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Diversidade de gênero e educação nas áreas rurais do Brasil

Resumo

O artigo focaliza a diversidade de gênero e busca preencher uma marcante lacuna no tratamento dessa temática no campo, no Brasil, por meio de oficinas desenvolvidas com adolescentes em escolas de assentamentos de Reforma Agrária no Paraná (2015-2017). A pesquisa constatou, no campo, uma apropriação diferenciada e não linear da projeção da temática da diversidade de gênero pela mídia televisiva no contexto da legalização do casamento homossexual no Brasil (2013), bem como marcantes tensões geracionais decorrentes da aceitação, por parte de jovens, de relações homoafetivas e da homoparentalidade. A pesquisa concluiu que o conhecimento sistemático disponibilizado pela educação formal dirimiu retrocessos ocasionais entre os(as) jovens, propiciou a revisão do preconceito, reduziu a homofobia e promoveu atitudes de respeito a distintas formas de organização familiar e vivência da sexualidade.

Gênero; Diversidade; Juventude Rural; Educação Formal

Abstract

The article focuses on gender diversity and seeks to fill a significant gap in the treatment of this topic in the countryside, in Brazil, through workshops carried out with adolescents in schools from Agrarian Reform settlements in Paraná (2015-2017). In the rural areas, the research found a differentiated and non-linear appropriation of gender diversity’s projection by the television media in the context of homosexual marriage being legalized in Brazil (2013), as well as notable generational tensions resulting from the acceptance, by young people, of homosexual relationships and homoparentality. The research concluded that the systematic knowledge made available by formal education mitigated occasional setbacks among young people, propitiated the revision of prejudice, reduced homophobia and promoted attitudes of respect for distinct forms of family organization and experience of sexuality.

Gender; Diversity; Rural Youth; Formal Education

Introdução: o status quo dos estudos sobre a diversidade de gênero no campo no Brasil

Há uma lacuna na produção de pesquisas sobre a diversidade de gênero nas áreas rurais (Gontijo; Erick, 2015GONTIJO, Fabiano; ERICK, Igor. Diversidade Sexual e de Gênero, Ruralidade, Interioridade e Etnicidade no Brasil: Ausências, Silenciamentos e... Exortações. ACENO (2)4, 2015, pp.24-40 [https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/aceno/article/view/3181 - acesso em: 8 nov. 2020].
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), bem como na disseminação de conhecimento sistematizado sobre a temática nas escolas do campo. No Brasil, os estudos de gênero e ruralidade têm focalizado a divisão sexual do trabalho (Heredia, 1979HEREDIA, Beatriz. A morada da vida: trabalho familiar de pequenos produtores do Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979.), a organização política, produtiva e o protagonismo das mulheres camponesas (Esmeraldo, 2013ESMERALDO, Gema. O protagonismo político de mulheres rurais por seu reconhecimento econômico e social. In: NEVES, Delma; MEDEIROS, Leonilde (org.). Mulheres camponesas: trabalho produtivo e engajamentos políticos. Niterói, Alternativa, 2013, pp.237-256.), a luta feminista pela igualdade de gênero, o acesso à terra e a soberania alimentar (Medeiros, 2010; Schwendler, 2013SCHWENDLER, Sônia Fátima. Women’s emancipation through participation in land struggle. Tese (PhD in Iberian and Latin American Studies), University of London, Londres, 2013.) e, mais recentemente, a violência contra as mulheres (Scott et al., 2010SCOTT, Parry et al. Onde mal se ouvem os gritos de socorro: notas sobre a violência contra a mulher em contextos rurais. In: SCOTT, Parry; CORDEIRO, Rosineide; MENEZES, Marilda (org.). Gênero e geração em contextos rurais. Florianópolis, Mulheres, 2010, pp.63-94.). Com as transformações atuais no campo e o avanço da teoria, a questão da sexualidade camponesa, praticamente ausente nos estudos rurais e de gênero e sexualidade nas ciências sociais e humanas, começa a ser estudada a partir da especificidade dos sujeitos e de seus territórios (Woortmann, 2010WOORTMANN, Ellen. Prefácio. In: SCOTT, Parry; CORDEIRO, Rosineide; MENEZES, Marilda (org.). Gênero e geração em contextos rurais. Florianópolis, Mulheres, 2010, pp.9-14.; Gontijo; Erick, 2015GONTIJO, Fabiano; ERICK, Igor. Diversidade Sexual e de Gênero, Ruralidade, Interioridade e Etnicidade no Brasil: Ausências, Silenciamentos e... Exortações. ACENO (2)4, 2015, pp.24-40 [https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/aceno/article/view/3181 - acesso em: 8 nov. 2020].
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).

A homossexualidade no campo era analisada, sobretudo, sob a luz do processo migratório. Esse padrão de interpretação, baseado na dicotomização urbano/rural, tem estruturado hierarquias culturais, com a subsequente marginalização do rural (Scott et al., 2015SCOTT, John et. al. Desire, belonging and absence in rural places. Rural Society (24) 3, 2015, pp.219-226. https://doi:10.1080/10371656.2015.1099263
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; Bell, 2000BELL, David. Farm boys and wild men: rurality, masculinity, and homosexuality. Rural Sociology (65)4, 2000, pp.547-561. https://doi.org/10.1111/j.1549-0831.2000.tb00043.x
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). A cultura moderna urbana tem sido apresentada pelas pesquisas, no âmbito nacional e internacional, como lócus por excelência para a afirmação da diversidade sexual, por ser um ambiente heterogêneo e que oferece oportunidades para o anonimato e para a liberdade sexual (Valentine; Skelton, 2003VALENTINE, Gill; SKELTON, Tracey. Finding oneself, losing oneself: The lesbian and gay ‘scene’ as a paradoxical space. International Journal of Urban and Regional Research (27), 2003, pp.849-866.). As cidades têm sido vistas como espaços que atraem o segmento LGBT1 1 Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais ou Transgêneros. , como forma de escapar da discriminação, do preconceito, do controle e da dominação da família e das relações (Green, 2000GREEN, James. “Mais amor e mais tesão”: a construção de um movimento brasileiro de gays, lésbicas e travestis. cadernos pagu (15), Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2000, pp.271-295 [https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8635596 - acesso em: 29 jan. 2020].
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). Os estudos de Green da década de 90 destacam as grandes cidades brasileiras como ímãs que atraíam homossexuais do interior que, junto com os nativos das cidades grandes, formavam “subculturas homossexuais urbanas” (Green, 2000:278). Os espaços rurais, por outro lado, têm sido caracterizados como idílicos, formados por comunidades harmônicas, coesas e homogêneas e, portanto, heteronormativas (Scott et al., 2015SCOTT, John et. al. Desire, belonging and absence in rural places. Rural Society (24) 3, 2015, pp.219-226. https://doi:10.1080/10371656.2015.1099263
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) ou como portadores de uma visão estreita e restrita da sexualidade, promotora de relações e papéis de gênero convencionais (Browne, 2011BROWNE, Kath. Beyond rural idylls: Imperfect lesbian utopias at Michigan women’s music festival. Journal of Rural Studies, 27, 2011, pp.13-23. https://doi.org/10.1016/j.jrurstud.2010.08.001
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). Essa ordem social rígida, com pouca tolerância para a expressão da diversidade sexual (Scott et al., 2015SCOTT, John et. al. Desire, belonging and absence in rural places. Rural Society (24) 3, 2015, pp.219-226. https://doi:10.1080/10371656.2015.1099263
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), levaria as minorias rurais a adotarem, em muitas situações, uma “camuflagem sexual” para performatizar o gênero de modo a se ajustar às regras hegemônicas de viver e trabalhar nos espaços do campo (Fellows, 2001FELLOWS, W. Farm boys: Lives of gay men from the rural Midwest. Madison, WI, University of Wisconsin Press, 2001.).

Pesquisas mais recentes, no entanto, vêm buscando compreender como a heterossexualidade é afirmada/construída, mas também contestada/desconstruída na prática cotidiana no meio rural. A caracterização simplista do rural como um espaço que limita a vivência da sexualidade e do urbano como espaço liberal tem sido desafiada por visões mais positivas da diversidade sexual no campo (Scott et al., 2015SCOTT, John et. al. Desire, belonging and absence in rural places. Rural Society (24) 3, 2015, pp.219-226. https://doi:10.1080/10371656.2015.1099263
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). Paulo Ferreira (2006)FERREIRA, Paulo. Os afectos mal-ditos: o indizível das sociedades camponesas. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social), Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade de Brasília (UnB), Brasília, 2006., em sua pesquisa antropológica sobre masculinidades e sexualidades no nordeste brasileiro no interior do Ceará, aborda o “indizível das sexualidades camponesas”. O autor faz uma crítica às teorias do campesinato e de gênero e sexualidade que anulam e silenciam a sexualidade camponesa, os “afectos mal-ditos”, que são encaixados no ideal dos desejos heteronormativos de uma “ruralidade idealizada”. A tese de Silvana Nascimento (2006), Gênero e Sociabilidade no Interior de Goiás, elucida que nas populações camponesas a identidade “sexuada” está baseada “num modelo heterossexual e hierárquico que, no entanto, não esgota todos os sentidos das relações entre os sexos já que as formas de encontros coletivos definem-se pela regra da homossociabilidade”, a qual é uma lógica da sociabilidade local que “reúne pessoas do mesmo sexo e, ao mesmo tempo, separa aquelas de sexos diferentes, homens de um lado, mulheres de outro” (Nascimento, 2006:85, 89).

Essas pesquisas, entre outras, questionam a discursividade hegemônica trazida pelos estudos rurais e de gênero e sexualidade que têm ignorado (ou tratado de forma tangencial) as complexas e diversificadas realidades interioranas, rurais e etnicamente diferenciadas, assim como os contextos amazônicos no que tange a diversidade sexual e de gênero (Gontijo, 2015GONTIJO, Fabiano. Sexualidade e Ruralidade no Brasil: o que os estudos rurais e os estudos de gênero e sexualidade (não) dizem sobre essa relação? Vivência n. 45, 2015, pp.145-158 [https://periodicos.ufrn.br/vivencia/article/view/8256 - acesso em: 12 nov. 2020].
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; Gontijo; Erick, 2015GONTIJO, Fabiano; ERICK, Igor. Diversidade Sexual e de Gênero, Ruralidade, Interioridade e Etnicidade no Brasil: Ausências, Silenciamentos e... Exortações. ACENO (2)4, 2015, pp.24-40 [https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/aceno/article/view/3181 - acesso em: 8 nov. 2020].
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). Fabiano Gontijo destaca a importância de uma agenda de pesquisa que reconheça essa diversidade e a maneira criativa pela qual os sujeitos rurais, interioranos, indígenas, quilombolas, caboclos e ribeirinhos constituem relações afetivas, as quais interrogam a maneira como os “padrões hegemônicos de normalidade”, como compreendido por Butler, “seriam (re)interpretados e experimentados (talvez às avessas) em contextos culturais distintos, criando novos ou outros sujeitos imbuídos de novas ou outras moralidades e (até mesmo) constituindo novas ou outras legalidades” (2017GONTIJO, Fabiano. As experiências da diversidade sexual e de gênero no interior da Amazônia: apontamentos para estudos nas ciências sociais. Cienc. Cult. , v. 69, n. 1, São Paulo, mar. 2017, pp.50-53.:53). As particularidades situacionais de realidades rurais e etnicamente diferenciadas, por exemplo, têm tensionado as experiências da diversidade sexual e de gênero, conforme aponta estudo de Gontijo, Domingues e Erick (2016FERREIRA, Paulo. Os afectos mal-ditos: o indizível das sociedades camponesas. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social), Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade de Brasília (UnB), Brasília, 2006.:84), que revela que o mundo rural e quilombola “não absorve passivamente o influxo do mundo urbano, mas negocia com este último de acordo com seus próprios interesses locais”.

Pesquisas recentes também têm trazido a migração urbana-rural e o desenvolvimento de uma subcultura/identidade gay em espaços rurais (Gorman-Murray, 2007GORMAN-MURRAY, Andrew. Rethinking queer migration through the body. Social and Cultural Geography (8), 2007, pp.105-121. https://doi.org/10.1080/14649360701251858
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; Kazyak, 2011KAZYAK, Emily. Disrupting Cultural Selves: Constructing Gay and Lesbian Identities in Rural Locales. Qualitatives Sociology (34), 2011, pp.561-581. https://doi.org/10.1007/s11133-011-9205-1
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), revelando/confirmando que a forma que as pessoas expressam e vivem a sua sexualidade é, muitas vezes, distinta entre o campo e a cidade (Kazyak, 2011KAZYAK, Emily. Disrupting Cultural Selves: Constructing Gay and Lesbian Identities in Rural Locales. Qualitatives Sociology (34), 2011, pp.561-581. https://doi.org/10.1007/s11133-011-9205-1
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). A pesquisa de Emily Kazyak (2011)KAZYAK, Emily. Disrupting Cultural Selves: Constructing Gay and Lesbian Identities in Rural Locales. Qualitatives Sociology (34), 2011, pp.561-581. https://doi.org/10.1007/s11133-011-9205-1
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, realizada com gays e lésbicas que viviam ou migraram para áreas rurais e/ou cidades pequenas nos Estados Unidos, identificou uma crescente aceitação da sexualidade de pessoas LGBT no espaço rural, vinculada ao reconhecimento de valores que definem alguém como sendo uma boa pessoa por parte da comunidade. Essa migração urbana-rural também pode ser identificada no Brasil com a territorialização da luta pela terra e a crescente aceitabilidade de pessoas LGBT no campo, como identificado nos estudos de Mariano e Paz (2018)MARIANO, Alessandro; PAZ, Thaís. Diversidade Sexual e de Gênero no MST: Primeiros passos na luta pela liberdade sexual. In: NOGUEIRA, Leonardo et al (org.). Hasteemos a Bandeira Colorida. São Paulo, Expressão Popular, 2018, pp. 289-313. e Cordeiro (2019)CORDEIRO, Agnaldo. A construção do debate de gênero e diversidade sexual no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, 2019..

No presente estudo, o rural é compreendido em sua complexidade, num “espaço-tempo que transita entre ruralidade e urbanidade” (Gontijo; Erick, 2015GONTIJO, Fabiano; ERICK, Igor. Diversidade Sexual e de Gênero, Ruralidade, Interioridade e Etnicidade no Brasil: Ausências, Silenciamentos e... Exortações. ACENO (2)4, 2015, pp.24-40 [https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/aceno/article/view/3181 - acesso em: 8 nov. 2020].
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), onde os regimes heteropatriarcais vêm sendo desafiados, particularmente, nos acampamentos e assentamentos de reforma agrária.2 2 Entra em destaque a ação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST (1984), que vem promovendo uma consciência maior das questões de gênero e da diversidade sexual, a partir do protagonismo das mulheres camponesas e, mais recentemente, dos sujeitos LGBT, que se organizam como Coletivo LGBT Sem Terra desde 2015. Nesse contexto, a questão LGBT teve como impulso a luta das mulheres para romper a cultura patriarcal. Tal desenvolvimento é impulsionado por meio da cláusula da paridade de gênero (2000) e da obrigatoriedade da inclusão da mulher como beneficiária da reforma agrária (2003) (Schwendler, 2013SCHWENDLER, Sônia Fátima. Women’s emancipation through participation in land struggle. Tese (PhD in Iberian and Latin American Studies), University of London, Londres, 2013.). Mudanças nos papéis de gênero foram também instigadas pela escolarização da juventude no campo e pela percepção, elaborada em estudos posteriores (Schwendler, 2020SCHWENDLER, Sônia Fátima. A divisão sexual do trabalho no campo sob a perspectiva da juventude camponesa. Revista Estudos Feministas, v. 28, n. 1, Florianópolis, 2020, e58051.), de que as mudanças culturais que afetam mais fortemente a juventude – mais escolarizada e que se abre a novas sociabilidades e padrões de gênero – provocam conflitos e tensões geracionais no contexto do campo. Igualmente, a interação com grupos LGBT urbanos, num contexto em que as pautas relacionadas à temática da diversidade de gênero ganham espaço na cena política do país, contribuiu para a auto-organização dos LGBT Sem Terra dentro do MST (Mariano; Paz, 2018MARIANO, Alessandro; PAZ, Thaís. Diversidade Sexual e de Gênero no MST: Primeiros passos na luta pela liberdade sexual. In: NOGUEIRA, Leonardo et al (org.). Hasteemos a Bandeira Colorida. São Paulo, Expressão Popular, 2018, pp. 289-313.). Dessa forma, a luta pelos direitos LGBT é transposta para o campo e recriada a partir dos pressupostos teóricos e políticos da luta pela terra, vinculados ao projeto da Reforma Agrária Popular (Cordeiro, 2019CORDEIRO, Agnaldo. A construção do debate de gênero e diversidade sexual no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, 2019.). A bandeira colorida também é hasteada no campo, especialmente nos encontros coletivos promovidos pelo MST, nos assentamentos e acampamentos de reforma agrária, bem como na Via Campesina, organização que reúne os movimentos sociais de campo, no âmbito nacional e internacional.

No entanto, no ambiente das escolas do campo, há uma marcante lacuna no tratamento da questão da diversidade de gênero. A sexualidade, quando trabalhada, é-o de forma biologizada e medicalizada (Zanatta et al., 2016ZANATTA, Luiz et al. A educação em sexualidade na escola itinerante do MST: percepções dos (as) educandos(as). Educação, Pesquisa (42), 2, 2016, pp.443-458. https://doi.org/10.1590/S1517-9702201606144556
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). A maior fonte de informação para a juventude sobre a temática, conforme aponta pesquisa de Luciane da Silva (2019)SILVA, Luciane. Gênero e sexualidade como dimensões da formação humana na Escola Estadual do Campo José Martí, Assentamento Oito de Abril. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, 2019., realizada em uma escola de assentamento, tem sido a mídia televisiva e a internet, a interação com colegas de escola e os espaços formativos protagonizados pela juventude Sem Terra.

Frente à (quase) invisibilidade da temática no contexto rural brasileiro, tanto na produção da pesquisa, como assinalam Gontijo e Erick (2015)GONTIJO, Fabiano; ERICK, Igor. Diversidade Sexual e de Gênero, Ruralidade, Interioridade e Etnicidade no Brasil: Ausências, Silenciamentos e... Exortações. ACENO (2)4, 2015, pp.24-40 [https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/aceno/article/view/3181 - acesso em: 8 nov. 2020].
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, quanto na prática pedagógica escolar, o presente estudo examinou as tensões e diferenças geracionais em relação ao modo de compreender e aceitar a diversidade de gênero no campo, em especial relativamente à projeção potencializada da homoafetividade pela mídia televisiva no contexto da legalização do casamento homossexual no Brasil (2013). Investigamos também o impacto dos aprendizados de gênero propiciados pelas oficinas pedagógicas desenvolvidas pelo Projeto3 3 A pesquisa faz parte do projeto internacional Gênero e educação em áreas rurais no Brasil [Gender and education in rural areas in Brazil] desenvolvido pela Universidade Federal do Paraná (Sônia Fátima Schwendler) e o Queen Mary University of London (Else R. P. Vieira), patrocinado pela British Academy/Newton Trust (2015-2017) (AF150000). , com ênfase na reprodução, na subversão e na desconstrução dos regimes regulatórios hegemônicos.

O percurso metodológico da pesquisa

Tendo como objetivo final a coprodução, com a juventude escolar, de recursos didáticos para a inserção da temática no currículo escolar da Educação do Campo, a presente pesquisa desenvolveu quatro etapas de oficinas pedagógicas, em duas escolas-piloto em áreas de assentamentos de Reforma Agrária no Paraná, conquistados a partir da luta do MST: o Colégio Estadual do Campo Contestado, localizado no Assentamento Contestado (2000), no município da Lapa (estudantes do 8oe 9oano do Ensino Fundamental e do Ensino Médio) e o Colégio Estadual do Campo Iraci Salete Strosak, localizado no Assentamento Marcos Freire (1998), em Rio Bonito do Iguaçu (estudantes do Ensino Médio e Magistério). As oficinas foram realizadas de novembro de 2015 a junho de 2016, com uma média de 150 estudantes em cada etapa,4 4 Os(as) estudantes participaram das quatro etapas e foram organizados(as) em quatro grupos distintos por etapa. Em cada escola, as oficinas foram realizadas nos turnos em que os(as) estudantes estudavam mediante Termo de Assentimento e Consentimento Livre e Esclarecido assinado pelos responsáveis legais. na faixa etária de 14 a 18 anos. Elas se inserem na metodologia qualitativa da pesquisa-ação participativa5 5 Ver Thiollent (1992). — um processo de coinvestigação, que parte dos problemas práticos e da ótica de quem os vive com o objetivo de modificá-los — vinculado à história de vida dos(as) jovens assentados(as).

A coleta de dados contou com protocolos éticos e a metodologia de história de vida6 6 Ver Thompson (2000); Marre (1991). — que possibilita a apreensão de forma aprofundada das relações que os(as) jovens estabelecem com seu entorno, assim como a reapropriação desse social de modo singularizado — por meio de oficinas pedagógicas. A partir de cenas de novelas recentes da Globo que tematizam a diversidade de gênero, os(as) estudantes foram incentivados(as), inicialmente, a debater a projeção da homoafetividade pela mídia e sua aceitação no campo, no referido contexto da legalização do casamento homoafetivo no Brasil em 2013. Posteriormente, entrelaçando suas percepções a intervenções sistemáticas disponibilizadas pelas pesquisadoras, os(as) estudantes foram convidados a produzir recursos didáticos a serem inseridos no currículo escolar da Educação do Campo.

Essas intervenções se ampararam, em parte, nas contribuições teóricas da filósofa estadunidense Judith Butler, que fazem uma crítica ao binarismo de gênero e à heteronormatividade — onde a heterossexualidade se constitui como a norma social que rege a linguagem, os arranjos sociais e institucionais (Butler, 1990). Para Butler “o regime da heterossexualidade atua para circunscrever e contornar a ‘materialidade’ do sexo, que é formada e sustentada através de normas regulatórias que são, em parte, aquela da hegemonia heterossexual” (Butler, 1993:15, tradução nossa)7 7 No original: “The regime of heterosexuality operates to circumscribe and contour the "materiality" of sex, and that "materiality" is formed and sustained through and as a materialization of regulatory norms that are in part those of heterosexual hegemony”. . A reprodução e o ocultamento da heterossexualidade normativa ocorrem por meio do “refinamento de corpos em sexos distintos com uma aparência ‘natural’ e com disposição ‘natural’ para a heterossexualidade” (Butler, 1988BUTLER, Judith. Performative Acts and Gender Constitution: An essay in Phenomenology and feminist theory. Theatre Journal (40) 4, 1988, pp.519-53. https://doi.org/10.2307/3207893
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:524, tradução nossa)8 8 No original: “the cultivation of bodies into discrete sexes with 'natural' appearances and 'natural' heterosexual dispositions”. . A naturalização, por sua vez, requer uma inteligibilidade cultural, ou seja, uma coerência entre sexo, gênero, prática sexual e desejo, sempre orientado para o sexo oposto, bem como “um sexo estável, expresso por um gênero estável (masculino expressa macho, feminino expressa fêmea) que é definido oposicional e hierarquicamente por meio da prática compulsória da heterossexualidade” (Butler, 1990BUTLER, Judith. Gender trouble: feminism and the subversion of identity. New York, Routledge, 1990.:194, tradução nossa)9 9 No original: “a stable sex expressed through a stable gender (masculine expresses male, feminine expresses female) that is oppositionally and hierarchically defined through the compulsory practice of heterosexuality”. . A isso, somam-se os aportes, de Guacira Louro que, na mesma linha, construiu um arcabouço teórico para o estudo da diversidade de gênero na educação brasileira, interrogando o campo da produção de saberes e poderes genderizados a partir de uma perspectiva do sujeito universal e de uma norma heterossexual (Louro, 1997). Balizaram também a intervenção na educação formal as colocações de Alípio Souza-Filho (2009)SOUSA FILHO, Alípio de. Teorias sobre a gênese da homossexualidade: ideologia, preconceito e fraude. In: JUNQUEIRA, Rogério (org.). Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília, MEC/UNESCO, 2009, pp.95-124. e Roger Rios (2009)RIOS, Roger. Homofobia na perspectiva dos direitos humanos e no contexto dos estudos sobre preconceito e discriminação. In: JUNQUEIRA, Rogério (org.). Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília, MEC/UNESCO, 2009, pp.55-84..

Os testemunhos dos(as) estudantes no contexto das oficinas pedagógicas permitiram refletir sobre as diferentes formas de “aceitação”, de punição e as estratégias de resistência adotadas pelas pessoas LGBT no campo. O estudo possibilitou, ainda, compreender os benefícios pedagógicos e humanos gerados pelo acesso dos(as) educandos(as) a um conhecimento sistemático no decorrer das oficinas pedagógicas. Concluímos que são acentuadas as diferenças geracionais e as tensões decorrentes delas, e que os novos conhecimentos disponibilizados geraram impactos conceituais, culturais e pedagógicos, notadamente a revisão de preconceitos e de atitudes omissivas ou excludentes em direção à diversidade de gênero por parte do grupo de jovens que participaram da pesquisa.

O potencial pedagógico da teledramaturgia no debate sobre a homossexualidade

A partir da legalização do casamento homoafetivo no Brasil em 2013, a Rede Globo projetou, consecutivamente e em curto espaço de tempo, no horário nobre, três telenovelas que deram grande visibilidade à homossexualidade masculina e feminina, assim como ao casamento homoafetivo: Amor à Vida (Walcyr Carrasco, 2013CARRASCO, Walcyr. Amor à Vida (Telenovela), TV Globo, 2013. 221 capítulos. [https://gshow.globo.com/novelas/amor-a-vida/playlists/ - acesso em: 15 de out. 2015]
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); Em Família (Manoel Carlos, 2014CARLOS, Manoel. Em Família (Telenovela), TV Globo, 2014. 143 capítulos [http://gshow.globo.com/novelas/em-familia/- acesso em: 16 out. 2015].
http://gshow.globo.com/novelas/em-famili...
); e Babilônia (Gilberto Braga et al., 2015BRAGA, Gilberto et al., . Babilônia (Telenovela), TV Globo, 2015. 143 capítulos [http://gshow.globo.com/novelas/babilonia/- acesso em: 20 out. 2015].
http://gshow.globo.com/novelas/babilonia...
).

José Oliveira (2014)OLIVEIRA, José Aparecido. A construção discursiva e a recepção da homoafetividade na teledramaturgia brasileira: consumo, representação e identidade homossexual. Tese (Doutorado em Comunicação Social), Programa de Pós-graduação em Comunicação Social, Universidade Metodista de São Paulo, 2014., em trabalho de ponta, chama atenção para o potencial das novelas na ampliação do debate das conquistas legais para além do espaço jurídico e acadêmico, contribuindo com a luta do movimento LGBT para a superação do preconceito e da aceitação da diferença. Segundo o estudioso, a mídia, mais especificamente a novela, pode ser compreendida como “um aliado socioeducativo na ampliação de direitos de pequenas minorias, ampliando conquistas e modernizações que já ocorreram nos meios acadêmicos e jurídicos” (Oliveira, 2014OLIVEIRA, José Aparecido. A construção discursiva e a recepção da homoafetividade na teledramaturgia brasileira: consumo, representação e identidade homossexual. Tese (Doutorado em Comunicação Social), Programa de Pós-graduação em Comunicação Social, Universidade Metodista de São Paulo, 2014.:165). Ele adverte, contudo, que apesar do potencial pedagógico da teledramaturgia em ampliar a discussão sobre a homossexualidade e contribuir para a construção e afirmação da identidade homoafetiva, não há necessariamente uma correspondência entre a codificação e a decodificação do conteúdo, conforme também revela Stuart Hall (2003)HALL, Stuart. Codificação/Decodificação (1980). In: SOVIK, Lívia (org.). Da diáspora: Identidades e mediações culturais. Belo Horizonte, UFMG, 2003, pp.365-380.. Os discursos mediáticos não são simplesmente absorvidos, de forma linear, pela audiência, a qual reelabora e ressignifica esses discursos, a partir de diferentes mediações socioculturais (Orozco Gómez, 2005OROZCO GÓMEZ, G. O telespectador frente à televisão. Uma exploração do processo de recepção televisiva. Comunicare v. 5, n. 1, 2005.; Oliveira, 2014OLIVEIRA, José Aparecido. A construção discursiva e a recepção da homoafetividade na teledramaturgia brasileira: consumo, representação e identidade homossexual. Tese (Doutorado em Comunicação Social), Programa de Pós-graduação em Comunicação Social, Universidade Metodista de São Paulo, 2014.).

Oliveira (2014)OLIVEIRA, José Aparecido. A construção discursiva e a recepção da homoafetividade na teledramaturgia brasileira: consumo, representação e identidade homossexual. Tese (Doutorado em Comunicação Social), Programa de Pós-graduação em Comunicação Social, Universidade Metodista de São Paulo, 2014. argumenta, ainda, que a intencionalidade da ficção televisiva esbarra nos limites da apropriação dos conteúdos veiculados, em especial frente ao modo como os espaços tradicionais de mediação cultural, como a família e a religião, incidem sobre a forma como os conteúdos são apropriados. Há um temor, por parte de segmentos mais conservadores, de que a telenovela altere “as históricas injunções de gênero e sexualidade, pois este produto cultural adentra lares cotidianamente e sua discursividade opera de modo contrário ao que é reproduzido [geralmente] nos espaços dos lares, escola e religião” (Oliveira, 2014OLIVEIRA, José Aparecido. A construção discursiva e a recepção da homoafetividade na teledramaturgia brasileira: consumo, representação e identidade homossexual. Tese (Doutorado em Comunicação Social), Programa de Pós-graduação em Comunicação Social, Universidade Metodista de São Paulo, 2014.:164). É no espaço da família, seguido pelo da escola e o da religião, que ocorrem os primeiros constrangimentos em relação ao direcionamento sexual, e é também nele que se misturam a complexidade das visões dos diferentes indivíduos que constituem a família, mediados pelo seu contexto e pelo conteúdo veiculado pelas novelas.

Leandro Colling (2007COLLING, Leandro. Personagens homossexuais nas telenovelas da Rede Globo: criminosos, afetados e heterossexualizados. Revista Gênero, v 8, n.1, Niterói, EDUFF, 2007, pp.207-222.; 2013COLLING, Leandro. Mais visíveis e mais heteronormativos: A performatividade de gênero das personagens não-heterossexuais nas telenovelas da Rede Globo. In: COLLING, L.; THÜRLER, D. (org.). Estudos e políticas do CUS: Grupo de pesquisa cultura e sexualidade. Salvador, BA, Ed. UFBA, 2013, pp.87-110.) complementa a reflexão, alertando para o fato de que, embora os gêneros e as sexualidades consideradas dissidentes venham ocupando maior espaço nas telenovelas, o discurso e a representação dos personagens homossexuais estariam alinhados a um padrão heterossexista de relacionamento conjugal, pautado na heteronormatividade, em “práticas que parecem predefinidas e, portanto, não necessitam ser problematizadas” (Beleli, 2009BELELI, Iara. “Eles[as] parecem normais”: visibilidade de gays e lésbicas na mídia. Bagoas, n. 04, Natal, RN, 2009, pp.113-130. https://periodicos.ufrn.br/bagoas/article/view/2299
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:117).

Estudo de caso nas escolas dos assentamentos de Reforma Agrária: tensões e diferenças geracionais frente à projeção da homoafetividade pela mídia

Compartilhando com Oliveira a visão da potencialidade da teledramaturgia na ampliação do debate das conquistas legais LGBT, como também com Maria da Glória Gohn (2014)GOHN, Maria da Glória. Educação não formal, aprendizagem e saberes em processos participativos. Investigar em Educação, IIª Série, n.1, 2014 [http://pages.ie.uminho.pt/inved/index.php/ie/article/view/4/4 - acesso em: 01 jul. 2020].
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e sua categorização da mídia televisiva como um espaço de educação não formal, que intencionalmente transmite determinados conhecimentos, produz valores e constrói identidades a partir dos conteúdos que veicula (Gohn, 2014GOHN, Maria da Glória. Educação não formal, aprendizagem e saberes em processos participativos. Investigar em Educação, IIª Série, n.1, 2014 [http://pages.ie.uminho.pt/inved/index.php/ie/article/view/4/4 - acesso em: 01 jul. 2020].
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), a pesquisa de campo, inicialmente, discutiu cenas das referidas novelas com estudantes dos assentamentos de Reforma Agrária mencionados.

Amor à Vida retratou a homossexualidade masculina, tendo também transformado em espetáculo midiático o primeiro beijo gay em uma novela da Globo, conferindo, assim, expressão visual ao novo momento de não proibição e não recusa instaurado pela referida resolução do Conselho Nacional de Justiça.10 10 A Resolução n. 175 (2013) proíbe às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas do mesmo sexo. Já a segunda e terceira trazem o tema da homossexualidade feminina e das novas configurações familiares. Em Família projetou a relação entre a fotógrafa Marina (Tainá Müller) e Clara (Giovanna Antonelli), que se separou de Cadu (Reynaldo Gianecchini), com quem tinha um filho, para viver um amor homoafetivo. A novela novamente alude visualmente à Resolução, ao igualmente espetacularizar o primeiro casamento civil entre duas pessoas do mesmo sexo, assim como a aceitação da família. Já a novela Babilônia deu ênfase à criação de um filho por duas mães, a partir da relação e do casamento homoafetivo de Estela Marcondes (Nathalia Timberg) com Teresa Petruccelli (Fernanda Montenegro). Elas criaram Rafael (Chay Suede), neto de Estela, que perde a mãe no parto e é abandonado pelo pai.

Os(as) estudantes enfatizaram marcantes diferenças geracionais e revelaram uma consciência da heteronormatividade (embora ainda não dispusessem do termo para expressá-la) subjacente à reação preconceituosa dos pais e avós frente à projeção de casais homoafetivos pela mídia. “Os pais são de outra era. Eles pensam diferente” (Educando, Rio Bonito do Iguaçu – RBI, I etapa); “Na comunidade, ouviam-se os mais velhos falando: ‘onde o mundo vai parar, olha o que tá passando na TV’. Uma coisa bem preconceituosa” (Educanda, RBI, I etapa). No entendimento deles, os mais velhos reagem com medo e buscam de certo modo proteger as gerações mais novas da “contaminação” dessas possíveis formas de se relacionar afetivamente na sociedade.

O meu pai, principalmente nas vezes que ele assistiu, falava: “com as crianças pequenas assistindo, mostram esses gays”. Então ele tentava excluir, porque ele já não concorda com essa ideia, e daí passa pras crianças, pras famílias (Educanda, RBI, I etapa).

Eu estava em casa com meus avós e pude observar quando passou esta novela. No começo tudo bem, mas quando eles se assumem como namorados, meus avós falaram: “mas que pouca vergonha, isso é coisa que se passe na televisão para as crianças?” (Educando, RBI, I etapa).

Para algumas/alguns estudantes, a visibilidade dada à homossexualidade pela mídia abre o caminho para o enfrentamento do preconceito. “Antigamente não se fazia novelas com esses casais homossexuais” (Educanda, RBI, IV etapa). Outros(as) educandos(as) (RBI, IV etapa) destacam: “Hoje em dia é mais comum”; “Se busca conhecer a vida deles [de pessoas homossexuais]”.

Nossa pesquisa constatou, ademais, uma não linearidade na conscientização propiciada pela educação não formal das telenovelas, o que confirma a colocação de Oliveira de que espaços tradicionais de mediação cultural, como a família e a religião, incidem sobre a forma como os conteúdos são apropriados. É que a reiteração da heteronormatividade e consequente exclusão da homossexualidade (num eco de Butler) por meio da educação familiar fizeram com que posturas discriminatórias readquirissem consistência no relato que eles fazem da recepção das telenovelas no campo. “Eles [os mais velhos] acabam falando a mesma coisa pros filhos e os filhos seguem o mesmo caminho” (Educanda, Lapa, II etapa); “Se os pais têm bastante preconceito e a criança convive muito com eles, geralmente ela vai ter preconceito também né?” (Educando, RBI, II etapa); “A minha mãe é preconceituosa. Eu não sou preconceituosa, acho que cada um faz o que quer da sua vida. Mas só que a minha mãe, ela tem certo preconceito, porque ela não gosta” (Educanda, RBI, IV etapa).

O ambiente familiar pode ser visto como espaço em que se “reproduzem e legitimam as hierarquias sexuais, naturalizando a norma heterossexual” (Oliveira, 2014OLIVEIRA, José Aparecido. A construção discursiva e a recepção da homoafetividade na teledramaturgia brasileira: consumo, representação e identidade homossexual. Tese (Doutorado em Comunicação Social), Programa de Pós-graduação em Comunicação Social, Universidade Metodista de São Paulo, 2014.:137). A homossexualidade constitui-se nesse contexto como “uma variante da sexualidade inibida pela sujeição cultural” (Souza-Filho, 2009SOUSA FILHO, Alípio de. Teorias sobre a gênese da homossexualidade: ideologia, preconceito e fraude. In: JUNQUEIRA, Rogério (org.). Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília, MEC/UNESCO, 2009, pp.95-124.:103). A foraclusão dessa forma da sexualidade no campo foi fortemente destacada na fala dos(as) estudantes, assim como nos recursos didáticos por eles produzidos (teatro, músicas, poemas, palavras de ordem, fanzines, muralismo) (Schwendler; Vieira, 2016SCHWENDLER, Sônia F.; VIEIRA, Else R. P. (ed.). Landless Voices II: Gender and Education/Vozes Sem Terra II: Gênero e Educação. London, Queen Mary University of London, 2016 [http://landless-voices2.org/ - acesso em: 18 fev. 2018].
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). É que a geração mais nova, como dito, participa de espaços de estigmatização nas famílias e do bullying, inclusive na escola, e acaba reinternalizando e reproduzindo posturas excludentes:

Isto se vê no colégio. É só chegar aqui alguém que é homossexual que eles ficam apontando, dizendo que é gay, é veado (Educanda, Lapa, II etapa).

As pessoas nem sabem se você é gay. Se você está de mãos dadas, não te olham com uma cara normal, te olham, tipo, ah! Como pode uma menina tão jovem e lésbica? (Educanda, Lapa, II etapa).

Vários(as) estudantes destacaram que as pessoas procuram esconder seu preconceito, mas se contradizem ao refutar claramente a possibilidade de a homoafetividade projetada pela mídia se tornar realidade no meio familiar. “Lá em casa a gente assiste novela, independente do que passa, mas só que eles falam: ‘não é pra seguir o que tá passando lá’. Mas, no caso, se estiver falando sobre essas coisas, eles tão ensinando que não deve ter preconceito” (Educanda, Lapa, II etapa). Essa atitude dos pais pode estar associada ao medo de que os filhos incorporem os valores veiculados pela mídia e venham a desenvolver comportamentos homossexuais (Oliveira, 2014OLIVEIRA, José Aparecido. A construção discursiva e a recepção da homoafetividade na teledramaturgia brasileira: consumo, representação e identidade homossexual. Tese (Doutorado em Comunicação Social), Programa de Pós-graduação em Comunicação Social, Universidade Metodista de São Paulo, 2014.). Uma estudante antecipa uma postura omissiva dos pais, ou seja, pedir para ela se afastar de pessoas homossexuais. A minha mãe é bem preconceituosa. Eu às vezes zoo em casa: ‘Vai que a senhora ganha uma nora ao invés de um genro’. Ela fala: ‘Deus me livre se isso me acontecer’” (Educanda, RBI, IV etapa). A fala preconceituosa da mãe revela também a visão analisada por Souza-Filho (2009)SOUSA FILHO, Alípio de. Teorias sobre a gênese da homossexualidade: ideologia, preconceito e fraude. In: JUNQUEIRA, Rogério (org.). Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília, MEC/UNESCO, 2009, pp.95-124., de que a homossexualidade, vista como expressão sexual contrária à natureza e aos preceitos divinos, só poderia ocorrer como castigo de Deus pelo desvio.

Intervenções por meio de aprendizados formais de gênero e a desconstrução dos regimes regulatórios hegemônicos no campo

A contribuição decisiva do projeto residiu na sua segunda etapa: a introdução de conhecimentos sistemáticos sobre a diversidade de gênero nas escolas dos assentamentos de Reforma Agrária e a coprodução de saberes e práticas pedagógicas dentro da especificidade do campo junto aos(às) estudantes. Exerceu-se então o papel transformador da Educação de desconstrução de práticas sociais discriminatórias, contrapondo-se à matriz excludente da heterossexualidade compulsória, segundo a qual os seres que escapam da norma não são “plenamente humanos”. Paulo Freire é ainda eloquente ao propor que a autenticidade da conscientização “se dá quando a prática do desvelamento da realidade constitui uma unidade dinâmica e dialética com a prática de transformação” (Freire, 1982FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 6ªed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982.:145). Butler (1988)BUTLER, Judith. Performative Acts and Gender Constitution: An essay in Phenomenology and feminist theory. Theatre Journal (40) 4, 1988, pp.519-53. https://doi.org/10.2307/3207893
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, por sua vez, traz a lume a necessidade de uma ação de indivíduos para sua reatualização e reprodução como realidade. Decorre daí a crucial intervenção da educação formal no processo, propiciando o acesso ao conhecimento e a revisão de atitudes.

Apesar do mérito da intencionalidade pedagógica das telenovelas, a pesquisa revelou ser a educação formal imprescindível na problematização das situações concretas da realidade (o desvelamento da homofobia) e dos conteúdos veiculados pela mídia (a diversidade de gênero). A constatação da absorção diferenciada da temática e a não linearidade do processo entre os(as) jovens, anteriormente pontuadas por Oliveira (2014)OLIVEIRA, José Aparecido. A construção discursiva e a recepção da homoafetividade na teledramaturgia brasileira: consumo, representação e identidade homossexual. Tese (Doutorado em Comunicação Social), Programa de Pós-graduação em Comunicação Social, Universidade Metodista de São Paulo, 2014., exigiram, assim, um passo além da educação não formal. As falas dos(as) estudantes de fato revelam que os scripts culturais de gênero, como os comportamentos adequados para cada sexo, aprendidos espontaneamente no seio familiar e na comunidade, sobrevivem àqueles que os criaram e reproduziram por meio de gerações. São aprendizados que se cristalizam e que só se modificam por meio da subversão e de um contexto em mutação.

O processo formativo das oficinas inseriu nos debates importantes conceitos e suas respectivas terminologias (distinção entre sexo e gênero, scripts culturais, medicalização e punição da homossexualidade, preconceito, discriminação, abjeção, disciplinamento, diferenças geracionais, orientação sexual, homoafetividade, configurações familiares, etc.), bem como informação factual (mudanças legais, mudança cultural mundial, etc.). Para os(as) estudantes, o conhecimento disponibilizado nas oficinas pedagógicas apontou para novas visões de mundo, o que contribuiu para que contestassem seus pais em relação à vivência da sexualidade. É o que ressalta uma educanda da Lapa, segundo a qual os casais homoafetivos, incluindo aqueles que adotam filhos, proporcionam uma vivência dentro de novos parâmetros culturais: Parece que é um passo adiante do casal hetero. Quando a criança está nessa família, ela entra com uma visão diferente na sociedade” (Educanda, Lapa, II etapa).

Na terceira oficina, quando abordamos a homossexualidade feminina, a legalização do casamento homoafetivo e as novas configurações familiares, os(as) estudantes de Rio Bonito do Iguaçu se sentiram à vontade para discorrer sobre as tensões na família e comunidade e colocarem posições divergentes quanto à aceitação da diversidade de gênero. De um lado, a questão homoafetiva era vista como anormal, e alguns afirmaram que não gostariam de compartilhar espaços com pessoas homossexuais; de outro lado, houve a manifestação de um grupo que aceita e convive com pessoas (na família ou no grupo de amigos) homossexuais.

– Educanda: Nada contra o casamento, mas eu não iria [ao casamento homoafetivo], porque a minha família foi criada de uma forma tradicional. Um casal é um pai e uma mãe. Agora, se eu quero namorar, namoro um menino, se ele quer namorar, namore uma menina. Eu não iria. Não tenho nada contra, mas se tiver se agarrando na minha frente...

– Educando: Eu acho que, se têm duas bocas, podem se beijar.

[...] Gritos, aplausos, burburinho.

– Educanda: Ele falou assim, ó, ‘têm duas bocas podem se beijar’. Claro que podem, mas que vão se beijar no seu canto, não pra eu ficar olhando [...].

– Educando: Meu irmão é homossexual. Normal, minha família aceita, todo mundo aceita. Mas, no caso dela, ela foi criada nessa cultura, mas ela pode mudar essa cultura. O ser humano não é limitado, você pode mudar.

– Educanda: Eu não vejo meu pai, tipo, nossa, meu pai é o homem das cavernas. Eu não quero mudar, eu não me vejo beijando na boca de outra mulher.

– Educando: Mas se você não pode mudar sua opinião, você não pode mudar mais nada. (Gritos, aplausos). Eu acho assim, que se duas meninas se gostam, elas têm todo direito de ficar. Não é porque a sociedade diz, que tem que ser homem com mulher. Eu acho que quando duas pessoas se gostam, realmente não importa.

Enquanto uma estudante compreendia ser normal rejeitar o que não se conhece, outro estudante argumentava que isso é ignorância.

– Educanda 1: Então, cada um faz o que quer, no seu espaço. Eu não julgo, não chego e falo “não gosto de você, porque é diferente de mim”. Mas eu respeito.

– Pesquisadora: Mas e se uma amiga sua fosse homoafetiva, você continuaria sendo amiga dela?

– Educanda 1: Tá, já aconteceu isso e continuamos amigas, mas nos distanciamos.

– Educanda 2: Já aconteceu comigo e não teve problema.

– Educanda 1: Mas é que na tua cabeça não tem problema, na minha tem.

– Educando: só achei ruim da parte dela de falar que, tipo, a gente vai rejeitar o que a gente não conhece. Eu, por exemplo, sempre vou buscar o que eu não conheço.

Os(as) próprios estudantes ressaltam a importância do papel do conhecimento sobre diversidade de gênero propiciado pelas oficinas enquanto instâncias de educação formal: “O conhecer contribui para construir atitudes diferentes” (Educanda, RBI, III etapa). O educando abaixo destaca tanto a questão da tolerância com o pensar diferente do outro, como o reconhecimento de que o ser humano se constrói na confluência de práticas, discursos e visões de mundo construídas na sociedade e absorvidas, reelaboradas e/ou modificas pelo indivíduo.

A gente é moldado conforme os anos. Tudo é um processo de formação. E é o que a gente não faz, que é discutir isso na nossa casa. Isso pode ser tanto culpa nossa, que não trazemos isso que era pra ser discutido, mas também da sociedade, do convívio social. E esta abertura que a gente tem na oficina já é um passo grande. E a reação que ela teve ali, é a que vários tiveram aqui, no primeiro vídeo que foi passado [Em Família]. “Meu Deus, duas mulheres casando-se”. Então eu acho que é uma construção coletiva. Não tem certo ou errado, tem posições. A gente tem que aprender a aceitar posições (Educando, RBI, III etapa).

Pesquisas de Ferreira (2006)FERREIRA, Paulo. Os afectos mal-ditos: o indizível das sociedades camponesas. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social), Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade de Brasília (UnB), Brasília, 2006., Gontijo e Costa (2012), Gontijo e Erick (2015)GONTIJO, Fabiano; ERICK, Igor. Diversidade Sexual e de Gênero, Ruralidade, Interioridade e Etnicidade no Brasil: Ausências, Silenciamentos e... Exortações. ACENO (2)4, 2015, pp.24-40 [https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/aceno/article/view/3181 - acesso em: 8 nov. 2020].
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, Gontijo, Domingues e Erick (2016)GONTIJO, Fabiano; DOMINGUES, Bruno; ERICK, Igor. As experiências da diversidade sexual e de gênero em quilombos do nordeste e do norte do Brasil: para início de conversa. Amazôn., Rev. Antropol. (Online) 8 (1), 2016, pp.62-89. https://doi:10.18542/amazonica.v8i1.4725
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corroboram a posição do estudante ao revelar as sexualidades silenciadas, bem como a maneira criativa com que as populações do campo, incluindo indígenas e quilombolas, constituem relações afetivas, subvertendo, desse modo, os padrões hegemônicos de uma “ruralidade idealizada”. A fala do estudante, ademais, traz presente dois importantes conceitos trabalhados por Butler: a performatividade e a agência. A performatividade, uma prática reiterativa e citacional pela qual o discurso produz os efeitos que nomeia, ocorre não por meio de atos isolados, mas de sua repetição dentro de uma estrutura regulatória altamente rígida, e de um ritual que se naturaliza com o tempo (Butler, 1990; 1993). Esse processo de reiteração da heterossexualidade “adquire consistência (e invisibilidade) exatamente porque é empreendido de forma continuada e constante (muitas vezes, sutil) pelas mais diversas instâncias sociais” (Louro, 2009LOURO, Guacira. Heteronormatividade e Homofobia. In: JUNQUEIRA, Rogério (org.). Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília, MEC/UNESCO, 2009, pp.85-94.:90). Contudo, a necessidade da reiteração coloca a possibilidade da não conformidade. Nesse processo, Butler (1993)BUTLER, Judith. Bodies that matter, on the discursive limits of "sex". New York & London, Routledge, 1993. destaca a agência dos sujeitos; uma vez que os corpos não se conformam completamente à heteronormatividade, abrem-se possibilidades para a subversão e a desconstrução dos regimes regulatórios hegemônicos.

No decorrer da terceira etapa, a fala de uma educanda já deixa claro que, para que o imaginário do heterossexual como norma social seja desconstruído, é essencial a revisão de conceitos em relação às diferentes formas de expressão da sexualidade humana:

Eu fui criada, não tinha acesso a isso. É bem complicado começar a pensar sobre essa diferença que não é de agora, de repente você para pra pensar ‘Poxa, não tem nada a ver, é a mesma coisa que um ‘casal’, mas até você chegar nessa conclusão é muito difícil esse processo de você refazer toda a construção que os pais fazem, a comunidade faz, a sociedade faz. Até você desconstruir aquilo e chegar ao ponto de saber que um homem beijando um homem é a mesma coisa que uma mulher beijando um homem. É muito complicado por causa dessa dificuldade de mudança de cultura (Educanda, Lapa, III etapa).

Paralelamente, nas duas escolas envolvidas na pesquisa, o impacto da educação formal advindo do Projeto ficou evidente. É que a mudança cultural requer o acesso ao conhecimento, bem como à socialização a partir de parâmetros culturais que problematizem o heterossexismo — “um sistema em que a heterossexualidade é institucionalizada como norma social, política, econômica e jurídica” (Rios, 2009RIOS, Roger. Homofobia na perspectiva dos direitos humanos e no contexto dos estudos sobre preconceito e discriminação. In: JUNQUEIRA, Rogério (org.). Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília, MEC/UNESCO, 2009, pp.55-84.:62), por meio do qual o segmento LGBT é visto como anormal e, portanto, pode ser excluído, silenciado, escondido. A homofobia — expressão discriminatória intensa e cotidiana, que “envolve distinção, exclusão ou restrição prejudicial ao reconhecimento, ao gozo ou ao exercício em pé de igualdade de direitos humanos e liberdades fundamentais” (Rios, 2009RIOS, Roger. Homofobia na perspectiva dos direitos humanos e no contexto dos estudos sobre preconceito e discriminação. In: JUNQUEIRA, Rogério (org.). Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília, MEC/UNESCO, 2009, pp.55-84.:71), daqueles que não se amoldem ao parâmetro heterossexista — quando institucionalizada como heterossexismo, produz “corpos abjetos”, aqueles em que a vida não importa (Butler, 1993BUTLER, Judith. Bodies that matter, on the discursive limits of "sex". New York & London, Routledge, 1993.); a vida como LGBT, a vida como Sem Terra.

Quando, durante uma oficina, as pesquisadoras problematizaram o termo “normal” para designar os heterossexuais (por subentender que a homossexualidade é anormal), aflorou na fala de uma educanda (Lapa, IV etapa) a possibilidade da existência da categoria discriminatória de corpos abjetos na comunidade rural. Ela enfatizou a recorrência, entre os(as) estudantes, do uso do termo “casal normal” para se referir ao casal heterossexual, no sentido de ser essa configuração afetiva a mais comum na sociedade; por outro lado, um casal homossexual seria visto como parte “de outro padrão de sociedade, de outro padrão cultural; uma pessoa que não deveria existir no mundo” (Educanda, Lapa, IV etapa). É importante registrar que, nos últimos anos, vários casais homossexuais têm se constituído em beneficiários da reforma agrária, modificando assim o próprio imaginário e a geografia heterogênea e heterossexual da representação do rural, o que, por si só, não produz a aceitabilidade de diferentes formas de viver a sexualidade no campo.11 11 Essa não aceitação tem contribuído para a produção de uma cultura do ódio e da violência contra as pessoas LGBT, também presente no contexto do campo, a exemplo do assassinato do jovem LGBT Lindolfo Kosmaski, professor da Educação do Campo no Estado do Paraná, em 1 de maio de 2021 (Brasil de Fato, 2021).

Diferentes formas de “aceitação”, de punição e estratégias de resistência

Os estereótipos de gênero e o preconceito contribuem para que as famílias do campo tenham dificuldade em aceitar a homoafetividade de seus filhos. Várias formas de negação da homossexualidade pela família e/ou sociedade emergem nos depoimentos dos(as) estudantes. Uma jovem estudante destaca uma falsa aceitação na sociedade, manifestada muitas vezes por meio do silêncio:

Na minha família é assim, todo mundo aceita, mas que não seja na nossa família. A gente sabe que a maioria das famílias acha um absurdo. Todo mundo conversa, se um homossexual vem, a gente conversa de boa. Mas a gente sabe, né, que não querem que isso aconteça com os filhos (Educanda, RBI, IV etapa).

Os(as) estudantes da Lapa também destacaram, na segunda oficina, que a família é um dos espaços formativos carregados de tabu, na qual a homossexualidade ainda é vista como uma doença. Foi a ocasião em que os(as) estudantes aprenderem que a categorização da homossexualidade como um desvio sexual remonta à sua medicalização no século XIX, que, na busca científica do que poderia causar a anomalia para combatê-la como doença (Souza-Filho, 2009SOUSA FILHO, Alípio de. Teorias sobre a gênese da homossexualidade: ideologia, preconceito e fraude. In: JUNQUEIRA, Rogério (org.). Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília, MEC/UNESCO, 2009, pp.95-124.), legitima o preconceito. Diz um educando: “Porque a família, o pai e uma mãe, aceitar um filho gay ou uma filha lésbica é complicado. Os pais veem como um problema ou uma doença” (Educando, Lapa, II etapa).

Outra questão que aflorou no debate com os(as) estudantes, na segunda oficina, foi a masculinidade hegemônica, que “exige que todos os outros homens se posicionem em relação a ela e legitima ideologicamente a subordinação global das mulheres aos homens” (Connell; Messerschmidt, 2013CONNELL, Robert; MESSERSCHMIDT, James. Masculinidade hegemônica: repensando o conceito. Rev. Estud. Fem. (21) 1, 2013, pp.241-282. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2013000100014
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:245) e exclui e subordina os homossexuais. A fala dos(as) estudantes revela que, em função das masculinidades hegemônicas, a homoafetividade masculina é mais difícil de ser aceita do que a feminina. Como a construção de uma sexualidade inclui a própria demonstração de afeto, a homossexualidade é mais aceita entre meninas e mulheres do que entre meninos e homens.

Pra homem é mais difícil sair do armário, porque, para uma sociedade em si, o homem ele é visto como o alfa, o pilar da família. Como ele vai retroceder a uma coisa desse tipo, andando de mãos dadas com outro homem, ou beijando, ou, muitas vezes, um abraço. As pessoas, muitas vezes, se incomodam por causa disso. Acham uma coisa bizarra, estranha, anormal (Educando, Lapa, II etapa).

A “transgressão da norma heterossexual não afeta apenas a identidade sexual do sujeito, mas é muitas vezes representada como uma ‘perda’ do seu gênero ‘original’” (Louro, 2009LOURO, Guacira. Heteronormatividade e Homofobia. In: JUNQUEIRA, Rogério (org.). Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília, MEC/UNESCO, 2009, pp.85-94.:91). Desse modo, a heteronormatividade, segundo Louro, parece ser exercida de maneira mais intensa e concreta em relação ao gênero masculino. “Às vezes, a própria cultura cria isso, que ‘homem tem que ser homem’, não pode abraçar, não pode beijar, não pode achar outro homem bonito. Já a mulher, não, mulher abraça outra mulher. É uma coisa mais normal” (Educanda, Lapa, II etapa), o que também pode ser explicado pela lógica da homossociabilidade, como revela pesquisa de Nascimento (2006). Além disso, os(as) estudantes desenvolveram a consciência de que é errônea a visão de que os signos, as vestimentas e o brincar influenciam a orientação sexual, ou seja, os marcadores sociais de gênero não são definidores da identidade e da orientação sexual:

Eu tenho um primo que a mãe dele queria uma menina e nasceu menino. Ela tinha comprado tudo rosa, e usou o rosa. Hoje em dia ele ainda é pequeno, ele tem dez anos, mas ele brinca de boneca, ele gosta de mexer em cabelo, então nós já estamos nos preparando porque eu acho que ele vai ser gay. Só que em certo ponto ele também diz que gosta de menininhas da escola (Educanda, Lapa, II etapa).

O conhecimento sistemático introduzido levou também à desconstrução da compreensão, anteriormente recorrente nas duas escolas, de que a homossexualidade seja uma opção ou uma deliberação do indivíduo. A orientação sexual (a heterossexualidade, a homossexualidade e a bissexualidade), segundo Souza-Filho (2009SOUSA FILHO, Alípio de. Teorias sobre a gênese da homossexualidade: ideologia, preconceito e fraude. In: JUNQUEIRA, Rogério (org.). Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília, MEC/UNESCO, 2009, pp.95-124.:113), é “construída nos embates subjetivos e sociais, produzidos nas interações, a partir de padrões culturais, relações de poder, ideias sociais, configurando-se como um fenômeno individual tanto quanto coletivo”. Diz uma estudante do Rio Bonito (IV etapa): “É porque às vezes até os pais podem não ligar tanto, pelo filho ter essa opção. Mas o que os outros vão falar...” Outra educanda, da Lapa (II etapa) declara: “Eu brinquei: ‘pai, mãe, eu vou ser lésbica’. Aí eles falaram: ‘se for essa tua escolha”'.

Destaca-se que a reação dos pais, acima exposta, caso a orientação sexual da filha fosse homoafetiva, não foi a mais encontrada. Os(as) estudantes reviram suas posições, mas os pais, fora desse processo da educação formal, tendem a apresentar visões recalcitrantes de heteronormatividade excludente. Além do mais, parece que a aceitação é mais difícil por parte dos pais do que das mães. “Muitas vezes o pai que é mais complicado com o filho. A mãe, muitas vezes, ela acaba aceitando” (Educando, Lapa, II etapa). Contudo, outras falas, principalmente das estudantes, mostram que as mães, embora mais abertas para o diálogo sobre o assunto, não aceitariam a homossexualidade por considerá-la anormalidade:

Só que ela falou: “Aqui em casa não. Te jogo fora”. Eu tenho um tio gay que é bem próximo. Só que ela fala: “os outros são os outros, nós somos nós”. Ela não aceitaria dentro de casa. [...] Ela fala normal. Ela trata de boa. Só que filha dela não (Educanda, Lapa, II etapa).

Subjaz ao discurso comissivo o disciplinamento dos corpos para sua adequação aos papéis de gênero heteronormativos. Para Michel Foucault, no regime do poder disciplinar, a arte de punir põe em ação dispositivos normalizadores em que se compara, diferencia, hierarquiza, homogeneíza e exclui. A punição pode ocorrer “através de processos sutis, que vão do castigo físico leve a privações ligeiras e a pequenas humilhações” (Foucault, 1997:175).

O estudo do ostracismo social levou uma estudante a identificá-lo no seio da própria família. Ela relata o caso de um tio que mora no assentamento e foi excluído por manter uma relação homossexual. “E os pais dele simplesmente pararam de falar com ele. Excluíram-no. Ele não existe mais para a família” (Educanda, RBI, I etapa). Outra estudante destaca que, “por isso, existem casais que não se assumem por causa dos pais. Escondem, saem de casa” (Educanda, RBI, IV etapa). Muitas vezes, as pessoas não se afirmam como homossexuais para não serem excluídas do convívio familiar ou discriminadas na sociedade. Essa situação, bastante comum no contexto do campo, também foi evidenciada nos estudos de Gontijo, Domingues e Erick (2016)GONTIJO, Fabiano; DOMINGUES, Bruno; ERICK, Igor. As experiências da diversidade sexual e de gênero em quilombos do nordeste e do norte do Brasil: para início de conversa. Amazôn., Rev. Antropol. (Online) 8 (1), 2016, pp.62-89. https://doi:10.18542/amazonica.v8i1.4725
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sobre comunidades quilombolas no norte e nordeste, assim como de Ferreira (2006)FERREIRA, Paulo. Os afectos mal-ditos: o indizível das sociedades camponesas. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social), Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade de Brasília (UnB), Brasília, 2006., no campesinato do nordeste brasileiro. A negação da vivência da homoafetividade pode ser compreendida como estratégia para lidar com os “afectos mal-ditos”, para burlar qualquer repressão ou identificação com a identidade estereotipada e negativa da homossexualidade, como afirma Ferreira (2006)FERREIRA, Paulo. Os afectos mal-ditos: o indizível das sociedades camponesas. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social), Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade de Brasília (UnB), Brasília, 2006.. Assim, os “afectos mal-ditos” podem ser compreendidos como afetos que traçam “linhas de fuga, reinventando os rumores locais, utilizando-os como estratégias ao encontro” (Ferreira, 2006FERREIRA, Paulo. Os afectos mal-ditos: o indizível das sociedades camponesas. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social), Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade de Brasília (UnB), Brasília, 2006.:91).

Embora tenha sido possível identificar na pesquisa de campo “as sexualidades camponesas indizíveis, onde não cabe qualquer palavra, qualquer desejo de oficialização, qualquer vontade de definição” (Ferreira, 2006FERREIRA, Paulo. Os afectos mal-ditos: o indizível das sociedades camponesas. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social), Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade de Brasília (UnB), Brasília, 2006.:91), os(as) estudantes também percebem na migração do campo uma forma de enfrentar o preconceito na família e na comunidade e expressar sua orientação sexual no anonimato da cidade grande. Os(as) estudantes da Lapa, após o teatro na segunda oficina, mostraram o quanto a postura da família interfere na afirmação da homossexualidade, e expuseram o sofrimento gerado pela não aceitação de sua orientação sexual pelos pais. Como a pessoa não tem como mudá-la, uma das possibilidades tem sido a saída de casa ou a emigração, quando não ocorre a expulsão. A não empregabilidade e a não inserção social do homossexual na comunidade rural são outras dimensões da violência simbólica para com o homossexual que foram discutidas. Daí a fuga do heteropatriarcado e dos efeitos disciplinares e comissivos das discriminações relacionadas ao gênero (Vieira, 2013VIEIRA, Else R. P. et al. (org.) Cartilha: Sexualidade e Gênero para Imigrantes Brasileiros na Europa. Belo Horizonte, Editora Nandyala, 2013.):

Muitas vezes a família que não aceita acaba expulsando o filho ou a filha, ou eles vão embora porque não conseguem uma aceitação da sua própria família. Agora, quando a família consegue aceitar é mais fácil ter uma união e compreender como aquilo é forte (Educanda, Lapa, II etapa).

Por meio dos teatros e das falas, os(as) estudantes elaboram a questão de que o círculo primário (a vizinhança e a comunidade) exerce um papel inibidor ou, até mesmo, intimidador da homossexualidade. Segundo eles(as), no campo, há vergonha e medo dos comentários dos parentes e da vizinhança, o que leva ao preconceito e à rejeição no próprio espaço familiar do que não é heteronormativo; é como se a família se sentisse cobrada pela sociedade por não ter educado seus filhos dentro da norma. “Eu penso que, pra família, de certa forma é uma vergonha, né? Os pais pensam o que os outros vão falar, muito mais que na família, mesmo” (Educanda, RBI, I etapa).

Impacto: o acesso ao conhecimento e a revisão de preconceitos

O conhecimento tem um papel fundamental no enfrentamento do preconceito que se materializa na discriminação, gerando a “violação de direitos dos indivíduos e dos grupos” (Rios, 2009RIOS, Roger. Homofobia na perspectiva dos direitos humanos e no contexto dos estudos sobre preconceito e discriminação. In: JUNQUEIRA, Rogério (org.). Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília, MEC/UNESCO, 2009, pp.55-84.:54). A socialização do conhecimento, através da dinâmica das oficinas pedagógicas com os(as) estudantes, como demonstrado por esta pesquisa, gerou impacto conceitual e cultural. Laura Meagher (2013)MEAGHER, Laura. Research Impact on Practice: Case Study Analysis. Technology Development centre, Economic and Social research Centre, 2013, pp.33-35 [http://www.esrc.ac.uk/_images/Research-impact-on-practice_tcm8-25587.pdf - acesso em: 15 fev. 2018].
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sugere três categorias predominantes de impacto: o conceitual (novo conhecimento), cultural (revisão de ideias equivocadas) e instrumental (por exemplo, desenvolvimento de práticas pedagógicas).

Ressalta-se, de imediato, que o espaço democrático e de liberdade de expressão das oficinas romperam com a cultura do silêncio (termo emprestado de Paulo Freire) em torno de um fato conhecido (a homossexualidade), mas ainda tabu no meio rural. A fala de uma estudante sintetiza a importância de as oficinas terem rompido a barreira da interdição: “Porque nem sempre a gente ouve falar sobre isso. É uma coisa que as pessoas pensam que nós não devemos saber” (Lapa, III etapa). Para a grande maioria, as oficinas, primordialmente, possibilitaram o acesso a um conhecimento totalmente novo, “não compreendia nada e eu esclareci minhas dúvidas” (Educando(a), Lapa, III etapa). Esse impacto conceitual (conhecimento novo) é enfatizado por muitos estudantes como não dissociável da instauração de uma cultura do debate num contexto que reprimia a discussão sobre a temática.

Os(as) estudantes destacam também a habilidade desenvolvida de identificar os focos específicos de preconceito, à primeira vista, difuso. As oficinas mudaram “tudo, eu não entendia por que aconteciam os preconceitos. E com as palestras compreendi mais” (RBI, III etapa). Para a maioria dos(as) estudantes, houve a revisão de concepções distorcidas e/ou atitudes preconceituosas. Eles(as) afirmam que aprenderam a ter mais respeito e tolerância com as diferentes formas de viver a sexualidade. A intolerância, como afirma Rios (2009RIOS, Roger. Homofobia na perspectiva dos direitos humanos e no contexto dos estudos sobre preconceito e discriminação. In: JUNQUEIRA, Rogério (org.). Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília, MEC/UNESCO, 2009, pp.55-84.:79) “viola o direito à existência simultânea das diversas identidades e expressões da sexualidade”, e, com isso, fere o pluralismo, a vida democrática. Nessa questão, a grande maioria destacou o aprendizado do respeito às diferenças nas relações sociais, bem como da ajuda às vítimas de preconceitos. Segundo os(as) estudantes (RBI, IV etapa) “as oficinas me ensinaram que devo aceitar todos do jeito que eles são”, até porque, “o preconceito só atrasa a consciência das pessoas”. Outro(a) estudante destaca os aprendizados que contribuíram para rever preconceitos. “Muitas coisas que foram faladas são coisas que acontecem no dia a dia, mas que passam despercebidas, mas as aulas nos ajudaram a rever algumas coisas” (Lapa, IV etapa). “Em uma cultura heterossexista, condutas individuais e dinâmicas institucionais, formais e informais, reproduzem o tempo todo, frequentemente de modo não-intencional e desapercebido, o parâmetro da heterosssexualidade hegemônica como norma social e cultural” (Rios, 2009RIOS, Roger. Homofobia na perspectiva dos direitos humanos e no contexto dos estudos sobre preconceito e discriminação. In: JUNQUEIRA, Rogério (org.). Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília, MEC/UNESCO, 2009, pp.55-84.:76).

Ainda dentro do marcante impacto cultural da revisão do preconceito, os depoimentos revelam o quanto o trabalho educativo de conscientização sobre as relações de gênero é importante para diminuí-lo. “Eu acho que desde o ano passado, assim, eu acho que diminuiu bastante o preconceito, né” (Educanda, RBI, III etapa). Outra educanda revela uma mudança na forma de compreender a homoafetividade em função do acesso ao conhecimento. “Quando eu vi a novela [em Família] eu pensei: ‘Meu Deus, eu não acredito que isso está acontecendo. Caramba, elas vão ficar juntas’. Foi um choque para mim quando foi passada essa novela”. E a estudante acrescenta: “Como é que eu pensava desse jeito, de tomar aquele susto?” Quando perguntada sobre o que a ajudou a pensar diferente, ela responde: “As várias discussões na escola. Nós fomos ouvindo a opinião de cada um. Fomos entendendo que aquilo era só uma forma conservadora de cultura. Que é um processo histórico” (Lapa, III etapa).

O impacto cultural se manifesta também no reconhecimento de que o preconceito cria obstáculos e compromete a inserção social do homossexual e das novas famílias: “Aprendi o quanto o preconceito prejudica a vida das pessoas e também como a sociedade já está se adaptando a essa nova fase da vida com pessoas homoafetivas” (Educando(a), RBI, IV etapa). Destaca-se também a fala de um educando, que já na I etapa reconhece a importância do trabalho com a diversidade de gênero feito no âmbito da escola pelo Projeto. Aponta para a necessidade da institucionalização desse trabalho por meio de uma política de governo, de modo a atingir todas as escolas, para que os(as) estudantes cresçam com uma mente mais aberta com relação à mudança cultural: “Esse trabalho que vocês estão fazendo na escola é muito importante. O governo também deveria pensar num projeto pra todas as escolas, pra gente já crescer com essa ideia de que eles são normais” (Educando, Lapa, I etapa).

O debate contínuo desenvolvido na e com a escola permitiu que uma das educandas da Lapa, que sofria bullying indireto na saída da escola por ter um tio gay, conseguisse colocar no grupo, com a presença de colegas e professores, na III etapa das oficinas, o impacto deste preconceito na sua vida. “Quando eu era mais nova, eu tive que ir embora, porque eu apanhava dos meninos pelo fato de o meu tio ser gay. Ninguém falava comigo, eu perguntava à professora se ela podia ficar comigo esperando o ônibus, porque senão eu apanhava dos garotos”. Ademais, as oficinas ajudaram-na a não ter vergonha de conviver com pessoas homoafetivas. “Eu tive mais coragem de sair com meu tio, pois tinha vergonha de sair com ele pelo fato de ele ser gay” (Educanda, Lapa, III etapa). Evidencia-se que, pelo fato de os heterossexuais serem socialmente dominantes, a heterossexualidade é assumida como norma sexual e a homossexualidade transformada em diferença (Rios, 2009RIOS, Roger. Homofobia na perspectiva dos direitos humanos e no contexto dos estudos sobre preconceito e discriminação. In: JUNQUEIRA, Rogério (org.). Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília, MEC/UNESCO, 2009, pp.55-84.). As oficinas também contribuíram para a aceitação da própria homossexualidade, “pois hoje consigo me aceitar do jeito que sou” (Educando(a), RBI, IV etapa), o que implica “desvincular gay e lésbica dos significados a que [se] aprendeu a associá-los”, deixando de percebê-los “como desvios, patologias, formas não-naturais e ilegais de sexualidade” (Louro, 1997LOURO, Guacira. Gênero, sexualidade e educação: Uma perspectiva pós-estruturalista. Rio de Janeiro; Petrópolis, Vozes, 1997.:83, 84). O debate sobre a temática na escola e na família promoveu maior aceitação da diversidade de gênero e a consequente diminuição do sofrimento dos homossexuais, muitos os quais, nesses espaços, passam a se afirmar, sem medo do julgamento alheio.

À guisa de conclusão

A diversidade de gênero, na visão dos(as) estudantes, inicialmente, era difícil de ser debatida. O preconceito foi apontado como causa principal da dificuldade em abordar a temática. A religião, opiniões distintas e a falta de discussão fora e dentro do espaço escolar aparecem como obstáculos à abordagem do tema. O estudo sistemático (por meio de oficinas pedagógicas) da diversidade de gênero e das novas configurações familiares, bem como o debate com a juventude sobre marcantes mudanças culturais e sua projeção pela mídia, mostraram-se cruciais para a desconstrução de preconceitos e práticas homofóbicas.

Embora a verificação do impacto das oficinas no espaço familiar e dos amigos fuja ao âmbito e metodologia do Projeto, as menções dos(as) estudantes revelam que o acesso formal ao conhecimento sobre a diversidade de gênero gerou impactos culturais para além do ambiente escolar. Insinuam-se reações contraditórias dos pais nos comentários dos(as) estudantes, valendo lembrar que os conflitos geracionais gerados pelos questionamentos dos(as) jovens a respeito da postura dos pais são aqui vistos, sob o prisma do materialismo histórico, como fundamentais para a transformação sociocultural. Uma mãe indignada, por desconhecer que a orientação sexual não é aprendida, comentou que a filha se afirmou como lésbica por ter sido influenciada pelo debate realizado. Em contraposição, um dos pais faz uma defesa do trabalho realizado, que possibilitou que ele se tornasse menos preconceituoso, pois os(as) filhos(as) haviam trazido a discussão e os aprendizados para o ambiente familiar.

O processo não linear das pedagogias não formais, como a mídia, constatado pela pesquisa, levava os(as) jovens a reinternalizarem preconceitos, num processo de reiteração do que ouviam/viam no cotidiano familiar. Os depoimentos sobre o processo pedagógico formal, no entanto, demonstram que essa reinternalização de preconceitos foi se diluindo ao longo das oficinas e, na avaliação final, os(as) estudantes já manifestaram o desejo de atuar sobre este preconceito na família e na comunidade. A passagem da reabsorção do preconceito para a percepção da necessidade de agência contra ele na comunidade foi uma grande conquista desse processo educativo formal. Ao final das oficinas, os(as) estudantes buscavam formas de negociar as condições de materialização da agência, em vista das lealdades e hierarquias familiares, ainda bem presentes na cultura do campo. Os(as) estudantes também trazem presente o papel exercido pelas igrejas evangélicas no combate à homossexualidade, vista como desvio, doença, anormalidade, o que contribui para que as famílias, em especial as gerações mais velhas, se fechem ao diálogo: “E com os pais não se discute. Não tem como, hoje, eu chegar pro meu avô e querer discutir, né. Ainda mais sendo evangélico” (Educanda, RBI, IV etapa).

Eles(as) reconhecem a dificuldade de, por iniciativa individual, abordar o tema na comunidade rural, onde prevalecem as hierarquias de gênero e geração. “Na comunidade não temos muita liberdade para falar sobre o assunto” (Educando(a), RBI, IV etapa). Seus depoimentos mostram o quanto a temática é velada nos relacionamentos interpessoais no campo, o que contribui para que muitos escondam ou neguem sua orientação e identidade de gênero no contexto em que vivem. Mas eles(as) sinalizam possíveis canais de agência por meio da socialização, junto à comunidade, dos conhecimentos obtidos nas oficinas. Os(as) estudantes são quase unânimes na sugestão de um processo formativo sobre a diversidade de gênero, sob a forma de palestras e oficinas na comunidade, como meio de socializar esse conhecimento e desconstruir visões preconceituosas. A intervenção pedagógica desempenhada pelo Projeto confirma o que é colocado por Louro (1997)LOURO, Guacira. Gênero, sexualidade e educação: Uma perspectiva pós-estruturalista. Rio de Janeiro; Petrópolis, Vozes, 1997. com relação à pedagogia da sexualidade e do potencial pedagógico da escola na construção de novos padrões de aprendizado, convivência e produção de conhecimento, por meio do qual representações e práticas heterossexistas possam ser desconstruídas.

Cumpre, finalmente, destacar que, frente ao acirramento de narrativas conservadoras e de cariz preconceituoso sobre gênero nas esferas de poder — o que tem levado à retirada do tema da orientação sexual e identidade de gênero do Plano Nacional da Educação (2014) e instituído um clima de vigilância e denúncia de professores progressistas —, o presente artigo conclui com algumas indagações: com o avanço da extrema direita, os discursos emancipatórios produzidos pelo projeto constituirão um instrumento de ação contra-hegemônica nos termos de Gramsci? Seria essa geração de jovens — mais escolarizada, com maior acesso à tecnologia de informação e de formação em gênero e sexualidade — a protagonista nas transformações do campo em direção a atitudes positivas de inclusão da diversidade de gênero?

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  • 1
    Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais ou Transgêneros.
  • 2
    Entra em destaque a ação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST (1984), que vem promovendo uma consciência maior das questões de gênero e da diversidade sexual, a partir do protagonismo das mulheres camponesas e, mais recentemente, dos sujeitos LGBT, que se organizam como Coletivo LGBT Sem Terra desde 2015.
  • 3
    A pesquisa faz parte do projeto internacional Gênero e educação em áreas rurais no Brasil [Gender and education in rural areas in Brazil] desenvolvido pela Universidade Federal do Paraná (Sônia Fátima Schwendler) e o Queen Mary University of London (Else R. P. Vieira), patrocinado pela British Academy/Newton Trust (2015-2017) (AF150000).
  • 4
    Os(as) estudantes participaram das quatro etapas e foram organizados(as) em quatro grupos distintos por etapa. Em cada escola, as oficinas foram realizadas nos turnos em que os(as) estudantes estudavam mediante Termo de Assentimento e Consentimento Livre e Esclarecido assinado pelos responsáveis legais.
  • 5
    Ver Thiollent (1992)THIOLLENT, Michel. Metodologia da Pesquisa-Ação. São Paulo, Cortez, 1992..
  • 6
    Ver Thompson (2000); Marre (1991)MARRE, Jacques L. História de Vida e Método Biográfico. Cadernos de Sociologia, Porto Alegre, (3) 3, 1991, pp.89-141..
  • 7
    No original: “The regime of heterosexuality operates to circumscribe and contour the "materiality" of sex, and that "materiality" is formed and sustained through and as a materialization of regulatory norms that are in part those of heterosexual hegemony”.
  • 8
    No original: “the cultivation of bodies into discrete sexes with 'natural' appearances and 'natural' heterosexual dispositions”.
  • 9
    No original: “a stable sex expressed through a stable gender (masculine expresses male, feminine expresses female) that is oppositionally and hierarchically defined through the compulsory practice of heterosexuality”.
  • 10
    A Resolução n. 175 (2013) proíbe às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas do mesmo sexo.
  • 11
    Essa não aceitação tem contribuído para a produção de uma cultura do ódio e da violência contra as pessoas LGBT, também presente no contexto do campo, a exemplo do assassinato do jovem LGBT Lindolfo Kosmaski, professor da Educação do Campo no Estado do Paraná, em 1 de maio de 2021 (Brasil de Fato, 2021).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    26 Nov 2020
  • Aceito
    26 Ago 2021
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