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Entre eleitoras e elegíveis: as mulheres e a formação do eleitorado na democracia brasileira - quem vota? quem se candidata?

Between Voters and Eligible Candidates: Women and The Making of The Electorate in Brazilian Democracy - Who Votes? Who is a Candidate?

Resumos

Este artigo examina a formação do eleitorado brasileiro nas constituições, nas leis eleitorais e numa literatura histórica específica, observando o tratamento dado aos/às cidadãos/ãs brasileiros/as como eleitores e elegíveis e a formação estatutária do filiado partidário. Nessa abordagem afloram as formas de exclusão e inclusão a que foram submetidas as mulheres brasileiras, quais estratégias elas usaram para transpor a discriminação contida nas leis e suas conquistas de cidadania política, abrindo espaço pela exigência à educação formal, pela diversidade da carreira profissional e pela revisão do Código Civil. Gradualmente, os obstáculos à participação política das brasileiras foram cassados, com as denúncias dos movimentos feministas e das mulheres letradas que exigiam a reformulação das leis e a garantia constitucional dos seus direitos. O autoritarismo e a democracia alternaram-se nos anos republicanos brasileiros, dando margem a surtos de mudanças - registradas pelas regras eleitorais que passaram a qualificar as brasileiras com o estatuto de eleitoras e elegíveis. Foram utilizadas fontes primárias (constituições, códigos eleitorais e os estatutos atuais dos partidos) e secundárias, para avaliar o desenvolvimento da cidadania política (ativa e passiva), a formação do eleitorado (ser eleitor e elegível), do candidato sem vínculo partidário (Império) e no interior dos partidos (filiações), com a implantação da República.

Eleitorado Brasileiro; Mulheres; Leis Eleitorais; Participação; Cidadania Política


This proposal examines the making of the Brazilian electorate through analysis of the country's constitutions and electoral laws, as well as a specific historical literature, noting how Brazilian citizens - women and men - are considered as voters and as eligible persons, as well as the legal training related to party affiliation. This approach sheds light on forms of exclusion and inclusion that affect Brazilian women, women's strategies in overcoming legal discrimination, and the political achievements that paved the way to access to formal education, to diverse careers and to the revision of the Civil Code. Gradually, the barriers to women's political participation were removed, following the complaints of feminist movements and literate women who agitated for legal reforms and for the constitutional guarantee of their rights. Authoritarianism and democracy alternated during the republican years, giving rise to changes in Brazil's electoral rules which recognized the status of women as voters and as eligible for office. Primary (constitutions, electoral codes and the statutes of the current parties) and secondary sources were used to evaluate the development of political citizenship (active and passive), the making of the electorate (right to vote and to be a candidate), of candidates with no party ties (during the Empire) and within the parties (affiliations) after the founding of the Republic.

Brazilian Voters; Women; Electoral Laws; Participation; Political Citizenship


1. Introdução1 1 Este artigo foi extraído (e revisto posteriormente) do Capítulo 3 da tese de doutorado de Álvares (IUPERJ, 2004): A formação institucional do eleitorado e da participação política na democracia brasileira: quem vota? quem se candidata?

1 1.1. As dimensões institucionais do sistema político na democracia brasileira

O século XX foi considerado o "século da democracia".2 2 Cf. Democracy's Century. A Survey of Global Political Change in the 20th Century, em <www.freedomhouse.org>. Para uma discussão sobre a teoria democrática cf. Lijparth, 2003; Schumpeter, 1984; Phillips, 1996. Para outros informes sobre os níveis globais dos sistemas democráticos cf. <www.undp.org>. Estudos e pesquisas desenvolvidos por cientistas políticos e por órgãos internacionais apontaram a proliferação de governos eleitos democraticamente ao redor do mundo nesse período. Os resultados indicaram um alargamento da polis a partir dos níveis de soberania de cada país, numa perspectiva temporal comparada3 3 De uma série histórica de 1900, 1950 e 2000. Para os dois primeiros períodos, a pesquisa foi agrupada pelo pesquisador Jason Muse. Os resultados para 2000 foram analisados por um time de pesquisadores seniores: Paterson; Lipset, Fukuyama; Zakaria; Plattner; Karatnycky e Puddington. Cf. Freedon House. , em 62.5% de um total de 192 países classificados como democráticos. O Brasil, de uma prática democrática restritiva (1900-RDP), deslocou-se para um regime autoritário (1950-AR), ascendendo para a democracia (2000-DEM).4 4 Cf. <www.freedomhouse.org>, relativo a Freedom in the World - Brazil. Cf. RDP = Restricted Democratic Practice; AR= Authoritarian Regime; DEM= Democracy. Segundo a classificação do Map of Freendom 2002, a tendência global relaciona outras três categorias de nações - livres, parcialmente livres e não livres, segundo o status em que se acham os relatórios sobre os direitos humanos. Os países, nessa classificação, são os "characterized by some restrictions in political rights and civil liberties often in a context of corruption, weak rules of law, ethnic strife or civil war. E nessa condição, o Brasil se acha entre os "parcialmente livres".

O modelo democrático, fundamentado nessa tipologia, refere-se à equidade na distribuição do poder pelo princípio da representação política. A essência da democracia representativa se expressa de forma genérica sobre o fato de que "as deliberações coletivas, isto é, as deliberações que dizem respeito à coletividade inteira, são tomadas não diretamente por aqueles que dela fazem parte, mas por pessoas eleitas para essa finalidade" (Bobbio, 1986BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986.:44).5 5 Não é intenção deste artigo a exposição sobre as tipologias e o processo procedimental da representação política que tem em Pitkin (1967) seu grande enfoque bibliográfico. Consideramos essa conceituação para explorar a forma democrática que utiliza sistemas específicos de participação política. O sistema democrático representativo se legitima pelo consenso que se verifica através de eleições livres e do sufrágio universal, tendo como atores principais os partidos políticos e os cidadãos que participam dele, quer com direito a eleger-se, quer com direito a eleger outrem para um determinado cargo político, em um período específico. Assim, o sistema eleitoral e o partidário estão entre as mais importantes instituições para o desempenho da participação política democrática

A experiência brasileira de democracia representativa está classificada entre os países democráticos da "terceira onda", ou que se acham "em desenvolvimento", pela forma da evolução do seu sistema político centrado no sistema partidário e no eleitoral, em decorrência do processo institucional progressivamente estabelecido ao longo da história. Tem tido peso também a classificação do país pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) em relação às demais nações.6 6 O Brasil se encontrava entre os países de desenvolvimento humano médio, no 73º lugar, com 50%, ao lado da Tailândia, Arábia Saudita e Fiji. Cf. www.undp.org/hdr2002. Em 2014, o Brasil está entre os países com o IDH alto (0,730) mantendo-se nessa posição desde 2011 Têm sido tecidas considerações negativas e positivas sobre o formato dos dois sistemas - partidário e eleitoral, tanto por cientistas políticos brasileiros quanto de brasilianistas e de autores internacionais, alguns considerando uma necessidade básica para o avanço democrático brasileiro as reformas políticas mais variadas que possibilitem a estabilidade de governo e o fortalecimento do sistema partidário, livrando-o da fragilidade com que é visto o multipartidarismo. Dentre esses estudos, poucos, e indiretamente, tangenciam a questão-chave do processo de formação das elites parlamentares: o recrutamento de candidaturas no sistema eleitoral - mecanismo de seleção que sustenta a base do poder político.7 7 Intencionando suprir tal lacuna, um dos caminhos metodológicos seguidos foi analisar a documentação constitucional e a literatura histórica para entender quem era e quem não era parte dessa elite formada na política brasileira a partir das eleições. Há uma literatura extensa tratando da não institucionalidade do sistema brasileiro. Não se pode dizer que todos sustentem até hoje esse enfoque, mas há evidência de que o Brasil é pensado dessa forma. Mesmo autores brasileiros que tratam da questão referem periodizações da instabilidade institucional, apontando para os motivos da fraqueza do sistema. Para efeito da abordagem e para captar o recrutamento de elites, as referências são: José Murilo de Carvalho (1996), Maria do Carmo Campelo e Souza (1976), Lamounier & Meneguelo (1986), Mainwaring (2001), Olavo Brasil de Lima Jr. (1993). Alguns desses autores refizeram sua interpretação negativa e criaram novos enfoques analíticos, como Olavo Brasil, por exemplo. Jairo Nicolau (1996; 2002) está entre os que consideram o sistema representativo brasileiro com suas nuances típicas e diferenciadas do conjunto de democracias que são tratadas comparativamente com o Brasil.

2. Onde andam as mulheres no sistema eleitoral nascente?

Eleições fizeram a história do Brasil diferenciar-se de muitas outras experiências democráticas, desde o período colonial. No dizer de Nicolau (2002)NICOLAU, Jairo Marconi. História do Voto no Brasil. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2002a (Descobrindo o Brasil).:

a população das vilas e cidades elegia os representantes dos Conselhos Municipais. As primeiras eleições gerais para escolha de representantes à Corte de Lisboa ocorreram em 1821. No ano seguinte, foi promulgada a primeira lei eleitoral brasileira, que regulou as eleições para os representantes da Constituinte de 1823. Desde 1824, quando aconteceu a primeira eleição pós-independência, foram eleitas 51 legislaturas para a Câmara de Deputados. E somente durante o Estado Novo (1937-45) as eleições para a Câmara foram suspensas (Nicolau, 2002NICOLAU, Jairo Marconi. História do Voto no Brasil. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2002a (Descobrindo o Brasil).:2).

Essa "trajetória do voto" no Brasil construiu a história do processo de participação política (ativa e passiva) do indivíduo, que antes emergia de um estado imperial e criava o arcabouço da legitimidade dos governantes, constante, naquele momento, de conselheiros que administravam as cidades, e hoje, no Estado republicano, se acham nas representações dos cargos principais do poder executivo e legislativo. Das fraudes mais vulgares à verificação de poderes e ao coronelismo exacerbado do "voto de cabresto", o acesso ao poder foi parcialmente saneado, criando-se legitimidade competitiva também para as minorias afastadas, gradualmente incluídas pela proporcionalidade representativa e pelo sufrágio universal. Da eliminação gradual dos impedimentos ao voto, à ampliação desse direito nas democracias contemporâneas (renda, gênero, geração e etnia) e às medidas de advocacy que têm controlado o equilíbrio do poder em nações marcadas por clivagens exacerbadas, mudou-se o rumo da participação eleitoral com a entrada de novos atores e a consolidação democrática.8 8 Para uma avaliação da construção da polis no Brasil e identificação dos atores do sistema eleitoral nascente, foram examinadas as cartas constitucionais e algumas leis eleitorais que marcaram os procedimentos de inclusão ao demos e a exclusão das mulheres. Foi manuseada também uma literatura histórico-analítica pertinente. Dessa literatura constam: Carvalho (1996); Oliveira Viana (1955); Faoro (1977); Costa Porto (2000; 2002); Nicolau (2002).

O início da organização política e administrativa do Brasil se dá com base no Código Filipino (o primeiro "código eleitoral"), cujos livros registravam tanto os cargos ocupados na colônia quanto as demais ações administrativas do reino sobre os territórios conquistados. Ele trouxe modificações à organização das câmaras municipais acentuando seu caráter administrativo e reduzindo as funções judiciárias.9 9 As Ordenações Filipinas ou Código Manuelino constituem o código legal português promulgado em 1603 por Filipe I, rei de Portugal. De existência duradoura, sendo também extensivo às conquistas das novas terras (vigorou plenamente no Brasil até 1828 ou, para alguns, até 1830), esse código é formado por cinco livros contendo tanto a regulamentação e "estrutura hierárquica dos cargos públicos, as relações com a Igreja, a vida comercial, civil e penal dos súditos e vassalos (...), como os "privilégios e direitos do clero e da nobreza (...) o processo civil (...) regras e contratos de casamento (...) e crimes e penas respectivas" (Ordenações Filipinas, 1999:19-44).

Como a vila é "a base da pirâmide do poder, na ordem vertical que parte do rei (...)" ela será administrada pela Câmara ou Senado da Câmara (Faoro, 1977FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Porto Alegre, Globo, 1977.:183-87). Salvo alguns cargos nomeados pelo rei, como o de presidente da província, há prevalência das eleições para os juizes ordinários, os vereadores (em número de três, mas em algumas vilas quatro), o procurador, o tesoureiro e o escrivão, tendo cada um deles suas atribuições constantes nas Ordenações. A composição da Câmara se faz com os juizes ordinários e os vereadores.

Quem compõe o colégio eleitoral responsável por esse arranjo são os "homens bons e povo chamado ao Conselho", segundo o registro do Código Filipino no Livro I, Título LXVII. Esses "homens-bons" são

indivíduos não nobres que possuem hereditariamente a propriedade livre. (...) Os homens bons e as pessoas do povo que podiam votar eram, pelos corregedores e juizes a quem incumbia presidir as eleições, qualificados em cadernos, onde se escreviam os seus nomes com todas as individuações necessárias para verificar-se a idoneidade, exigidas pelas leis forais e costumes. (...) Não eram qualificados os mecânicos operários, degredados, judeus e outros que pertenciam à classe dos peões (Faoro, 1977FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Porto Alegre, Globo, 1977.:183-87).10 10 Para Walter Costa Porto (2002:234) a expressão povo é enganosa, sendo que somente a nobreza é a classe selecionada que tem direito de voto. Quanto aos "homens bons", diz Porto, confirmando a partir de Alexandre Herculano em "A História de Portugal" (Vol. VIII, s/d:313) eram todos os chefes de família do lugar e dessa classe.

A inscrição do "homem-bom" no livro de qualificações de eleitores inspira os conselhos portugueses a inscrever nos Livros da Nobreza todos os proprietários e burocratas com domicílio na terra e também seus descendentes, possibilitando a articulação deles com a máquina política e a administração do Império. São também parte desse grupo as camadas novas de população, ou seja, os "homens novos" que eram os burgueses enriquecidos através do comércio, dos costumes e do estilo de vida (Faoro, 1977FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Porto Alegre, Globo, 1977.:185).11 11 E também Cf. Oliveira Viana (1955:161) que afirma: "Era uma verdadeira aristocracia, onde figuravam exclusivamente os nobres de linhagem aqui chegados ou aqui imigrados ou fixados, e os descendentes deles; os ricos senhores de engenhos; a alta burocracia civil e militar da Colônia e os seus descendentes. (...) Estes "homens bons" formavam uma pequeníssima elite, uma minoria insignificante em face da massa numerosa da população. (...) Esta minoria aristocrática era, normalmente, composta dos grandes proprietários rurais, residentes nos domínios (engenhos e fazendas), e dos comerciantes ricos, residentes nas cidades".

Para Oliveira Viana (1955:168-169)OLIVEIRA Viana. Instituições políticas brasileiras. Primeiro volume. Fundamentos Sociais do Estado. 2 Ed. revista. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1955., apesar desse aparato eletivo:

O governo das nossas câmaras, no período colonial, não era democrático no sentido moderno da expressão. O povo que elegia e que era eleito nessa época, o povo que gozava o direito de elegibilidade ativa e passiva constituía uma classe selecionada, uma nobreza - a nobreza dos "homens bons".

Os excluídos da elite eleitoral, diz Oliveira Viana, eram

os negociantes de vara e côvado e os taverneiros (os que mantinham logea aberta), bem como os seus empregados (que trabalhavam em ofícios manuais); e os pardos, e os mulatos, e os mestiços de todo gênero; e os trabalhadores do campo, massa enorme que forma hoje a quase totalidade do nosso eleitorado. (...) Ninguém nela votava; ninguém dela podia ser eleito para as câmaras ou quaisquer outros cargos públicos; (...) os elementos da população das vilas, termos e comarcas, que chamamos, realmente, hoje de povo estavam excluídos praticamente - e também legalmente - da incumbência de concorrer para a constituição dos poderes públicos municipais - como eleitores, e também do próprio exercício desses poderes - como representantes (Oliveira Viana, 1955OLIVEIRA Viana. Instituições políticas brasileiras. Primeiro volume. Fundamentos Sociais do Estado. 2 Ed. revista. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1955.:168-69).

Numa fase em que há eleições locais, não há referências às mulheres, como parte dessa estrutura de poder. As Ordenações Filipinas (1999:1-510), reduzem a menção a esse gênero aos costumes e proibições de comportamento e punições às mulheres transgressoras. Walter Costa Porto (2002:21)PORTO, Walter Costa. O Voto no Brasil - Da Colônia à 6ª República. Rio de Janeiro, Topbooks Editora e Distribuidora de Livros Ltda., 2002. considera que o eleitorado restrito excluía as mulheres. Raimundo Faoro (1977)FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Porto Alegre, Globo, 1977. trata de modo neutro da formação do patronato brasileiro. Oliveira Viana (1955)OLIVEIRA Viana. Instituições políticas brasileiras. Primeiro volume. Fundamentos Sociais do Estado. 2 Ed. revista. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1955., ao elaborar um substancioso estudo sobre a importância dos clãs parentais e o "complexo da família senhorial", para explicar os fundamentos sociais do Estado brasileiro, evidencia quem faz parte desse grupo responsável pela influência política eleitoral e da administração pública; anota os nomes das grandes famílias, mas ignora o papel das mulheres nessa dinâmica12 12 Há apenas uma referência às mulheres, quando ele aborda a questão da herança de objetos pessoais ao morrer o chefe da família. Diz: "O mesmo acontecia com os pertences da cabeça feminina do casal, que iam parar nas mãos das filhas e das netas, desde as jóias antigas, pesadonas, ofuscantes, até as almofadas de bilros para fazer rendas" (Oliveira Viana, 1955:257). , salvo ao considerar a presença de um tipo delas: as "mulheres públicas" entre os que povoam as cidades nos dias de semana.13 13 "Os que habitam a povoação durante toda a semana são artífices (...) e homens sem ocupação, alguns mercadores e mulheres públicas" (Oliveira Viana, 1955:163). Além disso, ao ressaltar quem eram os excluídos do corpo eleitoral, não alude às mulheres (Oliveira Viana, 1955OLIVEIRA Viana. Instituições políticas brasileiras. Primeiro volume. Fundamentos Sociais do Estado. 2 Ed. revista. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1955.:316).

Heleieth Saffioti (1979SAFFIOTI, H.I.B. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. Petrópolis-RJ, Vozes, 1979.) esboça um quadro constitutivo dos costumes da organização familiar e da evolução do papel da mulher, desde o período escravocrata e colonial, e considera que se "a propriedade territorial, a principio, é a única fonte de direitos políticos, sendo as mulheres excluídas desse privilégio, igualam-se, deste ângulo, aos escravos" (Saffioti, 1979SAFFIOTI, H.I.B. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. Petrópolis-RJ, Vozes, 1979.:174), que se acham entre os que não têm cidadania.

Outra literatura examinada (Schumaher & Brazil, 2000SCHUMAHER, Schuma & BRAZIL, Érico Vital (org.). Dicionário mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade biográfico e ilustrado. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2000.; Saffioti, 1979SAFFIOTI, H.I.B. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. Petrópolis-RJ, Vozes, 1979.; Hahner, 1981, 2003 HAHNER, June E. Emancipação do sexo feminino. A luta pelos direitos da mulher no Brasil. 1850-1940. Florianópolis-SC, Ed. Mulheres; Santa Cruz do Sul, EDUNISC, 2003.) direcionada ao mapeamento da presença das mulheres na historiografia brasileira, utilizando-se das mesmas fontes dos autores consultados, registra o espaço e a presença das mulheres que tiveram projeção nas vilas e comarcas do Brasil-Colônia, menção excluída das anotações de certos historiadores. Embora o imaginário social reforçasse a submissão aos costumes e normas emitidas pelas Ordenações Filipinas em vigor, as mulheres eram parte ativa, tanto no trabalho de chefia das propriedades, mesmo sem serem viúvas, quanto entre os grupos políticos insurretos ao regime que marcam o período. Algumas, por suposto, sabiam ler; outras eram analfabetas, como muitos proprietários de terras e comerciantes que eram eleitores.14 14 Os analfabetos votaram até 1881, segundo Porto, 2002. Em Schumaher & Brazil (2000)SCHUMAHER, Schuma & BRAZIL, Érico Vital (org.). Dicionário mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade biográfico e ilustrado. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2000., encontram-se tipos como Ana Jansen (1787-1869), senhora de terras e de escravos, além de líder política no Maranhão; Ana Aurora de Jesus Ribeiro (1779-?) heroína da Revolução Praieira em Pernambuco; Bárbara Pereira de Alencar (1767-1837), revolucionária integrante do movimento republicano deflagrado no Nordeste em 1817 (era mãe de José Martiniano de Alencar, pai de José de Alencar); Joaquina do Pompeu (1745-?), fazendeira nas Minas Gerais e, na vida pública, incentivadora da Independência do Brasil, entre outras.15 15 Da descendência de Bárbara Alencar destacam-se Raquel de Queiroz e Heloneida Studart.

Essas versões historiográficas confrontam as leis que determinam a normatização do comportamento feminino e revelam a dicotomia da política entre a participação e a representação política, áreas nas quais há acesso e/ou exclusão das mulheres, conforme a conveniência cultural.

2.1 Os "homens bons", a elite e as mulheres, na política do Império

A estrutura política imperial16 16 Há uma vasta legislação eleitoral que orienta a política da ex-colônia portuguesa. Seguindo o interesse principal deste estudo sobre a circulação dos atores sociais feitos eleitores e elegíveis, optou-se tanto por esses documentos quanto pela argumentação da literatura sobre essa legislação que levasse ao reconhecimento da constituição de cidadãs/os, na linha da lei, numa monarquia parlamentar cunhada pelo sistema democrático, desde a Independência. seguia a escolha dos presidentes de província (administradores) pelo imperador, e o preenchimento de diversos cargos políticos através de eleição. No âmbito local, o processo eleitoral era realizado em dois graus: no primeiro, os votantes17 17 A expressão votante caracterizando o eleitor de 1º grau só será institucionalizada com o decreto 157, de 4 de maio de 1842, segundo Walter Porto (2000). Entretanto, esse termo já era utilizado "largamente para definir os atores da cena eleitoral" (Posto, 2000:44). escolhiam, por via direta, seis eleitores; no segundo, estes últimos elegiam os que deveriam ocupar os cargos de importância política que eram o juiz de paz (responsável pela arbitragem dos conflitos e por assegurar a ordem pública na paróquia) e o vereador (responsável pela administração das vilas e cidades).18 18 Inexistia a figura do prefeito (Porto, 2000 e 2002; Nicolau, 2002; Carvalho, 1996; Faoro, 1977; Oliveira Vianna, 1955). A parte deste artigo referente ao período colonial e imperial, no Brasil, utilizou os enfoques desses autores e também de Pinto, 1985. Havia ainda os cargos por via indireta para a Assembleia Provincial (Poder Legislativo provincial), para a Câmara dos Deputados e para o Senado - cargo vitalício (dos três nomes mais votados, o imperador escolhia um).

A primeira eleição para a composição das Cortes, em 1821, pautou-se pela Constituição espanhola de Cadiz, de 1812 (baseada na Constituição francesa revolucionária), que adotava o voto universal masculino. Pelo Decreto de 7 de março de 182119 19 A Legislação imperial foi consultada em: Porto & Jobim, 1996. , os eleitores dividiam-se entre o eleitor paroquial e o de comarca, devendo ser cidadão maior de 25 anos e ser morador e residente na freguesia (para o primeiro) e na comarca (o segundo).20 20 Cf. Decreto de 7 de março de 1821, Art. 45 e 75. Para ser Deputado das Cortes, era exigido que o cidadão estivesse no exercício de seus direitos, fosse r maior de 25 anos,

ter nascido na Província ou ser domiciliado nela com residência de 7 anos, pelo menos, quer seja do estado Secular quer do estado Eclesiástico Secular, e podendo recair a eleição nos cidadãos que formam a Junta [Eleitoral] ou nos que não entram nela (Decreto..., 1821, Art. 91).

A exigência de o candidato ter "um rendimento anual proporcionado e proveniente de bens próprios" (Art. 92) foi suspensa até que a Corte designasse "a quota da renda e a qualidade de bens de que deve provir" (Art. 93). A inelegibilidade ao cargo de Deputado das Cortes excluía "os Conselheiros de Estado e todos os ocupantes de empregos na Casa Real" (Art. 95), os estrangeiros ainda que tivessem Carta de cidadão passada pelas Cortes (Art.96) e os funcionários públicos nomeados pelo governo (Art. 97).

Com a Constituição de 1824, primeira lei eleitoral brasileira, as instruções confirmam os dois graus de escolha dos cargos eletivos (Art. 90), o voto censitário (100 mil réis para os votantes e 200 para os eleitores), a realização das eleições primárias no interior das Igrejas (eram precedidas de uma missa) e os participantes serem "homens com pelo menos 25 anos (21 anos, se casados ou oficiais militares, e independentemente da idade, se clérigo ou bacharel)" (Art. 92).21 21 Cf. Nicolau (2002:11). Aos aptos a serem eleitos deputados exigia-se uma renda líquida de 400 mil réis (Art. 94). Não havia qualquer proibição explícita às mulheres, contudo, elas continuavam fora do processo, ao lado dos escravos.

Aos analfabetos, o acesso ao voto foi limitado até 1881, quando foi exigida a assinatura do votante na cédula (Art. 6º § 4º). Contudo, entre 1842 e 1881, eles puderam ser tanto votantes quanto eleitores. As restrições para essas duas categorias eram relativas à idade, ao sexo, à dependência cultural e econômica (como a exclusão das mulheres, da criadagem, de algumas profissões e dos desapossados) e à renda (mínimo de 100 mil réis /ano aos votantes do 1º grau e 200 aos eleitores). Aos candidatos, as restrições relacionavam a renda líquida exigida de acordo com o cargo: para os deputados, era de 400 mil réis; e para os senadores, de 800 mil réis, originária de "bens de raiz, indústria, comércio ou emprego" (Porto, 2000 PORTO, Walter Costa. Dicionário do Voto. Brasília, EDUnB; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado, 2000.:70). Havia outra exigência: os não católicos não podiam ser votados nem assumir certos cargos públicos, nem podiam ser indicados deputados, seguindo o art. 95 da Constituição. Isso demonstra a forte aproximação entre Estado e Igreja - aproximação que será institucionalizada (Porto, 2000 PORTO, Walter Costa. Dicionário do Voto. Brasília, EDUnB; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado, 2000.:46).22 22 Não se deve esquecer que um dos pontos que pesavam para a não inclusão da mulher como eleitora, até 1932, era o fato de sua aproximação com a Igreja. Cf. Álvares, 1990.

A Lei Saraiva, de 1881,23 23 Cf. Decreto nº 3029, de 9 de janeiro de 1881. trouxe arranjos e novos procedimentos para a participação dos eleitores e eleitos, rompendo uma prática que vinha havia muito tempo: a eleição em dois graus foi substituída pela eleição direta (Art. 1º), ou seja, o votante (agora chamado de eleitor) elegia os deputados (gerais e provinciais), os senadores (através de uma lista tríplice) e quaisquer autoridades eletivas. Na relação Estado-Igreja, foram dispensadas as cerimônias religiosas das atividades eleitorais; a comarca assumiu a importância que antes era da paróquia, passando esta última a ser apenas a referência do votante para inclusão na lista; e o não católico podia ser candidato. O voto do analfabeto ainda se manteve (foi prevista uma transição para as restrições, a partir de 1882)24 24 "A Lei Saraiva, se proibiu o voto do analfabeto, mas só para o futuro. No primeiro alistamento, qualquer cidadão poderia ser inscrito, se o requeresse por escrito 'com assinatura sua ou de especial procurador, provando seu direito com os documentos exigidos nesta lei (art. 6º § 4º)" (Porto, 2000:442). , sendo requerido por escrito "com assinatura sua ou de especial procurador, provando seu direito com documentos exigidos nesta lei" (Porto, 2000 PORTO, Walter Costa. Dicionário do Voto. Brasília, EDUnB; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado, 2000.:106). O sistema de alistamento, anual e voluntário, solicitado por escrito pelo eleitor, deixando de ser ex-officio, 25 25 Cf. Decreto nº 3029, de 9 de janeiro de 1881. O alistamento segundo Pinto Ferreira (1976:86) apud Porto (2000:33): "é um processo eleitoral que consiste principalmente na composição da identidade do eleitor, da idade, da filiação, da nacionalidade, do estado civil, da profissão e da residência do eleitor, habilitando-se a inclusão do seu nome na lista (fichário dos eleitores), para os fins de voto, elegibilidade e filiação partidária, após a expedição do respectivo titulo eleitoral". ascendeu de importância em virtude da eleição direta e da responsabilidade do votante que passou a ter o direito reconhecido para sufragar senadores, deputados gerais, os membros das Assembleias Provinciais e autoridades eletivas municipais. Esse processo, que deu importância ao juiz de direito, era realizado em duas fases: uma preparatória, com o juiz municipal (em cada termo); e outra definitiva, organizada pelos juizes das comarcas. Quanto aos elegíveis, achavam-se entre "os cidadãos naturalizados e com 6 anos de residência no Brasil ao cargo de deputado à assembléia Geral" (Paiva, 1985PAIVA, Maria Arair Pinto. Direito político do sufrágio no Brasil (1822-1982). Brasília, Thesaurus Editora, 1985.:71-72)26 26 Cf. Decreto nº 3029, de 9 de janeiro de 1881. , o nível de renda elevava-se para 800 mil réis, desapareciam as restrições relativas à condição social (o liberto poderia ser deputado) e à crença religiosa (o não católico poderia aspirar a um cargo).

As mudanças no sistema eleitoral brasileiro desse período foram sempre marcadas por amplos debates parlamentares. Os modelos de democracias em processo de desenvolvimento em outros países eram parte da argumentação comparada feita pelo legislativo, com vistas ao aperfeiçoamento do sistema eleitoral brasileiro (Nicolau, 2002NICOLAU, Jairo Marconi. História do Voto no Brasil. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2002a (Descobrindo o Brasil).:26). O alargamento da polis, com a inclusão das minorias não representadas, a alternância de poder e a quebra da unanimidade partidária, com a nomeação de ministros e a renovação dos membros da Câmara, constituem a garantia do princípio de equilíbrio das forças políticas representadas pelas facções partidárias.

Uma parte da literatura que trata desse tema avalia que a implantação do regime democrático se deu como medida de inclusão gradual aos direitos políticos de uma parte de indivíduos nativos que se faziam cidadãos (havia uma parte de fora). Outros pesquisadores questionam essas mudanças considerando que elas, ao invés de ampliarem, trabalham de forma "constante e consistentemente (...) no sentido de restringir a participação, culminando o processo na lei de eleição direta de 1881" (Carvalho, 1996CARVALHO, José Murilo de. A Construção da ordem: a elite política; Teatro de sombras: a política imperial. Rio de Janeiro, Editora UFRJ, Relume-Dumará, 1996. 2ª ed.rev.:360).27 27 Não há critica nessa referência, ela apenas evidencia que as interpretações sobre a institucionalização do sistema político no Brasil são diversas. José Murilo de Carvalho utiliza um volume de dados comprobatórios da presença das elites no poder imperial, na confirmação de que a composição representativa do poder democrático da sociedade brasileira se deu pela circulação de uma elite alinhada com a hegemonia do poder e capturada das bases intelectuais e burocráticas da estrutura Imperial. O autor procura demonstrar, com dados estatísticos, o processo de redução do eleitorado e nesta assertiva aponta porque ao Império é importante afastar o cidadão: "A restrição à cidadania, portanto, baseava-se, de um lado, em suposta preocupação com a lisura do pleito e com a autenticidade da representação e, do outro, no interesse econômico dos grandes proprietários dublês de chefes políticos. Por trás do problema estava, no entanto, o grande dilema da política imperial: como tornar o governo mais dependente dos interesses da classe proprietária rural sem, no entanto, deixar de ser árbitro dos conflitos entre setores desta mesma classe" (Carvalho, 1996:363, grifos nossos).

A literatura mais radical observa que o período é de anarquia nascida do universalismo do sufrágio. Oliveira Vianna (1955), analisa os tipos sociais que foram sendo criados desde a Colônia e que se institucionalizaram pelos uso e costume incorporados nos clãs feudais, parental, emergentes no "clã eleitoral" (Oliveira Vianna, 1955OLIVEIRA Viana. Instituições políticas brasileiras. Primeiro volume. Fundamentos Sociais do Estado. 2 Ed. revista. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1955.:317-331).

O "clã-eleitoral" organizado da fusão dos dois tipos coloniais, para Oliveira Vianna, seria então o resultado do critério majoritário do sistema eleitoral em transformação e que criou preponderância no número de eleitores:

Se houvesse continuado no regime dos "homens bons" - do sufrágio aristocrático, como no período colonial - é claro que o clã eleitoral continuaria a se confundir com o clã parental e se comporia exclusivamente desses elementos aristocráticos. (...) Com a entrada, porém, do povo-massa com voz decisiva nos pleitos - por ser a maioria -, cada senhor de engenho ou fazenda foi obrigado a reunir o seu clã feudal - expressão organizada do povo-massa - ao seu clã parental, que era uma organização aristocrática, até então com o privilégio da vida política (Oliveira ViannaOLIVEIRA Viana. Instituições políticas brasileiras. Primeiro volume. Fundamentos Sociais do Estado. 2 Ed. revista. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1955., 1955:308-309).

Somente uma pequena elite de formação universitária se comportava dentro dos padrões democráticos e que apresentaram "consciência democrática da comunidade nacional" ao traçarem as Constituições de 1824 e a de 1891. Fazendo suas as ideias de um de seus "interlocutores" na extração dos dados, Justiniano da Rocha, Vianna (1955:350)OLIVEIRA Viana. Instituições políticas brasileiras. Primeiro volume. Fundamentos Sociais do Estado. 2 Ed. revista. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1955. considerava que a anarquia do povo-massa devia-se à falta de "escolas práticas de educação democrática" e, por isso, os sistemas eleitoral e partidário nascentes não se institucionalizaram, se comparados ao do domínio feudal europeu.28 28 Uma leitura dos dois últimos capítulos XIII e XIV do livro fornece as explicações relativas às consequências da implantação da democracia no Brasil a partir de 1822.

As versões sobre o processo de institucionalização dos organismos de poder na democracia representativa brasileira ambientaram-se em dois espectros: o comparativo e o ideológico. No primeiro, o esforço de comparação expõe modelos democráticos europeus e anglo-americanos em duas vias, tanto para demonstrar como o processo democrático se elabora em diferentes contextos, e se dá bem, quanto para evidenciar esse diferencial, com riscos de se dar mal no Brasil. O aspecto ideológico também pode ser observado através de três eixos: o de classe, o de gênero e o teórico. O fato disseminado da entrada do "povo-massa" nos "negócios políticos da nação" esclarece a presença discriminatória de "pessoas sem qualidade", ou melhor, "sem educação política" para conviver com os princípios de liberdade e igualdade de extração do sistema. Sem negar os conflitos sociais que alimentaram as classes proprietárias a usarem os recursos políticos através do "cacete", para manterem seus interesses de poder no governo ao elegerem seus "compadres", na versão de Oliveira Vianna, esse aspecto engloba todas as instituições brasileiras e força uma interpretação de fragilidade do sistema que tem se mantido até hoje e que se amplia para o eixo teórico explicativo da não institucionalização do sistema político brasileiro.

A ausência de cláusulas a contemplar as mulheres na vertebração da legislação que faz avançar o regime democrático desse período configura o tratamento desigual de gênero, fortalecendo as estruturas patriarcais do comportamento político do demos. O não voto para as mulheres justificava-se por essas regras que determinavam uma "condição feminina" diferenciada da masculina, na educação29 29 "Ensinava-se a ela só o que fosse considerado necessário para viver em sociedade. As relativamente poucas escolas existentes no século XIX no Brasil enfatizavam atividades complementares aos papéis femininos de esposa e mãe. As diferenças entre a educação reservada para os homens e a destinada às mulheres reforçava a ideia de mundos masculino e feminino distintos. (...) A primeira legislação referente à educação feminina surgiu em 1827, mas a lei admitia meninas somente na escola elementar, não nas instituições de ensino superior. A ênfase permanecia na costura e não na escrita" (Hahner, 2003:73-76). , nos costumes30 30 "A lei ordenava e os pais desejavam que as escolas femininas enfatizassem as prendas domésticas, jamais ensinadas aos meninos" (Hahner, 2003:76). , nos quais sobressaía um estereótipo comum à família patriarcal brasileira: o mando dos homens em relação à sujeição das mulheres. Sendo "cabeça do casal" pelos dispositivos das Ordenações Filipinas31 31 Permanecendo efetivas até a promulgação do Código Civil de 1916. , o homem é quem detinha a responsabilidade legal e as mulheres eram consideradas "perpetuamente menores (...)" (Hahner, 2003 HAHNER, June E. Emancipação do sexo feminino. A luta pelos direitos da mulher no Brasil. 1850-1940. Florianópolis-SC, Ed. Mulheres; Santa Cruz do Sul, EDUNISC, 2003.:44). A moderna noção de cidadania dava ao voto o significado do "direito natural", credenciava os princípios de igualdade e liberdade ao domínio da polis na esfera pública e se tornava ainda uma qualidade dos homens livres, estando nessa categoria "aqueles que pela condição de proprietários contavam com uma renda assegurada pelo trabalho de outros" (Bresciani, 1992BRESCIANI, Maria Stella Martins. (org.) A mulher no espaço público. Revista Brasileira de História vol. 9, nº 18, São Paulo, UNESP, 1992, pp.63-95. (reimpressão):70), o que lhes garantia ir além do campo dos direitos civis mostrando-se habilitados para a atividade política. A mulher achava-se presa "naturalmente" ao domínio do privado e às atividades de reprodução da espécie e, por isso, ou seja, pela condição cultural, estava ausente da cidadania. Embora poucos homens votassem, no Brasil, nenhuma mulher exercia esse direito, apesar da ausência de dispositivos constitucionais que as excluíssem.

Essa situação do voto restrito cristaliza-se no discurso da normatividade social influenciado pela cultura patriarcal da época imperial. Porém, não cala aos que consideram arbitrários esses arranjos institucionais, como alguns parlamentares da Câmara dos Deputados Gerais (José Bonifácio e José de Alencar) e, sobretudo, a imprensa feminina que nasce em vários estados brasileiros: primeiramente em função dos direitos de emancipação da mulher, pela educação - Jornal das Senhoras (1852), O Sexo Feminino (1872), O Domingo (1875), Echo das Damas (1879), O Direito das Damas (1882), A Família (1888), A Mensageira (1897); posteriormente, ampliando-se para a sua defesa ao direito do voto (Hahner, 2003 HAHNER, June E. Emancipação do sexo feminino. A luta pelos direitos da mulher no Brasil. 1850-1940. Florianópolis-SC, Ed. Mulheres; Santa Cruz do Sul, EDUNISC, 2003.:84-113). Nesse caldeamento de forças, há mulheres letradas que se empenham em ousadias, tentando tirar vantagens da ambiguidade da legislação eleitoral, a exemplo: incluir seus nomes nas listas de eleitores, como foi o caso de Isabel de Matos Dillon, bacharel em Direito (Hahner, 2003 HAHNER, June E. Emancipação do sexo feminino. A luta pelos direitos da mulher no Brasil. 1850-1940. Florianópolis-SC, Ed. Mulheres; Santa Cruz do Sul, EDUNISC, 2003.:164).

Nas versões "antivoto feminino", na imprensa tradicional, é evidente o temor de as mulheres abraçarem uma carreira política, apesar de sua presença episódica em eventos de protesto ou em associações sociais e políticas. No Pará, no período da Cabanagem (1833-1835), havia duas facções políticas: o Partido Filantrópico e o Caramuru. No contraponto, estavam as mulheres paraenses organizadas na Sociedade das Novas Amazonas ou Iluminadas, uma sociedade secreta, exclusivamente formada por mulheres, somando-se às variadas estratégias do partido Filantrópico como meio de sobrevivência e resistência políticas ao partido Caramuru. A agremiação feminina cabana era regida por estatutos, sendo um dos itens principais a exigência de que as sócias tivessem "virtudes políticas e provas de decidido amor à pátria e adesão à liberdade". Pelos registros, a presença das "novas Amazonas" não se dá tão tranquilamente. Há referência a um abaixo-assinado por elas enviado ao Presidente da Província do Pará, exigindo a punição ao autor de um artigo escrito contra elas, publicado no jornal Orfeu (Raiol, 1970RAIOL, Domingos A. Motins Políticos (1821-1835). Belém, UFPA, 1970., apud Álvares, 1990ALVARES, M. Luzia M. Saias, laços e ligas: construindo imagens e lutas. Um estudo sobre a participação política e partidária das mulheres paraenses - 1912-1937. Dissertação de Mestrado, NAEA, Belém-PA,1990 (no prelo).).

Outro movimento histórico paraense, a campanha abolicionista, registra a presença das mulheres da elite, organizando clubes, quermesses, em conjunto com as articulações políticas dos seus maridos, irmãos, filhos. Marin (1989) evidencia um episódio em que elas teriam sido rejeitadas, mas lutaram por permanecer nessas atividades (Álvares, 1990ALVARES, M. Luzia M. Saias, laços e ligas: construindo imagens e lutas. Um estudo sobre a participação política e partidária das mulheres paraenses - 1912-1937. Dissertação de Mestrado, NAEA, Belém-PA,1990 (no prelo).). Eram os efeitos do voto feminino que ameaçavam a sociedade, pois o comportamento esperado das "mulheres eleitoras" comprometia os papéis que elas desempenhavam no casamento e na maternidade (Hahner, 2003 HAHNER, June E. Emancipação do sexo feminino. A luta pelos direitos da mulher no Brasil. 1850-1940. Florianópolis-SC, Ed. Mulheres; Santa Cruz do Sul, EDUNISC, 2003.; Álvares, 1990ALVARES, M. Luzia M. Saias, laços e ligas: construindo imagens e lutas. Um estudo sobre a participação política e partidária das mulheres paraenses - 1912-1937. Dissertação de Mestrado, NAEA, Belém-PA,1990 (no prelo).).

2.2 Eleitores, candidatos e a situação da mulher no sistema republicano I (1889-1930)

O desgaste da política imperial providenciou as mudanças na estrutura do sistema político brasileiro.32 32 Esse período tem um volume considerável de estudos nas áreas mais diversas. Limito-me ao que possa interessar a este enfoque sobre a estrutura eleitoral. Nova disposição das regras eleitorais deu visibilidade a um sistema em que a participação dos cidadãos como eleitores ficou fortalecida, mas foi pouco elucidativa quanto às escolhas de candidaturas em razão da própria ausência de uma estrutura partidária nacional.

A literatura tomada como referência histórica analisa as mudanças constitucionais da Primeira República, sobre as novas regras do sistema eleitoral, que passa a ser regido pelo sufrágio direto. Segundo essas referências, para a cidadania ativa (ou seja, os que votam), a Constituição de 1891 considerou os seguintes aspectos substanciais do sufrágio como requisitos: idade, sexo, condição social, identidade ocupacional, e outras como a inelegibilidade. No nível procedimental, foi definido o número de representantes por distritos e o tipo de sistema operativo eleitoral. O alistamento tomou consistência, sendo que permaneceram algumas restrições ocupacionais da legislação de 1881 e outras foram adotadas. Para a cidadania passiva ou aos pretendentes de cargos eletivos, os requisitos de inclusão, além da alistabilidade como eleitor comum, havia a elegibilidade33 33 Há discussão sobre a interpretação desse termo, na época do império. Para as incompatibilidades; ver Porto (2000:241). que prepondera em cláusula especifica (Art. 26, § 1º e 2º).

Nesse primeiro estatuto político da República (as leis decretadas entre 1890 a 1892), ao eleitor, eliminou-se a exigência direta da renda - embora permanecesse a indireta negando-se voto aos analfabetos e aos mendigos (Paiva, 1985PAIVA, Maria Arair Pinto. Direito político do sufrágio no Brasil (1822-1982). Brasília, Thesaurus Editora, 1985.:206)34 34 Diz a autora: "Debaixo do item "situações restritivas" abrigam-se as discriminações concernentes à renda, à instrução, à condição social e religiosa e também à respeitante ao sexo". De Porto (2002:285) a transcrição do art. 70 § 1º: - "Não podem alistar-se eleitores para as eleições federais, ou para as do estado: 1º. Os mendigos; 2º. Os analfabetos; 3º. As praças de pret, excetuando os alunos das escolas militares de ensino superior; 4º. Os religiosos de ordem monástica, companhias, congregações, ou comunidades de qualquer denominação, sujeitas a voto de obediência, regra, ou estatuto, que importe a renúncia da liberdade individual." -, reduziu-se a idade mínima para 21 anos (mas algumas categorias não entravam nessa regra como os casados, os oficiais militares, os bacharéis formados, os clérigos e os doutores), houve exclusão de alguns grupos (como os praças de pré, mendigos e religiosos de ordem monástica). Recebeu novas regras o alistamento eleitoral 35 35 Paiva, Maria Arair Pinto (1985:208) considera trifásica a condição do alistamento: "De inicio, o alistamento era incipiente (de 1824 a 1846), depois tornou-se necessário (de 1846 a 1945) e, por último, é obrigatório para poder ser exercitado o direito do sufrágio (de 1945 aos dias de hoje)". que, em 1881, tornara-se o procedimento formal de qualificação do eleitor pelo judiciário e o crivo dos alfabetizados.36 36 Cf. maiores detalhes sobre o alistamento em Nicolau (2002:29); Porto, 2000 e 2002.

Não havia referência quanto ao sufrágio feminino, no anteprojeto constitucional de 1890, elaborado pelo Governo Provisório. A Comissão dos 21 propôs a concessão desse direito somente às mulheres que tivessem diploma de professora ou títulos científicos, fora do poder do marido ou do pai e às que tivessem posses pessoais. A emenda não foi aceita, bem como outras que faziam alusão à condição profissional da eleitora. Na Constituição de 1891, apesar dos debates insistentes dos senadores, a mulher permaneceu excluída (Porto, 2002PORTO, Walter Costa. O Voto no Brasil - Da Colônia à 6ª República. Rio de Janeiro, Topbooks Editora e Distribuidora de Livros Ltda., 2002. e 2000 PORTO, Walter Costa. Dicionário do Voto. Brasília, EDUnB; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado, 2000.; Cf. Álvares, 1990ALVARES, M. Luzia M. Saias, laços e ligas: construindo imagens e lutas. Um estudo sobre a participação política e partidária das mulheres paraenses - 1912-1937. Dissertação de Mestrado, NAEA, Belém-PA,1990 (no prelo).; Cf. Roure, 1979; Rodrigues, 1993RODRIGUES, João Batista Cascudo. A Mulher brasileira: direitos políticos e civis. Brasília, Centro Gráfico do Senado Federal - CEGRAF, Vol. 835, Série C (Livros), 1993.).

A restrição do voto aos grupos dependentes (mendigos, mulheres, ordens religiosas submissas aos estatutos) evidencia o traço marcante, sem explicitar, da cultura dominante sobre a "prodigalidade" do proprietário aos obedientes do seu "clã eleitoral". Sobre a mulher, inclui-se o papel da maternidade, da família e a submissão ao marido, além da ideia secular de que a falta de recursos para sobreviver ou ser auto-suficiente a leva a ser influenciada por uma opinião dominadora (leviandade, fragilidade de caráter, falta de informação política). São provas disso os discursos dos constituintes de 1891 e as restrições que sofreu o sufrágio feminino (além das explicações comentadas) nos códigos eleitorais.

A partir da Constituição de 1891, o princípio da alistabilidade se constitui requisito de elegibilidade. O Art. 70, §2 da nova Carta registra, com variações, que "são inelegíveis os inalistáveis" (Pinto, 1985:82). E os inalistáveis estão relacionados no parágrafo anterior desse mesmo artigo. Não é exigido registro de candidato por partido ou grupo de eleitores, sendo estes últimos, a rigor, avulsos.37 37 Uma disposição legal que só passa a ser regra a partir de 1932. Há referência a situações restritivas acautelatórias (que antes eram consideradas incompatibilidades e confundidas com inelegibilidade), encontrando-se, entre elas, as de caráter funcional, segundo as quais o aspirante a um cargo eletivo tinha que se afastar das funções públicas para ser candidato; e por laços de parentesco. Quanto aos cargos a ocupar por eleição direta (com voto a descoberto) eram os de Presidente da República e vice, chefe do executivo municipal, deputados e senadores. Os mandatos dos primeiros eram de quatro anos, sem possibilidade de reeleição. Os três senadores eleitos por maioria simples, nos seus distritos, tinham um mandato de nove anos, com renovação de 1/3 a cada três anos. Para a Câmara de Deputados vigorava um mandato de três anos.

Em 1890, os eleitores escolhiam seus candidatos na circunscrição estadual transformada em distritos, votando em tantos nomes quantas fossem as cadeiras da representação nessa assembleia. Em 1892, essa escolha era feita em distritos de três nomes para eleger dois representantes e, finalmente (1904), em distritos de cinco representantes para a eleição de quatro nomes, liberado o voto cumulativo.38 38 O eleitor tem uma escolha plurinominal, mas pode dispor de todos ou de uma parte de seus votos na escolha de um só candidato. Cf. Porto (2000:424).

Candidatura feminina era letra morta. Como as mulheres não eram alistáveis, não votavam e, portanto, ficavam de fora das demais regras dos direitos de cidadania passiva. A situação de não eleitoras as levou às reivindicações; não ao silêncio, quanto ás demandas da cidadania ativa (instauração da condição de elegíveis) que exigia uma qualificação mínima para o seu exercício. A determinação normativa do não voto feminino (inalistáveis e inelegíveis) criou movimentos isolados, demonstrando a insatisfação que percorria as cabeças das mulheres letradas, de homens comprometidos com as mudanças dos costumes e de parlamentares, com ênfase para o avanço na educação feminina (da exigência da obrigatoriedade do ensino elementar para o ensino superior)39 39 "O sistema escolar brasileiro exprimia o consenso social sobre o papel da mulher. Ensinava-se a ela só o que fosse considerado necessário para viver em sociedade. As relativamente poucas escolas existentes no século XIX no Brasil enfatizavam atividades complementares aos papéis femininos de esposa e mãe" (Hahner, 2003:73-74). e nas carreiras profissionais mais qualificadas. Essas mulheres se encontravam segregadas ao magistério, atividade ensinada pelas escolas normais, uma das poucas profissões que as "mulheres dignas" exerciam. Nessa carreira, achavam-se as mulheres dos estratos sociais menos privilegiados ou médios, que tinham que se sustentar, visto que havia poucas alternativas de trabalho aceitáveis para elas. A formação através do magistério evitava-lhes os encargos mais pesados do serviço doméstico, a mais comum ocupação exercida pelas mulheres das classes pobres. Às mulheres da classe mais abastada "jamais lhes ocorria tornarem-se professoras de escolas primárias públicas, muito menos de escolas particulares ainda que de renome".40 40 É preciso referir que as profissões se acham distribuídas na sociedade de acordo com as classes sociais dessas mulheres. Por exemplo, somente as mulheres da classe média é que se acham nos empregos do magistério público, como as da classe pobre estão nas profissões de costureiras, empregadas domésticas, e as da elite não têm o incentivo para o trabalho fora de casa (Hahner, 2003:80). Mas é no magistério que as mulheres encontravam maior independência econômica, apesar dos rendimentos escassos que recebiam e das difíceis condições de trabalho.

Esses avanços não foram suficientes para sensibilizar os criadores de leis que viam na ruptura dos papéis sociais das mulheres as rupturas ao objetivo final da educação feminina de formar esposas e mães e não "políticas". Mas motivaram as mulheres para três preocupações básicas: a) o fortalecimento das suas demandas por instrução qualificada e pelo avanço na educação superior; b) a formação da carreira profissional em áreas com baixa visibilidade feminina; c) o ativismo político em torno do sufrágio e de outras demandas jurídicas e sociais41 41 Sobre as demandas sociais da época, cf. Penna (1988:103-123). . Esses eixos motivaram uma reorganização do mundo social com a presença das mulheres. É de tal monta a desorganização das antigas bases da reprodução social em que elas estavam cristalizadas no plano doméstico, que há repercussões na imprensa (opiniões favoráveis ou críticas); há novos postos ocupacionais que se abrem para elas (nas repartições públicas, no comércio, na área da medicina e do direito); e o ativismo sufragista começa a incomodar pela persistência com que elas militam em cada estado, criando os Departamentos Femininos, apêndices da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino presidida por Bertha Lutz que estimula a infringência às leis eleitorais, mandando que as mulheres do país exerçam o direito do voto ou se candidatem.42 42 O ativismo político alcança outras dimensões nesse período como a criação de associações para as questões da educação da mulher, como a Liga contra o Analfabetismo, criado por Maria Lacerda de Moura

Ficou conhecido o caso do Rio Grande do Norte que por sua Constituição do Estado regulou o Serviço Eleitoral, pela Lei 660, de 25/10/1927, favorecendo o sufrágio da primeira eleitora brasileira (Celina Guimarães Vianna), na cidade de Mossoró, realizando o alistamento eleitoral das mulheres, em 1928, em várias cidades (Natal, Mossoró, Acari, Apodi) e elegendo a primeira prefeita no município de Lages, em 1929.

As mudanças se deslocaram para o plano legislativo e novos projetos de concessão do direito do voto feminino foram apresentados por alguns parlamentares, na década de 1920. Instaurou-se a ordem legal e as eleitoras e eleitas do RN foram destituídas de sua nova investidura, visto que a lei federal (não voto feminino) se inscrevia com superioridade à lei específica estadual. Tensões desse tipo contagiaram os alicerces liberais que se organizavam contra as oligarquias no poder.

O processo eleitoral desse período foi crítico. Fraudes e baixas taxas de comparecimento cristalizaram-se nesses anos da Primeira República, acobertadas pela "política de governadores" que impunha as regras do poder central às regiões periféricas do sistema federativo. As facções partidárias estaduais se aglutinaram em oligarquias que estruturaram e mantiveram o sistema de poder nas mãos, ditando as normas institucionais através do sistema coronelista. A eleição a bico de pena, a degola, o voto a descoberto e a falsificação das atas eleitorais subsidiaram o poder dessas forças, garantindo-lhes em quase quarenta anos uma recondução sistemática dos herdeiros políticos quase sem competitividade.

As referências de Vitor Nunes Leal a uma estrutura coronelista que se forma no Brasil federativo a partir desse período - incentivada pela "política dos governadores" e envolvendo compromisso recíproco entre o governo local e os coronéis economicamente decadentes - remetem à perspectiva histórica da formação das "oligarquias politicantes" que utilizavam a máquina das facções partidárias estaduais para criar seus próprios lideres e "fazer" eleitores que, através do voto, sustentavam a eleição dos candidatos da confiança do "coronel", ou dele próprio, para ocupar os assentos parlamentares, executivos ou administrativos do governo local, contribuindo para alicerçar a confiança do presidente no sistema implantado.43 43 Sobre a análise do coronelismo, ver Carvalho, 1997; ver também Dicionário Histórico-Bibliográfico Brasileiro (2001:1558-600). Nesse caso, é pertinente atentar para o formato do recrutamento político que se processa para sustentar as demandas de candidaturas. Reconhecendo primeiramente o critério formal de requisitos para o acesso a um assento parlamentar, através das normas do sistema eletivo dessa fase, que selecionava uma parte de cidadãos e excluía outra, fica configurada a implantação de um modelo de recrutamento que utiliza a patronagem44 44 Pippa Norris & Lovenduski (1995) registram, no sistema político inglês, três tipos de recrutamento de candidaturas que podem se dar pela patronagem, pela meritocracia e pelas ações afirmativas. . A maior parte do eleitorado vinha da zona rural, onde imperava o "coronel"; a força da política era dos governadores e as alianças das facções partidárias agregavam interesses dessas três instâncias.

As mulheres compactuam nesses anos de política oligárquica. Se elas não são eleitoras, nem por isso deixam de lado sua parceria com os maridos, filhos, pais e toda a população masculina integrada às facções políticas locais que lutam pelo poder. Álvares (1990)ALVARES, M. Luzia M. Saias, laços e ligas: construindo imagens e lutas. Um estudo sobre a participação política e partidária das mulheres paraenses - 1912-1937. Dissertação de Mestrado, NAEA, Belém-PA,1990 (no prelo). demonstra que no Pará desse período, foram criadas duas Ligas Femininas que auxiliavam a formação de um eleitorado tendente às forças políticas litigantes do Senador Lauro Sodré e do ex-Intendente e Senador do Congresso do Estado, Antonio Lemos.

2.3 O voto feminino entre as novas regras eleitorais da Segunda República (1930 a 1964)

Com novas forças no poder emblematicamente reconhecidas sob os princípios do programa da Aliança Liberal, o processo eleitoral, a partir de 1930, sofreu mudanças alterando o status quo existente na política praticada entre as oligarquias do período. O governo provisório de Getulio Vargas criou uma Comissão Legislativa que deveria rever a legislação existente e, ao apresentar novo projeto, modificar as atribuições eleitorais da Constituição de 1891 que, apesar dos méritos de ter adotado o federalismo e o presidencialismo, havia deteriorado o sistema com as fraudes (eleições "bico de pena", atas falsas) e com a verificação de poderes, criando o chamado "terceiro escrutínio" (DHBB, s/d:1565).

O Código Eleitoral de 1932CÓDIGO Eleitoral de 1932 - Decreto nº 21076, de 24 de fevereiro de 1932. 45 45 Cf. Código Eleitoral de 1932 - DEC - 021076 de 24/02/1932. Disponível em: <www.senado.gov.br/>. foi o primeiro vigente no país, surgindo com ele o direito eleitoral brasileiro. Até então, o sistema era regido por Leis e Decretos que criaram modificações substantivas nas normas eleitorais. No novo estatuto legal, as mais importantes características foram a instituição do voto feminino e a adoção do voto universal direto e secreto (Art. 56). O Art. 2º caracteriza o eleitor pela idade (maior de 21 anos) e desconsidera o vínculo do cidadão neutro. A ênfase à qualificação do eleitor "sem distinção de sexo" concedia à mulher o voto que lhe fora negado, sem que estivesse explícita em lei a sua exclusão em qualquer matéria constitucional. Embora o código não apresente nenhuma cláusula restritiva ao tipo feminino investido da cidadania pelo voto, a Constituição de 1934 estabelecia em seu Art. 109: "O alistamento e o voto são obrigatórios para os homens e para as mulheres, quando estas exerçam função pública remunerada (...)".

O voto foi concedido às mulheres, de forma seletiva. Mas não agregou os dispositivos inscritos no anteprojeto do Código, que estavam redigidos da seguinte forma:

Art. 8º - São admitidos a inscrever-se eleitoras desde que preencham as demais condições legais: a) mulher solteira sui juris que tenha economia própria e viva de seu trabalho honesto ou do que lhe rendam bens, empregos ou qualquer outra fonte de renda lícita; b) viúva em iguais condições; c) a mulher casada que exerça efetivamente o comércio ou indústria por conta própria ou como chefe, gerente, empregada, ou simples operária de estabelecimento comercial ou industrial, e bem assim que exerça efetivamente qualquer lícita profissão, com escritório, consultório ou estabelecimento próprio ou em que tenha funções, devidamente autorizada pelo marido, na forma da lei civil;

Art.9º - Ainda são alistáveis, nas condições do art. antecedente: a) a mulher separada por desquite amigável ou judicial, enquanto durar a separação; b) aquela que, em conseqüência da declaração judicial da ausência do marido, estiver à testa dos bens do casal, ou na direção da família; c) aquela que foi deixada pelo marido durante mais de dois anos, embora esteja este em lugar sabido (Porto, 2002PORTO, Walter Costa. O Voto no Brasil - Da Colônia à 6ª República. Rio de Janeiro, Topbooks Editora e Distribuidora de Livros Ltda., 2002.:238-390).

Nesses dispositivos, as eleitoras estão referidas segundo duas características: o estado civil e a dependência econômica relacionada à civil. Demonstra a forte conexão com o casamento e com a ocupação exercida de forma livre, mas sob a autorização do marido para qualquer "profissão lícita". O contraditório é que o trabalho fora do lar e a instrução não constituíam, então, preocupações maiores da sociedade que ditava as normas da cidadania política das mulheres. Essas restrições contidas no anteprojeto não foram para o corpo da lei.46 46 Nas discussões da Constituição de 1934, dois movimentos feministas da época, a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino presidida por Bertha Lutz, e a Aliança Nacional de Mulheres, dirigida por Natércia da Silveira, prestaram ampla contribuição.

Pelo novo código, o alistamento obrigatório exigia a qualificação (feita de duas maneiras, ex-officio e voluntária) e a inscrição (comparecimento ao cartório eleitoral para a identificação), na justiça eleitoral. Eram alistáveis: os cidadãos maiores de 21 anos, de qualquer sexo, de nacionalidade brasileira ou naturalizados, sem distinção religiosa, política ou ideológica (essa parte fora extraída da Constituição de 1891). Eram inalistáveis (Art. 4º): os mendigos, os analfabetos, os praças de pré (à exceção de alunos das escolas militares de ensino superior, os aspirantes a oficiais e os suboficiais, os guardas-civis e quaisquer funcionários da fiscalização administrativa, federal ou local). Era obrigatório o registro dos candidatos, por partido, aliança de partidos ou grupo de 100 eleitores (no mínimo), até cinco dias antes das eleições, numa lista encimada pela legenda à qual concorreriam. Os candidatos avulsos também poderiam solicitar inscrição.

Outra alteração referiu-se à representação parlamentar que, além dos eleitos pelo voto popular, incluía os eleitos por associações profissionais. A seleção desses nomes se dava por via indireta: os delegados eram escolhidos pelos membros de seus sindicatos ou associações, por voto direto e secreto e por sistema de maioria absoluta e, reunidos na capital federal, eles escolhiam os representantes à Constituinte. Como as mulheres já se achavam em diversas ocupações além do magistério e integradas às associações profissionais, algumas delas foram escolhidas por seus pares para representantes parlamentares.47 47 Foi o caso de Almerinda Gama, pelo Distrito Federal. No Pará, as operárias da castanha elegeram Feliz Benoliel, presidente da Concentração Feminina do Trabalho, para representar a classe trabalhadora, mas ela foi destituída da indicação pelo presidente da Federação das Classes Trabalhadoras, Luis Martins e Silva. Feliz Benoliel era uma jovem sufragista que organizara as mulheres na associação de classe, e fazia parte da Liga Nacionalista do Pará. O conflito entre Feliz e Luis Martins e Silva foi muito grave e divulgado pelos jornais paraenses (Álvares, 1990).

Nesse contexto, aspirar a um cargo eletivo significava estar em condições de elegibilidade: ser eleitor e ter mais de quatro anos de cidadania (com os casos de inelegibilidade constando de lei especial). O Estado era a circunscrição eleitoral e o eleitor poderia votar em tantas quantas fossem as cadeiras do Estado na Câmara de Deputados (usando um sistema misto: parte majoritária, parte proporcional). Nesse Código, definiam-se as bases da organização partidária (Art. 99).

Em 1933, o país preparou-se para a Constituinte. Poucas mulheres fizeram seu registro eleitoral. No Rio de Janeiro, a sede do ativismo sufragista, somente 15% de eleitores filiados eram mulheres. Em janeiro, a FBPF criou a Liga Eleitoral Independente que se propunha a promover a educação política das mulheres e apresentar candidatas. Mas nenhuma das sufragistas da Federação elegeu-se para a câmara de deputados. Carlota Pereira de Queiroz, educadora, médica, pertencente à elite paulistana e que fora delegada da Conferência realizada pela agremiação sufragista, em 1922, elegeu-se em razão de conexões políticas familiares. Bertha Lutz (em 1936, preparou o projeto do novo Estatuto da Mulher e Carlota o apresentou à CD) pegou uma suplência com a vaga aberta pelo falecimento do titular. Outros Estados tiveram mulheres nas Assembléias Legislativas, como a médica Lily Lages, em Alagoas, e a advogada Maria Luisa Bittencourt, na Bahia (Hahner, 2003 HAHNER, June E. Emancipação do sexo feminino. A luta pelos direitos da mulher no Brasil. 1850-1940. Florianópolis-SC, Ed. Mulheres; Santa Cruz do Sul, EDUNISC, 2003.:352-57).

A Lei nº 48, de 4 de maio de 1935 -ou o Código Eleitoral de 1935, trouxe algumas alterações ao quadro dos alistáveis, reduzindo a idade do eleitor de 21 para 18 anos, tornando o alistamento obrigatório para os homens, enquanto as mulheres permaneceram sob a custódia do exercício de função pública remunerada (Art. 4º). Estabeleceu o sistema proporcional nas eleições para a Câmara de Deputados (Art. 82) e considerou a idade mínima para cargos de Presidente, vice e senador, 35 anos, e para deputado, 25 anos (Art. 100 e 101). Os inalistáveis continuaram os mesmos do código anterior, incluindo-se no Art. 3, item d, os que estivessem privados temporária ou definitivamente de seus direitos políticos. Os inelegíveis eram os inalistáveis e também aqueles que exercessem cargos nas esferas dos executivos federal, estadual e municipal e seus parentes até o 3º grau, inclusive afins (Art.102, 103, 104). Essa nova lei estabeleceu a dinâmica jurídica para a organização e o registro dos partidos políticos (Art. 166 a 168).

Com o Golpe de Estado de 1937, Getúlio Vargas outorgou uma nova Constituição com inovações no quadro eleitoral. As eleições foram suspensas e os partidos e associações fechados; o executivo assumiu ditatorialmente o governo da nação durante nove anos (1937 a 1945), utilizando-se, nos Estados, da indicação de interventores, os quais nomeavam os prefeitos. A verticalização autoritária do governo permitiu o enfraquecimento do poder legislativo nesse período.48 48 Para uma avaliação institucional do sistema eleitoral do período de 1930, Cf as Leis, Constituições e Códigos Eleitorais do período. Cf. o Dicionário Histórico Bibliográfico Brasileiro; Pinto, 1975; Porto, 2000 e 2002; além de uma literatura vastíssima que analisa a Revolução de 1930. Com isso, a participação eleitoral da mulher brasileira que se iniciara em 1932, teve um interregno até 1945. As sufragistas se desmobilizaram ao conquistarem o direito do voto e, com o advento do Estado Novo, as lideranças desse regime não se comprometeram com os direitos da mulher. A igualdade política conquistada cristalizou-se em fraco ativismo quando ela mal começara.

2.4 Um tempo de experiência democrática e a permanência das restrições ao voto feminino (1946-1964)

Com o processo de redemocratização, o quadro político que se descortina desde o final de 1944 não é alentador para o autoritarismo exacerbado desse período. Já em 1943, o "Manifesto dos Mineiros" cria o "fato opositor" ao Estado Novo. Grupos da elite política iniciam articulações para a formação de novos partidos (Lippi, 1972LIPPI, Maria Lucia Leite. O Partido Social Democrático. Tese de Mestrado, IUPERJ/RJ, 1972.). A Assembleia Nacional Constituinte convocada para dezembro de 1945 torna-se a medida concreta de que as mudanças ocorrerão atendendo ao pleito internacional de eleições gerais. A Lei Constitucional nº 9, de 28 de fevereiro de 1945, baixada por Getúlio Vargas para regulamentar as eleições, traz alterações à Carta de 1937, ao tornar direta a escolha do Presidente da República (Art. 77), dos deputados (Art. 46) e dos membros do Conselho Federal (Senado), garantindo a forma republicana e representativa de governo presidencial (Art. 9º, 1º e 2º) e fixando em noventa dias as datas de eleições para presidente e senadores e deputados federais para composição da Assembléia Nacional Constituinte (Art. 82 § 2). Nesse documento, mantêm-se alguns dos instrumentos eleitorais do Código de 1932 e que serão ratificados pela Lei Agamenon.49 49 Agamenon Magalhães foi o Ministro da Justiça responsável pela redação e convocação da comissão de elaboração do anteprojeto do Decreto-Lei 7586/45 que regulou o alistamento e as eleições no país. O texto mantém as cláusulas costumeiras de reconhecimento legal do eleitor (Art. 2), em nível de idade (18 anos) e de alistabilidade, conservando as duas formas de alistamento (ex-officio e voluntária), com a obrigatoriedade estendida para as mulheres, salvo as que não exerciam profissões lucrativas (Art. 4ª, g).50 50 A Constituição de 1946 no Art. 131 considera eleitores todos os brasileiros maiores de dezoito anos, sem qualificar o sexo. No art. 133, é que há referência à obrigatoriedade do voto e à alistabilidade de ambos os sexos, mas inclui: "salvo as exceções previstas em lei". E o que está previsto em lei é a exigência de alistáveis às mulheres que "exercessem profissões lucrativas". Considera o sistema eleitoral proporcional para eleições na Câmara de Deputados e Assembleias Legislativas (idade de 21 anos), e de maioria simples para Presidente, governadores e conselho federal; elimina o candidato avulso, o voto é uninominal, o quociente eleitoral continua a regular o número de votantes pelas cadeiras a preencher numa circunscrição51 51 Sobre isso cf. Nicolau, 1999. e mantém as condições de elegibilidade. Uma novidade foi a inclusão de critérios para a organização de partidos (Art. 109 ao 114). Quanto ao registro de candidaturas poderia ser feito até 15 dias antes das eleições, e não havia exigência de tempo mínimo de domicílio eleitoral para ser candidato. O número de cadeiras de cada estado (Art. 134), já devidamente fixado, se acha nas Disposições Gerais do documento.

Em 2 de dezembro de 1945, as eleições abrem uma nova fase na história brasileira por terem sido limpas (o processo continuou nas mãos da Justiça Eleitoral) e constituírem um evento em que o comparecimento eleitoral foi significativo, ultrapassando a taxa de 10% da população total. Afirma Nicolau (2002:460)NICOLAU, Jairo Marconi. História do Voto no Brasil. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2002a (Descobrindo o Brasil).: "Por isso, o pleito de 1945 pode ser considerado um marco, pois colocou o país no rol das democracias de massa".

Houve outras modificações e arranjos transitórios ratificados pela nova Constituição, votada e promulgada em 18 de setembro de 1946. Há, contudo, uma dúvida nesse documento referente à questão da permanência da seletividade do alistamento das mulheres. No Art. 132, ao ratificar o alistamento e o voto obrigatório para todos os brasileiros de ambos os sexos, há a ressalva: "salvo as exceções previstas em lei". Na Lei nº 7.586, que deu substância a essa Carta, a letra g do Art. 4º considera a não abrangência do alistamento às mulheres sem "profissão lucrativa".52 52 O Código Eleitoral de 1950, no Art. 4º, letra d, reproduz o constante na Lei em referência. O que pensar disso? Isso quer dizer que as mulheres ainda serão tratadas, nessa que foi a mais importante experiência democrática brasileira, com reservas de cidadania. A explicação dos redatores do projeto do Código Eleitoral de 1932, quanto a esse dispositivo seletivo, é de que foi para poupar a mulher de certas situações incompatíveis com sua condição, entendendo que precisariam saber "como arrojar a mulher no turbilhão dos comícios e na agitação dos parlamentos". Julgando as razões jurídicas e sociais e o exemplo de outros países:

Propuseram, então, principiar por conceder à mulher sui juris os tais direitos. E, como à mulher casada não se poderia chamar sui juris "pois que em relação a elas se mantém certas regras do Direito Civil, limitativas da sua liberdade e posição econômica" prescreveram-se no projeto "'apenas certas regras especiais para afastar os embaraços dessa questão".53 53 As referências de Porto (2000:128-29) são parte da argumentação de Cabral, João C. da Rocha (p. 23).

A argumentação do jurista sobre esse fato, que ainda permearia a Constituição de 1946 demonstra duas preocupações que, à simples expressão da letra da lei, ficariam de fora da análise: a observância das leis eleitorais à normatividade civil sobre a mulher casada (submissão ao então Código Civil); e o tratamento diferenciado à mulher que somente então passaria a ter "carta legal" para a atividade política, inclusive a rotina parlamentar, numa arena masculina convulsionada para a qual eles a julgavam despreparada emocionalmente.

As ciladas do Código Civil para a vida das mulheres brasileiras tiveram como resposta uma batalha travada por elas durante a década de 1950 para a abolição dos dispositivos "altamente discriminatórios" desse Código. Uma campanha conduzida pelas organizações feministas com apoio da imprensa apresentou ao Congresso Nacional, para aprovação, um novo Estatuto da Mulher Casada (Tabak & Verucci, 1994 TABAK, Fanny; VERUCI, Florisa (org.). A difícil igualdade: os direitos da mulher como direitos humanos. Rio de Janeiro, Relume/Dumará, 1994.:38).

Com a vigência da Constituição de 1946, tornou-se imprescindível uma reavaliação do processo eleitoral, devido às mudanças substanciais no quadro institucional brasileiro, principalmente em relação à organização dos partidos políticos, e foi criado o Código Eleitoral de 1950, através da Lei 1.164, de julho do mesmo ano. Em relação ao alistamento, mantém-se a obrigatoriedade, permanecendo os inalistáveis previstos no Código anterior e excluindo-se em definitivo a qualificação ex-officio, ficando apenas a voluntária. Entre os alistáveis (e, portanto, os elegíveis) estão os cidadãos dos dois sexos, permanecendo, entretanto, a exclusão das "mulheres que não exerçam profissão lucrativa" (Art. 4º, d). O titulo de eleitor (usado desde 1875) permaneceu como a "identidade do alistado". À organização e ao registro dos partidos foi dada alentada legislação e competência como formação de alianças interpartidárias, propaganda, finanças, funcionamento e violação de deveres. A alteração da fórmula que regulava a distribuição das cadeiras a preencher entre os partidos, na Câmara de Deputados, foi uma das normas mais importantes desse Código, vigorando até hoje, salvo uma modificação feita em 1998, com a eliminação dos votos em brancos da contabilização do quociente eleitoral (Nicolau, 2002NICOLAU, Jairo Marconi. História do Voto no Brasil. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2002a (Descobrindo o Brasil).:48).

A República brasileira desse período teve grande sucesso, dizem, unanimemente, os analistas, salvo quanto às restrições ao voto do analfabeto.54 54 E incluo a seletividade do voto da mulher. A organização nacional de partidos políticos acrescentou cores ideológicas ao leque multipartidário que se formou, com extração de representantes das mais variadas camadas sociais, das diferentes ocupações profissionais e da entrada seletiva de mulheres (somente as que estavam "no exercício de profissão lucrativa"), entre os aspirantes aos cargos parlamentares e executivos. Se na Constituinte em 1933 foi eleita para a Câmara dos Deputados somente uma mulher, a paulista Carlota Pereira de Queiroz, é a partir de 1950 que se vêem mulheres ocupando esses assentos na Câmara, embora num baixo nível de taxas de crescimento.55 55 Cf. em Porto, 2000 e 2002, a relação de deputadas federais desde os anos 1950 até 1999. Sobre as restrições a algumas mulheres que não têm emprego remunerado, cf. também o Código Eleitoral de 1950, Art. 175, item 1, relativo às infrações penais.

Há uma frente heterogênea de forças que se agrega aos partidos anti e pró-getulistas do período, convergindo para o reconhecimento da existência de uma dimensão ampliada, tanto do eleitorado quanto de aspirantes aos cargos oferecidos. Se há dados para comprovar a curva ascendente dessa ampliação para os que compareceram às eleições56 56 Cita-se, nesta oportunidade, Lima Jr. 1981; 1983; Santos, 1987; Nicolau, 2000; 2002; Schmitt, 2000. , não há, contudo, informação sistematizada que evidencie o número de filiados aos partidos criados no período. O estudo sobre a composição social dos que avançam na conquista desses votos é extraído, para as análises, dos antecedentes sociais dos que se elegem57 57 As referências aos autores que tratam de recrutamento utilizando-se dos antecedentes sociais dos eleitos entre outros são: Fleischer, 1981; Marenco, 2000; Rodrigues, 2002; Santos, 2000. , deixando de ser contabilizado o formato informal do recrutamento desses competidores e o que eles representam para o partido.58 58 Esse estudo precisa ser feito.

2.5 Partidos, filiados e elegíveis em dois tempos: o militar (1964-1985) e a Quinta República (1985)

O Brasil sofreu um segundo golpe de autoritarismo na sua Quarta República (1964-85).59 59 A formação desse grupo de elite e as formas de recrutamento e decisões que sustentaram o regime militar podem ser pesquisados em Dreiffus (1981). E conviveu com novos modelos institucionais que estruturaram um processo eleitoral atípico: os militares que tomaram o poder mantiveram o calendário de eleições, em alguns cargos, por via direta. E procuraram governar através de Atos Institucionais e Decretos-Leis, revertendo muitas regras e implantando outras, de acordo com os objetivos e a filosofia do grupo no poder. Extinto o sistema multipartidário de 1946 (AI 2, Art. 18) converteu-se em bipartidarismo (ARENA e MDB) através do AC nº 4 /1965.60 60 Cf. Schmitt (2000:34): "Como a determinação do AC-4 era no sentido de que se constituíssem organizações provisórias com atribuições de partidos, e não partidos políticos propriamente ditos, nenhuma das novas legendas criadas pela reforma partidária de 65-66 continha a palavra "partido" em sua denominação". Alguns parlamentares foram cassados e outros perderam seus direitos políticos. O Congresso sofreu interdição em dois momentos, embora eleições proporcionais tenham sido realizadas para os cargos parlamentares (1966, 1970, 1974 e 1978) e para o legislativo municipal (1972 e 1976). Foi criado o Código Eleitoral de 196561 61 Os Códigos Eleitorais, os AIs, AC, Emendas e a Constituição de 1967 foram extraídos do site www.senado.gov - Legislação; e do CD-Rom - Legislação Republicana Brasileira, Senado, DF, 2003. resultante da Lei nº 4737, de 15 de julho desse ano, com "normas destinadas a assegurar a organização e o exercício dos direitos políticos precipuamente os de votar e ser votado".

Esse documento dividido em quatro partes, com 131 artigos, contém instruções ao funcionamento dos órgãos da Justiça Eleitoral. Ele se atém, principalmente, ao processo do alistamento e às normas e procedimentos do sistema eleitoral. Ao tratar da obrigatoriedade do alistamento (qualificação e inscrição voluntária) e do direito do voto dos brasileiros de ambos os sexos, apresenta uma novidade: pela primeira vez, deixa de constar a cláusula de exclusão da cidadania política às mulheres "que não exercem profissão lucrativa" (Art. 5º e 6º). Também, pela primeira vez, há referência à necessidade de filiação partidária do aspirante ao cargo eletivo e outras cláusulas para serem observadas pelo candidato, como a apresentação de folha corrida da polícia, a declaração de bens, a inscrição do prenome ou do nome abreviado ("desde que a supressão não estabeleça dúvida quanto à sua identidade") para constar na lista partidária. Entretanto, há possibilidade de o registro da candidatura ser negado, caso o aspirante seja adepto de partido cassado pela Constituição Federal de 1967 (Art. 87 a 102 do Código). Mas outras alterações foram introduzidas conforme o formato do processo eleitoral e das organizações partidárias do período, através de emendas constitucionais e de leis complementares, como: a proibição de coligações intrapartidárias nas eleições proporcionais; a obrigatoriedade do voto vinculado a todos os cargos partidários; o voto de sublegenda partidária, entre outras.

Ao corpo de leis que regulou as eleições desse período de exceção, incorporaram-se os Atos Institucionais baixados pelos militares, conforme conveniência. Até 1967, foram mantidas a Constituição de 1946, as Constituições estaduais e Emendas respectivas (AI nº1). Mas, em 1969, a EC - nº1 trouxe radicais alterações. As eleições para Presidente e vice, que seriam em outubro de 1965, não ocorreram, mantendo-se, nos anos subsequentes, a escolha indireta aos três primeiros indicados ao cargo (Castelo Branco, Costa e Silva e Garrastazu Médici); e pelo Colégio Eleitoral, os três últimos (Ernesto Geisel, João Figueiredo e Tancredo Neves). Os demais cargos executivos sofreram alteração (AI nº3) como: a eleição de governadores, pelas Assembleias Legislativas; e a nomeação de prefeitos das capitais, pelos governadores com aceite do legislativo estadual.62 62 A Emenda Constitucional nº 15/80 restabeleceu o voto direto aos governadores e prefeitos em localidades que não fossem de "segurança nacional". O legislativo manteve-se sob eleições diretas regulares, salvo as medidas protetivas contra o poder parlamentar.

Outras medidas legais modelaram as expectativas dos militares quanto à criação de uma democracia por decreto, mas, nos últimos anos do regime militar, houve confronto entre os dois partidos (ARENA e MDB) com prevalência exitosa do opositor (MDB) em pleitos eleitorais para o legislativo, apesar das "salvaguardas" decretadas como medidas repressivas ao avanço da aglutinação de forças sociais a esse partido na resistência ao regime.63 63 As eleições de 1974 preocuparam os militares devido ao crescimento da oposição. Daí que o quadro de 1978 foi acompanhado de Emendas Constitucionais e leis limitando esse avanço. Isso foi decisivo para a reversão do prosseguimento de um tempo autoritário com a perspectiva de criação de novos partidos64 64 A Lei nº 6767, de 20/12/1979, alterou a Lei Orgânica dos Partidos Políticos de 1971 e definiu a formulação de um novo quadro partidário. Em maio de 1980, já estavam organizados, no Congresso, seis novos partidos - o PMDB, o PDS, PT, PTB, PP e PDT. Há uma literatura expressiva sobre o golpe e o processo político desse período. Uma fonte importante é Dreiffus, 1981. Sobre os partidos e o resultante do sistema eleitoral, ver Nicolau, 1996; Santos, 1987; Lima Jr. 1983 a; Schmitt, 2000. , com o governo recorrendo a um processo de transição através de medidas acauteladoras para a gradual devolução do poder aos civis, após a campanha das "Diretas Já", símbolo do protesto popular.

Havia um novo quadro partidário e uma reação em cadeia das forças que criaram a Aliança Democrática.65 65 Tratava-se de uma coalizão formada em 1984, no período de transição democrática, pelo PMDB e pela Frente Liberal (dissidência do PDS), com vistas a apoiar a eleição presidencial de Tancredo Neves, no Colégio Eleitoral (DHBB:103). E o resultado viria do rearranjo dos partidos para o tempo da "Nova República". Os dados revelam que nesse período, apesar de uma

legislação casuística e as restrições estabelecidas à competição partidária, (...) houve um contínuo crescimento do número de eleitores. (...) A obrigatoriedade do alistamento e a ampliação das punições para os eleitores faltosos estabelecidas pelo Código eleitoral de 1965 foram fatores preponderantes para explicar o crescimento da participação eleitoral durante o período autoritário (Nicolau, 2002NICOLAU, Jairo Marconi. História do Voto no Brasil. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2002a (Descobrindo o Brasil).:60).

Os atores (cidadãos, partido, governo) foram sendo redefinidos institucionalmente, mas também asseguraram algumas conquistas da influência que desempenharam na mudança histórica e um novo quadro político se descortinou com o fim do regime militar.

No período militar, as mulheres brasileiras estiveram posicionadas em várias frentes. Na política eleitoral, com a cassação do mandato dos maridos e/ou filhos, muitas delas chegaram ao parlamento para assumir o lugar deles. Algumas estiveram nas frentes de oposição ao regime e nas guerrilhas urbana e rural. E outras se organizaram na Campanha da Mulher pela Democracia, favoráveis ao regime (Tabak & Toscano, 1982TABAK, Fanny; TOSCANO, Moema. Mulher e política. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982.:72).

Nesse momento, meados da década de 1970, eclode o movimento feminista brasileiro constituindo-se numa significativa frente de contestação à ordem política instituída no Brasil. Há importante disseminação das políticas de igualdade para as mulheres, com argumentação marcando as influências internacionais. Em 1975, foi instituída a Década da Mulher (1975-1985) que trouxe inovadores debates, tanto acadêmicos quanto populares, sobre a condição da mulher brasileira e a situação de discriminação em que se achavam as mulheres em nível mundial. Os partidos reformulam a agenda programática para a inclusão de discussões sobre essas questões, e há demanda por um eleitorado feminino, além do empenho em criar condições formais para as candidaturas de mulheres. E as filiadas partidárias passam a reivindicar cargos de direção e de delegadas com poder decisório.

O processo eleitoral foi recuperado das barras do autoritarismo pela Emenda Constitucional nº 25/198566 66 Cf. EC-25, de 15/05/1985. In: CD-Roon Legislação Republicana Brasileira. , que alterou a Constituição Federal em vigência (1967). Restabeleceu as eleições diretas para a Presidência da República, afastando o "entulho autoritário". A reconfiguração do sistema partidário favoreceu as mudanças necessárias ao sistema político com a "livre criação de partidos políticos e a reorganização de todas as siglas que tivessem tido os seus registros indeferidos, cancelados ou cassados durante a vigência do regime autoritário" (Schmitt, 2000SCHMITT, Rogério. Partidos políticos no Brasil (1945-2000). Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2000.:61). Os membros constituintes eleitos convocados (EC nº 26/1985) e em atividade em 1986 apresentaram, debateram e relataram ao Congresso as demandas populares recebidas e as suas próprias, transformando-as em matéria da nova Carta Constitucional aprovada em 1988. A reconquista do valor democrático se deu pelo formato recuperado do sistema de participação política através de eleições, sistema de sufrágio, organização dos partidos políticos e do nível de competição eleitoral. O grau de comparecimento do eleitorado - com a inclusão, no demos, de categorias então excluídas do sistema eleitoral (analfabetos, idade mínima do eleitor) e com o recadastramento realizado nesse período - teve taxa significativa de crescimento (18%) passando de 58.871 milhões em 1982, para 69.309 milhões em 1986 (Nicolau, 2002NICOLAU, Jairo Marconi. História do Voto no Brasil. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2002a (Descobrindo o Brasil).:62). O nível de competição, indicativo da escolha de filiados partidários aos cargos eletivos, foi propício aos partidários do sexo masculino, dedutível das taxas de eleitos para os parlamentos.67 67 Cf. a base de dados do TSE. Cf. também Miguel, 2000; e Araújo, 1999.

O Código Eleitoral de 1965 ainda está em vigência, sofrendo, todavia, várias modificações, diferindo consideravelmente de sua forma inicial, tem regulamentado as eleições desde os anos 1990 até o mais recente pleito (2014). Seus modificadores, em especial a Lei 9.504/97, trouxeram instruções normativas para as eleições intercorrentes e para o funcionamento dos partidos políticos entre outras emendas de revisão. A Lei Complementar nº 64/1990 estabeleceu normas de elegibilidade considerando quem seriam os inalistáveis e os inelegíveis para diversos cargos. A Constituição de 1988, promulgada após um ano e meio de funcionamento da Constituinte, tratou de especificar os direitos políticos dos cidadãos (Art. 14), considerando os critérios para alistamento e elegibilidade e, sendo facultativo para os analfabetos dentre os eleitores. Com a emenda nº 25 /1985, Art. 147, §4, estes últimos poderiam ser alistáveis, embora permanecessem inelegíveis (Art. 150).

A Lei dos Partidos Políticos68 68 Os partidos políticos brasileiros foram regulamentados através das seguintes leis (desde a incisiva medida de criação dos partidos nacionais pela Constituição de 1946 - Art. 134): Lei 4740/1965; Lei 5682/1971; Lei 6767/1979 (que modifica a anterior) e seus acréscimos através de emendas; e a Lei 9096/1995 com acréscimos de emendas. , aprovada através da Lei nº 9096/1995, regulamentou os Art. 17 e 14 § 3 da Carta de 198869 69 Através da Constituição de 1988, os partidos políticos que "pela tradição jurídica da Terceira e da Quarta Repúblicas eram considerados pessoas jurídicas de direito público interno, sendo, portanto, sujeitos a regulação por lei federal (...)" passaram a um novo status de pessoas jurídicas de direito privado e isso fica bem explícito na matéria aprovada pela Lei dos Partidos Políticos. Cf. também Schmitt (2000:64). , estabelecendo critérios sobre criação, registro, funcionamento parlamentar, programa e estatuto, filiação, fidelidade e disciplina partidárias, fusão, incorporação e extinção dos partidos, fundo partidário, propaganda e os meios utilizados na mídia para isso. O "pente fino" sobre o funcionamento, o desempenho e as medidas punitivas para o infrator desse novo estatuto de pessoas jurídicas de direito privado criou uma autodeterminação para os partidos. Estes, em decorrência, passaram a pautar suas ações, tanto pelo estatuto quanto pelos programas, com os princípios filosóficos e critérios de conduta estabelecidos. O Capítulo IV da Lei 9096/95 trata das regras para um cidadão filiar-se, prazos de filiação para concorrer a um cargo eletivo (sendo facultativo ao partido estabelecer esses prazos no estatuto) e cria medidas de desligamento e de cancelamento de filiação. Quanto à fidelidade partidária, é uma regra calculada desde o momento da filiação, com medidas punitivas previstas aos que infringirem as normas constantes do estatuto, tanto filiados quanto membros eleitos. Esse documento concede um papel importante ao estatuto partidário e procura conduzir a integração entre o partido, o filiado e a carreira política que ele possa manifestar.

A demanda mundial pelo aumento do número de mulheres aos assentos parlamentares trouxe uma sistemática discussão, nesse período, acerca da implantação de quotas partidárias para mulheres, culminando com o protocolo assinado na Conferência de Beijim, em 1995, por todos os representantes dos Estados-membros presentes. Através da Lei 9.100, de 29 de setembro de 1995, que estabeleceu normas para as eleições de 1996, o Legislativo brasileiro regulamentou (Art. 11 § 3º) essa medida, nos seguintes termos: "Vinte por cento, no mínimo, das vagas de cada partido ou coligação deverão ser preenchidas por candidaturas de mulheres". Para as eleições de 1998, nas normas eleitorais (Lei nº 9504, de 30/09/1997), essa medida ficou da seguinte forma, no Art. 10º §3º: "Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação deverá reservar o mínimo de trinta por cento e o máximo de setenta por cento para candidaturas de cada sexo". A nova redação, além de aumentar a quota de cadeiras a preencher de 20 para 30 por cento, considerou gênero neutro para o texto da matéria.

As tensões entre as mulheres brasileiras (desde a demanda pelo direito do voto) e a legislação eleitoral (que regulamenta a participação e a não participação na polis) culminaram com a apresentação do projeto e a implantação do sistema de cotas partidárias para mulheres, através de lei nacional. Tratava-se de deslocar a "igualdade de oportunidades" (que eliminou as barreiras formais para a garantia do voto), para a "igualdade de resultados" (ao considerar pouco estável a "igualdade de oportunidades") que atenderia à equidade do acesso das mulheres às cadeiras parlamentares, através de ações de discriminação positiva 70 70 Araújo (1999) diferencia ações afirmativas e discriminação positiva: a primeira, metas a se alcançar; a segunda, ações mais radicais, como as cotas. , devido às inúmeras barreiras detectadas em nível cultural que impediam esse acesso (Dahlerup, 1998). As parcerias dos movimentos de mulheres com os organismos internacionais (ONU, UNESCO), assinadas nas convenções mundiais que tratavam das formas de discriminação contra a mulher, fortaleceram o reconhecimento dessa metodologia como estratégia de empowerment das mulheres. A suposição do desequilíbrio no acesso ao poder, por várias razões, forneceu a oportunidade de alterar esse desnível com estratégias de controle evitando a queda da representatividade feminina.

3. Considerações finais. As repercussões das leis e as conquistas do estatuto político das mulheres

Alguns pontos levantados sobre o formato do eleitorado e das candidaturas no Brasil mostraram que a política inscrita nas primeiras constituições, por não dispor de uma legislação específica que definisse o padrão de cidadão ao qual estava se referindo, foi interpretada à luz de regras e costumes que excluíam as mulheres da participação política. Esse desenho arbitrário deixou de ser abordado por analistas da política brasileira, como Oliveira Vianna, Raimundo Faoro, José Murilo de Carvalho e pelos que trataram da política eleitoral, mas foi questionado, primeiramente, pelas mulheres letradas, por alguns parlamentares e pela imprensa feminina criada em vários estados. Não só o direito do voto foi reclamado, mas a instrução incipiente e a falta de leis para ampliar a educação superior e abrir áreas profissionais que estavam restritas aos homens foram demandas de mulheres das classes privilegiadas. O não voto para as mulheres era justificado pela educação diferenciada e pelos papéis sociais que cristalizavam a conduta masculina e a feminina com influências da cultura patriarcal. As arbitrariedades e a desigualdade no tratamento para as mulheres foram denunciadas pelo movimento sufragista e criticadas por intelectuais lúcidos e parlamentares que se propunham a garantir, na política brasileira, as políticas que estavam sendo implementadas internacionalmente, de ampliação da democracia nesse período.

Se o voto feminino era negado como uma ameaça à maternidade e à vida doméstica, a liderança das mulheres, nos movimentos de protesto, não sofria restrição, salvo a censura dos costumes às ousadas.

O movimento sufragista garantiu o lobby nacional até a supressão das barreiras ao voto feminino. Mas nas constituições subsequentes até ao Código Eleitoral de 1965, permaneceram as restrições do voto feminino, salvo àquelas mulheres que exerciam uma profissão remunerada. Os recursos do ativismo feminista e dos movimentos de mulheres fortaleceram outras demandas de políticas públicas que vieram deslocar as metas de suas preocupações e estimular a consciência delas para a importância da cidadania eleitoral que se misturava à cidadania civil e à social. Elas identificaram como obstáculo à sua identidade de eleitora os dispositivos constantes ao Código Civil e encetaram uma campanha de abolição das regras restritivas à mulher casada, com Bertha Lutz e Carlota Pereira de Queiroz apresentando à Câmara Federal, em 1936, uma proposta de Estatuto da Mulher que trouxe para o cenário político as demandas por mudanças na legislação do trabalho e no código civil.71 71 Atenção para o Art. 142 do Código Civil de 1916, que dispõe sobre o consentimento do marido aos atos da mulher, entre os quais o de exercer uma profissão. Daí as cláusulas restritivas ao voto feminino para as não enquadradas nesse dispositivo e que só foram abolidas com o Estatuto da Mulher Casada, Lei 4.121/62. Deduz-se disso que o Código Eleitoral de 1965 desfizesse os óbices às mulheres nessa condição. "Outro importante passo para a libertação econômica da mulher foi a vigência do Código Comercial que passou a admitir a mulher como comerciante"(Silva, Raquel, 2004).

As fraturas autoritárias sofridas pela democracia brasileira nos primórdios da política do voto feminino não contribuíram para o avanço das mulheres na ascensão parlamentar. E sua presença nos legislativos deu-se sempre de forma incipiente.

Da nacionalização dos partidos e a legislação para a sua organização e competência, emergiu a figura do filiado, um ator integrado agora ao sistema partidário por regras estatutárias e por um programa de princípios; e, através deles e das práticas eleitorais, foi mensurado o desenvolvimento do processo de democratização do sistema político brasileiro.

Com a nova constituinte de 1988, após um período autoritário, as mulheres ainda permaneceram em percentuais baixos nos espaços legislativos forçando novas regras para o aumento da sua participação. Em vista disso, quase dez anos depois foi nacionalizada outra política de inclusão das mulheres, agora voltada para eliminar a sub-representação feminina nas instâncias corporativas do poder: a lei de cotas, que regulamentou um percentual mínimo de inclusão das mulheres nas vagas partidárias.

Resumindo: as leis eleitorais no Brasil e a interpretação jurídica apoiaram-se na situação de homens e mulheres no Código Civil e nos costumes, e seguiram duas linhas: a) não ferir institucionalmente os dispositivos do Código Civil; b) não ferir os costumes naturalizados. Como a racionalidade do partido é alcançar representatividade (garantir o maior número de votos e cadeiras), o nível de acesso das mulheres ao partido ainda é incipiente, porque esee não dispõe de políticas de inclusão de simpatizantes, nem de filiadas que se enquadrem nos modelos do mercado. Além disso, entre essas, há ainda a forte tendência de inferioridade diante dos demais competidores enquadrados nesse modelo.

  • 1
    Este artigo foi extraído (e revisto posteriormente) do Capítulo 3 da tese de doutorado de Álvares (IUPERJ, 2004): A formação institucional do eleitorado e da participação política na democracia brasileira: quem vota? quem se candidata?
  • 2
    Cf. Democracy's Century. A Survey of Global Political Change in the 20th Century, em <www.freedomhouse.org>. Para uma discussão sobre a teoria democrática cf. Lijparth, 2003LIJPHART Arend. Modelos de democracia: desempenho e padrões de governo em 36 países. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003.; Schumpeter, 1984SCHUMPETER, Joseph. Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1984.; Phillips, 1996PHILLIPS, Ann. Género y teoría democrática. México, Instituto de Investigaciones Sociales, Programa Universitario de Estudios de Género; UNAM, 1996.. Para outros informes sobre os níveis globais dos sistemas democráticos cf. <www.undp.org>.
  • 3
    De uma série histórica de 1900, 1950 e 2000. Para os dois primeiros períodos, a pesquisa foi agrupada pelo pesquisador Jason Muse. Os resultados para 2000 foram analisados por um time de pesquisadores seniores: Paterson; Lipset, Fukuyama; Zakaria; Plattner; Karatnycky e Puddington. Cf. Freedon House.
  • 4
    Cf. <www.freedomhouse.org>, relativo a Freedom in the World - Brazil. Cf. RDP = Restricted Democratic Practice; AR= Authoritarian Regime; DEM= Democracy. Segundo a classificação do Map of Freendom 2002, a tendência global relaciona outras três categorias de nações - livres, parcialmente livres e não livres, segundo o status em que se acham os relatórios sobre os direitos humanos. Os países, nessa classificação, são os "characterized by some restrictions in political rights and civil liberties often in a context of corruption, weak rules of law, ethnic strife or civil war. E nessa condição, o Brasil se acha entre os "parcialmente livres".
  • 5
    Não é intenção deste artigo a exposição sobre as tipologias e o processo procedimental da representação política que tem em Pitkin (1967) seu grande enfoque bibliográfico. Consideramos essa conceituação para explorar a forma democrática que utiliza sistemas específicos de participação política.
  • 6
    O Brasil se encontrava entre os países de desenvolvimento humano médio, no 73º lugar, com 50%, ao lado da Tailândia, Arábia Saudita e Fiji. Cf. www.undp.org/hdr2002. Em 2014, o Brasil está entre os países com o IDH alto (0,730) mantendo-se nessa posição desde 2011
  • 7
    Intencionando suprir tal lacuna, um dos caminhos metodológicos seguidos foi analisar a documentação constitucional e a literatura histórica para entender quem era e quem não era parte dessa elite formada na política brasileira a partir das eleições. Há uma literatura extensa tratando da não institucionalidade do sistema brasileiro. Não se pode dizer que todos sustentem até hoje esse enfoque, mas há evidência de que o Brasil é pensado dessa forma. Mesmo autores brasileiros que tratam da questão referem periodizações da instabilidade institucional, apontando para os motivos da fraqueza do sistema. Para efeito da abordagem e para captar o recrutamento de elites, as referências são: José Murilo de Carvalho (1996)CARVALHO, José Murilo de. A Construção da ordem: a elite política; Teatro de sombras: a política imperial. Rio de Janeiro, Editora UFRJ, Relume-Dumará, 1996. 2ª ed.rev., Maria do Carmo Campelo e Souza (1976), Lamounier & Meneguelo (1986), Mainwaring (2001)MAINWARING, Scott. Sistemas partidários em novas democracias: o caso do Brasil. Porto Alegre, Mercado Aberto; Rio de Janeiro, FGV, 2001., Olavo Brasil de Lima Jr. (1993)LIMA JR., Olavo Brasil de. Democracia e instituições políticas no Brasil dos anos 80. São Paulo, Ed. Loyola, 1993. (Coleção Temas Brasileiros IX). Alguns desses autores refizeram sua interpretação negativa e criaram novos enfoques analíticos, como Olavo Brasil, por exemplo. Jairo Nicolau (1996; 2002) NICOLAU, Jairo Marconi. Multipartidarismo e democracia. Um estudo sobre o sistema partidário brasileiro (1985-94). Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1996. está entre os que consideram o sistema representativo brasileiro com suas nuances típicas e diferenciadas do conjunto de democracias que são tratadas comparativamente com o Brasil.
  • 8
    Para uma avaliação da construção da polis no Brasil e identificação dos atores do sistema eleitoral nascente, foram examinadas as cartas constitucionais e algumas leis eleitorais que marcaram os procedimentos de inclusão ao demos e a exclusão das mulheres. Foi manuseada também uma literatura histórico-analítica pertinente. Dessa literatura constam: Carvalho (1996)CARVALHO, José Murilo de. A Construção da ordem: a elite política; Teatro de sombras: a política imperial. Rio de Janeiro, Editora UFRJ, Relume-Dumará, 1996. 2ª ed.rev.; Oliveira Viana (1955)OLIVEIRA Viana. Instituições políticas brasileiras. Primeiro volume. Fundamentos Sociais do Estado. 2 Ed. revista. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1955.; Faoro (1977)FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Porto Alegre, Globo, 1977.; Costa Porto (2000; 2002); Nicolau (2002).
  • 9
    As Ordenações Filipinas ou Código Manuelino constituem o código legal português promulgado em 1603 por Filipe I, rei de Portugal. De existência duradoura, sendo também extensivo às conquistas das novas terras (vigorou plenamente no Brasil até 1828 ou, para alguns, até 1830), esse código é formado por cinco livros contendo tanto a regulamentação e "estrutura hierárquica dos cargos públicos, as relações com a Igreja, a vida comercial, civil e penal dos súditos e vassalos (...), como os "privilégios e direitos do clero e da nobreza (...) o processo civil (...) regras e contratos de casamento (...) e crimes e penas respectivas" (Ordenações Filipinas, 1999ORDENAÇÕES Filipinas: Livro 5. Introdução. São Paulo, Companhia das Letras, 1999 (Organização Silvia Hunold Lara).:19-44).
  • 10
    Para Walter Costa Porto (2002:234)PORTO, Walter Costa. O Voto no Brasil - Da Colônia à 6ª República. Rio de Janeiro, Topbooks Editora e Distribuidora de Livros Ltda., 2002. a expressão povo é enganosa, sendo que somente a nobreza é a classe selecionada que tem direito de voto. Quanto aos "homens bons", diz Porto, confirmando a partir de Alexandre Herculano em "A História de Portugal" (Vol. VIII, s/d:313) eram todos os chefes de família do lugar e dessa classe.
  • 11
    E também Cf. Oliveira Viana (1955:161)OLIVEIRA Viana. Instituições políticas brasileiras. Primeiro volume. Fundamentos Sociais do Estado. 2 Ed. revista. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1955. que afirma: "Era uma verdadeira aristocracia, onde figuravam exclusivamente os nobres de linhagem aqui chegados ou aqui imigrados ou fixados, e os descendentes deles; os ricos senhores de engenhos; a alta burocracia civil e militar da Colônia e os seus descendentes. (...) Estes "homens bons" formavam uma pequeníssima elite, uma minoria insignificante em face da massa numerosa da população. (...) Esta minoria aristocrática era, normalmente, composta dos grandes proprietários rurais, residentes nos domínios (engenhos e fazendas), e dos comerciantes ricos, residentes nas cidades".
  • 12
    Há apenas uma referência às mulheres, quando ele aborda a questão da herança de objetos pessoais ao morrer o chefe da família. Diz: "O mesmo acontecia com os pertences da cabeça feminina do casal, que iam parar nas mãos das filhas e das netas, desde as jóias antigas, pesadonas, ofuscantes, até as almofadas de bilros para fazer rendas" (Oliveira Viana, 1955OLIVEIRA Viana. Instituições políticas brasileiras. Primeiro volume. Fundamentos Sociais do Estado. 2 Ed. revista. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1955.:257).
  • 13
    "Os que habitam a povoação durante toda a semana são artífices (...) e homens sem ocupação, alguns mercadores e mulheres públicas" (Oliveira Viana, 1955OLIVEIRA Viana. Instituições políticas brasileiras. Primeiro volume. Fundamentos Sociais do Estado. 2 Ed. revista. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1955.:163).
  • 14
    Os analfabetos votaram até 1881, segundo Porto, 2002PORTO, Walter Costa. O Voto no Brasil - Da Colônia à 6ª República. Rio de Janeiro, Topbooks Editora e Distribuidora de Livros Ltda., 2002..
  • 15
    Da descendência de Bárbara Alencar destacam-se Raquel de Queiroz e Heloneida Studart.
  • 16
    Há uma vasta legislação eleitoral que orienta a política da ex-colônia portuguesa. Seguindo o interesse principal deste estudo sobre a circulação dos atores sociais feitos eleitores e elegíveis, optou-se tanto por esses documentos quanto pela argumentação da literatura sobre essa legislação que levasse ao reconhecimento da constituição de cidadãs/os, na linha da lei, numa monarquia parlamentar cunhada pelo sistema democrático, desde a Independência.
  • 17
    A expressão votante caracterizando o eleitor de 1º grau só será institucionalizada com o decreto 157, de 4 de maio de 1842, segundo Walter Porto (2000). Entretanto, esse termo já era utilizado "largamente para definir os atores da cena eleitoral" (Posto, 2000:44).
  • 18
    Inexistia a figura do prefeito (Porto, 2000 PORTO, Walter Costa. Dicionário do Voto. Brasília, EDUnB; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado, 2000. e 2002PORTO, Walter Costa. O Voto no Brasil - Da Colônia à 6ª República. Rio de Janeiro, Topbooks Editora e Distribuidora de Livros Ltda., 2002.; Nicolau, 2002; Carvalho, 1996CARVALHO, José Murilo de. A Construção da ordem: a elite política; Teatro de sombras: a política imperial. Rio de Janeiro, Editora UFRJ, Relume-Dumará, 1996. 2ª ed.rev.; Faoro, 1977FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Porto Alegre, Globo, 1977.; Oliveira Vianna, 1955OLIVEIRA Viana. Instituições políticas brasileiras. Primeiro volume. Fundamentos Sociais do Estado. 2 Ed. revista. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1955.). A parte deste artigo referente ao período colonial e imperial, no Brasil, utilizou os enfoques desses autores e também de Pinto, 1985.
  • 19
    A Legislação imperial foi consultada em: Porto & Jobim, 1996 PORTO, Walter Costa & JOBIM, Nelson. Legislação Eleitoral no Brasil - Do Século XVI a nossos dias. Brasília, Senado Federal, 1996..
  • 20
    Cf. Decreto de 7 de março de 1821, Art. 45 e 75.
  • 21
    Cf. Nicolau (2002:11).
  • 22
    Não se deve esquecer que um dos pontos que pesavam para a não inclusão da mulher como eleitora, até 1932, era o fato de sua aproximação com a Igreja. Cf. Álvares, 1990ALVARES, M. Luzia M. Saias, laços e ligas: construindo imagens e lutas. Um estudo sobre a participação política e partidária das mulheres paraenses - 1912-1937. Dissertação de Mestrado, NAEA, Belém-PA,1990 (no prelo)..
  • 23
    Cf. Decreto nº 3029, de 9 de janeiro de 1881.
  • 24
    "A Lei Saraiva, se proibiu o voto do analfabeto, mas só para o futuro. No primeiro alistamento, qualquer cidadão poderia ser inscrito, se o requeresse por escrito 'com assinatura sua ou de especial procurador, provando seu direito com os documentos exigidos nesta lei (art. 6º § 4º)" (Porto, 2000 PORTO, Walter Costa. Dicionário do Voto. Brasília, EDUnB; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado, 2000.:442).
  • 25
    Cf. Decreto nº 3029, de 9 de janeiro de 1881. O alistamento segundo Pinto Ferreira (1976:86)FERREIRA, Pinto. Código Eleitoral Comentado. Rio de Janaieor, Editora Rio de Janeiro, 1976. apud Porto (2000:33) PORTO, Walter Costa. Dicionário do Voto. Brasília, EDUnB; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado, 2000.: "é um processo eleitoral que consiste principalmente na composição da identidade do eleitor, da idade, da filiação, da nacionalidade, do estado civil, da profissão e da residência do eleitor, habilitando-se a inclusão do seu nome na lista (fichário dos eleitores), para os fins de voto, elegibilidade e filiação partidária, após a expedição do respectivo titulo eleitoral".
  • 26
    Cf. Decreto nº 3029, de 9 de janeiro de 1881.
  • 27
    Não há critica nessa referência, ela apenas evidencia que as interpretações sobre a institucionalização do sistema político no Brasil são diversas. José Murilo de Carvalho utiliza um volume de dados comprobatórios da presença das elites no poder imperial, na confirmação de que a composição representativa do poder democrático da sociedade brasileira se deu pela circulação de uma elite alinhada com a hegemonia do poder e capturada das bases intelectuais e burocráticas da estrutura Imperial. O autor procura demonstrar, com dados estatísticos, o processo de redução do eleitorado e nesta assertiva aponta porque ao Império é importante afastar o cidadão: "A restrição à cidadania, portanto, baseava-se, de um lado, em suposta preocupação com a lisura do pleito e com a autenticidade da representação e, do outro, no interesse econômico dos grandes proprietários dublês de chefes políticos. Por trás do problema estava, no entanto, o grande dilema da política imperial: como tornar o governo mais dependente dos interesses da classe proprietária rural sem, no entanto, deixar de ser árbitro dos conflitos entre setores desta mesma classe" (Carvalho, 1996CARVALHO, José Murilo de. A Construção da ordem: a elite política; Teatro de sombras: a política imperial. Rio de Janeiro, Editora UFRJ, Relume-Dumará, 1996. 2ª ed.rev.:363, grifos nossos).
  • 28
    Uma leitura dos dois últimos capítulos XIII e XIV do livro fornece as explicações relativas às consequências da implantação da democracia no Brasil a partir de 1822.
  • 29
    "Ensinava-se a ela só o que fosse considerado necessário para viver em sociedade. As relativamente poucas escolas existentes no século XIX no Brasil enfatizavam atividades complementares aos papéis femininos de esposa e mãe. As diferenças entre a educação reservada para os homens e a destinada às mulheres reforçava a ideia de mundos masculino e feminino distintos. (...) A primeira legislação referente à educação feminina surgiu em 1827, mas a lei admitia meninas somente na escola elementar, não nas instituições de ensino superior. A ênfase permanecia na costura e não na escrita" (Hahner, 2003 HAHNER, June E. Emancipação do sexo feminino. A luta pelos direitos da mulher no Brasil. 1850-1940. Florianópolis-SC, Ed. Mulheres; Santa Cruz do Sul, EDUNISC, 2003.:73-76).
  • 30
    "A lei ordenava e os pais desejavam que as escolas femininas enfatizassem as prendas domésticas, jamais ensinadas aos meninos" (Hahner, 2003 HAHNER, June E. Emancipação do sexo feminino. A luta pelos direitos da mulher no Brasil. 1850-1940. Florianópolis-SC, Ed. Mulheres; Santa Cruz do Sul, EDUNISC, 2003.:76).
  • 31
    Permanecendo efetivas até a promulgação do Código Civil de 1916.
  • 32
    Esse período tem um volume considerável de estudos nas áreas mais diversas. Limito-me ao que possa interessar a este enfoque sobre a estrutura eleitoral.
  • 33
    Há discussão sobre a interpretação desse termo, na época do império. Para as incompatibilidades; ver Porto (2000:241) PORTO, Walter Costa. Dicionário do Voto. Brasília, EDUnB; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado, 2000..
  • 34
    Diz a autora: "Debaixo do item "situações restritivas" abrigam-se as discriminações concernentes à renda, à instrução, à condição social e religiosa e também à respeitante ao sexo". De Porto (2002:285)PORTO, Walter Costa. O Voto no Brasil - Da Colônia à 6ª República. Rio de Janeiro, Topbooks Editora e Distribuidora de Livros Ltda., 2002. a transcrição do art. 70 § 1º: - "Não podem alistar-se eleitores para as eleições federais, ou para as do estado: 1º. Os mendigos; 2º. Os analfabetos; 3º. As praças de pret, excetuando os alunos das escolas militares de ensino superior; 4º. Os religiosos de ordem monástica, companhias, congregações, ou comunidades de qualquer denominação, sujeitas a voto de obediência, regra, ou estatuto, que importe a renúncia da liberdade individual."
  • 35
    Paiva, Maria Arair Pinto (1985:208)PAIVA, Maria Arair Pinto. Direito político do sufrágio no Brasil (1822-1982). Brasília, Thesaurus Editora, 1985. considera trifásica a condição do alistamento: "De inicio, o alistamento era incipiente (de 1824 a 1846), depois tornou-se necessário (de 1846 a 1945) e, por último, é obrigatório para poder ser exercitado o direito do sufrágio (de 1945 aos dias de hoje)".
  • 36
    Cf. maiores detalhes sobre o alistamento em Nicolau (2002:29); Porto, 2000 PORTO, Walter Costa. Dicionário do Voto. Brasília, EDUnB; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado, 2000. e 2002PORTO, Walter Costa. O Voto no Brasil - Da Colônia à 6ª República. Rio de Janeiro, Topbooks Editora e Distribuidora de Livros Ltda., 2002..
  • 37
    Uma disposição legal que só passa a ser regra a partir de 1932.
  • 38
    O eleitor tem uma escolha plurinominal, mas pode dispor de todos ou de uma parte de seus votos na escolha de um só candidato. Cf. Porto (2000:424) PORTO, Walter Costa. Dicionário do Voto. Brasília, EDUnB; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado, 2000..
  • 39
    "O sistema escolar brasileiro exprimia o consenso social sobre o papel da mulher. Ensinava-se a ela só o que fosse considerado necessário para viver em sociedade. As relativamente poucas escolas existentes no século XIX no Brasil enfatizavam atividades complementares aos papéis femininos de esposa e mãe" (Hahner, 2003 HAHNER, June E. Emancipação do sexo feminino. A luta pelos direitos da mulher no Brasil. 1850-1940. Florianópolis-SC, Ed. Mulheres; Santa Cruz do Sul, EDUNISC, 2003.:73-74).
  • 40
    É preciso referir que as profissões se acham distribuídas na sociedade de acordo com as classes sociais dessas mulheres. Por exemplo, somente as mulheres da classe média é que se acham nos empregos do magistério público, como as da classe pobre estão nas profissões de costureiras, empregadas domésticas, e as da elite não têm o incentivo para o trabalho fora de casa (Hahner, 2003 HAHNER, June E. Emancipação do sexo feminino. A luta pelos direitos da mulher no Brasil. 1850-1940. Florianópolis-SC, Ed. Mulheres; Santa Cruz do Sul, EDUNISC, 2003.:80).
  • 41
    Sobre as demandas sociais da época, cf. Penna (1988:103-123)PENNA, Valéria. A Mulher Trabalhadora. In: CARVALHO, Nanci Valadares (Org.). A Condição Feminina. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais Ltda. , 1988, p.117..
  • 42
    O ativismo político alcança outras dimensões nesse período como a criação de associações para as questões da educação da mulher, como a Liga contra o Analfabetismo, criado por Maria Lacerda de Moura
  • 43
    Sobre a análise do coronelismo, ver Carvalho, 1997; ver também Dicionário Histórico-Bibliográfico Brasileiro (2001:1558-600).
  • 44
    Pippa Norris & Lovenduski (1995)NORRIS, Pippa e LOVENDUSKI, Joni. Political Recruitment. Gender, race and class in the British parliament. Cambrige University Press, 1995. registram, no sistema político inglês, três tipos de recrutamento de candidaturas que podem se dar pela patronagem, pela meritocracia e pelas ações afirmativas.
  • 45
    Cf. Código Eleitoral de 1932 - DEC - 021076 de 24/02/1932. Disponível em: <www.senado.gov.br/>.
  • 46
    Nas discussões da Constituição de 1934, dois movimentos feministas da época, a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino presidida por Bertha Lutz, e a Aliança Nacional de Mulheres, dirigida por Natércia da Silveira, prestaram ampla contribuição.
  • 47
    Foi o caso de Almerinda Gama, pelo Distrito Federal. No Pará, as operárias da castanha elegeram Feliz Benoliel, presidente da Concentração Feminina do Trabalho, para representar a classe trabalhadora, mas ela foi destituída da indicação pelo presidente da Federação das Classes Trabalhadoras, Luis Martins e Silva. Feliz Benoliel era uma jovem sufragista que organizara as mulheres na associação de classe, e fazia parte da Liga Nacionalista do Pará. O conflito entre Feliz e Luis Martins e Silva foi muito grave e divulgado pelos jornais paraenses (Álvares, 1990ALVARES, M. Luzia M. Saias, laços e ligas: construindo imagens e lutas. Um estudo sobre a participação política e partidária das mulheres paraenses - 1912-1937. Dissertação de Mestrado, NAEA, Belém-PA,1990 (no prelo).).
  • 48
    Para uma avaliação institucional do sistema eleitoral do período de 1930, Cf as Leis, Constituições e Códigos Eleitorais do período. Cf. o Dicionário Histórico Bibliográfico Brasileiro; Pinto, 1975; Porto, 2000 PORTO, Walter Costa. Dicionário do Voto. Brasília, EDUnB; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado, 2000. e 2002PORTO, Walter Costa. O Voto no Brasil - Da Colônia à 6ª República. Rio de Janeiro, Topbooks Editora e Distribuidora de Livros Ltda., 2002.; além de uma literatura vastíssima que analisa a Revolução de 1930.
  • 49
    Agamenon Magalhães foi o Ministro da Justiça responsável pela redação e convocação da comissão de elaboração do anteprojeto do Decreto-Lei 7586/45 que regulou o alistamento e as eleições no país.
  • 50
    A Constituição de 1946 no Art. 131 considera eleitores todos os brasileiros maiores de dezoito anos, sem qualificar o sexo. No art. 133, é que há referência à obrigatoriedade do voto e à alistabilidade de ambos os sexos, mas inclui: "salvo as exceções previstas em lei". E o que está previsto em lei é a exigência de alistáveis às mulheres que "exercessem profissões lucrativas".
  • 51
    Sobre isso cf. Nicolau, 1999______. Sistemas eleitorais: uma introdução. Rio de Janeiro, Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999 (Coleção FGV Prática)..
  • 52
    O Código Eleitoral de 1950, no Art. 4º, letra d, reproduz o constante na Lei em referência. O que pensar disso?
  • 53
    As referências de Porto (2000:128-29) são parte da argumentação de Cabral, João C. da Rocha (p. 23).
  • 54
    E incluo a seletividade do voto da mulher.
  • 55
    Cf. em Porto, 2000 PORTO, Walter Costa. Dicionário do Voto. Brasília, EDUnB; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado, 2000. e 2002PORTO, Walter Costa. O Voto no Brasil - Da Colônia à 6ª República. Rio de Janeiro, Topbooks Editora e Distribuidora de Livros Ltda., 2002., a relação de deputadas federais desde os anos 1950 até 1999. Sobre as restrições a algumas mulheres que não têm emprego remunerado, cf. também o Código Eleitoral de 1950, Art. 175, item 1, relativo às infrações penais.
  • 56
    Cita-se, nesta oportunidade, Lima Jr. 1981; 1983LIMA JR., Olavo Brasil de. Os partidos políticos brasileiros: a experiência federal e regional: 1945 a 1964. Rio de Janeiro, Ed. Graal, 1983.; Santos, 1987; Nicolau, 2000; 2002; Schmitt, 2000SCHMITT, Rogério. Partidos políticos no Brasil (1945-2000). Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2000..
  • 57
    As referências aos autores que tratam de recrutamento utilizando-se dos antecedentes sociais dos eleitos entre outros são: Fleischer, 1981FLEISCHER, David V. (org.). Dimensões do Recrutamento Partidário. In: Os partidos políticos no Brasil. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1981. 2 v. ilust. (Cadernos da UnB). ; Marenco, 2000MARENCO dos SANTOS, André. Não se fazem mais oligarquias como antigamente. Recrutamento parlamentar, experiência política e vínculos partidários entre deputados brasileiros 1946-1998. Tese de Doutorado, PPG-Ciência Política - UFRGS, 2000.; Rodrigues, 2002RODRIGUES, Leôncio Martins. Partidos, ideologia e composição social: Um estudo das bancadas partidárias na câmara de deputados. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2002.; Santos, 2000SANTOS, Fabiano. Deputados federais e instituições legislativas no Brasil: 1946-99. In: BOSCHI, R.; Diniz, E.; e SANTOS, F. Elites políticas e econômicas no Brasil contemporâneo. São Paulo, Fundação Konrad Adenauer, 2000, pp.89-117..
  • 58
    Esse estudo precisa ser feito.
  • 59
    A formação desse grupo de elite e as formas de recrutamento e decisões que sustentaram o regime militar podem ser pesquisados em Dreiffus (1981).
  • 60
    Cf. Schmitt (2000:34)SCHMITT, Rogério. Partidos políticos no Brasil (1945-2000). Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2000.: "Como a determinação do AC-4 era no sentido de que se constituíssem organizações provisórias com atribuições de partidos, e não partidos políticos propriamente ditos, nenhuma das novas legendas criadas pela reforma partidária de 65-66 continha a palavra "partido" em sua denominação".
  • 61
    Os Códigos Eleitorais, os AIs, AC, Emendas e a Constituição de 1967 foram extraídos do site www.senado.gov - Legislação; e do CD-Rom - Legislação Republicana Brasileira, Senado, DF, 2003.
  • 62
    A Emenda Constitucional nº 15/80 restabeleceu o voto direto aos governadores e prefeitos em localidades que não fossem de "segurança nacional".
  • 63
    As eleições de 1974 preocuparam os militares devido ao crescimento da oposição. Daí que o quadro de 1978 foi acompanhado de Emendas Constitucionais e leis limitando esse avanço.
  • 64
    A Lei nº 6767, de 20/12/1979, alterou a Lei Orgânica dos Partidos Políticos de 1971 e definiu a formulação de um novo quadro partidário. Em maio de 1980, já estavam organizados, no Congresso, seis novos partidos - o PMDB, o PDS, PT, PTB, PP e PDT. Há uma literatura expressiva sobre o golpe e o processo político desse período. Uma fonte importante é Dreiffus, 1981. Sobre os partidos e o resultante do sistema eleitoral, ver Nicolau, 1996 NICOLAU, Jairo Marconi. Multipartidarismo e democracia. Um estudo sobre o sistema partidário brasileiro (1985-94). Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1996.; Santos, 1987; Lima Jr. 1983LIMA JR., Olavo Brasil de. Os partidos políticos brasileiros: a experiência federal e regional: 1945 a 1964. Rio de Janeiro, Ed. Graal, 1983. a; Schmitt, 2000SCHMITT, Rogério. Partidos políticos no Brasil (1945-2000). Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2000..
  • 65
    Tratava-se de uma coalizão formada em 1984, no período de transição democrática, pelo PMDB e pela Frente Liberal (dissidência do PDS), com vistas a apoiar a eleição presidencial de Tancredo Neves, no Colégio Eleitoral (DHBB:103).
  • 66
    Cf. EC-25, de 15/05/1985. In: CD-Roon Legislação Republicana Brasileira.
  • 67
    Cf. a base de dados do TSE. Cf. também Miguel, 2000MIGUEL, Sonia Malheiros. A política de cotas por sexo: um estudo das primeiras experiências no Legislativo brasileiro. Brasília, CFEMEA, 2000.; e Araújo, 1999ARAÚJO, C. Cidadania incompleta: o impacto da lei de cotas sobre a representação política das mulheres no Brasil. Tese de Doutorado, UFRJ-PPGSA, Rio de Janeiro, 1999..
  • 68
    Os partidos políticos brasileiros foram regulamentados através das seguintes leis (desde a incisiva medida de criação dos partidos nacionais pela Constituição de 1946 - Art. 134): Lei 4740/1965; Lei 5682/1971; Lei 6767/1979 (que modifica a anterior) e seus acréscimos através de emendas; e a Lei 9096/1995 com acréscimos de emendas.
  • 69
    Através da Constituição de 1988, os partidos políticos que "pela tradição jurídica da Terceira e da Quarta Repúblicas eram considerados pessoas jurídicas de direito público interno, sendo, portanto, sujeitos a regulação por lei federal (...)" passaram a um novo status de pessoas jurídicas de direito privado e isso fica bem explícito na matéria aprovada pela Lei dos Partidos Políticos. Cf. também Schmitt (2000:64)SCHMITT, Rogério. Partidos políticos no Brasil (1945-2000). Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2000..
  • 70
    Araújo (1999)ARAÚJO, C. Cidadania incompleta: o impacto da lei de cotas sobre a representação política das mulheres no Brasil. Tese de Doutorado, UFRJ-PPGSA, Rio de Janeiro, 1999. diferencia ações afirmativas e discriminação positiva: a primeira, metas a se alcançar; a segunda, ações mais radicais, como as cotas.
  • 71
    Atenção para o Art. 142 do Código Civil de 1916, que dispõe sobre o consentimento do marido aos atos da mulher, entre os quais o de exercer uma profissão. Daí as cláusulas restritivas ao voto feminino para as não enquadradas nesse dispositivo e que só foram abolidas com o Estatuto da Mulher Casada, Lei 4.121/62. Deduz-se disso que o Código Eleitoral de 1965 desfizesse os óbices às mulheres nessa condição. "Outro importante passo para a libertação econômica da mulher foi a vigência do Código Comercial que passou a admitir a mulher como comerciante"(Silva, Raquel, 2004).

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  • CÓDIGO Eleitoral de 1997 - Lei nº 4737, de 15 de julho de 1965.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    02 Set 2014
  • Aceito
    30 Set 2014
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