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O feminismo no jornalismo *

Feminism in Journalism

Resumo

Este trabalho investiga como foi construído o sujeito do feminismo no jornalismo brasileiro. Os debates sobre sujeito são hoje uma das dimensões fundamentais da teoria política feminista. Neste paper, a análise empírica se concentra em 579 textos publicados no jornal Folha de São Paulo, entre os anos de 1921 e 2016. No primeiro momento (1921 a 1959), observamos que os enquadramentos sobre o sujeito se alternavam na construção da feminista desviante e da feminista aceitável. No segundo momento (1960 a 1989), o quadro da feminista desviante permanece junto de uma ideia mais forte da organização política, a feminista organizada. No terceiro momento (1990 a 2016), novamente, a manutenção do sujeito feminismo como desviante e uma nova ênfase na dimensão individual do ativismo.

Estudos Feministas de Mídia; Feminismo; Jornalismo

Abstract

This paper investigates how the subject of feminism was constructed in Brazilian journalism. Debates about the subject are now one of the fundamental dimensions of feminist political theory. The empirical analysis of this paper focuses on 579 texts published in the Folha de São Paulo newspaper between 1921 and 2016. In the first period (from 1921 to 1959), we observed that the framings of the subject alternated between the construction of deviant feminists and acceptable feminists. In a second moment (from 1960 to 1989), the deviant feminist framework remains together with a stronger idea of organized feminist politics. In a third moment (from 1990 to 2016), the subject of feminism is presented as deviant and a new emphasis is seen on the individual dimension of activism.

Feminist Media Studies; Feminism; Journalism

1. Introdução

Este trabalho investiga como foi construído o sujeito do feminismo no jornalismo brasileiro ao longo do tempo, desde as sufragistas até às ativistas 2.0. Empiricamente, a análise qualitativa se concentra em 579 textos publicados no jornal Folha de São Paulo entre os anos de 1921 e 2016 e foi dividida em três momentos históricos, seguindo a historiografia feminista: primeira onda (1921-1959), segunda onda (1960-1989) e terceira onda (1990-2016).

O debate sobre o sujeito é um dos mais candentes da teoria feminista contemporânea, em especial da teoria política feminista. Nosso objetivo foi investigar como se deu essa construção ao longo de 95 anos no jornalismo nacional, a fim de potencializar a análise de processos comunicativos a partir de categorias centrais dos estudos feministas, construindo o que chamamos de estudos políticos feministas de mídia 1 1 Para uma discussão específica dos estudos feministas de mídia e política ver Sarmento (2018). . A ideia é que chaves analíticas próprias do feminismo possam colaborar para um entendimento mais robusto da inserção das relações de gênero nos meios de comunicação.

2. Quem é o sujeito do feminismo?

Há uma narrativa mais corriqueira de que a igualdade foi a bandeira fundamental do movimento feminista em suas primeiras manifestações. As mulheres assumindo-se como mulheres, enfatizando sua diferença biológica e criticando os papeis sociais que se assentaram sobre elas, admitiam então um enfrentamento específico, denominado ora de patriarcado, machismo, dominação masculina ou desigualdade de gênero 2 2 Sobre essas diferenças ver Piscitelli (2002) e Delphy (2009). Para uma discussão em terreno nacional sobre patriarcado e pensamento político e social brasileiro, consultar as robustas obras de Neuma Aguiar (1997) e Ogando (2012). .

Quem eram essas mulheres e contra o quê e quem elas lutavam foi, pouco a pouco, modificando a paisagem dos estudos feministas. A política de identidade e da diferença toma lugar na produção e na prática ativista. Se é possível identificar algumas trajetórias antes do século XX que já traziam dimensões crítica sobre raça e classe, como atestam Miguel (2014)Miguel, Luis Felipe. A identidade e a diferença. In: Miguel, Luis Felipe; Biroli, Flávia. Feminismo e política : uma introdução, 2014 , pp. 79-92. e Haraway (1993)Haraway, Donna. O humano numa passagem pós-humanista. Revista Estudos Feministas , n.2, 1993 , pp. 277-292. ao relatar a história de Sojourner Truth 3 3 Sojourner Truth se tornou um exemplar do feminismo negro ainda no século XIX, a partir de seu discurso famoso intitulado “Ain’t I a Woman?”, na Convenção dos Direitos da Mulher em 1851, em Ohio, enfatizando o lugar ocupado pelas mulheres negras na sociedade escravocrata (Haraway, 1993:283). , os anos de 1960 deram a tônica desse debate. Como pontua Fraser (2007; 2009), não é que a dimensão da cultura ou a identidade não tivessem aparecido no feminismo de outras décadas, mas, a partir daqui, ela chega de forma mais autônoma, com a ampliação das esferas de discussão sobre justiça social. A produção acadêmica foi se movendo de um universalismo de tratar as mulheres como um grupo coeso e unitário para um debate cada vez mais forte por questões de raça, classe, geração, etnia e sexualidade (Alvarez, 2014Alvarez, Sonia. Para além da sociedade civil: reflexões sobre o campo feminista. Cadernos Pagu (43), Campinas, 2014 , pp.13-56.; hooks, 2013; Collins, 2000Collins, Patricia Hill. The Social Construction of Black Feminist Thought. In: Collins, Patricia Hill. Black Feminist Thought : Knowledge, Consciousness, and the Politics of Empowerment. NY: Routledge, 2000 , pp. 1-44; Mohanty, 1991; Mouffe, 2013Mouffe, Chantal. Feminismo, cidadania e política democrática radical. In: Miguel, Luis Felipe; Biroli, Flavia. Teoria política feminista : textos centrais. Vinhedo: Editora Horizonte, 2013 , pp. 265- 282.).

O feminismo negro trouxe contribuições fundamentais para esse deslocamento acerca de quem e a quem fala o feminismo. Collins (2000Collins, Patricia Hill. The Social Construction of Black Feminist Thought. In: Collins, Patricia Hill. Black Feminist Thought : Knowledge, Consciousness, and the Politics of Empowerment. NY: Routledge, 2000 , pp. 1-44:9) afirma que as discussões teóricas trazidas por mulheres de grupos oprimidos não advêm de suas “imaginações”, mas são reflexos de suas experiências de intersecção. Próxima a ela, hooks (2013:122) também sustenta que, mesmo se opondo aos monismos identitários, não “abre mão do poder da experiência como ponto de vista a partir do qual possa fazer uma análise ou formular uma teoria”. Essas autoras questionam uma suposta unidade experiencial das mulheres, que durante muito tempo ficou assentada no que era vivido pelas brancas. A relação entre raça e gênero, contudo, não se deu de forma tranquila. Hooks (2013) relata a tensão tanto com as feministas brancas quanto com os homens do movimento negro. Com as primeiras, enfrentava-se um receio de que a desconstrução da categoria “mulher” causasse desestabilização no feminismo. Com os negros, a dificuldade estava em eles assumirem que o patriarcado também lhes garantia formas de poder, “que embora relativas, permaneciam intactas apesar da opressão racista” (hooks, 2013:166).

As mulheres vinculadas aos estudos pós-coloniais acrescentaram também dimensões não trabalhadas no feminismo anteriormente. Mohanty (1991) é uma das vozes mais potentes do feminismo pós-colonial. A autora analisa como a chamada "mulher do terceiro mundo" é construída como um sujeito monolítico nos textos acadêmicos, curiosamente reiterando um universalismo social aos moldes do tão criticado determinismo biológico. Não é à toa que Spivak (2010)Spivak, Gayatri. Pode o subalterno falar ? BH: Editora UFMG, 2010 ., em “ Pode o subalterno falar ?”, identifica, nessas mulheres, o desprovimento mais agudo da vocalização e inexistência de escuta, e provoca pesquisadores a pensarem como sua enunciação continua a ratificar esse lugar. “Deve-se insistir que o sujeito subalterno colonizado é irremediavelmente heterogêneo” (Spivak, 2010Spivak, Gayatri. Pode o subalterno falar ? BH: Editora UFMG, 2010 .:73).

As categorias analíticas sobre sujeito, por sua vez, também foram repensadas. Se, por muito tempo, o termo “grupo” ou mesmo “identidade de grupo” ajudava a rotular a experiência de opressão, outras construções tentaram dar conta da fluidez e dos entrecruzamentos que atravessam a vida ordinária dos sujeitos. Essa noção de sujeito fixo e unitário é radicalmente desconstruída, dando lugar a ideias como a de “posições de sujeito” (Mouffe, 2013Mouffe, Chantal. Feminismo, cidadania e política democrática radical. In: Miguel, Luis Felipe; Biroli, Flavia. Teoria política feminista : textos centrais. Vinhedo: Editora Horizonte, 2013 , pp. 265- 282.:1992) e “perspectiva social” (Young, 2006Young, Iris. Representação política, identidade e minorias. Lua Nova , v. 67, 2006 , pp.139-190.).

Mouffe (2013Mouffe, Chantal. Feminismo, cidadania e política democrática radical. In: Miguel, Luis Felipe; Biroli, Flavia. Teoria política feminista : textos centrais. Vinhedo: Editora Horizonte, 2013 , pp. 265- 282.:1992) discute como a insistência em identidades, categorias ou grupos físicos, não colabora para entender nem lidar com a pluralidade que constitui as democracias. Cabe ao feminismo especificamente, diz a autora (2013:1992), abandonar o “sujeito feminino” como uma entidade homogênea e entender que a todo o momento são alternadas posições de dominação e subordinação. Identidades são subvertidas e transformadas dinamicamente, são “contingentes e precárias” (Mouffe, 2013Mouffe, Chantal. Feminismo, cidadania e política democrática radical. In: Miguel, Luis Felipe; Biroli, Flavia. Teoria política feminista : textos centrais. Vinhedo: Editora Horizonte, 2013 , pp. 265- 282.:268). Para autora, o feminismo deveria apostar não na defesa das identidades fixas, mas nas diferentes posições de sujeito , que podem ser assumidas, insistindo na “transformação de todas as práticas e discursos onde a categoria mulher significar subordinação” (Mouffe, 2013Mouffe, Chantal. Feminismo, cidadania e política democrática radical. In: Miguel, Luis Felipe; Biroli, Flavia. Teoria política feminista : textos centrais. Vinhedo: Editora Horizonte, 2013 , pp. 265- 282.:280).

Em Young (2006Young, Iris. Representação política, identidade e minorias. Lua Nova , v. 67, 2006 , pp.139-190.:161), sujeitos marginalizados devem ser pensados mais a partir de suas perspectivas sociais do que de “um conjunto de atributos que seriam comuns a todos os seus membros”. Para ela, esses grupos guardam profundas diferenças de interesses e opiniões entre si e é por isso que olhar com as lentes da perspectiva diz de uma partilha de posicionamento sem delimitar exatamente a substância final dessa percepção. “A perspectiva é um modo de olhar os processos sociais sem determinar o que se vê”, diz Young (2006Young, Iris. Representação política, identidade e minorias. Lua Nova , v. 67, 2006 , pp.139-190.:163) 4 4 Para uma crítica interessante dos limites do conceito de perspectiva, ver Miguel (2010). .

A interseccionalidade passou a ser outra dimensão analítica fundamental para escrever sobre o sujeito do feminismo. De acordo com Krause (2011)Krause, Sharon. Contested Questions, Current Trajectories : Feminism in Political Theory Today. Politics and Gender. 7(1), 2011 , pp. 105-111., este é um dos pontos-chave da prática e da teoria política feminista contemporâneas. Kimberlé Crenshaw (1989)Crenshaw, Kimberle. Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics. The University of Chicago Legal Forum , Chicago, v. 140, 1989 . pp. 139-167. é tida como a formuladora do termo interseccionalidade 5 5 Ponderações sobre algumas fragilidades do conceito podem ser lidas em Hirata (2014). , ao falar da relação de dependência entre gênero, raça e classe. É necessário discutir como ser mulher, negra e pobre tem um impacto diferente na vida produtiva e nas relações construídas. Contudo, isso não pode ser feito isolando as “variáveis” ou pensando causalidades entre elas, e sim a partir de como esse todo se constrói diante dos cruzamentos de marginalizações.

Outro ponto de debate que atravessa centralmente as disputas sobre o sujeito do feminismo na atualidade é aquele realizado com a teoria queer. A categoria performatividade , bastante ligada a Judith Butler, desafiou as compreensões do gênero como uma política identitária. A autora se alinha às discussões psicanalíticas freudianas, ao pós-estruturalismo de Foucault e, especialmente, de Derrida, para realizar o que nomeia de “genealogia crítica das ontologias de gênero”. Para Butler (1987), toda a construção do gênero se deu a partir de uma matriz binária de sexo, calcada em bases heteronormativas compulsórias (estas retiradas da discussão de Adrienne Rich). Haveria, assim, uma percepção cristalizada de que o gênero sempre esteve ali, da forma como é entendido hoje; quando isso pode não ser verdade, dada a existência de presenças perturbadoras, queers , em que papéis de gênero e sexo nem sempre coincidem. A defesa da autora é que essas construções podem ser discursivamente revistas. Não existe um sujeito anterior que performa uma identidade, mas este se estrutura e existe à medida que se expressa discursiva e corporalmente. “Não há identidade de gênero que preceda a linguagem” (Salih, 2012Salih, Sara. Judith Butler e a teoria queer . BH: Autêntica, 2012 .:91). Nesse sentido, seria preciso desprender a vivência da sexualidade do binarismo dos aparelhos reprodutores.

Todas essas correntes e disputas interpretativas colaboram para mostrar a diversidade da discussão sobre sujeito no interior da teoria feminista. Cada uma das concepções de sujeito assumidas ou silenciadas na construção da teoria e da prática ativista feminista traz implicações muito claras e diferentes para as lutas simbólicas e institucionais. Reproduzir esse debate é fundamental para a análise empírica que desenvolvemos a seguir. Quando olhamos para a relação entre feminismo e mídia observamos que sujeitos do feminismo são construídos na cobertura jornalística. Quem são feministas que aparecem na imprensa brasileira ao longo dos séculos XX e XXI? Esse sujeito teria mudado temporalmente?

3. O sujeito do feminismo no jornalismo

Para estudar a forma como o jornalismo brasileiro construiu o sujeito do feminismo ao longo do tempo, partimos da clássica divisão do movimento em ondas , metáfora analítica que ajuda a entender as reivindicações e pautas mais comuns em um determinado momento histórico (Costa, 2005Costa, Ana Alice. O movimento feminista no Brasil: Dinâmicas de uma intervenção política. Revista Labrys , Niterói, v.5, n. 2, 2005 , pp. 9-35.; Pinto, 2003Pinto, Celi. Uma História do feminismo no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003 .).

A partir da classificação de autoras como Costa (2003), Pinto (2001), Matos (2010)Matos, Marlise. Movimento e teoria feminista. É possível reconstruir a teoria feminista a partir do sul global? Revista de Sociologia Política , v. 18, n. 36, 2010 , pp. 67-92. e Sarti (2004)Sarti, Cynthia. O feminismo brasileiro desde anos 1970: revisitando uma trajetória. Revista Estudos Feministas , v. 12, 2004 , pp. 35-50., definimos como o primeiro período a ser analisado aquele que vai de 1920 a 1950, quando reivindicações sobre educação, trabalho e direito ao voto deram a tônica do movimento. Um segundo momento de análise começa a partir da década de 1960, quando se aponta certo “ressurgimento do feminismo”, diante de um cenário marcado pelos movimentos de contracultura e constrangido em terreno nacional pelo regime militar (Pedro, 2010Pedro, Joana Maria. Narrativas do feminismo em países do Cone Sul (1960-1989). In: Pedro, Joana Maria; Wolff, Cristina. Gênero, feminismos e ditaduras no Cone sul . Florianópolis : Editora Mulheres,2010,pp.115-137.; Soares, 1998Soares, Vera. Muitas faces do feminismo no Brasil. In: Mulher e Política – Gênero e feminismo no Partido dos Trabalhadores. São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo, 1998 .). Esse período de análise estende-se até o final dos anos de 1980, década em que se fortalece um processo de “ onguização ” do movimento no país (Dagnino, 2004).

O terceiro momento compreende os anos de 1990 a 2010, quando, no Brasil, o feminismo avança ao Estado e surgem, ao mesmo tempo, outras formas de ativismo, a exemplo dos eventos transnacionais (Marcha Mundial das Mulheres, Marcha das Vadias), e de formas de atuação facilitadas pelas novas tecnologias. Mesmo com a relevante discussão de Matos (2010)Matos, Marlise. Movimento e teoria feminista. É possível reconstruir a teoria feminista a partir do sul global? Revista de Sociologia Política , v. 18, n. 36, 2010 , pp. 67-92. sobre um novo momento, a quarta onda, decidimos aglutinar os anos citados acima para conferir maior agilidade à análise.

No que concerne ao veículo analisado, delimitamos a investigação do jornal Folha de S. Paulo , por ser, à época da coleta, a empresa de comunicação com todo o material digitalizado durante o período, desde sua fundação como Folha da Noite, em 1921 6 6 Sabemos que o jornal O Estado de S.Paulo possui acervo também desde 1875, contudo na busca pelas duas palavras-chave principais (feminismo e feminista), o resultado encontrado (1915 e 3453 páginas respectivamente) foi inferior ao da Folha de S. Paulo (3.089 e 4.719). A opção prévia de não trabalhar com O Globo, também com acervo disponível, se deu pela sua data de fundação, quatro anos posteriores à Folha. e com o maior número de matérias. É preciso lembrar que, em julho de 1925, foi criada a “Folha da Manhã”, como edição matutina do periódico e, em 1949, a Folha da Tarde, sendo que esta não consta no atual Acervo Online do jornal. Na década de 1960, ocorre a fusão dos três periódicos com o surgimento da Folha de S. Paulo.

Ao focarmos em um veículo muito específico, sabemos que estamos falando de narrativas singulares, atravessadas por uma política editorial delimitada pelas mais diversas circunstâncias e constrangimentos sociais, políticos, econômicos e organizacionais que marcam o ofício jornalístico. Dessa forma, estamos cientes de que não teremos as narrativas midiáticas em sua completude (até pela sua incapturabilidade). A Folha é um periódico nacionalmente relevante e que adquiriu grande visibilidade ao longo do século XX, atravessando as ondas do feminismo investigadas. Também é necessário pontuar que o periódico vai se alterando a depender das fases e que não o tomamos como imutável em todo o período trabalhado. Carvalho (2012) também ressalta o fato de o periódico passar a ter circulação nacional, pautar outras mídias e ser lido por formadores de opinião.

Inicialmente, o material coletado foi publicado entre 01/01/1921 e 31/07/2015, a partir de uma lista de quinze palavras-chave (tais como feminismo, feminista, movimento feminista e as variações no plural), a fim de promover um mapeamento das diversas formas discursivas a que o movimento feminista foi associado. A coleta das listas de matérias de cada palavra-chave foi realizada a partir de comando criado no software R . O banco de dados com todas as páginas que continham as palavras-chave definidas, sem duplicações, mostrava um total de 9.480 ocorrências. A distribuição das páginas por década e por onda foi a seguinte:

Tabela 1 : Número de páginas por década 7

Década Número de páginas
1920 a 1929 436
1930 a 1939 555
1940 a 1949 86
1950 a 1959 92
1960 a 1969 48
1970 a 1979 1.242
1980 a 1989 3.122
1990 a 1999 1.806
2000 a 2009 1.326
2010 a 2015 767
Total 9.480
Fonte: Elaboração própria.

Dado o número extenso de textos, realizamos um cálculo amostral simples para cada estrato, isto é, para cada onda, com erro amostral de 3%, com 97% de confiança, a fim de expandir e aumentar a variabilidade da amostra. Nossa amostra aleatória estratificada e representativa por onda chegou a 995 casos ou páginas, sendo 123 para o primeiro estrato (12%), 463 para o segundo (47%) e 409 para o terceiro (41%). Construímos, então, três bancos de dados diferentes (um por onda) e, em cada um deles, realizamos um sorteio aleatório, a partir do programa Stata , das matérias que precisavam ser coletadas para cada onda, com base na data de publicação e número de página.

Após coletadas, as notícias foram lidas e uma série de informações alimentou um banco de dados com uma série de variáveis voltadas para análise dos textos midiáticos (autoria, caderno, números de fontes, tipo de fontes, tipo de textos, tema ampliado da notícia etc), excetuando as imagens que demandariam uma análise específica. Para analisar os textos, empregamos a análise de enquadramento. Metodologia empregada com muita frequência nas Ciências Sociais e na Comunicação, a análise de enquadramento busca identificar os focos com os quais textos midiáticos operaram no delineamento de significados em especial sobre questões públicas e políticas. Por questões de escopo, não cabe reproduzir a diversidade de compreensões sobre enquadramento abundantes na literatura, mas mencionar nossa forma de operacionalização. A maioria dos estudos entende o enquadramento como uma moldura interpretativa, que seleciona determinados aspectos da realidade, salientando-os e organizando a interpretação sobre eles. Não “nascidos” na Comunicação, nem restritos só a objetos midiáticos, quadros organizam a vida diariamente e a percepção de fatos sociais em diferentes âmbitos. Para Anabela Carvalho (2000:144-145), frame é “visto como uma ideia central que subjaz e orienta a construção de textos”. Nos estudos de jornalismo, Antunes (2009:91) afirma que “o frame não se confunde com assuntos de uma notícia, mas, agindo no âmbito de composição do relato, informa vários níveis do processo de referencialização da realidade”.

Nosso objetivo foi investigar os frames específicos sobre sujeito do feminismo nas notícias. A partir dessa ideia, identificamos se a notícia, reportagem ou artigo abrigava: compreensões sobre o sujeito, se descrevia as feministas, os termos dessa descrição, se apresentavam discursos antifeministas, quais mulheres e/ou organizações apareciam. Após a finalização da leitura do conjunto de notícias por onda, voltávamos às anotações sobre sujeito percebendo como as notícias se aproximavam ou não, quais ângulos se mostravam ressaltados nessa cobertura. Indicamos com um mesmo número as que apresentavam compreensões semelhantes e depois construímos um novo banco juntando essas aproximadas. Ao final, relemos todas aquelas que nos indicavam ter compreensões similares sobre sujeito e adicionamos um “rótulo” que conseguisse descrever os enquadramentos encontrados.

A primeira onda nas notícias

Para a passagem dos anos 1920 aos 50, foram coletadas, de acordo com o cálculo amostral 123 páginas de periódicos, que possuíam o mesmo número de textos; isto é, cada página continha apenas uma matéria. Desses 123 textos, optamos por excluir da leitura os ficcionais, notas em colunas sociais, horóscopo e aqueles ilegíveis pelas condições de digitalização, trabalhando com 103 textos informativos e/ou opinativos. Esse total está distribuído entre a Folha da Manhã (66,02%) e Folha da Noite (33,98%), com 41,58% de notícias nacionais, 34,65% de textos internacionais, 21,78% de artigos de opinião e o restante, com pouca expressividade, de reportagens e perfis. A divisão por cadernos, tal como atualmente, ainda não ocorria, estando os textos localizados em um caderno único.

A identificação das fontes ouvidas com maior recorrência em tais anos foi das tarefas mais difíceis, dado o estilo do jornalismo de outrora. Era pouco claro quando havia algum tipo de apuração, com escuta de sujeitos, ou quando se tratava de um relato pessoalizado do autor – no masculino, de fato. Das matérias que permitiam essa identificação, as organizações feministas aparecem como as fontes mais acionadas (28,21%), seguidas de representantes do legislativo (12,82%). A verticalização do movimento daqueles anos é bastante evidente na centralização excessiva em certas personagens. Em quase metade das aparições de organizações feministas, a voz mobilizada é de Bertha Lutz, então presidente da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, definida como “orientadora do momento feminista nacional” 8 8 Panorama mundial do feminismo, Folha da Noite, 18/09/1931, Capa/ Movimento feminista nacional, Folha da Noite, 28/12/1929, Caderno Único, p.2. , o que corrobora os estudos sobre o movimento feminista na imprensa e a personalização do movimento (Huddy, 1997).

Grande parte das notícias e textos opinativos está relacionada ao sufrágio feminino no país ou em outras partes do mundo (29% dos textos do corpus). Já cerca de 28% dos textos, tratavam de feitos do próprio ativismo feminista para além das questões do sufrágio, especialmente de eventos e discussões que se processavam à época.

Tabela 2 : Temas/assuntos mais recorrentes na primeira onda

Temas/assuntos %
Voto feminino 29%
Ativismo feminista para além do voto 28%
Trabalho fora do lar 12%
Comportamento 7%
Fonte: Elaboração própria.

O trabalho feminino, com as mulheres – brancas – passando a ocupar postos de trabalho fora dos lares, corresponde ao tema de 12% dos textos, seguido de 7% de material sobre comportamento. Em ambas as temáticas, notou-se como as notícias trouxeram à tona a experiência de pioneiras em assumir cargos ou em expressar publicamente novos padrões de aparência ou costumes. As “primeiras mulheres” eram o extraordinário na dinâmica social da época e alvo de cobertura jornalística.

RIO, 14 (A) - Acaba de ser nomeada, pelo sr. prefeito do Distrito Federal, para o cargo de auxiliar technico da Diretoria de Obras da Prefeitura, a dra. Carmen Velasco Portinho, jovem engenheira civil, formada pela Escola Polytechnica do Rio de Janeiro (...) A dra. Carmen Velasco, além de talentosa engenheira, é feminista convicta, faz parte da diretoria da Frente Brasileira pelo Progresso Feminino. Está pois o movimento feminista de parabéns . (O feminismo triumpha - Nomeação da Dra. Carmen V. Portinho para um cargo na prefeitura carioca, Folha da Manhã , 15/04/1928, p. 4, grifos nossos).

Para além da movimentação política e do mundo do trabalho, os textos tematizam ainda as mudanças provocadas pelo feminismo, especialmente ligados à socialização feminina (7%, comportamento). Problematizações encarnadas nas sufragistas, mas para além delas, marcam o início de um movimento que deslocará padrões de comportamento, costumes e a própria forma de pensar a política nos anos posteriores.

Mecês viram aquella madama no Rio que, trepada num volante de automovel, parecia um Juquery matando gente, esfolando o proximo e derrubando arvore? (...)Que tempo este, minha Nossa Senhora! (...) Está tudo perdido...Não há mais salvação para este ambiente de feminismo desabusado (...) Oh diabo de tonta! O teu lugar é em casa, cortando unha de filhos se os tiver, ou lavando pratos do almoço, que isso não póde deixar de haver! (...) (Sem título, 25/07/1928, Folha da Manhã , Caderno Único, p. 4).

Passemos agora à análise detida dos frames sobre sujeito.

A partir da análise qualitativa, identificamos que o sujeito ligado ao feminismo nas matérias da primeira onda é construído a partir de dois frames: a) o enquadramento da feminista desviante e b) o enquadramento da feminista aceitável. De um lado, o estranhamento, a ironia e o desrespeito com as mulheres que ousaram lutar por novos direitos e padrões de sociabilidade. De outro, a apreciação positiva via discurso público manifesto nos jornais sobre o feminismo que se preocupa com as questões das mulheres-mães e das mulheres donas-de-casa. O movimento que não perturba os lugares pré-estabelecidos aos homens, como os espaços de política formal, é visto como “feminismo sadio”. 9 9 Associação Civica Feminina - A Assembleia geral de Hoje - Conferencia do Padre Leopoldo Alves na próxima quarta-feira, Folha da Manhã, 26/03/1933, Caderno Único, p.9. Quando desestabilizam esses lugares, os termos referentes às mulheres mudam, e elas se tornam “voto de pernão à mostra” 10 10 Sem título, Folha da Noite, 10/05/1928, Caderno Único, p.2. , “geringonça das melindrosas votantes”, que “macaqueiam o capricho feminino de além-mar” 11 11 Assim vencem, Folha da Manhã, 17/08/1928, Caderno Único, p.4. .

Abaixo, o texto irônico e desrespeitoso considera que o feminismo obteve uma vitória com a nomeação da primeira tabeliã no Rio de Janeiro, mas não se furta de classificá-la como “resignada e feia”. É só esse tipo de mulher, diz a notícia, capaz de assumir um trabalho tão difícil.

O feminismo deve estar radiante e nós também porque sempre nutrimos preservadas sympatias pela emancipação da mulher desde que ella tenha naipe. Acabamos de conquistar (...) vitória com nomeação de uma representante para o cargo (...) de tabellian de notas do ...Cantagallo (...) O Estado do Rio deu a "nota" a nova tabellian das ditas, por não haver encontrado entre os calças fluminenses ninguém com capacidade para acumular tanta coisa num só cargo: crime, notas, provedoria, resíduos, ausentes etc.etc. Para isso tudo só mesmo uma "tabelliõa" resignada e feia, com enormes occulos no beque, alguns callos nos dedos e uma sanfona de rugas na "fachada". Contudo, estamos contentes com a conquista do feminismo fluminense (Sem título, Folha da Noite , 04/04/1923, p. 5, grifos nossos).

É interessante perceber como os jornais exemplificam, de forma clara, o que Matos (2008)Matos, Marlise. Teorias de gênero ou teorias e gênero? Se e como os estudos de gênero e feministas se transformaram em um campo novo para as ciências. Revista Estudos Feministas , v.16, n 2, 2008 , pp.333-357. e Soihet (2013)Soihet, Rachel. Feminismos e antifeminismos . Mulheres e suas lutas na conquista da cidadania plena. Rio de Janeiro: 7Letras, 2013 . salientam sobre como o imaginário social construiu o feminismo, sobrepondo, à importância dessas mulheres, uma caraterização estereotipada. No quadro da feminista aceitável , está o elogio ao feminismo que se apresenta como próximo aos horizontes onde já se desenhavam os papeis sociais de homens e mulheres, especialmente do cuidado e da maternidade. A própria Federação Brasileira pelo Progresso Feminino é reportada com interesses que se destinam a proteger a maternidade e a infância. Pateman (1996) afirma que durante essas primeiras manifestações públicas do feminismo, a relação entre uma esfera privada das mulheres e o domínio público não era problematizada e que um dos argumentos comuns para o sufrágio universal era a conquista de melhores condições para a “esfera das mulheres”.

RIO, 6 (A.B.) - A Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, destina-se a coordenar e orientar os esforços da mulher no sentido de elevar-lhe o nível da cultura e tornar-lhe mais efficiente a actividade social, quer na vida domestica, quer na vida publica, intellectual e politica. Com esse intuito trabalhará entre outros, para o seguinte fim: proteger as mães e a infancia. Não seria emprehendimento de mulher o que esquecesse a maternidade. Defendel-a protegendo as mães e os filhos, é um ponto essencial do programma feminista (A propaganda do feminismo no Brasil, Folha da Manhã , 07/05/1930, Caderno Único, p. 2)

O primeiro frame , ligado à excentricidade da feminista e do movimento, reúne as dimensões já mobilizadas pelos estudos feministas de mídia em terreno internacional, quando demoniza o movimento, contrapõe a sociedade a ele a partir da polarização com as demais mulheres e torna símbolos algumas mulheres específicas (Lind; Salo, 2002Lind, Rebecca; Salo, Coleen. The framing of feminists and feminism in news and public affairs programs is U.S. electronic media. Journal of Communication , march 2002 , pp. 211-228.; Rhode, 1995). Nas notícias, essas dimensões aparecem sobrepostas de forma bastante complexa. Por outro lado, também colaboram para exemplificar as raízes do discurso público midiático do que Biroli (2014)Biroli, Flávia. Autonomia e justiça no debate sobre aborto: implicações teóricas e políticas. Revista Brasileira de Ciência Política , nº15. Brasília, 2014 , pp. 37-68. chama de o “dispositivo da maternidade”, que acompanha as feministas que são aceitas como legítimas nas notícias e textos opinativos. As feministas aceitáveis não eram relevantes por suas contribuições para a melhoria da vida das mulheres, mas pela atividade que as ligava às esferas do cuidado. Entre a recusa e o aceite do ativismo feminista, o sujeito desenhado pelas notícias nesses primeiros anos do século XX mostra algumas das raízes de discursos que circulam ainda hoje especialmente quando se trata da participação feminina eleitoral, por exemplo.

A segunda onda nas notícias

Para a investigação da segunda onda no jornalismo, seguindo o cálculo amostral, foram coletadas 463 páginas da Folha de São Paulo com 485 textos (ou seja, algumas páginas abrigavam mais de um texto), mas a análise se concentra em 274 textos, dado o número expressivo de sinopses de filmes, livros e peças de teatro, textos de crítica literária ou textos ficcionais que mobilizavam personagens feministas. Dos 274 textos analisados, em torno de 36% eram de material opinativo, seguidos de 27,37% de notícias nacionais, 19,71% de notícias internacionais e um crescimento dos gêneros de reportagem (5,47%) e entrevista (4,74%).

Acerca das fontes mais presentes, quando retiradas as populares (pessoas entrevistadas na rua, transeuntes etc) (com 21,40%), artistas são as mais frequentes (13,38%). Contudo, se juntarmos organizações feministas, ativistas feministas ouvidas individualmente, especialistas feministas e feministas acadêmicas elas chegam a 35,96% das fontes mobilizadas. O caderno de cultura, a Ilustrada, abriga 39,93% dos textos analisados na segunda onda. Ele é seguido do Primeiro Caderno (com 15%) e 12,31% nos espaços Mulher e Nova Mulher.

Tabela 3 : Temas/assuntos mais recorrentes na segunda onda

Temas/assuntos %
Cultura 23,36%
Ativismo feminista 15,33%
Participação e representação política 13,86%
Comportamento 9,85%
Trabalho 5,37%
Violência 4,74%
Fonte: Elaboração própria

No tangente aos temas mais proeminentes na cobertura sobre o feminismo, a cultura é o tema ampliado sobre o qual recai o maior número de matérias (23,36%) e para o qual convergiram divergentes inscrições sobre o feminismo de segunda onda. Para além de um movimento com reivindicações políticas stricto sensu , o feminismo pautava discussões sobre a produção e o comportamento de artistas de diversos setores. Era um “tema da moda” e mobilizado para interrogar as pessoas públicas sobre suas posições, revelando à audiência as opiniões sobre os comportamentos feministas e o próprio movimento 12 12 Marília Pêra, só e livre no palco, FSP, 19/09/1985, Ilustrada, p.39; Erasmo num disco de transição, FSP, 14/10/1985, Ilustrada, p. 21; Luiza X Monique, Ilustrada, 25/01/’986, Ilustrada, p. 1. . Matérias sobre arte e filosofia, atravessadas pelas críticas feministas desenvolvidas no período, foram bastante recorrentes.

Depois das questões culturais, o ativismo feminista foi o assunto mais constante, aparecendo em 15,33% dos textos, com a presença forte de matérias sobre o feminismo ao redor do mundo. Um acontecimento responsável por uma série de textos foi a declaração pela ONU do Ano Internacional Mulher (AIM), que motivou artigos e notícias comparativas sobre a situação feminina no mundo 13 13 Amanhã, Dia Internacional abre a primeira década da mulher, criada pelo AIM, FSP, 07/03/1976, Nova Mulher, p. 52 / Ano Internacional: agenda para o futuro, Patricia Hutar, FSP, 19/06/1975, Nova Mulher, p. 37/ Bertha Lutz: o que foi a conferência, FSP, 12/07/1975, Nova Mulher, p. 29 .

As questões sobre a entrada das mulheres nos partidos (especialmente já na década de 1980 com a perda de força do regime militar pela pressão popular) e a contribuição do feminismo à política, participação e representação política , bem como eleições, são temas de 13,86% dessa amostra da segunda onda 14 14 Movimento feminista chega ao PMDB, FSP, 14/06/1980, Ilustrada, p.27. .

Se o feminismo adicionou questões à cultura e à política, outro alvo importante de deslocamentos foram os papeis tradicionais de homens e mulheres em diferentes arenas do cotidiano. Dos 274 textos, 9,85% são sobre comportamento . A discussão sobre expressão da sexualidade feminina é marcante nessas notícias. Como atesta a literatura feminista, a descoberta do prazer e do próprio corpo é um dos ganhos do ativismo deste período (Soihet, 2013Soihet, Rachel. Feminismos e antifeminismos . Mulheres e suas lutas na conquista da cidadania plena. Rio de Janeiro: 7Letras, 2013 .). Isso é bem ilustrado nos imbróglios envolvendo o TV Mulher presentes nas notícias. A matéria alusiva à estreia do programa informava que: “O sexo será abordado pela primeira vez na tevê, pela psicóloga Martha Suplicy” 15 15 TV valoriza a palavra e dá vez à mulher, Denise Natale, FSP, 07/04/1980, p.17. .

Seguindo na apresentação dos temas mais fortes das notícias, em 5,37% dos textos do corpus, o trabalho feminino , dentro e fora de casa, foi tratado em várias notícias, como exemplo das famosas greves de metalúrgicos do ABC de São Paulo, nos anos de 1970 e 1980.

A greve dos metalúrgicos do ABC já tem uma grande vitoriosa: a mulher. De repente, a operária mal remunerada largou a rotina de cartões de ponto, coletivos lotados e refeições apressadas para se unir ao homem na luta pela categoria (As mulheres da greve, Sônia Nabarrete, FSP , 25/03/1979, Folhetim, p. 3 e 4).

Por fim, a violência , apontada pela literatura feminista (Almeida, 2007; Pasinato, 2006) como uma pauta importante no final dos anos de 1970 e início dos 80, recebeu cobertura do jornal (4,74% dos textos).

Na segunda onda, os enquadramentos que se tornaram visíveis com análise são: a) o enquadramento da feminista organizada e b) enquadramento da feminista desviante. Eles revelam mudanças na concepção sobre o movimento se comparado à primeira onda, mas ainda permanências que acompanham a ideia de quem são as feministas.

As ativistas aparecem agora com uma atuação mais forte em coletivo, seja para reclamar novos espaços de militância na política formal ou nas demais esferas da sociedade. Passou-se a ouvir as mulheres feministas como exemplo de um movimento mais consistente, sem apelações específicas para um feminismo sadio ou aceitável. Eram fontes e atrizes legítimas que apareceram no que chamamos enquadramento da feminista organizada.

Essa organização fica visível nas fontes, organizações e movimentos feministas, ouvidos nas páginas do periódico. Se, antes, a Federação do Progresso Feminino era quase única nos textos, agora é vez do Centro de Integração da Mulher (CIM), da União das Mulheres de São Paulo, do Galf - Grupo Ação Lésbica Feminista, do SOS Mulher, dentre outros. O Estado foi uma instituição que começou a sentir o peso dessa organização, seja nos enfrentamentos a políticas de arrocho salarial 16 16 Mulheres vão a Brasília contra 2045, 19/10/1983, FSP, Política, p.6. , nos debates sobre o novo Código Civil 17 17 Mulheres discutem novo código civil, 14/07/1985, FSP, Primeiro Caderno, p.28. , com as discussões sobre os conselhos que iriam representá-las. Além disso, os esforços de construção de serviços que não eram realizados pelo Estado, também foram alvo de notícias.

O SOS-Mulher de São Paulo - uma entidade que atende aos casos de violência e discriminação praticados contra as mulheres e luta para conscientizá-las quanto aos seus direitos - está enfrentando dificuldades financeiras (...) Nessa casa de Pinheiros, com cômodos pequenos e móveis simples, que as plantonistas - mulheres das mais diversas idades, origens e profissões - atendem, sem cobrar nada, suas companheiras que sofreram discriminação ou violência (SOS Mulher quer apoio para crescer, 16/01/1982, FSP, Especial, p. 19).

O quadro da feminista organizada nas notícias revelou também a pluralidade do movimento. A multiplicação de organizações apontava para as tensões internas e debates sobre a diferença entre as mulheres que aportavam naqueles anos. As feministas ouvidas pelo jornal já notavam que o movimento precisava se distanciar de núcleos específicos e ganhar maior número de mulheres.

Passei um dia inteiro no meio de mulheres, mas não encontrei nenhuma companheira: não era possível se identificar como mulher; as referências eram o partido, o grupo político ou a classe social (...) Nesse ambiente, as mulheres da periferia não demoraram a perceber que estavam se expondo como massa de manobra. Reagiram afirmando sua identidade contra as “loirinhas da Hora do Povo” e respondendo às suas palavras de ordem como um coro de “periferia, periferia” (O alto preço da ingenuidade política, Teresa Caldeira, 01/03/1981, FSP, Ilustrada, p. 33).

Ainda que as diversas organizações do movimento feminista tenham ganhado protagonismo nessa segunda onda, a ideia de que elas são diferentes das “mulheres comuns” ou “normais” ainda permanece nessas três décadas. É o que denominamos de enquadramento da feminista desviante. A comparação pejorativa às feministas não foi abandonada das notícias da segunda onda.

O desvio se torna evidente na polarização entre as mulheres “normais” e as “feministas”. A militante afastada das mulheres “reais” aparece na cobertura do movimento feminista em outros países, em especial no trabalho mais recente de Mendes (2011)Mendes, Kaitlynn. Framing Feminism: News Coverage of the Women’s Movement in British and American Newspapers, 1968–1982. Social Movement Studies , Vol. 10, January 2011 , pp. 81-98., com jornais dos Estados Unidos e do Reino Unido. Em uma matéria que foca na “rivalidade” entre duas modelos brasileiras da época, Luiza Brunet e Monique Evans, para saber quem “preencherá com suas formas o molde da mulher-fetiche brasileira”, as feministas são ouvidas como “desinteressadas” na “borbulhante batalha”. Epstein (1978:219), há quase quarenta anos, já documentava que as líderes feministas são retratadas na mídia sob o viés da estranheza, o que faz com que “suas ideias pareçam absurdas de modo que a audiência não se identifique com elas”.

Mas há pelo menos um setor onde esta disputa não tem a menor receptividade - o das feministas. Perguntada sobre que modelo preferia, a sexóloga Marta Suplicy, colunista da Folha, respondeu secamente: "Que eu saiba, elas não estão a venda" (Luiza X Monique, 25/01/1986, FSP, Ilustrada, p. 41).

A polarização entre o movimento feminista e as mulheres comuns, fortemente documentada nos estudos feministas de mídia (Mendes, 2011Mendes, Kaitlynn. Framing Feminism: News Coverage of the Women’s Movement in British and American Newspapers, 1968–1982. Social Movement Studies , Vol. 10, January 2011 , pp. 81-98.; 2012), tem se mostrado uma constante ao longo dos anos analisados até aqui. É uma forma de manutenção do status quo a partir da identificação das feministas como algo fora do padrão, seja por meio de ironia ou mesmo de fontes que acreditam que há uma essência feminina desvirtuada pelos movimentos. Entre a organização e o desvio, o sujeito do feminismo nos textos da segunda onda mostra ao mesmo tempo a ressonância do movimento e das reivindicações feministas e a dificuldade, encarnada na imprensa, mas para além dela, de retratar as mulheres ativistas sem realizar comparações, polarizações e investir em estereótipos.

A terceira onda nas notícias

Como ocorrido na segunda onda, o número de notícias efetivamente analisadas (202) foi diferente daquele proposto na amostra (409 páginas que se desdobraram em 363 textos), dada a presença acentuada dos textos ficcionais, sinopses e demais gêneros já mencionados, além de “resenhas” de sites e blogs que emergiam nos anos 2000.

Dos 202 textos analisados, 34,65% são notícias, 28,22% são artigos de opinião e 14,36% de reportagens, com um aumento desse gênero se comparado aos demais períodos temporais. A maior parte dos textos, 36,94%, está no Primeiro Caderno e Cotidiano, seguido da Ilustrada com 17,73% e dos suplementos do jornal, geralmente dominicais, que juntos somam 15,77% - Mais!, Revista Serafina, Revista São Paulo e Revista da Folha.

Quando somadas, as organizações feministas, ativistas, especialistas e feministas acadêmicas foram as fontes mais recorrentes, com 20,48% de inserção, seguidas das fontes populares (16,26%), especialistas (12,47%) e pessoas ligadas às artes (11,38%). Cresceram os percentuais de fala do Executivo (6,78%), de acadêmicos ligados à universidade afora as feministas (6,23%) e do legislativo (5,42%). Acerca dos assuntos mais recorrentes, o ativismo feminista é tema de 15,84% do corpus, seguido de questões de política formal (13,87%) e cultura e comportamento, ambas como 11,88%.

Tabela 4 : Temas/assuntos mais recorrentes na terceira onda

Temas/assuntos %
Ativismo feminista 15, 84%
Representação e participação política 13,87%
Cultura 11,88%
Comportamento 11,88%
Fonte: Elaboração própria

Sobre o ativismo feminista , quando assunto específico das notícias e artigos, é possível dizer que há um retrato mais sólido, a partir dos anos de 1990, com poucos traços de estranhamento, como aparecia nas décadas anteriores. Contudo, essa compreensão de que o movimento teve ganhos e importância social convive com, e dá lugar a, uma contínua necessidade de negação do ativismo de mulheres.

A existência de um discurso pós-feminista, assentado na crença de que as conquistas já haviam ocorrido e que o movimento não era mais necessário, disseminado sobretudo nos Estados Unidos (McRobbie, 2004), ganha as páginas do jornal especialmente nos anos 90. A individuação das conquistas femininas, descoladas de um processo histórico de luta, tem visibilidade acentuada. A proximidade da mudança de século ensejou uma série de textos sobre o balanço do movimento feminista no jornal, focando de um lado na persistência das desigualdades coletivas e, de outro, na dimensão pessoal do enfrentamento às opressões. Se já não havia uma movimentação frequente nas ruas e se os ganhos possíveis já haviam sido obtidos sem muitas possibilidades de melhoria, tal como apregoava o discurso pós-feminista, o “obituário” do jornal parecia pronto: o feminismo brasileiro não resistiria aos anos 2000.

No ano 2000, Violeta vai ter 9 anos (...) Nada mais ingrato do que exercícios de futurologia (...) Mas podemos ter certeza de uma coisa. Os primeiros tempos do feminismo parecerão tão remotos para Violeta quanto as primeiras transmissões de rádio para mim e para você. Talvez ela saiba menos sobre "Malu Mulher" quanto eu e você sobre as sufragettes inglesas. (...) "Não existe feminismo nem machismo", radicaliza Tati Kwiezynski, 15 anos. "Quem for esperta, sai na boa do machismo, sacou? Eu driblo legal, e vivo num meio que tem homem pra caralho" (...) Deu pra notar que Betty Friedan é totalmente inútil para Tatiana Kwiezynski (As garotas do século 21, 24/04/1994, FSP, Revista da Folha, p. 18-23).

Mas os anos 2000 trouxeram ao jornal acontecimentos que não poderiam passar despercebidos pelos critérios de noticiabilidade. As mulheres ocupavam em massa as ruas de novo. Voltariam a ser notícia com as diversas marchas, iniciando um processo narrativo mais contundente do novo ativismo que irá, anos depois, ser marcado nas notícias pelo uso da internet.

O uso massivo das redes sociais na internet, como Facebook e Twitter, pelas ativistas será pauta em diferentes campanhas que ganharão visibilidade nos anos de 2010 e também ensejará a construção de um ativismo que não está ligado a movimentos mais clássicos, possuindo uma perspectiva mais horizontal, bastante específica desse período.

Enquanto as redes sociais servem de ferramenta de debate e campanhas virtuais para as que se incomodam com o problema - mas não pretendem ser ativistas - há na cidade ao menos cinco cursos e espaços que discutem o feminismo. "Sou feminista porque é o que mais se aproxima das coisas nas quais eu acredito", diz a ilustradora Evelym Queiróz, 24, que não faz parte de nenhum grupo ou movimento. Há um ano ela publica na internet desenhos de uma personagem que criou. Sob o nome Negahamburguer, Evelyn exerce seu feminismo fazendo retratos de mulheres fora dos padrões" (Mexeu com ela, mexeu comigo, 09/03/2014, Revista sãopaulo, p. 25 a 31).

Se um ativismo mais espraiado é perceptível, notam-se também as relações mais fortes com a política formal, o segundo tema mais presente nas notícias. A terceira onda é atravessada por notícias que vão desde a informação sobre as conquistas das mulheres da Constituinte (“Os deputados também resolveram atender às pressões do lobby feminista. Reservaram a mulheres 20% das vagas de candidato que um partido tem direito de lançar” 18 18 Partidos querem função da Justiça Eleitoral, 22/08/1995, FSP, Primeiro Caderno, p. 13. ) aos desdobramentos das duas eleições, governo e impeachment da primeira presidenta, Dilma Rousseff.

Nas matérias sobre política, eleições, representação e participação, é perceptível a gradativa institucionalização das pautas (a frequente presença da legislação de combate à violência contra a mulher – Lei Maria da Penha – por exemplo), a ocupação de cargos públicos por mulheres e feministas, especialmente com a criação da SPM. Dois exemplos são bem ilustrativos dessa proximidade. Djamila Ribeiro passa de uma fonte ouvida no jornal como ativista das Blogueiras Negras 19 19 Patrulha ameaça ficção afirma Falabella, 28/09/2014, FSP, Ilustrada, p. 8. para a voz da Secretaria Municipal de Direitos Humanos de São Paulo 20 20 Mosaico feminista, 08/03/2015, FSP, Ilustríssima, p. 6. .

Já sobre as matérias relativas a comportamento e cultura , mudanças interessantes se fizeram notar na terceira onda, especialmente ligadas à representação das mulheres em produtos culturais e de mercado, resistência e enfrentamento a situações antes consideradas normais e uma discussão forte da chamada “crise da masculinidade”. “É natural, com a mulher se liberando, que o homem tenha ficado perdido, entregado os pontos”. 21 21 Rose Marie Muraro solta seus demônios, 01/11/1999, FSP, Ilustrada, p. 5.

Esse terceiro período temporal mostra aprofundamentos de temas que já atravessavam a cobertura do feminismo da segunda onda e ratifica o que as estudiosas feministas falam sobre a não superação das pautas de uma onda para outra. É possível perceber certo acompanhamento pelos jornais das transformações que o movimento passa, sobretudo nas atrizes que o protagonizam. Por outro lado, como veremos a seguir, não é necessariamente uma cobertura apenas positiva. O feminismo continua perturbando as relações sociais, e as notícias não deixam de tratá-lo como esse agente “estranho”. Passemos agora aos frames sobre sujeito nas notícias e artigos da terceira onda.

Sobre o sujeito feminista que aparece nas notícias, dois frames são evidentes nesse período. No primeiro, a organicidade do movimento de segunda onda (que ainda aparece) vai dando lugar a um ativismo bastante marcado pela presença mais pessoalizada das mulheres. No segundo, ainda nessas décadas, observamos a permanência do feminismo como um desvio e das feministas como sujeitos diferentes. Dessa forma, os quadros encontrados nos textos são: a) o enquadramento da feminista individual e o b) enquadramento da feminista desviante.

O enquadramento da feminista individual está atrelado especialmente ao uso da internet. A defesa das pautas feministas via expressão online e atuação de seus haters 22 22 Mulheres sofrem ameaças de estupro ao defender feminismo na internet, 24/02/2015, FSP, Tec, p. 6. , bem como o aprendizado de noções básicas de programação, para que possam diminuir o fosso de mulheres no mundo da tecnologia e utilizar esse conhecimento no ativismo 23 23 Feminismo digital, 26/06/2016, FSP, Mercado, p.4. , são alguns dos discursos que circulam nas notícias sobre essa nova fase. O discurso sobre a diversificação de vozes, presente na literatura sobre internet e gênero (Ross, 2010Ross, Karen. Gender@internet. In: Ross, Karen. Gendered media: women, men, and identity politics. UK: Rowman & Littlefield Publishers, 2010 , pp. 123-152.), também se faz presente, com o surgimento do chamado "feminismo 2.0". As hashtags mobilizadas nas campanhas virtuais ou nas convocações para ida às ruas são as aglutinadoras dessa militância sem um centro uno (Cardon, 2016)Cardon, Dominique. As mobilizações de indivíduos na internet. In: Mendonça, Ricardo Fabrino et. al (orgs.). Democracia digital : publicidade, instituições e confronto politico. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2016 , pp. 287-306.. Como pontua o texto abaixo, não se trata de fato de um movimento, mas de um “fluxo permanente”, mais próximo do campo discursivo de ação de Alvarez (2014)Alvarez, Sonia. Para além da sociedade civil: reflexões sobre o campo feminista. Cadernos Pagu (43), Campinas, 2014 , pp.13-56. do que das clássicas definições de movimentos sociais.

Há uma novidade nessa imensa onda feminista que aderiu ao movimento das ruas desde 2013, fez a chamada #primaveradasmulheres, foi para as ruas gritar #foracunha; lutou na ocupação das escolas em São Paulo; ocupou espaços públicos com a campanha #agoraéquesãoelas; organizou o movimento político #apartidA, prestes a se tornar um partido feminista; mobilizou e surpreendeu as redes sociais com os relatos do #meuprimeiro assédio. A novidade está no fluxo permanente que promete seguir, seja pelas ruas, seja pelas redes, em movimentos de insurgência contra o que ainda resta de machista na sociedade brasileira (Insurgência feminina, 20/12/2015, FSP, Revista especial - Cenários 2016, p. 28-29).

Há um reconhecimento via jornal, a partir dos depoimentos das ativistas, que se trata de um período diferente daqueles que estudamos anteriormente. O termo passa a ser colocado no plural – feminismos. Sujeitos antes nem mencionados (“transexuais”) surgem no texto. Essa multiplicidade de vozes individuais questiona o próprio ativismo sobre quem é a “verdadeira feminista”, quais pautas são relevantes, de quem é o lugar de fala.

(...) Amplificado pela internet e entrelaçado a uma multiplicidade de reivindicações de grupos específicos, o feminismo tornou-se mais fragmentado. Representado por um mosaico de vertentes, coletivos e microgrupos, o movimento ampliou suas bandeiras e incluiu em sua agenda demandas de mulheres negras, lésbicas, travestis e transexuais. Certo é que o grande adversário continua a ser um velho conhecido: "O machismo é o inimigo de todos, ele é inclusive o pai da homofobia", diz Márcia Balabes, da Liga Brasileira de Lésbicas e do Conselho Estadual LGBT, ligado à Secretaria da Justiça (Mosaico feminista, 08/03/2015, Ilustríssima, p.1).

Se a internet é a arena do ativismo em si ou da concentração antes das ruas, o corpo individual é o meio que ganha mais proeminência para a expressão dessas pautas, especialmente nos acontecimentos relacionados à emergência do Femen 24 24 O Femen é um grupo feminista fundado na Ucrânia, em 2008, famoso por realizar protestos de topless contra turismo sexual, homofobia, dentre outras pautas e das Marchas das Vadias 25 25 A Marcha das Vadias (SlutWalk) é um movimento surgido no Canadá, em 2011, após a declaração de um policial dizendo que as mulheres deveriam parar de vestir-se como vadias (slut) para evitar estupro. A marcha se espalhou para diversos países e tem como uma das marcas mulheres protestando com o corpo a mostra ou vestidas com poucas roupas. . Seios à mostra, frases feministas pintadas na própria pele das mulheres são característicos desse período. Gomes e Sorj (2014Gomes, Carla; Sorj, Bila. Corpo, geração e identidade: a Marcha das vadias no Brasil. Revista Sociedade e Estado , v.29, n.2, 2014 , p.433-447.:437) definem precisamente o papel do corpo nesse ativismo: “é objeto de reivindicação (autonomia das mulheres sobre seus corpos) e é também o principal instrumento de protesto, suporte de comunicação. É um corpo-bandeira”.

A individualização do ativismo também convive na terceira onda com a permanente caracterização da feminista como desviante . A oposição entre o feminismo e feminilidade é uma das constantes em todas as ondas analisadas. Nos anos de 1990, quando a personagem Tiazinha ganhava audiência na televisão e nas páginas das revistas voltadas para o público masculino, as feministas eram as vozes dissonantes da exploração do corpo feminino.

Como definiu José Simão, na Folha, a Tiazinha é a mulher perfeita: "não fala nem reclama; só mexe e ri". Por trás da piada, parece estar uma realidade dura de engolir as mulheres de que, em termos de sexo, o que interessa aos homens é "muita carne e pouco papo". Até agora, o único ranking do qual Tiazinha aparece em último lugar é o divulgado em um encontro de feministas na segunda-feira passada. Uma pesquisa feita com 253 mulheres de São Paulo colocou a mascarada como "a pior mulher na TV brasileira" (Ternos sobrinhos,14/03/1999, FSP, Revista da Folha,p. 6 a 13).

A recusa do feminismo sob a ideia de que era um estranho às demais mulheres, em especial às bem-sucedidas, encontrava nessas décadas ressonância, dada as conquistas femininas no mercado de trabalho.

Elas estão invadindo todas as áreas. "Até a década passada, 60% das vagas abertas por empresas davam preferência a homens", diz Claudir Franciatto, da Manager, empresa de consultoria de RH. "Hoje, o número baixou para 40%." (...) Esse recente crescimento do mercado feminino no Brasil fez surgir, em 1987, uma entidade: a Associação de Mulheres de Negócios. "Não somos feministas, hein?", avisa Carmem Carvalhal Gonçalves, a presidente. "Tenho horror a isso." (A ofensiva feminina nas empresas, 03/12/1995, FSP, Revista da Folha, p.23.).

Outra face assumida por esse “desvio”, já nos anos de 2010, irá ser chamada pelo antifeminismo de “feminazi”. Quando o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2015 trouxe uma questão com um texto de Simone de Beauvoir, o jornal afirmava que as discussões nas redes sociais foram intensas. “A julgar pelo barulho, preocupado mesmo já pode ficar o candidato que só descobriu Simone de Beauvoir após o Enem, no fim de semana”. “(...) As 'hashtags' foram de 'doutrinação feminista' e 'feminazis' a 'chora machista' e 'machistinhas do Enem'” 26 26 Fla-Flu do Enem, 27/10/2015, FSP, Cotidiano, p. 8. . Outra questão bastante acentuada que identificava as feministas como oposicionistas de uma sociedade “normal” aparece nos textos sobre ideologia de gênero.

Cada vez mais ideologias são vendidas como teorias científicas. Ideologia de gênero é uma pseudoteoria que diz que ninguém nasce mulher ou homem, pois a sexualidade é uma construção social independente do sexo biológico (...) Um projeto de poder que quer destruir as bases da sociedade, ignorando a formação moral do Brasil, é promovido por aqueles que defendem criminosos, o assassinato por meio do aborto, o assistencialismo viciante, a liberação das drogas, a promoção de ideologias na escola, entre outras pérolas malignas (Absurdos de colunista não guardam vínculo com o real, Rogério Marinho, deputado federal pelo PSDB RN, 16/04/2016, FSP, Primeiro Caderno, p.8) .

De 1921 a 2016, esse quadro – pejorativo – do feminismo transgressor nos jornais se mostra um achado extremamente interessante dessa análise e também nos resultados de pesquisadoras internacionais (Mendes, 2011Mendes, Kaitlynn. Framing Feminism: News Coverage of the Women’s Movement in British and American Newspapers, 1968–1982. Social Movement Studies , Vol. 10, January 2011 , pp. 81-98.; van Zoonen, 1992). É perceptível como os discursos se atualizam na forma, com novas expressões para criticar as feministas, mas, substancialmente, investem contra o potencial de um movimento que desestabiliza uma hierarquia fundante da vida política e social. Por outro lado, é também importante perceber como os novos sujeitos feministas e as disputas que se colocam de alguma forma na teoria (lugares de fala, perspectivas sociais, posições de sujeito...) também aparecem nas fontes mobilizadas nesse último período temporal.

4. Discussão

Quase cem anos depois, é possível admitir que as compreensões sobre o feminismo no jornal analisado mudaram. O jornalismo foi incorporando fontes, pautas, novos contextos de atuação do movimento feminista, embora alguns retratos permaneçam. No que concerne ao sujeito do feminismo, é interessante notar como a ideia da feminista como uma mulher diferente, fora dos padrões, manteve-se constante independentemente dos períodos históricos analisados. Essa oposição entre feministas x mulheres ou feminismo x feminilidade atravessa todas as ondas, e os discursos antifeministas se mantêm fortes.

Por outro lado, é necessário admitir a pluralização nas vozes feministas que são mobilizadas pelos textos, especialmente visível nas organizações que são ouvidas ao longo do tempo. De movimentos mais organizados a coletivos que surgem e atuam na internet, o jornal foi acompanhando e legitimando o fluxo de mudança do movimento. O quadro abaixo ilustra melhor esse achado.

Quadro 1 : Organizações que aparecem no jornal Folha de São Paulo em cada período analisado
1ª onda 2ª onda 3ª onda
  1. Aliança Cívica das Brasileiras

  2. Federação Brasileira pelo Progresso Feminino

  1. Centro da Mulher Brasileira

  2. Centro Informação Mulher (CIM)

  3. Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo

  4. Conselho Nacional de Direitos da Mulher

  5. Frente de Mulheres Feministas

  6. Galf – Grupo Ação Lésbica Feminista

  7. Movimento Feminista do PFL

  8. Pró-Mulher

  9. Revista Visão

  10. SOS Mulher

  11. União das Mulheres de São Paulo

  1. Agende

  2. Anis

  3. Blogueiras Feministas

  4. Blogueiras Negras

  5. Católicas pelo Direito de Decidir

  6. Cfemea

  7. Cladem

  8. Coletivo de Feministas Lésbicas

  9. Coletivo Feminista Sexualidade Saúde

  10. Confederação de Mulheres do Brasil

  11. Conselho Estadual da Condição Feminina de SP

  12. Feministas em Ação

  13. Galf – Grupo Ação Lésbica Feminista

  14. Geledés

  15. Marcha Mundial das Mulheres

  16. Movimento Brasil Mulher

  17. Rede Mulher

  18. Rede Nacional Feminista de Saúde

  19. Setor feminino do PMDB

  20. SPM

  21. Think Olga

Fonte: Elaboração própria.

Mesmo que o número de organizações ouvidas e os tipos de coletivos tenham se diferenciado, uma ausência importante é sentida em toda a análise. As mulheres negras aparecem poucas vezes nos textos. A questão racial está no que Carvalho (2012) chama de “zona de invisibilidade”. Não se trata de um completo silêncio, mas de uma dimensão da luta feminista pouco incorporada quando olhamos longitudinalmente. Foram poucas as vezes em que a relação entre feminismo e racismo apareceu discutida diretamente no corpus analisado. Uma delas foi visível nos debates sobre a participação, em 1995, na 4ª Conferência da Mulher, em Pequim. A fala apresentada abaixo se liga de forma muito direta com as discussões que bell hooks (2013) faz sobre essa relação entre raça e gênero.

Nilza Iraci Silva, 45, é a única mulher negra que integra o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Ela vai à 4ª Conferência da Mulher, em Pequim, junto com a delegação oficial, representado a ONG Geledés - Instituto da Mulher Negra.(...) Segundo Nilza, as mulheres negras ainda têm muito a conquistar mesmo dentro dos movimentos negro e feminista. “O movimento negro se preocupa com o racismo, mas não prioriza a questão do gênero, e o movimento feminista às vezes esquece o problema racial" (Negra divide tempo entre duas militâncias, FSP, 27/08/1995, Mundo, p. 23).

Por outro lado, essa pesquisa também dialoga com os dados apresentados por Mendes (2011Mendes, Kaitlynn. Framing Feminism: News Coverage of the Women’s Movement in British and American Newspapers, 1968–1982. Social Movement Studies , Vol. 10, January 2011 , pp. 81-98., 2012Mendes, Kaitlynn ‘Feminism rules! Now, where’s my swimsuit?’ Re-evaluating feminist discourse in print media 1968–2008. Media, Culture & Society . 34(5), 2012 , pp. 554–570.), onde se identificam discursos positivos sobre o movimento feminista atualmente, se comparado com décadas anteriores. Todavia, Mendes pondera que junto dessa afirmação positiva há “discursos de retrocesso ( backlash ) tendem a emergir em tempos de renovado feminismo” 27 27 No original: “Backlash discourses tend to emerge at times of renewed feminist activism” (Mendes, 2015, p. 227). , como na definição das feministas como “feminazi”. Notícias ou textos opinativos claramente anti-feministas apareceram no mesmo jornal que realizou coberturas densas sobre o movimento. Nos anos mais recentes, especialmente a partir do uso massivo de redes sociais online, é necessária uma análise mais detida de como discursos antifeministas têm se alastrado com força, embora não sejam exatamente “novidade”, conforme atesta Soihet (2013)Soihet, Rachel. Feminismos e antifeminismos . Mulheres e suas lutas na conquista da cidadania plena. Rio de Janeiro: 7Letras, 2013 ., observando a imprensa alternativa brasileira. O texto de Reinaldo Azevedo, cujo trecho reproduzimos abaixo, faz alusão à prova do Enem de 2015 supracitada para difamar uma referência feminista e a própria luta das mulheres.

As novas esquerdas ou as 'feminázis' não inovam nesse particular. Nas suas táticas, há sempre a inspiração de um bigodudo ou de um bigodinho homicidas - machos, é preciso dizer. A recente prova do Enem levou o tema do feminismo para a redação. Uma das questões citava Simone de Beauvoir como referência do movimento - ainda que ela tenha sido de um servilismo a Sartre às vezes constrangedor, até quando ia pra cama com outros homens. Estava lá: "Ninguém nasce mulher, torna-se mulher". A verdade profunda da sentença se revela assim: "Ninguém nasce homem, torna-se homem" (Meninas, bicicletai seios nus! – Reinaldo Azevedo, 06/11/2015, FSP, Poder, p. 8).

Com a análise das matérias e artigos de opinião, foi possível perceber diferenças na visibilidade ao longo do tempo, bem como permanências. A ideia da feminista como desviante atravessando todas as ondas é um achado interessante da pesquisa, bem como a mobilização de fontes que se entrelaçam com as novas configurações do movimento atualmente. Por fim, é preciso enfatizar que não se pode falar de silêncio sobre o feminismo ou de invisibilidade do movimento, mas de uma cobertura profundamente dinâmica, que dialoga com a ideia de Cohen (2012)Cohen, Jean. Repensando a privacidade: autonomia, identidade e a controvérsia sobre o aborto. Revista Brasileira de Ciência Política , nº7. Brasília, 2012 , pp. 165-203. para quem é necessário pensar como se dá a porosidade da esfera pública para as demandas feministas.

É preciso ressaltar também que não trabalhamos com o acompanhamento sistemático de pautas específicas e que uma pesquisa nesse sentido pode revelar achados diferentes. As pautas aparecem apenas quando o movimento feminista é diretamente acionado nas notícias, conforme nossas palavras-chave. Também não estive preocupada apenas em documentar padrões de cobertura positiva, negativa ou neutra. No concernente ao movimento feminista, a análise do jornal mostra um processo de mais ganhos do que perdas, embora com nuances interessantes para serem discutidas, como a ênfase no ativismo individual. As teorias feministas têm acionado, com muita frequência, a mídia como exemplo de uma arena ou instituição em que as desigualdades são manifestadas e ratificadas. Um mergulho mais profundo nesses retratos ou narrativas pode colaborar para a complexificação desses exemplos. Entender a mídia como um agente imutável não colabora para que as teorias refinem sua própria crítica sobre a visibilidade de sujeitos e das relações de público e privado. As diferentes categorias desenvolvidas pelo campo feminista podem, e devem, ser mobilizadas para o estudo dos meios de comunicação, seja para confirmar hipóteses ou documentar processos, visíveis na mídia, de mudança social.

5. Referências bibliográficas

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  • 1
    Para uma discussão específica dos estudos feministas de mídia e política ver Sarmento (2018)Sarmento, Rayza. Estudos feministas de mídia e política: uma visão geral. BIB - Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, n. 87, 2018 , pp. 181-202..
  • 2
    Sobre essas diferenças ver Piscitelli (2002) e Delphy (2009). Para uma discussão em terreno nacional sobre patriarcado e pensamento político e social brasileiro, consultar as robustas obras de Neuma Aguiar (1997)Aguiar, Neuma. Perspectivas Feministas e o Conceito de Patriarcado na Sociologia Clássica e no Pensamento Sociopolítico Brasileiro. In: Aguiar, Neuma (org.). Gênero e Ciências Humanas: Desafio às Ciências desde a Perspectiva das Mulheres. 1ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1997 , pp. 161-191. e Ogando (2012).
  • 3
    Sojourner Truth se tornou um exemplar do feminismo negro ainda no século XIX, a partir de seu discurso famoso intitulado “Ain’t I a Woman?”, na Convenção dos Direitos da Mulher em 1851, em Ohio, enfatizando o lugar ocupado pelas mulheres negras na sociedade escravocrata (Haraway, 1993Haraway, Donna. O humano numa passagem pós-humanista. Revista Estudos Feministas , n.2, 1993 , pp. 277-292.:283).
  • 4
    Para uma crítica interessante dos limites do conceito de perspectiva, ver Miguel (2010)Miguel, L. F.. Perspectivas sociais e dominação simbólica: a presença política das mulheres entre Iris Marion Young e Pierre Bourdieu. Revista de Sociologia e Política , Curitiba,v. 18, 2010 , pp. 25-49.
  • 5
    Ponderações sobre algumas fragilidades do conceito podem ser lidas em Hirata (2014).
  • 6
    Sabemos que o jornal O Estado de S.Paulo possui acervo também desde 1875, contudo na busca pelas duas palavras-chave principais (feminismo e feminista), o resultado encontrado (1915 e 3453 páginas respectivamente) foi inferior ao da Folha de S. Paulo (3.089 e 4.719). A opção prévia de não trabalhar com O Globo, também com acervo disponível, se deu pela sua data de fundação, quatro anos posteriores à Folha.
  • 7
    Dado o momento político, também optamos por acrescentar uma amostra de matérias, a partir das mesmas palavras-chave, do período de agosto de 2015 a julho de 2016. Seguindo os mesmos critérios narrados anteriormente, foram encontradas 502 páginas com os termos e, a partir do cálculo amostral, coletadas mais 61 matérias sorteadas aleatoriamente, que passaram a integrar o corpus da terceira onda (470 páginas).
  • 8
    Panorama mundial do feminismo, Folha da Noite, 18/09/1931, Capa/ Movimento feminista nacional, Folha da Noite, 28/12/1929, Caderno Único, p.2.
  • 9
    Associação Civica Feminina - A Assembleia geral de Hoje - Conferencia do Padre Leopoldo Alves na próxima quarta-feira, Folha da Manhã, 26/03/1933, Caderno Único, p.9.
  • 10
    Sem título, Folha da Noite, 10/05/1928, Caderno Único, p.2.
  • 11
    Assim vencem, Folha da Manhã, 17/08/1928, Caderno Único, p.4.
  • 12
    Marília Pêra, só e livre no palco, FSP, 19/09/1985, Ilustrada, p.39; Erasmo num disco de transição, FSP, 14/10/1985, Ilustrada, p. 21; Luiza X Monique, Ilustrada, 25/01/’986, Ilustrada, p. 1.
  • 13
    Amanhã, Dia Internacional abre a primeira década da mulher, criada pelo AIM, FSP, 07/03/1976, Nova Mulher, p. 52 / Ano Internacional: agenda para o futuro, Patricia Hutar, FSP, 19/06/1975, Nova Mulher, p. 37/ Bertha Lutz: o que foi a conferência, FSP, 12/07/1975, Nova Mulher, p. 29
  • 14
    Movimento feminista chega ao PMDB, FSP, 14/06/1980, Ilustrada, p.27.
  • 15
    TV valoriza a palavra e dá vez à mulher, Denise Natale, FSP, 07/04/1980, p.17.
  • 16
    Mulheres vão a Brasília contra 2045, 19/10/1983, FSP, Política, p.6.
  • 17
    Mulheres discutem novo código civil, 14/07/1985, FSP, Primeiro Caderno, p.28.
  • 18
    Partidos querem função da Justiça Eleitoral, 22/08/1995, FSP, Primeiro Caderno, p. 13.
  • 19
    Patrulha ameaça ficção afirma Falabella, 28/09/2014, FSP, Ilustrada, p. 8.
  • 20
    Mosaico feminista, 08/03/2015, FSP, Ilustríssima, p. 6.
  • 21
    Rose Marie Muraro solta seus demônios, 01/11/1999, FSP, Ilustrada, p. 5.
  • 22
    Mulheres sofrem ameaças de estupro ao defender feminismo na internet, 24/02/2015, FSP, Tec, p. 6.
  • 23
    Feminismo digital, 26/06/2016, FSP, Mercado, p.4.
  • 24
    O Femen é um grupo feminista fundado na Ucrânia, em 2008, famoso por realizar protestos de topless contra turismo sexual, homofobia, dentre outras pautas
  • 25
    A Marcha das Vadias (SlutWalk) é um movimento surgido no Canadá, em 2011, após a declaração de um policial dizendo que as mulheres deveriam parar de vestir-se como vadias (slut) para evitar estupro. A marcha se espalhou para diversos países e tem como uma das marcas mulheres protestando com o corpo a mostra ou vestidas com poucas roupas.
  • 26
    Fla-Flu do Enem, 27/10/2015, FSP, Cotidiano, p. 8.
  • 27
    No original: “Backlash discourses tend to emerge at times of renewed feminist activism” (Mendes, 2015Mendes, Kaitlynn. Slutwalk, feminism and news. In: Silva, K.; Mendes, K. Feminist erasures . Challenging Backlash Culture. Londres: Palgrave Macmillan, 2015 , pp. 219-234., p. 227).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    11 Out 2017
  • Aceito
    28 Jan 2020
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