham de opiniões semelhantes à maioria das pessoas da igreja têm 5,1 vezes mais chances de serem favoráveis à intervenção militar. Além dessas duas variáveis relacionais, o fato de os jovens se definirem como moradores de periferia reduz em 72% as chances de uma opinião favorável à matéria.

Quanto à legalização da maconha, as duas variáveis mais relevantes são as mesmas do modelo referente à legalização do aborto. O alto interesse por política aumenta em 3,5 vezes as chances de um posicionamento favorável à matéria e, na mesma direção, a ausência de religião amplia em 2,7 vezes as chances de uma opinião também a favor da legalização da maconha. As outras duas variáveis que compõem o modelo são relacionais e correspondem à concordância com a maioria das pessoas que esses jovens seguem nas redes sociais, o que aumenta em 2,4 vezes as chances de aprovação do tema, enquanto a concordância com a maioria da família reduz em 55% as chances de uma opinião favorável à legalização da maconha.

Por fim, deve-se frisar que também foram construídos modelos para os demais temas políticos abordados no survey, porém suas capacidades explicativas foram bastante inferiores, com o R² de Nagelkerke variando entre 0,12 e 0,09. Por esse motivo, optou-se por não incluí-los no Quadro 2 e apenas destacar brevemente a variável com maior influência em cada modelo, em vez de analisá-los integralmente. No caso da reforma da previdência, as mulheres têm 62% menos chance (sig = 0,012) de serem favoráveis a essa mudança. Em relação ao Bolsa Família, a única variável que consta no modelo (R² = 0,123) é a autodefinição como morador de periferia, cuja razão de chance de opinião favorável aumenta em 10,8 vezes (sig. 0,025). Na avaliação das cotas raciais nas universidades (R² = 0,095), os jovens que se consideram pobres são 3,3 vezes (sig. 0,009) mais favoráveis do que os demais, sendo a única variável que entrou nesse modelo. Quanto à redução da maioridade penal (R² = 0,087), a cor da pele surge como variável explicativa pela primeira vez, com chances 68% menores (sig. 0,011) de aprovação da medida entre os jovens pretos.

Em suma, os resultados encontrados ajudam a compreender as diferenças nos posicionamentos dos jovens em questões políticas. A influência religiosa e os interesses por movimentos sociais ou política são os fatores determinantes mais relevantes na formação da opinião, especialmente na pauta de costumes (união civil de pessoas do mesmo sexo e descriminalizações do aborto e da maconha). Também são fatores explicativos relevantes o sexo, nas questões do aborto e da liberalização das armas, e a situação de pobreza ou periférica, no posicionamento sobre a união civil de pessoas do mesmo sexo, armas e intervenção militar. Na dimensão relacional, a interação com amigos e/ou nas redes sociais também foi determinante na formação da opinião dos jovens nos cinco modelos analisados, com posicionamentos mais progressistas em concordância com a maioria dos amigos e sob maior influência das redes sociais no apoio aos temas. Ainda na esfera relacional, apesar de os jovens reconhecerem a influência da família, com posicionamentos predominantemente mais conservadores, essa variável explicativa só foi significativa na questão da liberalização da maconha e com intensidade menor do que os demais fatores, o que pode ser relativizado pela intersecção da influência familiar com as características sociais dos jovens (religião e classe social em comum), ou, mais provavelmente, pela forte influência da família, independentemente da opinião contra ou a favor, o que reduz a importância desse fator na explicação das diferenças entre os posicionamentos. Vale ainda frisar que a influência da opinião dos professores não apareceu em nenhum modelo, o que colabora para refutar que esteja ocorrendo algum tipo de doutrinação nas escolas.8 8 Diferentemente das famílias, os professores são os mesmos para os jovens de cada escola. Por isso, a hipótese de influência independentemente da posição política do jovem (contra ou a favor) pode servir para o caso das famílias (pois cada jovem tem a sua individualmente), mas deve ser descartada no caso da escola.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As conclusões principais deste estudo podem ser sintetizadas em cinco aspectos. Primeiramente, buscou-se traçar um perfil geral dos jovens das escolas públicas da periferia do município de Guarulhos, que, além da baixa condição socioeconômica no geral, revelou uma maioria evangélica (40%) e que se autoidentifica mais como periférica (dois terços do total) do que como pobre (apenas um terço), ambas categorias assumidas como elemento de autoafirmação.

O segundo aspecto corresponde ao interesse geral por política, o qual revelou-se pequeno e sem muita variação segundo a religião, o gênero e as demais categorias sociais. Por outro lado, muitos jovens demonstram maior afinidade por movimentos sociais e ambientais, menos identificados com a política institucional, cujo grau de interesse é maior entre as mulheres, filhos de pais com maior escolaridade, pobres e moradores da periferia, enquanto evangélicos praticantes e pretos indicaram um nível de interesse inferior à média em relação ao tema ambiental ou à atuação de movimentos sociais.

Em terceiro lugar, os resultados dessa pesquisa mostram que, se há um processo de desinstitucionalização da formação da juventude, como defende Dubet (1998DUBET, François. A formação dos indivíduos: a desinstitucionalização. Revista Contemporaneidade e Educação, Rio de Janeiro, v. 3, n. 3, p. 27-33, 1998.), em que os jovens conduziriam sua formação muito mais a partir de suas próprias experiências pessoais, as instituições ainda demonstram grande relevância em suas vidas, pelo menos no que diz respeito à própria questão política. Para os entrevistados, a família é quem exerce maior influência sobre o posicionamento dos jovens e é também com quem eles mais se aconselham, embora o grau de concordância seja menor se comparado com a opinião dos amigos, cujas relações mais horizontais exigem naturalmente afinidades maiores do que as relações mais hierárquicas e formais. Por sua vez, a escola exerce influência semelhante aos amigos, com nível de concordância igual às famílias, mas a quem os jovens recorrem bem menos em casos de dúvidas. Por fim, a religião é menos importante na formação da opinião dos jovens como um todo, mas é capaz de exercer forte influência sobre grupos específicos, por exemplo entre os jovens evangélicos.

A quarta constatação é o posicionamento progressista da maioria dos jovens em relação aos temas políticos abordados nesta pesquisa. Nas questões de caráter mais social e econômico, o Programa Bolsa Família e as cotas raciais na universidade têm ampla aceitação dos jovens entrevistados. Quanto aos temas referentes à ordem pública, também se nota um posicionamento bastante progressista pela forte rejeição à liberação do porte de armas e à intervenção militar, embora a maioria apoie a redução da maioridade penal. Por último, as opiniões são mais divididas na pauta de costumes, com amplo apoio à união civil de pessoas do mesmo sexo e posicionamentos menos consensuais em relação à legalização do aborto e da maconha, com a maior parte dos jovens a favor do primeiro tema e contra o segundo.

Por último, buscou-se explicar os posicionamentos dos jovens frente aos temas políticos em função das características sociais e relacionais. Os resultados dos modelos de regressão logística mostram que os interesses por política e/ou movimentos sociais tornam os posicionamentos mais progressistas. A dimensão de gênero também foi um fator importante para o maior apoio ou recusa a determinadas pautas, como o aborto, com maior adesão feminina, e a liberalização da posse de armas, com menor aceitação delas. A religião também demonstrou ser uma base importante da formação ou consolidação da opinião dos jovens, principalmente no que diz respeito às pautas de costumes, com posicionamentos mais conservadores do grupo de evangélicos. O autorreconhecimento como pobre e/ou de periferia também foi decisivo para ampliar a rejeição à liberalização das armas e à intervenção militar, ambas ligadas à questão da manutenção da ordem e da segurança. Por fim, a concordância com os amigos ou com as redes sociais teve significância em todos os modelos, atuando sempre no sentido de tornar maior a chance de uma posição mais progressista diante dos temas políticos, reforçando a importância da afinidade entre grupo de pares na formação da opinião política desses jovens.

REFERÊNCIAS

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  • 1
    No original: “the arrival of mass communications, mass entertainment, mass art and mass culture”.
  • 2
    No original: “La anarquía, los grafitis urbanos, sus músicas, los consumos, culturales, la toma de la palabra a través de nuevos y cada vez más sofisticados dispositivos digitales, la protesta, la huida, sus silencios, la búsqueda de alternativas y los compromisos itinerantes deben ser leídos como formas de actuación política no institucionalizada y no como prácticas más o menos inofensivas de um montón de inadaptados”.
  • 3
    Para mais detalhes sobre as manifestações de 2013, ver Scherer-Warren (2014).
  • 4
    Com intervalo de confiança de 95% e margem de erro de 4,5%.
  • 5
    Dentre os entrevistados, 19% votaram nas últimas eleições, uma vez que o voto é facultativo para jovens entre 16 e 18 anos.
  • 6
    No survey, também foram questionados o posicionamento em relação à “ocupação de imóveis vazios” e ao “projeto Escola sem Partido”. No entanto, muitos entrevistados não souberam responder ou não tinham opinião formada a respeito, o que fez com que a resposta “não sei” alcançasse 34% e 40,8%, respectivamente. Assim, optou-se por excluir esses dois temas do escopo do presente artigo.
  • 7
    A cor da pele e a escolaridade dos pais não apresentaram associação estatisticamente significante com o posicionamento político em nenhum dos modelos. Ou seja, as opiniões políticas não variaram, de forma significativa, em função dessas variáveis. Por esse motivo, ambas não aparecem no Quadro 2.
  • 8
    Diferentemente das famílias, os professores são os mesmos para os jovens de cada escola. Por isso, a hipótese de influência independentemente da posição política do jovem (contra ou a favor) pode servir para o caso das famílias (pois cada jovem tem a sua individualmente), mas deve ser descartada no caso da escola.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    04 Maio 2020
  • Aceito
    10 Ago 2020
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