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Jornalistas, escritoras e ativistas: alianças internacionais de mulheres durante a Guerra do Vietnã (1954-1975)

Resumo

Este artigo investiga o modo como jornalistas, escritoras e ativistas disputaram os sentidos da Guerra do Vietnã (1954-1975). Para conduzir a análise, o artigo recorta movimentos de mulheres nos contextos norte-americanos e vietnamitas, explorando o trânsito transnacional de ideias, pessoas e ativismo político que promoveram. Como hipótese, sustenta que a articulação entre noções de gênero, guerra e paz estiveram na base das convergências e divergências que ajudaram a modular as alianças transnacionais de mulheres, bem como a colocar suas ideias em circulação.

Gênero; Teorias pós-coloniais; Guerra e mulheres; Pensamento social

Abstract

This paper analyses how female journalists, writers, and activists disputed meanings of the Vietnam War (1954-1975). The article portrays women’s movements in the US and Vietnamese contexts, exploring the transnational movement of ideas, people, and political activism they promoted. As a hypothesis, it affirms that the articulation between concepts of gender, war, and peace were at the base of convergences and differences that helped to modulate the transnational alliances of women, and to circulate their ideas.

Gender; Post-colonial Studies; Women and war; Social Theory

1. Introdução

Não são dadas armas à mulher inglesa, seja para combater o inimigo, seja para se defender [...] até onde pode ela lutar, sem armas de fogo, pela liberdade? Produzindo armas ou roupas ou alimentos. Mas há outra forma de lutar pela liberdade sem armas de fogo; podemos lutar com a mente. Podemos produzir ideias [...] mas, para produzir ideias eficazes, devemos ser capazes de dispará-las. Devemos coloca-las em ação (Virginia Woolf, As mulheres devem chorar... ou se unir contra a guerra , 2019).

Indagando sobre as possibilidades e os constrangimentos para a participação de mulheres inglesas na I Guerra Mundial (1914-1918), Virginia Woolf questiona se elas poderiam ser combatentes nos fronts ; se permaneceriam indefesas em suas casas; se estariam ocupadas com as atividades de suporte à guerra que pertenceria aos homens produzindo armas, roupas ou alimentos; ou, finalmente, se teriam um lugar próprio produzindo e colocando suas ideias em movimento.

Enquanto o século XX foi marcado por inúmeras guerras, com escalas e impactos variados, as versões sobre elas permaneceram fortemente marcadas por imagens e alusões de que elas seriam, sobretudo, espaço de ação, estratégia e decisão masculinas. No entanto, diversas investigações e estudos sobre guerras e conflitos armados têm contribuído para trazer ao primeiro plano de análise a participação de mulheres em confrontos como a Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e a II Guerra Mundial (1939-1945), por exemplo1 1 Sobre a participação de mulheres na Guerra Civil Espanhola, ver Fyrth & Alexander (2008) ; Lines (2011). Para a II Guerra Mundial: Summerfield (1998) ; Schneider (2015) ; Aleksiévitch (2016) . .

Associada a tal questão e, como diferentes autoras apontam ( Jayawardena, 1986JAYAWARDENA, Kumari. Feminism and nationalism in the third world. Nova Delhi, Kali for Women, 1986. ; Yuval-Davis, 1997YUVAL-DAVIS, Nira. Gender & nation. London, Sage Publications, 1997. ; McClintock, 1993MCCLINTOCK, Anne. Family Feuds: Gender, Nationalism and the Family. Feminist Review, n. 44, 1993, pp.61-80. ), a participação de mulheres em esforços de mobilização nacional, como são as guerras, costuma ser rememorada ou celebrada de modos pouco eloquentes ou incisivos. Dialogando com esforços de ler a história da guerra também como uma história da produção da diferença baseada em gênero, este artigo recorta a participação de mulheres norte-americanas e vietnamitas na Guerra do Vietnã (1954-1975), analisando o trânsito internacional de algumas escritoras, jornalistas e ativistas entre os Estados Unidos e o Vietnã do Norte e do Sul e o modo como estabeleceram, pouco a pouco, homologias entre as experiências, os modos de vida e o cotidiano de mulheres envolvidas nos dois lados do conflito, fazendo confluir esforços para narrar a si próprias como parte da guerra e das contradições a ela associadas.

Em um primeiro momento, o artigo recorta as reportagens da jornalista Mary Gellhorn e dos relatos de duas escritoras, Mary McCarthy e Susan Sontag, analisando o modo como seus textos ajudaram a organizar os termos do debate sobre a guerra especialmente para o público norte-americano. Na sequência, são analisadas as redes de solidariedade internacional estabelecidas especialmente entre três organizações: as vietnamitas Women’s union of liberation (WUL)2 2 Fundada em 1960, as ações da WUL estiveram voltadas para a derrubada da República Democrática do Vietnã e, consequentemente, para a reunificação do país. Embora a presença de membros do PCV fosse ampla tanto na WUL como na NFL, nenhuma das duas organizações estava formalmente ligada ao partido. , integrante da Frente Nacional para Libertação do Sul (NFL), a Women’s union (WU)3 3 Fundada em 1935, a WU aglutinou um conjunto variado de atividades associativas de mulheres, impulsionando uma articulação progressiva entre luta anticolonial, comunismo e autonomia feminina. A organização permanece ativa até os dias de hoje e, entre outras frentes de atuação, é mantenedora do Museu da Mulher Vietnamita, em Hanói, cuja parte do acervo é dedicada a reconstruir a participação das mulheres nos variados conflitos e guerras enfrentadas pelo país ao longo de sua história. , ligada ao Partido Comunista do Vietnã (PCV), e a norte-americana Women’s strike for peace (WSP)4 4 Fundada em 1961, a WSP advogou pelo pacifismo e pela desmilitarização. Por ocasião de sua primeira conferência nacional em 1962, na cidade de Ann Arbor, Michigan, o movimento emitiu a seguinte declaração: “nós somos mulheres de todas as raças, crenças religiosas e convicções políticas. Nós nos mobilizamos pelo objetivo do desarmamento geral e irrestrito […] nós nos juntamos às mulheres de todo o mundo para questionar o direito de qualquer nação ou grupo de nações a possuir armas que permitam exercer o poder de decidir sobre a vida ou a morte sobre o mundo” ( Women Strike for Peace Records / The Swarthmore College Peace Collection, tradução minha). .

À exceção de Gellhron, tanto as escritoras quanto as ativistas estão implicadas numa mesma rede internacional de circulação de pessoas e ideias que promoveu seminários, encontros em diferentes partes do mundo e viagens de ativistas, jornalistas, artistas, advogadas e escritoras de variadas nacionalidades para as zonas de guerra.

Desse modo, o artigo organiza dois níveis de análise dedicados a reconstruir aspectos de um mesmo circuito no interior do qual noções de gênero, guerra e paz passaram a se implicar mutuamente, ajudando a organizar um imaginário político e cultural antiguerra. A investigação desse circuito permite analisar as variadas estratégias da WUL, da WU e da WSP para abrir espaços no debate público internacional sobre o conflito no Vietnã, bem como para buscar zonas de influência política especialmente em corpos diplomáticos ao redor do mundo e nos legislativos estaduais e federal dos EUA.

Com duração de vinte e um anos, a Guerra do Vietnã opôs forças militares norte-americanas, em aliança com o governo da então República do Vietnã do Sul, às forças de libertação e reunificação nacionais reunidas na Frente de Libertação Nacional, organizada principalmente, mas não exclusivamente, na República Democrática do Vietnã, no Norte do país5 5 A guerra eclodiu após a Conferência de Genebra (1954), que tanto celebrou o final da Guerra da Indochina (1947-1954) como dividiu o território vietnamita, reconhecendo, ao Norte, a República Democrática do Vietnã, com capital em Hanói, e instaurando, na zona ao Sul, o Estado do Vietnã, com capital na antiga Saigon, atual Ho Chi Minh City. .

As contingências do conflito também aprofundaram contradições derivadas dos processos de descolonização não apenas do país, mas também do então chamado Terceiro Mundo (Sohat, 1994; Afshar, 1996AFSHAR, Haleh (ed.). Women and politics in the third world. Londres; Nova Iorque, Routledge, 1996. ). A guerra ocupou, assim, o imaginário das lutas sociais e das demandas por direitos especialmente entre o final da década de 1960 e o início dos anos de 1970 em diferentes partes do mundo, mobilizando amplas e heterogêneas redes de solidariedade que incluíram movimentos pacifistas, anti-imperialistas e pelo direito à autodeterminação dos povos ( Maeda, 2012MAEDA, Daryl Joji. Rethinking the asian american movement. Routledge, 2012. ).

No caso dos Estados Unidos, um contexto interno marcado pela emergência de diferentes demandas por direitos civis e lutas antirracistas e feministas fez da guerra uma questão central não apenas para a política externa do país, como, especialmente, convulsionou aspectos de sua dinâmica interna, marcando o modo como demandas pela igualdade racial e de gênero foram percebidas, discutidas e disputadas (Swerdlow, 1992; Lucks, 2014; Nguyễn, 2016; Frazier, 2017FRAZIER, Jessica M. Women's antiwar diplomacy during the Vietnam War era. Chapel Hill, The University of North Carolina Press, 2017. ).

Embora não esteja no escopo deste artigo, é importante acentuar que mulheres norte-americanas e vietnamitas estiveram presentes nas zonas de guerra em posições variadas. Cerca de pouco mais de mil norte-americanas estiveram no Vietnã como não combatentes, isto é, atuaram como oficiais, enfermeiras ou médicas do Exército, da Força Aérea, da Marinha e Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA ( Norman,1990NORMAN, Elizabeth M. Women at war: the story of fifty military nurses who served in Vietnam. University of Pennsylvania Press, 1990. ; Stur, 2011STUR, Heather Marie. Beyond combat: women and gender in the Vietnam war era. Cambridge, University Press, 2011. ). Já as vietnamitas (tanto do Norte, quanto do Sul) estiveram organizadas em uma quantidade expressiva de unidades militares mistas ou exclusivamente femininas como Dong Phuong Hong women military platoon, Trang Liet women’s guerilla group, Ngu Thuy female artillery company e 8th March women’s artillery group , além de terem atuado em funções de logísticas e de apoio, totalizando um número aproximado de onze mil mulheres engajadas diretamente nos fronts de batalha (Chaguri; Paniz, 2019).

Retomando a epígrafe que abre esta introdução, observa-se que as mulheres norte-americanas e vietnamitas tomaram parte do conflito entre as duas nações de modo mais amplo e direto do que se deu com as mulheres inglesas durante a I Guerra Mundial. Como as duas próximas seções exploram, elas atuaram justamente nas variadas frentes descritas por Virginia Woolf em sua reflexão sobre os lugares ou possibilidades de ação de mulheres durante uma guerra.

2. Os textos, as ideias os fronts de batalha

Ao longo da Guerra do Vietnã, as administrações John F. Kennedy (1961-1963), Lyndon B. Johnson (1963-1969) e Richard Nixon (1969–1974) – em que pesem suas diferenças – justificaram o conflito alegando a necessidade de oferecer uma alternativa ao avanço do comunismo, expresso especialmente nas figuras de Ho Chi Minh e do Exército do Povo (ou Viet Cong , na terminologia norte-americana).

No entanto, a extensão do conflito no tempo e no espaço, bem como a generalidade e a vagueza dos objetivos a serem alcançados, aliada a um contexto interno de eclosão de movimentos por diretos civis e, no seu bojo, de debates sobre racismo, machismo, homofobia e imperialismo, tornaram a incursão norte-americana no país asiático controversa e alvo de inúmeras e persistentes críticas, que ganharam espaços nos jornais e nas ruas do país.

Ainda que em número consideravelmente menor do que o de homens, escritoras e jornalistas se tornaram correspondentes de guerra ou escreveram sobre o conflito para alguns dos maiores veículos de mídia daquele tempo, tais como The New York Times, National Broadcasting Company (NBC), Associated Press, Newsweek e United Press International (Elwood-Akers, 1988).

Para os temas e problemas aqui discutidos, foram recortados os textos de Mary Gellhorn, Mary McCarthy e Susan Sontag. As duas últimas viajaram aos fronts a partir de convite e intermediação da WU , ou seja, integram parte do esforço da organização em promover viagens de jornalistas, ativistas, advogadas e escritoras estrangeiras para Hanói e arredores, possibilitando visitas aos campos de batalha e o acompanhamento do cotidiano dos e das combatentes. Gellhorn, por sua vez, foi uma das vozes mais experientes a reportar a Guerra, tendo desembarcado no Vietnã como uma jornalista independente que já tinha na bagagem a atuação como correspondente da Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e da II Guerra Mundial (1939-1945).

Mary Gellhorn chegou ao Vietnã do Sul em 1966 numa viagem que deu origem a um conjunto de seis reportagens intituladas “A new kind of war”, com suas observações e reflexões a partir das incursões nos fronts e enfermarias de feridos que realizou no Sul do país. No período da viagem, a guerra já se estendia por doze anos e a polarização política em torno dela crescia em todo o mundo.

Nesse contexto, o retrato de Gellhorn sobre as enfermarias nas quais se cuidavam dos feridos de guerra do lado vietnamita revela a perplexidade e a resignação com a qual a população lidava com a violência do conflito:

os velhos inspiram piedade em sua perplexidade, os adultos parecem trancados em uma resignação distante, a ala das crianças é insuportável. Ninguém protesta ou reclama. Nós, brancos superalimentados, nunca saberemos qual é a sensação (Gellhorn apud Sheldon, 1999:285, tradução minha6 6 “the old are pitiful in their bewilderment, the adults seem locked in an aloof resignation, the children’s ward is unbearable. No one protests or complains. We big overfed white people will never know what the feel” (Gellhorn apud Sheldon, 1999:285). ).

As Forças Armadas e o governo norte-americano buscaram legitimar a incursão militar no país asiático por meio da bandeira do combate à expansão do comunismo, o que significaria tanto proteger a autonomia e a liberdade do povo vietnamita, especialmente da porção Sul do país, quanto fortalecer a segurança interna dos EUA por meio da contenção do avanço das zonas de influência da URSS pelo mundo no contexto da Guerra Fria. Como aponta um panfleto do Exército norte americano:

nós sabemos qual é nossa missão: estamos aqui para ajudar a salvar este país pequeno e valente – e com ele, todo o Sudeste Asiático – da agressão e opressão comunistas. Ao fazer isso, fortaleceremos a segurança dos Estados Unidos (Gellhorn apud Sheldon, 1999:283, tradução minha7 7 “we know what our mission is: we are here to help save this valiant little country, and with it all of South-East Asia, from Communist aggression and oppression. In doing so, we will strengthen the security of the United States itself” (Gellhorn apud Sheldon, 1999:283). ).

Gellhorn tomou como mote para suas reportagens justamente a noção de que se tratava de um novo tipo de guerra , isto é, “[...] é preciso tornar evidente que estamos em um novo tipo de guerra. E o nome deste novo jogo é muito maior do que apenas Morte aos Viet Congs ( 'Kill VC' ) […]” (Gellhorn apud Sheldon, 1999:284, tradução minha8 8 “ it should be plain to see that we’re in a new kind of war. And the name of this new game is much, much more than just ‘Kill VC’ (Vietcong) […] to really and truly and finally win this war, we must help the Government of South Vietnam win hearts and minds of the people of South Vietnam” (Gellhorn apud Sheldon, 1999:284). ). Como afirmava um panfleto de doutrinação das tropas norte-americanas transcrito pela autora: “para que seja possível, verdadeira e finalmente, vencer esta guerra, devemos ajudar o Governo do Vietnã do Sul a conquistar corações e mentes de seu povo” (Gellhorn apud Sheldon, 1999:283, tradução minha9 9 “[…] to really and truly and finally win this war, we must help the Government of South Vietnam win hearts and minds of the people of South Vietnam” (Gellhorn apud Sheldon, 1999:283). ).

Para além da morte do inimigo, a operação militar teria como objetivo privilegiado ganhar corações e mentes e, por essa via, combater a opressão e as agressões comunistas. Alertar sobre os riscos do comunismo significava, por extensão, ganhar corações e mentes para os estilos de viver e produzir associados à economia de mercado e ao capitalismo, o que, contudo, não poderia ser feito sem o emprego da violência direta.

Fechando sua série de reportagens, a experiente correspondente reflete justamente sobre essa estratégia de legitimação da violência de guerra e argumenta:

não somos maníacos e monstros; mas nossos aviões percorrem o céu dia e noite, nossa artilharia é farta e temos muito mais instrumentos e recursos para matar [...] esse é realmente um novo tipo de guerra [...] e é melhor encontrarmos um novo caminho para lutar contra isso. Afinal, corações e mentes vivem em corpos (Gellhorn apud Sheldon, 1999:288, tradução minha10 10 “we are not maniacs and monsters; but our planes range the sky all day and all night and our artillery is lavish and we have much more deadly stuff to kill with […] this is indeed a new kind of war [...] and we had better find a new way to fight it. Hearts and minds, after all, live in bodies” (Gellhorn apud Sheldon, 1999:288). ).

Ao destacar que as mentes e os corações a serem conquistados também habitavam corpos, a jornalista aponta para o fato de que estes estavam sendo aniquilados diante da desproporção de poderio militar entre as Forças Armadas dos EUA e uma população civil desarmada ou organizada em pelotões e grupos de artilharia mal equipados e com baixo treinamento militar11 11 Dados oficiais registram 58.214 membros das forças armadas dos EUA mortos em combates no Vietnã entre 1956 e 1975 ( National Archives, 2008) . Do lado vietnamita, as estatísticas não são precisas, mas há certo consenso em estimar, para o mesmo período, o número de 2 milhões e meio de mortos ( Rummel, 1997) . . Mary Gellhorn argumenta, assim, que os esforços do governo e das forças armadas norte-americanas para justificar e legitimar a guerra por meio da retórica da defesa do Vietnã do Sul contra as agressões e a opressão comunistas acabaram produzindo uma ambiguidade. De um lado, ajudaram a fomentar a noção de que se estava diante de uma guerra ideológica importante para a própria segurança nacional dos EUA – e, portanto, um novo tipo de guerra. De outro, pavimentaram o caminho para seu questionamento.

Passemos agora para a viagem da escritora e crítica Mary McCarthy que viajou ao Vietnã em fevereiro de 1967, a convite da WU . McCarthy escreveu uma série de ensaios publicados na The New York review of books , entre eles: “Report from Vietnam I: the home program” (20/04/1967); “Report from Vietnam II: the problems of success” (04/05/1967); “Report from Vietnam III: intellectuals” (18/05/1967), depois ampliados e reunidos no livro Vietnam, também de 1967. Ainda na mesma revista, a autora publicou “Hanoi-1968” (23/05/1968), “Hanoi II” (06/06/1968), “North Vietnam: the countryside” (20/06/1968), “North Vietnam: language” (11/07/1968)

O primeiro relato da escritora concentra-se na descrição de como a dinâmica da antiga Saigon (atual Ho Chi Min City ) não lhe causou estranheza, antes, teria sido rapidamente associada às imagens e aos estilos de vidas de cidades norte-americanas:

enquanto dirigíamos por entre um congestionamento de trânsito, no centro de Saigon, tive o choque de estar no que parecia ser uma cidade americana, uma cidade precária da Costa Oeste, com uma Chinatown e uma minoria asiática de olhos arregalados. Não havia apenas veículos militares de todos os tipos, mas também Chevrolets, Chryslers, Mercedes Benz, Volkswagens, Triumphs e homens brancos com camisas esportivas e calças justas, por todos os lugares (McCarthy, 1967a: s/p, tradução minha12 12 “as we drove into downtown Saigon, through a traffic jam, I had the fresh shock of being in what looked like an American city, a very shoddy West Coast one, with a Chinatown and a slant-eyed Asiatic minority. Not only military vehicles of every description, but Chevrolets, Chryslers, Mercedes Benz, Volkswagens, Triumphs, and white men everywhere in sport shirts and drip-dry pants” (McCarthy, 1967a:s/p) ).

Ao longo de seus textos, McCarthy descreve as variadas frentes de atuação do esforço de guerra norte-americano no país que, para além das operações militares, incluíam também o empenho de recursos econômicos para a promoção de estabilidade política para os grupos dirigentes da República do Vietnã do Sul, o que era feito, sobretudo, por meio de empréstimos e acordos de contrapartida para o financiamento de importações vietnamitas de equipamentos e produtos norte-americanos.

Importações que, de um lado, fortaleciam a indústria norte-americana e, por outro, visavam modificar os estilos de vida da população vietnamita, especialmente aqueles relativos aos hábitos alimentares, com a distribuição de enlatados para estimular o consumo de alimentos industrializados, bem como a distribuição de sementes e fertilizantes que demandavam formas diferentes de cultivo e de preparo da terra. De acordo com um oficial da então Joint United States Public Affairs Office (JUSPAO)13 13 Órgão que integrava diferentes agências de inteligência e comando militar para oferecer apoio integrado às Operações de Informação na República do Vietnã do Sul de 1965 a 1972. Forneceu orientações para uma série de assuntos públicos, diplomacia pública e operações psicológicas. em entrevista a McCarthy, tais iniciativas tinham como objetivo primário tornar os EUA e os norte-americanos populares na região, mas também correspondiam a um esforço orientando na seguinte direção: “estamos tentando afastá-los [os vietnamitas] da velha economia de troca e mostrar a eles uma economia de mercado. ‘Estamos ensinando a eles a livre iniciativa’” (McCarthy, 1967a:s/p, tradução minha14 14 “ we’re trying to wean them away from the old barter economy and show them a market economy. […] ‘We’re teaching them free enterprise’” (McCarthy, 1967a:s/p). ).

Em seu terceiro artigo, McCarthy assume uma postura aberta de crítica às operações militares norte-americanas no Vietnã, enfatizando que elas não se davam contra um exército organizado, mas contra o conjunto da população. Em seu argumento, seria necessário reconhecer que se tratava de uma guerra de guerrilha, ou seja, o alto comando das Forças Armadas e das Agências de Inteligência dos EUA teria que reconhecer que combatentes e não combatentes seriam praticamente inseparáveis, não havendo, portanto, bombardeio ou mortes que não assumissem o risco de atingir indiscriminadamente a população. Em suas palavras:

na visão americana, nenhum bombardeio aéreo implica premeditação dos resultados, enquanto todas as granadas lançadas por um Viet Cong são lançadas em conformidade com uma teoria e, portanto, possuem vontade e consciência (McCarthy, 1967b:s/p, tradução minha15 15 “in the American view, no area bombing implies premeditation of the results that follow, while every grenade hurled by a Viet Cong is launched in conformance with a theory and therefore possesses will and consciousness” (McCarthy, 1967b:s/p). ).

Como consequência, a autora aponta que as estratégias das Agências de Inteligência e do Comando Militar dos EUA passavam pelo reiterado esforço de desumanização dos combatentes vietnamitas, tratados e representados como um conjunto indistinto de inimigos, a despeito de suas idades, gênero ou posições ideológicas. Como também havia pontuado Gellhorn, afinal, o alvo da guerra era o comunismo e seu objetivo era conquistar corações e mentes para a economia de mercado.

Um ano depois de McCarthy, em 1968, Susan Sontag viajou para o Hanói, tendo publicado no mesmo ano o artigo “Trip to Hanoi. Notes on the enemy camp” na revista Esquire, posteriormente ampliado e transformado no livro Trip to Hanoi , lançado em 1969. Sontag começava a ganhar proeminência na vida intelectual e política norte-americana como crítica cultural e ensaísta, e sua viagem ocorreu num contexto no qual a violência da guerra havia crescido consideravelmente16 16 Entre fevereiro e outubro de 1968, duas operações militares deixaram enorme número de mortos e feridos: a Operação Toan Thang (ou Complete Victory ) das Forças Armadas dos EUA e a reação das forças vietnamitas na Tèt Offensive . A intensificação do conflito, bem como o aumento das redes de pressão internacionais pelo fim da guerra, levou o presidente Lyndon Johnson a ordenar, em março de 1968, a diminuição dos bombardeios ao norte do Vietnã e o completo cessar-fogo nessa região em outubro do mesmo ano ( Logevall, 2018) . . A escalada e a intensificação do conflito contribuíram para que os movimentos de oposição à Guerra começassem a estreitar diálogos e trocas com um conjunto variado de movimentos por direitos civis e de crítica ao capitalismo em diferentes partes do mundo, como será desenvolvido no próximo item.

Logo no início de seu artigo, Sontag observa que não era nem uma jornalista, nem uma ativista política (ainda que signatária de petições antiguerra). Na realidade, ela seria uma “uma escritora teimosamente não especializada [...] evoluindo em suas convicções políticas radicais, bem como seu senso de dilema moral de ser uma cidadã do Império americano” (Sontag, 1968:1, tradução minha17 17 “ Stubbornly unspecialized writer […] evolving radical political convictions and sense of moral dilemma at being a citizen of the American empire” (Sontag, 1968:1). ).

Colocando em perspectiva o fato de ser cidadã de um país que atuava de modo imperialista no conflito, Sontag avalia seu papel como escritora e o engajamento, por essa via, nos debates antiguerra, refletindo longamente sobre o convite que havia recebido para visitar o país e sobre a insistência dos(as) anfitriões(ãs) vietnamitas ligados a WU e a WUL em destacar os laços de amizade entre os dois povos. Sontag é a autora que mais explicita o contato que teve com as ativistas da WU e da WUL , o que permite observar uma importante estratégia das organizações no esforço de influenciar a opinião pública internacional em geral, e norte-americana em particular.

Se forças militares e políticas norte-americanas estavam no Vietnã disputando corações e mentes, a WU e a WUL realizavam esforços semelhantes, mobilizando atores intelectuais e políticos para visitarem e percorrerem zonas de conflito. Nos dois casos, as mentes e os corações a serem conquistados eram norte-americanos e vietnamitas (do Sul e do Norte) – e, de modo complementar, também dos demais povos do mundo num contexto marcado pela polarização da Guerra Fria.

Enquanto o lado norte-americano envolvido no conflito armado insistia em marcar as diferenças dos estilos de vida e dos modos de organização da política e da economia entre EUA e Vietnã do Norte para, por essa via, afirmar a superioridade do capitalismo sobre o comunismo, a WU e a WUL realizam esforços para mobilizar e atrair atores intelectuais e políticos norte-americanos que pudessem intervir nessa disputa. As visitas ao Vietnã, portanto, visavam a reforçar as semelhanças de princípios entre os dois povos, notadamente em valores como liberdade e igualdade, cujos conteúdos os políticos e os sentidos práticos estavam sendo disputados abertamente por variadas lutas por direitos civis nos Estados Unidos naquele momento.

Sontag, por exemplo, argumenta que, se por mais de quinze anos as palavras “capitalismo” e “imperialismo” haviam lhe parecido mortas, o contexto da Guerra do Vietnã teria feito emergir conflitos e impasses que os dois termos – “elementos de uma linguagem marxista ou neo-marxista” (Sontag, 1968:5) – permitiam iluminar e esclarecer. Afirmando que os termos seriam novamente incorporados ao seu repertório crítico e analítico, a autora ajudou a colocá-los em circulação, diminuindo os estigmas intelectuais de categorias e conceitos associados ao marxismo nos EUA ( Buhle, 1987BUHLE, Paul. Marxism in the United States: remapping the history of the American left. London, Verso, 1987. ).

Na leitura dos textos de Sontag, é possível observar que as trocas intelectuais e a observação da dinâmica da cidade de Hanói em meio à guerra auxiliaram a escritora a repensar seu vocabulário, incorporando modos de falar e de interpretar o mundo social cujo efeito-chave é a desestabilização das associações entre marxismo-comunismo-opressão, base sobre a qual a operação militar norte-americana procurava assentar sua legitimidade. Desse modo, os escritos de Sontag e sua intervenção no debate público norte-americano ajudam a fomentar e a fortalecer uma gramática política que possibilitou a incorporação aos debates de questões relativas ao direito à autodeterminação dos povos, tema caro e especialmente importante para os objetivos da WU e da WUL .

Lidos em conjunto, os escritos de Mary Gellhorn, Mary McCarthy e Susan Sotang demonstram o modo como alguns dos termos do debate sobre a Guerra do Vietnã foram sendo organizados, circunscrevendo especialmente reflexões em torno de tópicos como o imperialismo, a luta anticomunista e a assimetria de forças entre as partes em guerra. Ao destacarem que a Guerra do Vietnã, com seus mortos, perdas e tragédias, corresponderia a uma cruzada ideológica e moral contra o comunismo, as autoras colaboram com os esforços da WU e da WUL no sentido de humanizar os vietnamitas – e, por extensão, o comunismo, permitindo aberturas legitimá-lo como modo de organização da política, da economia e da sociedade.

Como os indícios acima apontam, o patrocínio de viagens de intelectuais norte-americanas feitas pela WU e pela WUL , bem como a possibilidade de circulação franqueada às autoras entre os fronts, enfermarias e cotidianos de cidades e vilarejos afetados pela guerra ajudou a produzir ideias, argumentos e imagens que passaram a preencher o imaginário cultural e político sobre a Guerra do Vietnã no Ocidente.

Ao destacarem a desproporção de forças entre norte-americanos e vietnamitas, bem como ao enfatizarem os objetivos difusos e a dimensão ideológica de uma guerra por “corações e mentes”, os modos como Mary Gellhorn, Mary McCarthy e Susan Sontag compreenderam e narraram o conflito contribuíram para a promoção de associações sucessivas entre ele e o imperialismo norte-americano, ponto que também ganhava força entre diferentes movimentos contestatórios, especialmente aqueles baseados em raça e gênero, do país.

No que interessa aos temas aqui abordados, é possível observar a convergência entre tais modos de falar sobre a guerra e os ativismos de mulheres norte-americanas, evidenciando a dimensão reflexiva das interações entre ideias e sociedade, isto é, as múltiplas relações entre os modos de narrar e descrever o mundo social e o ativismo e os confrontos políticos, impactando o modo pelo qual diferentes ideias e ações coletivas foram produzidas, disputadas e colocadas em circulação naquele contexto. De modo específico, importa notar que essa rede ajudou a projetar mulheres norte-americanas como sujeitos políticos e intelectuais importantes para o modo como as controvérsias públicas sobre a guerra foram se desenvolvendo nos jornais e revistas semanais norte-americanas.

3. A nação e a casa: gênero e domesticidade na guerra

Foi também a convite da Women’s union of liberation e da Women's union que ativistas como Dagmar Wilson18 18 Ativista e fundadora da Women Strike for Peace . e Mary Clarke19 19 Ativista e coordenadora da Women Strike for Peace para a Costa Oeste dos Estados Unidos. , do Women’s Strike for Peace , viajaram ao Vietnã para percorrer fronts, enfermarias, cidades e vilarejos atingidos pela guerra. Ambas ainda estabeleceram contatos com variadas associações ou comitês de mulheres vietinamitas, tais como Women’s committee for the right to live in peace and dignity; Vietnamese women demand living rights; Soldier’s mothers associations ( Women Strike for Peace Records / The Swarthmore College Peace Collection ).

Tanto a WLU quanto a WU reuniam mulheres vietnamitas do Norte e do Sul, havendo prevalência na segunda de ativistas do Norte, pois essa organização era vinculada ao Partido Comunista do Vietnã. Fundada em 1935, a WU reunia uma variedade maior de gerações de militantes comunistas, com remanescentes das lutas militares e das campanhas civis realizadas durante da Guerra da Indochina (1947-1954).

No momento de eclosão da Guerra do Vietnã, as duas organizações contavam com um número considerável de mulheres com formação em cursos superiores, especialmente advogadas, professoras e jornalistas. Num contexto marcado pela organização da República Socialista no Norte e pelos impactos da Guerra da Indochina para o conjunto da população vietnamita, as associações entre tais ocupações profissionais e origens sociais privilegiadas precisam ser nuançadas. Sem possuir dados detalhados sobre origens sociais e condição de classe dessas mulheres, é importante pontuar que suas formações profissionais podem ser consequência de estratégias de formação de quadros políticos por parte do PCV, ou, ainda, podem guardar relação com as circunstâncias da Guerra da Indochina, que mobilizou especialmente homens jovens, abrindo espaço para que mulheres jovens ocupassem os bancos escolares e universitários.

Já a norte-americana WSP era uma organização formada predominantemente por donas de casa norte-americanas de classe média, especialmente brancas e cuja ação política se dava, sobretudo, em torno de bandeiras sobre o desarmamento, a maternidade e a paz ( Evans, 2003EVANS, Sara. Tidal wave: the story of the modern women’s movement and how it continues to change America. New York, Free Press, 2003. ). Ao conectar esses três elementos, o grupo reivindicava o direito das mães a ambientes pacíficos e seguros para seus filhos, fossem eles crianças ou em idade para o alistamento militar. O grupo foi constituído no contexto dos variados movimentos norte-americanos de oposição à corrida nuclear e à Guerra do Vietnã e promoveu diferentes marchas e protestos pelos EUA, além de se dedicar de modo particularmente ativo ao lobby político e à pressão legal sobre congressistas estaduais e federais, fosse pelo fim da Guerra, fosse pelos direitos de mães cujos maridos ou filhos morriam ou se feriam em combate.

Além de visitas às zonas de guerra no Vietnã, as três organizações também promoveram congressos em diferentes partes do mundo, em ações que se concentraram especialmente na segunda metade da década de 1960 e início dos anos de 1970. Em 1965, organizam a Jakarta Meeting , conferência de quatro dias na capital da Indonésia, dedicada ao debate e apontamento daquilo que haveria de comum nas experiências e modos de vidas das mulheres dos dois países. Três anos depois do encontro em Jacarta, em 1968, as três organizações promoveram nova conferência, Paris conference of concerned women to end the war , reunindo ativistas australianas, canadenses, inglesas, japonesas e alemãs durante três dias20 20 Duas semanas após essa conferência, as conversas formais para um acordo de paz foram iniciadas na capital francesa, chegando a termo apenas sete anos depois, em 1975. Vale destacar que, no lado vietnamita, o Acordo de Paris que celebrou o cessar fogo foi assinado por Nguyen Thi Binh, membro do PCV e Ministra das Relações Exteriores do Governo Provisório Revolucionário do Vietnã do Sul. . Em abril de 1971, foi organizada nova reunião, agora no Canadá, para discutir os efeitos da Guerra do Vietnã na vida cotidiana das mulheres, fossem elas diretamente atingidas pelo conflito, como era sobretudo o caso das vietnamitas e das norte-americanas, ou não21 21 As conferências foram realizadas de 1 a 6 de abril em Vancouver e de 7 a 12 de abril em Toronto, Canadá ( Frazier, 2017: 172). .

A essa altura, o conflito já se estendia por dezessete anos, e esteve cada vez mais em questão discutir os caminhos para a construção de solidariedades entre mulheres de diferentes partes do mundo, o que, contudo, enfrentou controvérsias e disputas relacionadas, sobretudo, às diferenças raciais e à desigualdade entre nações. Entre controvérsias teóricas e políticas, os debates sobre a guerra e o cotidiano de mulheres ajudaram a organizar os modos pelos quais especialmente ativistas e movimentos de mulheres norte-americanos passaram a descrever a opressão que experimentavam como cidadãs dos Estados Unidos ( Evans, 1980EVANS, Sara. Personal politics: the roots of women’s liberation in the civil rights movement and the new left. New York, Vintage Books Edition, 1980.: 170).

A oposição à guerra e a tomada de posições pacifistas e anti-imperialistas das três organizações comportaram as contingências da história e as especificidades dos variados contextos, bem como a posicionalidade dos atores ( Crenshaw, 1989CRENSHAW, Kimberlé. Demarginalizing the intersection of race and sex: a black feminist critique of antidiscrimination doctrine, feminist theory and antiracist politics. University of Chicago Legal Forum, issue 1, article 8, 1989, pp.139-167. ; Collins, 1993COLLINS, Patricia Hill. Toward a new vision: race, class, and gender as categories of analysis and connection. Race, Sex & Class, v.1, n.1, 1993, pp.25-45. ) nas redes de contato estabelecidas entre elas. O esforço de produzir alianças internacionais no contexto de guerra tensionou noções sobre igualdade e diferença no interior dos próprios movimentos de mulheres, desestabilizando conteúdos universalistas que pudessem qualificar a posição social das mulheres na sociedade, bem como caracterizar seus direitos.

Trata-se de um tensionamento que, no caso norte-americano, também esteve marcado pelos debates, polêmicas e ações políticas no contexto do fenômeno social de emergência da segunda onda do feminismo norte-americano. A profusão de publicações, editoras e ativismos organizados em torno de motes como “sisterhood is powerful” e “personal is political” e em movimentos como, por exemplo, Women’s Liberation Movement, Redstockings of the Women's Liberation Movement, National Organization for Women (NOW) ajudou a deslocar questões relativas à raça, classe e nacionalidade para o primeiro plano das discussões e da mobilização política e social.

Tais questões trouxeram impasses e dilemas adicionais, pois controvérsias entre feministas liberais, negras, socialistas, anti-imperialistas ou radicais precisavam ser apaziguadas na medida em que se buscava uma aliança para o enfrentamento à guerra. O questionamento e a recusa à universalidade da identidade política “mulher” realizada a partir das variadas posicionalidades referidas às diferenças de raça e ao pertencimento nacional (ponto especialmente sensível no contexto de guerra), fez com que WU, WUL e WSP passassem a apostar na construção de outro ponto comum que, surpreendentemente, mobilizava outro universalismo associado à condição feminina, qual seja, a maternidade.

Ponto polêmico nos debates feministas do período nos Estados Unidos, a maternidade foi centro de inúmeros debates e antagonizou especialmente alas radicalizadas do movimento feminista em grandes cidades do país e movimentos de mulheres mais interiorizados. Por exemplo, Shulamith Firestone, no artigo “The Jeanette Rankin Brigade: woman power?” (1968), escrito para a The New York Radical Women , expressa de modo categórico a oposição das feministas radicais norte-americanas às associações entre maternidade e movimento de mulheres, argumentando que tais mulheres mobilizariam seus lutos como esposas ou mães, originando reações passivas “às ações dos homens, em vez de se organizarem como mulheres para mudar essa definição de feminilidade para algo que não seja sinônimo de fraqueza, impotência política e lágrimas”. Em discurso proferido em encontro de grupos de feministas radicais na cidade de Nova Iorque em 15 de fevereiro de 1968, outra ativista de grande projeção, Anne Koedt, defendeu a necessidade de libertar as mulheres dos papeis domésticos como única via de superação da dominação masculina (Koedt, 1968).

Evidentemente, não se trata da única identidade política passível de ser construída, mas, no contexto do enfrentamento à guerra, a maternidade permitiu articular demandas jurídicas e lutas políticas que tiveram na paz e no pacifismo seus mais fortes argumentos funcionais. A identidade política de mãe foi capaz de produzir alianças efetivas e duradouras entre ativistas brancas e não brancas, de nações imperialistas ou do Terceiro Mundo. Ao analisar as múltiplas bases de identidade que marcam as experiências sociais dessas ativistas, importa observar que a associação entre a guerra, a domesticidade e vida privada ajudou a orientar as estratégias de intervenção de tais organizações no debate público internacional sobre a Guerra do Vietnã. A experiência da maternidade e a identidade política de mãe foram mobilizadas como espaços de reconhecimento mútuo entre as ativistas, estabilizando as bases políticas para a construção de reivindicações de demandas a órgãos multilaterais ou a Estados Nacionais22 22 Para o debate sobre mobilização e ação coletiva, ver Tilly (2010) . Para o debate sobre experiência, ver Scott (1998); Brah (2006) . .

Tal estratégia também aponta, por outro lado, que a negociação de fronteiras entre o público e o privado esteve presente de modo bastante ativo nesse contexto. A WU , por exemplo, foi responsável por mobilizações de amplo alcance e impacto como o Movimento das três responsabilidades, lançado em 22 de março de 1965, durante o Congresso Anual da Women’s Union . Cunhado por Ho Chi Minh, o lema do Movimento, “good at housework and working for the state” , ajuda a compreender a reelaboração dos papéis de gênero imaginada, isto é, mulheres igualmente disponíveis para a vida doméstica e para o trabalho no e para o Estado. A valoração equivalente entre ambos, no entanto, menos do que aponta para uma equidade de gêneros ou da relação entre eles, indica que lutar, produzir e cuidar tornam-se partes interligadas de uma mesma responsabilidade que as mulheres possuiriam, prioritariamente, com a nação (Chaguri, Paniz, 2019).

Outras organizações de mulheres também se mobilizam a partir da identificação enquanto esposas ou mães, tais como a norte-americana National league of families of american prisoners and missing in Southeast Asia e o núcleo que ficou conhecido como League of wives , além da vietnamita Soldier’s mothers associations . A primeira notabilizou-se como uma ampla rede sobretudo de advocacia e lobby dirigidos basicamente ao governo norte-americano, demandado a localização e o repatriamento de corpos dos maridos mortos em combate ou transformados em prisioneiros de guerra; já a segunda construiu uma rede de capilaridade nacional, constituída por diversas organizações comunitárias locais inicialmente dedicadas à assistência de mães que perderam seus filhos em combate, mesmo objetivo da Soldier’s mothers associations.

As interações face a face entre mulheres de lados opostos do conflito não estiveram marcadas por divergências ideológicas entre comunismo e capitalismo, ao contrário do que se dava em relações semelhantes estabelecidas por organizações e órgãos associadas à política oficial das duas partes em conflito. No caso das mulheres, tais relações sociais estiveram atravessadas por diferenças associadas à nacionalidade e à raça que foram equalizados por meio da identidade política de mãe. Seus ativismos, lutas e as ideias estiveram marcadas por controvérsias entre os espaços do embate público, do conflito armado e da domesticidade, tornando gênero, guerra e paz termos que passam a se qualificar mutuamente.

4. Conclusão

Como visto até aqui, a guerra ajudou a catalisar e conectar diferentes ativismos de mulheres e variações de lutas feministas, anticoloniais, anti-imperialistas e antirracistas, num movimento que pode ser lido como uma “manifestação de contradições estruturais, agravadas por problemas conjunturais” ( Galvão, 2011GALVÃO, Andréia. Marxismo e movimentos sociais. Crítica marxista, v. 32, n.1, Campinas, SP, 2011, pp.107-126 [https://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/artigo235artigo5.pdf - acesso em: 03.mar.2020].
https://www.ifch.unicamp.br/criticamarxi...
: 112), no caso, a própria guerra. Ou seja, ao participarem da guerra, as mulheres passaram a confrontar, ativamente e de modo interconectado, alguns dos problemas centrais de suas respectivas sociedades nacionais.

A produção de consensos que pudessem amparar uma aliança horizontal e inclusiva entre mulheres de lados opostos na geopolítica da guerra, no entanto, foi parcial e fez aflorar debates sobre colonialismo, imperialismo e racismo que marcariam as experiências individuais e coletivas das organizações, das jornalistas e das escritoras aqui analisadas. Por exemplo, no caso das últimas, ainda que a questão da maternidade não tenha se colocado em suas reflexões, elas tomaram parte desse trânsito internacional: suas próprias ideias estiveram marcadas pela reflexão sobre os significados de seus pertencimentos nacionais a um dos polos do conflito, o que modificou modos de falar sobre a guerra e sobre o contexto político e social que experimentavam.

Vistas em conjunto, a ação política e a produção de ideias a ela relacionada desestabilizaram noções de igualdade e diferença, tornando-as interdependentes, ainda que em tensão. Assim, ao participarem da guerra, diferentes ativistas, escritoras e jornalistas encaram, de modos variados, os paradoxos implicados não apenas nas diferenças de gênero, mas, especialmente, na construção de alianças duráveis e igualitárias entre mulheres.

Como aponta Joan Scott (1998b), se disputar a igualdade a partir da afirmação da diferença de gênero é indício-chave de que as mulheres apenas têm o paradoxo a oferecer, o caso aqui analisado demonstra que uma articulação internacional de oposição à guerra foi construída conforme a identidade política de mãe foi universalizada no interior de alianças internacionais de ativismos, promovendo conexões entre a maternidade, o cuidado e a paz. Ao reivindicarem o direito de cuidar dos filhos e das famílias num ambiente de paz, esteve em questão também a demanda dessas mulheres pelo pacifismo como política internacional.

Gênero, guerra e paz foram articulados porque tornaram inteligíveis dimensões comuns e compartilhadas da experiência, e não exatamente porque faziam remissão a uma condição natural do feminino. Analiticamente, tal movimento permite observar tanto os processos de diferenciação quanto os de identificação na base da constituição da ação coletiva, da construção de identidade políticas e da produção das ideias aqui abordados. Apontam, ainda, que a despeito dos esforços de universalização da categoria mulher, o feminismo como política e como sistema de ideias é marcado, como dito anteriormente, por controvérsias que o tornam contextual, em que pese seu enfrentamento de questões estruturais.

Em balanço sobre a segunda onda do feminismo, Nancy Fraser aponta, por exemplo, que ele “surgiu como parte de um projeto emancipatório mais amplo, onde as lutas contra injustiças de gênero estão necessariamente ligadas às lutas contra o racismo, o imperialismo, a homofobia e a dominação de classes [...]” (Fraser, 2019:35). Observando o fenômeno social de emergência dessa onda a partir da Guerra do Vietnã, é possível notar como os debates em torno do imperialismo e da oposição entre capitalismo e comunismo foram convertidos em balizas-chave para a formulação e contestação de noções de justiça de gênero e de direito de mulheres.

Tais dissensos, debates e questionamentos, tal como sugere Seyla BenHabib (2002)BENHABIB, Seyla. The claims of culture: equality and diversity in the global era. Princeton, Princeton University Press, 2002. , constituem as lutas pelo poder, pela simbolização e pela significação por meio das quais torna-se possível participar publicamente da interpretação da cultura. Lendo a cultura também como materialidade, isto é, como espaço próprio de elaboração e organização dos modos de vida, as variadas formas pelas quais mulheres norte-americanas e vietnamitas (do Norte ou do Sul) participaram da guerra evidenciam os alcances e os limites das alianças internacionais entre mulheres de diferentes nacionalidades e, especialmente, de mulheres cujas experiências são marcadas por assimetrias econômicas e diferenças quanto às possibilidades de se fazer ver e ouvir.

Se, historicamente, as mulheres permaneceram fora do tempo ou do acontecimento (Perrot, 2005:9), em um universo socialmente confinado, e restritas a falar sobre os “momentos que não se narram, momentos que não se notam” ( Souza, 2009SOUZA, Gilda de Mello. Exercícios de leitura. São Paulo, Duas Cidades; Ed.34., 2009 [1980].: 100), aponta-se aqui que, ao participarem da Guerra do Vietnã, mulheres integraram a disputa pública pela guerra e, em função disso, converteram suas ideias e ativismos em marcos importantes desse contexto, produzindo uma imaginação sobre ela (Sheldon, 1999).

Evidentemente, não se trata da única força social e política a fazê-lo, sendo possível apontar, por exemplo, a atuação do Black Panther Party na denúncia daquilo que o movimento qualificava como um ataque imperialista do governo norte-americano a outro povo não branco ( Dumbrell, 2012DUMBRELL, John. Rethinking the Vietnam war. Houndmills, Basingstoke, Hampshire, Palgrave Macmillan, 2012.: 306). Ainda no âmbito do movimento pelos direitos civis, o engajamento de lideranças como Stokely Carmichael, Malcolm X e Martin Luther King Jr.23 23 Um dos marcos da atuação do reverendo foi o discurso “ Declaration of independence form the war in Vietnam” realizado em 04 de abril de 1967 no púlpito da Manhattan’s Riverside Church , Nova Iorque. também ajudaram, especialmente a partir da segunda metade da década de 1960, a fazer convergir lutas anti-racistas e lutas anti-imperialistas, demonstrando a amplitude e a variedade de movimentos envolvidos nas reivindicações pelo fim da guerra24 24 O recrutamento de homens negros para a guerra do Vietnã foi especialmente amplo durante a administração de Lyndon Johnson (1963-1969) e ajudou a promover tal convergência. Progressivamente, lemas como “Black Power” foram sendo alargados, passando a comportar noções de uma irmandade entre povos não brancos na resistência à opressão e à violência imperialistas ( Graham, 2003 ; Black, 2006) . .

Para os temas aqui tratados, no entanto, o foco está em ler a história da guerra como a história da produção da diferença baseada em gênero, o que implica no reconhecimento da existência de variadas formas de se participar de um tempo. Metodologicamente, trata-se de apontar que os temas, as categorias e os repertórios de ação coletiva acionados para narrar e disputar os sentidos da guerra não possuem significado crescente, cumulativo e estável ao longo do tempo, ao contrário, tais significados dependem das controvérsias e das experiências – individuais e coletivas – das quais também são compostos os processos sociais (Botelho; Hoelz, 2018).

No contexto da rede internacional de jornalistas, escritoras e ativistas aqui analisada, nota-se que, coletivamente, as mulheres não estiveram além ou aquém do tempo, sendo possível ler a explosão feminista (Holanda, 2018) que marcou o período como expressão de um contexto político e cultural no qual o ativismo, a escrita e as ideias de mulheres atuaram coletivamente sobre os modos pelos quais usualmente se fala acerca do poder e da dominação, o que, no caso aqui analisado, significou a produção de consensos e de controvérsias em torno de questões como gênero, imperialismo, guerra e paz.

Agradecimentos

Este artigo é resultado da pesquisa “As guerras das mulheres: ativismo, produção e circulação das ideias na Guerra do Vietnã (1954-1975)” financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e conduzido na Brown University. Agradeço às sugestões dos(as) pareceristas que muito contribuíram para o aprimoramento da versão final do texto. Também agradeço a Sávio Cavalcante e a Elizabeth Cancelli e seu grupo de pesquisa, cujas leituras ajudaram a aprofundar argumentos aqui apresentados.

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  • 1
    Sobre a participação de mulheres na Guerra Civil Espanhola, ver Fyrth & Alexander (2008)FYRTH, J.; ALEXANDER, S. Women's voices from the Spanish Civil War. London, Lawrence & Wishart, 2008. ; Lines (2011). Para a II Guerra Mundial: Summerfield (1998)SUMMERFIELD, Penny. Reconstructing women's wartime lives: discourse and subjectivity in oral histories of the Second World War. Manchester University Press, 1998. ; Schneider (2015)SCHNEIDER, Karen. Loving arms: British women writing the Second World War. University Press of Kentucky, 2015. ; Aleksiévitch (2016)ALEKSIÉVITCH, Svetlana. A guerra não tem rosto de mulher. São Paulo, Companhia das Letras, 2016. .
  • 2
    Fundada em 1960, as ações da WUL estiveram voltadas para a derrubada da República Democrática do Vietnã e, consequentemente, para a reunificação do país. Embora a presença de membros do PCV fosse ampla tanto na WUL como na NFL, nenhuma das duas organizações estava formalmente ligada ao partido.
  • 3
    Fundada em 1935, a WU aglutinou um conjunto variado de atividades associativas de mulheres, impulsionando uma articulação progressiva entre luta anticolonial, comunismo e autonomia feminina. A organização permanece ativa até os dias de hoje e, entre outras frentes de atuação, é mantenedora do Museu da Mulher Vietnamita, em Hanói, cuja parte do acervo é dedicada a reconstruir a participação das mulheres nos variados conflitos e guerras enfrentadas pelo país ao longo de sua história.
  • 4
    Fundada em 1961, a WSP advogou pelo pacifismo e pela desmilitarização. Por ocasião de sua primeira conferência nacional em 1962, na cidade de Ann Arbor, Michigan, o movimento emitiu a seguinte declaração: “nós somos mulheres de todas as raças, crenças religiosas e convicções políticas. Nós nos mobilizamos pelo objetivo do desarmamento geral e irrestrito […] nós nos juntamos às mulheres de todo o mundo para questionar o direito de qualquer nação ou grupo de nações a possuir armas que permitam exercer o poder de decidir sobre a vida ou a morte sobre o mundo” ( Women Strike for Peace Records / The Swarthmore College Peace Collection, tradução minha).
  • 5
    A guerra eclodiu após a Conferência de Genebra (1954), que tanto celebrou o final da Guerra da Indochina (1947-1954) como dividiu o território vietnamita, reconhecendo, ao Norte, a República Democrática do Vietnã, com capital em Hanói, e instaurando, na zona ao Sul, o Estado do Vietnã, com capital na antiga Saigon, atual Ho Chi Minh City.
  • 6
    “the old are pitiful in their bewilderment, the adults seem locked in an aloof resignation, the children’s ward is unbearable. No one protests or complains. We big overfed white people will never know what the feel” (Gellhorn apud Sheldon, 1999:285).
  • 7
    “we know what our mission is: we are here to help save this valiant little country, and with it all of South-East Asia, from Communist aggression and oppression. In doing so, we will strengthen the security of the United States itself” (Gellhorn apud Sheldon, 1999:283).
  • 8
    it should be plain to see that we’re in a new kind of war. And the name of this new game is much, much more than just ‘Kill VC’ (Vietcong) […] to really and truly and finally win this war, we must help the Government of South Vietnam win hearts and minds of the people of South Vietnam” (Gellhorn apud Sheldon, 1999:284).
  • 9
    “[…] to really and truly and finally win this war, we must help the Government of South Vietnam win hearts and minds of the people of South Vietnam” (Gellhorn apud Sheldon, 1999:283).
  • 10
    “we are not maniacs and monsters; but our planes range the sky all day and all night and our artillery is lavish and we have much more deadly stuff to kill with […] this is indeed a new kind of war [...] and we had better find a new way to fight it. Hearts and minds, after all, live in bodies” (Gellhorn apud Sheldon, 1999:288).
  • 11
    Dados oficiais registram 58.214 membros das forças armadas dos EUA mortos em combates no Vietnã entre 1956 e 1975 ( National Archives, 2008)NATIONAL ARCHIVES. Vietnam Conflict Extract Data File. Vietnam War U.S. Military Fatal Casualty Statistics, 2008 [https://catalog.archives.gov/id/2240992 - acesso em: 02 abr. 2020].
    https://catalog.archives.gov/id/2240992...
    . Do lado vietnamita, as estatísticas não são precisas, mas há certo consenso em estimar, para o mesmo período, o número de 2 milhões e meio de mortos ( Rummel, 1997)RUMMEL, R. J. Statistics of Vietnamese democide estimates, calculations, and sources. Statistics of democide. Charlottesville, Virginia, Center for National Security Law, School of Law, University of Virginia, 1997. .
  • 12
    “as we drove into downtown Saigon, through a traffic jam, I had the fresh shock of being in what looked like an American city, a very shoddy West Coast one, with a Chinatown and a slant-eyed Asiatic minority. Not only military vehicles of every description, but Chevrolets, Chryslers, Mercedes Benz, Volkswagens, Triumphs, and white men everywhere in sport shirts and drip-dry pants” (McCarthy, 1967a:s/p)
  • 13
    Órgão que integrava diferentes agências de inteligência e comando militar para oferecer apoio integrado às Operações de Informação na República do Vietnã do Sul de 1965 a 1972. Forneceu orientações para uma série de assuntos públicos, diplomacia pública e operações psicológicas.
  • 14
    we’re trying to wean them away from the old barter economy and show them a market economy. […] ‘We’re teaching them free enterprise’” (McCarthy, 1967a:s/p).
  • 15
    “in the American view, no area bombing implies premeditation of the results that follow, while every grenade hurled by a Viet Cong is launched in conformance with a theory and therefore possesses will and consciousness” (McCarthy, 1967b:s/p).
  • 16
    Entre fevereiro e outubro de 1968, duas operações militares deixaram enorme número de mortos e feridos: a Operação Toan Thang (ou Complete Victory ) das Forças Armadas dos EUA e a reação das forças vietnamitas na Tèt Offensive . A intensificação do conflito, bem como o aumento das redes de pressão internacionais pelo fim da guerra, levou o presidente Lyndon Johnson a ordenar, em março de 1968, a diminuição dos bombardeios ao norte do Vietnã e o completo cessar-fogo nessa região em outubro do mesmo ano ( Logevall, 2018)LOGEVALL, Fredrik. Why Lyndon Johnson dropped out. The New York Times, March 24, 2018 [https://www.nytimes.com/2018/03/24/opinion/lyndon-johnson-vietnam.html. Aceso em 20.out.2018. - acesso em: 10 abr. 2020].
    https://www.nytimes.com/2018/03/24/opini...
    .
  • 17
    Stubbornly unspecialized writer […] evolving radical political convictions and sense of moral dilemma at being a citizen of the American empire” (Sontag, 1968:1).
  • 18
    Ativista e fundadora da Women Strike for Peace .
  • 19
    Ativista e coordenadora da Women Strike for Peace para a Costa Oeste dos Estados Unidos.
  • 20
    Duas semanas após essa conferência, as conversas formais para um acordo de paz foram iniciadas na capital francesa, chegando a termo apenas sete anos depois, em 1975. Vale destacar que, no lado vietnamita, o Acordo de Paris que celebrou o cessar fogo foi assinado por Nguyen Thi Binh, membro do PCV e Ministra das Relações Exteriores do Governo Provisório Revolucionário do Vietnã do Sul.
  • 21
    As conferências foram realizadas de 1 a 6 de abril em Vancouver e de 7 a 12 de abril em Toronto, Canadá ( Frazier, 2017FRAZIER, Jessica M. Women's antiwar diplomacy during the Vietnam War era. Chapel Hill, The University of North Carolina Press, 2017.: 172).
  • 22
    Para o debate sobre mobilização e ação coletiva, ver Tilly (2010)TILLY, Charles. Regimes and repertoires. Chicago, University of Chicago Press, 2010. . Para o debate sobre experiência, ver Scott (1998); Brah (2006)BRAH, Avtar. Diferença, diversidade, diferenciação. cadernos pagu (26), Campinas, Sp, Nùcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2006, pp.329-376 [http://www.scielo.br/pdf/cpa/n26/30396.pdf – acesso em:25.mar.2020].
    http://www.scielo.br/pdf/cpa/n26/30396.p...
    .
  • 23
    Um dos marcos da atuação do reverendo foi o discurso “ Declaration of independence form the war in Vietnam” realizado em 04 de abril de 1967 no púlpito da Manhattan’s Riverside Church , Nova Iorque.
  • 24
    O recrutamento de homens negros para a guerra do Vietnã foi especialmente amplo durante a administração de Lyndon Johnson (1963-1969) e ajudou a promover tal convergência. Progressivamente, lemas como “Black Power” foram sendo alargados, passando a comportar noções de uma irmandade entre povos não brancos na resistência à opressão e à violência imperialistas ( Graham, 2003GRAHAM, Herman. The Brothers' Vietnam War: black power, manhood, and the military experience. Gainesville, University Press of Florida, 2003. ; Black, 2006)BLACK, Samuel W. Soul Soldiers: African Americans and the Vietnam Era. Western Pennsylvania History, v. 1918-2018, 2006, pp.22-31. .

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    04 Maio 2020
  • Aceito
    29 Out 2020
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