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O amante adotado: Chiquinha e Joãozinho, composição além da música*

The Adopted Lover: Chiquinha and Joãozinho, a Composition beyond Music

Resumo

Este artigo parte do relacionamento intergeracional entre a compositora Chiquinha Gonzaga e João Batista Fernandes Lage, seu último companheiro afetivo e filho adotivo, com o intuito de investigar as negociações simbólicas realizadas por ambos perante a sociedade carioca no início do século XX. Tendo como foco as intersecções entre marcadores de diferença como gênero, classe social e idade, busca-se analisar como certos papéis sociais femininos (a esposa e a mãe, por exemplo) marcam ao mesmo tempo em que estão marcados pelo processo histórico de cronologização da vida, no qual se encontram as formas socialmente legítimas de constituição do corpo e da sexualidade. Neste sentido, o caso de Chiquinha Gonzaga e João Batista é interessante na medida em que problematiza essas construções.

Palavras-chave:
Chiquinha Gonzaga; Geração; Gênero; Sexualidade

Abstract

This paper starts from the intergerational relationship between the composer Chiquinha Gonzaga and João Batista Fernandes Lage, her last life partner and foster child, with the attempt to investigate the symbolic negotiations managed by both before the carioca society. Afraid that this sort of attitude would endanger the prestige of a established carrer, Chiquinha Gonzaga, at the age of 52, adopted her partner, 16, now named João Batista Gonzaga. Keeping in mind the intersections between markers of differenceas gender, social class and age, this work analyses how certain social roles (the wife and the mother) define as the same time that are defined by the historic process of cronologization of life, in which can be found legitimated forms of the constitution of the body and sexuality. In this sense, Chiquinha Gonzaga and João Bastista's case is interesting for it renders problematic those constructions.

Key Words:
Chiquinha Gonzaga; Generation; Gender; Sexuality

"Joãozinho"

"nem toda hora é obra nem toda obra é prima algumas são mães outras irmãs algumas clima" (Paulo Leminski)

A morte veio como um acalanto, um fim muitas vezes antecipado e desejado. "Que venha Meu Deus", escrevia Chiquinha Gonzaga (1847-1935) em carta endereçada a seus filhos, datada de 16 de janeiro de 1920. "Amanhã faz 35 anos que luto com a minha triste vida de trabalho, e injustiça. Adeus!" (Diniz, 2009Diniz, Edinha. Chiquinha Gonzaga: uma história de vida. Rio de Janeiro, Zahar Editora, 2009.:258). Em seu apartamento na Praça Tiradentes, no Rio de Janeiro, a velha maestrina fechava-se, aos poucos, em um cotidiano de som e solidão. Embora lhe restasse ainda mais 15 anos, o balanço de sua trajetória, sumarizado em algumas linhas, revela-lhe um saldo negativo e irremediável, cuja única forma de reconciliação estaria dada pelo horizonte do imaginário católico, que vê no padecimento do corpo a libertação da alma.

Quais motivos teria ela para querer a própria morte, ainda mais quando tal apelo ia contra sua conduta religiosa rigorosa? Àquela altura de vida, Chiquinha Gonzaga, então com 73 anos, gozava de um reconhecimento que atingia transversalmente as classes sociais cariocas. Pianeira1 Alcunha dada àqueles que, ao piano, dedicavam-se a tocar gêneros populares. Usado de forma desdenhosa pelos profissionais da música erudita, o nome também denotava ausência de conhecimentos da linguagem e teoria musicais, fato que nem sempre se confirmava, como no caso da própria Chiquinha. e compositora, tocando tangos, maxixes e modinhas fosse nas "desapparecidas salas-de-espera dos cinemas" (Andrade, 1963Andrade, Mário de. Chiquinha Gonzaga. In: Musica doce musica. São Paulo, Martins Fontes Editora, 1963, pp.329-333.:329) ou na transição de cargo de Hermes da Fonseca, no Palácio do Catete, a pedido da primeira dama e caricaturista Nair de Teffé, Francisca Gonzaga adquiria o status simbólico de uma artista profissional. Chiquinha: seu nome tornava-se renome (Pontes, 2010Pontes, Heloisa. Intérpretes da metrópole. Edusp, São Paulo, 2010.).

No entanto, à parte as benesses materiais e imateriais de sua exitosa carreira, suas relações familiares foram marcadas por fortes rupturas e decepções. Dos filhos que teve com seus dois companheiros - Jacinto, com quem foi casada, e João Baptista -, apenas João Gualberto ainda mantinha algum contato genuinamente "desinteressado" com a mãe. Alice e Maria, impelidas por necessidades financeiras, recorreram a Chiquinha algumas vezes, e ela acabara por lhes negar ajuda definitivamente; Hilário era sapateiro e vivia com o pai, Jacinto, em situação humilde, mas orgulhoso a ponto de manter distância. Essa situação, atravessada por ressentimento e desencontro, é entrevista de forma bastante sutil na carta de 16 de janeiro, indicando, por um lado, o incômodo que causava a Chiquinha e, por outro, a dificuldade que havia em discuti-la: "[...] que meus filhos não me ponham luto - peço isso de joelhos - tenho horror ao luto e à hipocrisia" (Diniz, 2009Diniz, Edinha. Chiquinha Gonzaga: uma história de vida. Rio de Janeiro, Zahar Editora, 2009.:258). Hipócritas, portanto, aqueles que se pusessem a lamentar a morte de uma mãe com quem estiveram longe de ter as relações de amor e afeto idealizadas - talvez até demais - que nos parecem "familiares".

Ainda assim, resta uma última personagem: Joãozinho, ou João Batista Gonzaga. Nas biografias de Mariza Lira e Geysa Bôscoli, respectivamente de 1939 e 1967, tal nome figura pouquíssimas vezes, e em nenhuma delas sua filiação é esclarecida. E parece que o mistério que circundava, nos textos, essa figura quase partenogenética era o reflexo, na vida, da discrição de Chiquinha acerca de sua intimidade e de uma relação igualmente pouco explicada para seus pares. "Ninguém ousava no entanto fazer indagações e desvendar sua vida privada" (Diniz, 1984Diniz, Edinha. Chiquinha Gonzaga: uma história de vida. Rio de Janeiro, Rosa dos ventos, 1984.:151). Mas até sua morte, em 1935, a história foi recontada pelas suas migalhas: um filho, aparentemente sem pai, nascido da célebre maestrina de uma gravidez aparentemente sem testemunhas. Migalhas que por muito tempo asseguraram a incolumidade de dois amantes cuja diferença de idade não era apenas 36 anos. Era muito mais que isso.

Mas assumir a complexidade de algo não é torná-lo mais simples. Assim, este artigo se dá numa sondagem desse "mais"; nele, procuro entender de que forma a assunção dessa dupla relação entre a compositora senhora e o jovem rapaz implica numa negociação que é, ao mesmo tempo, prática e simbólica. A tentativa, bem sucedida, de ocultamento do relacionamento amoroso através da explicitação, também exitosa, do relacionamento materno, colocou-se como estratégia possível para duas pessoas inseridas num contexto sociocultural cuja moral sexual dominante ia contra esse tipo de união. Obviamente, não ia contra as relações intergeracionais nas quais senhores austeros e decrépitos desposavam jovens mocinhas. Mas alguém como Chiquinha Gonzaga, aos 52 anos, aparecer publicamente de braços dados com um mancebo de 16, não seria apenas um escândalo. A maestrina tinha muito a perder.

De fato, essa faceta da relação entre os dois só aparece publicamente na obra de Edinha Diniz, Chiquinha Gonzaga: uma história de vida (2009Diniz, Edinha. Chiquinha Gonzaga: uma história de vida. Rio de Janeiro, Zahar Editora, 2009.), biógrafa cujo trabalho é reconhecido devido à mobilização de grande volume de documentos até então inéditos. No entanto, a descoberta não veio por escrito, e sim pela fala, em tom de segredo. "A primeira pessoa a me contar que Joãozinho era amante e não filho de Chiquinha foi Raimundo Magalhães Júnior, presidente da SBAT à época da minha pesquisa na entidade [1977]" (Diniz, 2009:292). Tal confidência, transmitida à boca pequena por poucas pessoas, e negada por muitas, deu a Diniz um leve indício que mais tarde seria confirmado pela segunda esposa de João Batista, Amélia Amorim Gonzaga.

Esse percurso é descrito pela pesquisadora em uma nota ao fim do livro, o que só corrobora a autenticidade do segredo e a força de seu sentido. Não quero, porém, percorrê-lo mais uma vez a fim de perscrutar o que talvez tenha se perdido pelo caminho. Meu intuito é, a partir da assunção tanto da dupla relação de Chiquinha e João Batista quanto do cuidado envolvido nesse acordo, investigar a possibilidade de ação dentro de um arranjo sócio-sexual aparentemente rígido, o patriarcalismo. Tendo no horizonte marcadores sociais de diferença2 2 Convencionou-se chamar de "marcadores sociais da diferença" certos domínios da experiência social (e pessoal) circunscritos pelas diferenciações de gênero, raça, sexualidade, geração e religiosidade. São peças fundamentais no processo de criação de identidades e, por isso mesmo, alvo de debates políticos e movimentos sociais, mas ao mesmo tempo, são constituintes da subjetividade humana. Separados apenas metodologicamente, tais marcadores integram a essência mesma da experiência e só fazem sentido, tanto para quem os porta quanto para quem os estuda, se entendidos em intersecção, isto é, como uma espécie de grade de leitura de si e do mundo. como gênero, sexualidade e geração, procurarei delimitar em que medida foi possível à Chiquinha e a seu companheiro preservar uma imagem pública - necessária à manutenção do status da compositora e de seu capital social -, mas também manter uma união afetiva que durou mais de três décadas. Em poucas palavras: como se equacionam tais marcadores, ao longo dessa trajetória específica, com a rede de relações sociais a qual Chiquinha estava inserida, e como essa equação pode ser mobilizada por ela em seu benefício próprio? Não quero com isso restaurar a validade heurística do Homo œconomicus e insinuar que tudo se passou de maneira absolutamente consciente e racional para ambos, mas quero sim, afirmar que o êxito de tal relacionamento implicou numa estratégia afinada com os valores morais de um determinado grupo na sociedade carioca do entresséculos, ainda que para rejeitá-los.

Chiquinha

Nasceu Francisca Edwiges Neves Gonzaga, sendo o segundo pré-nome um indício da religiosidade católica, que a acompanharia para sempre, e o último nome uma marca de meio familiar prestigioso, já que descendia diretamente do poeta Tomás Antônio Gonzaga e também de uma longa tradição de oficiais militares (Millan, 2000Millan, Cleusa de Souza. A memória social de Chiquinha Gonzaga. Rio de Janeiro, Editora independente, 2000.:205). Com tal posição social privilegiada veio um tipo de educação relativamente raro no Brasil da metade do século XIX, cuja população, no Rio de Janeiro, era composta por um enorme contingente de mão de obra escrava negra analfabeta. Se Chiquinha e seus irmãos (Joanna, Mamede e José) tiveram acesso às letras desde cedo, não o tiveram no mesmo modo: devido à enorme resistência das (raras) instituições de educação formal da época em aceitar meninas, Chiquinha e sua irmã aprenderam a ler e escrever em casa, espaço com o qual já deveriam se acostumar o quanto antes. Foi um clérigo, o Cônego Trindade, que as instruiu em gramática, aritmética, latim e religião, enquanto seus irmãos enfrentavam o cotidiano escolar masculino.

A essa instrução básica, que, aos olhos da elite cultural e econômica da capital do Império, não servia à emancipação feminina, mas ao repertório distinto de suas filhas casadouras, somou-se o contato parcimonioso com a música. A dedicada tarefa de executar peças musicais nas salas de música dos domicílios cariocas tornou-se uma atividade distintiva para as sinhás-moças das altas classes que aspiravam a uma reputabilidade impecável perante seus pretendentes. Ana Paula Simioni afirma que "por serem oriundas de camadas privilegiadas, vivenciavam um cotidiano distante do universo de trabalho externo ao lar, restando-lhes muitas horas livres, nas quais poderiam se dedicar às artes como um passatempo" (2008:41). Tocar piano não era somente uma elevada atividade do espírito humano: no caso das mulheres, seu reconhecimento era aquele de uma prenda, algo inscrito na lógica da domesticidade.

Foi o maestro Álvares Lobo que ensinou Chiquinha a dedilhar as teclas, e logo o despretensioso passatempo adquiriu uma seriedade vívida e prolífica, rendendo à jovem pupila suas primeiras composições ainda aos 11 anos de idade. Poucos anos mais tarde3 3 Não existe um consenso entre as biógrafas e biógrafos de Chiquinha acerca da idade que tinha ao se casar. Os registros oscilam entre 13 e 16 anos. De qualquer forma, acredito que, aqui, um número preciso importe menos do que o caráter compulsório do ato e o aspecto cotidiano e comezinho que ele admitia diante dos valores da época. , ela seria casada pelo pai com Jacinto Ribeiro do Amaral, jovem e bem nascido oficial da Marinha Mercante, com quem ficou até 1874. Três anos mais tarde foi considerada "divorciada" pelo Tribunal Eclesiástico do Rio de Janeiro. Os motivos da separação foram, segundo as biógrafas Edinha Diniz e Cleuza Millan, um casamento infeliz - no qual Chiquinha era obrigada a deixar de lado a prática musical para dedicar-se às tarefas de esposa e mãe - e a paixão incandescente por João Baptista de Carvalho, jovem engenheiro muito afeito, como ela, à boemia carioca, sua sociabilidade e sua música.

Se o casamento com Jacinto durou pouco para os padrões da época e teve um desfecho escandaloso, a união "amancebada" (termo que consta no libelo de acusação movido por Jacinto contra Chiquinha) com João Batista é ainda mais curta e tem um fim ainda mais escandaloso: uma suspeita de traição faz a jovem compositora abandoná-lo, depois de ter dado a luz à Alice, sua quarta criança, e regressar à capital do Império, de onde havia saído anos antes, com seu mais novo amor.

Com dois relacionamentos fracassados e a prole fora do alcance de suas mãos, Chiquinha é considerada morta pela família. O pai, José Basileu, fecha-lhe as portas da confortável casa e nega qualquer tipo de ajuda. Constrangida por esse poder literalmente patriarcal, não lhe resta alternativa a não ser "cair no mundo": o mundo do trabalho, até então inédito a ela, assim como o fora para tantas sinhazinhas de sua condição.

Mas por que escolher a música? Tal pergunta nos leva a caminhos interessantes. De fato, logo após encontrar-se materialmente desamparada pela família, Chiquinha teve que mobilizar o que tinha até então para sobreviver. E o que tinha ela? Ou melhor: o que ela poderia oferecer à sociedade de então? Primeiramente, é preciso levar em conta as credenciais culturais que sua formação lhe havia legado. Como já mencionado, os Neves Gonzaga, por possuírem boas relações com os altos oficias do Império, eram pessoas com relativo acesso à vida da Corte. Assim, Chiquinha já fora cercada, desde o seu nascimento, de relações importantes que mais tarde seriam convertidas num tipo de capital social indispensável para sua carreira.

No entanto, não se pode ocultar o fato de que a educação formal, isto é, aquela ocorrida dentro das escolas, se já era restrita somente aos bem-nascidos que, nesse cursus honorum em direção ao topo da hierarquia imperial, deixavam a estrutura de poder e prestígio tal como as haviam encontrado, imaginemos, então, às bem-nascidas. Segundo Jeffrey Needell, "as filhas da elite frequentemente não figuravam entre os alunos da limitada educação secundária disponível no Segundo Reinado: elas aprendiam o que era considerado apropriadoem casa" (1987:58, grifo meu). É certo que aquilo que lhes era próprio reafirmava, por um lado, os valores simbólicos da domesticidade e da ideologia do intérieur - que Walter Benjamin já identificara como aquilo que sustentava o homem privado em suas ilusões4 4 O termo foi mantido no francês para preservar o destaque já feito por Walter Benjamin "O homem privado, que no escritório presta contas à realidade, exige que o intérieur o sustente em suas ilusões" (Benjamin, 2006:45). -, reprodutores das assimetrias de poder entre os gêneros. Mas também engendravam formas de sociabilidade feminina, nas quais o papel das mulheres não só era preponderante, mas crucial. A respeito disso, novamente Needell tem algo a dizer:

Além da administração doméstica, as mulheres eram as principais no jogo da Sociedade.5 5 Quando Needell diz "Sociedade" ele se refere ao "alto mundo", isto é, à fração da sociedade composta pelos membros da elite. Pois era a ostentação de suas roupas e jóias, seu comportamento nos salões e chás, e a graça trazida a elas em suas recepções semanais que ajudavam a sinalizar a posição de suas famílias. Toda função da Sociedade envolvia uma mulher (...) (Needell, 1987Needell, Jeffrey. A tropical Belle Epoque: elite culture and society in turn-of-the-century Rio de Janeiro. Cambridge University Press, Nova Iorque, 1987.:131).

As mulheres, portanto, eram essenciais no processo de reprodução simbólica do prestígio intra e inter familial, uma vez que cada gesto aprendido nessa fina ritualística da politesse carioca indicava o princípio da distinção social, nos termos de Pierre Bourdieu (2008Bourdieu, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo, EDUSP, 2008.). Essa organização dos "salões e chás", que nos remete à dinâmica da sociedade de corte - agora nos termos de Norbert Elias (2001Elias, Norbert. A sociedade de corte. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2001.) -, faz proliferar hierarquizações tanto "horizontais", isto é, de homens sobre mulheres da mesma classe social, quanto "verticais", de homens e mulheres sobre outras pessoas de classes sociais diferentes. Nesse sentido, os desdobramentos de uma educação apropriada dentro das paredes do sobrado iam bem além delas.

Com essa afirmação atento para duas coisas: primeiro, não quero dar a impressão de que, por ser essencial à conservação simbólica da distinção social, as mulheres não sofressem constrangimentos com esse tipo de educação. De fato, sua hexis corporal, seu jeito de olhar, falar, calar e derramar lágrimas, são a inscrição dessas normas e dessas relações de poder, e os rebatimentos da constituição dessas corporalidades podem ser observados não apenas na sexualidade, mas também na própria música. Segundo, também não quero dizer que, inversamente, a subordinação das mulheres aos homens fosse um fenômeno geral, ocorrendo transversalmente - e do mesmo modo - em todas as classes sociais e regiões do país, e nem tampouco algo destituído de uma cosmologia própria, isto é, que não tivesse seu modus operandi determinado pelas relações entre homens e mulheres, assim como entre elas próprias. Em suma, era justamente por existir concretamente (e isso não exclui, em absoluto, o plano simbólico) que a opressão dava às oprimidas modos particulares de burlá-la.

Mas voltemos ao nosso caso. Educada em casa, Chiquinha detinha algum capital cultural, e certamente a música, por ser considerado algo "apropriado" a uma moça de sua posição, não constituía um diferencial nessa estrutura de capitais. O que mais havia nas famílias da elite carioca de fins do século XIX eram moças sentadas ao piano executando peças açucaradas para seus parentes nas festas de família. O que realmente foi um diferencial, no caso de Chiquinha, foi o modo como ela se apropriou desse seu "capital musical" para os seus fins, ou melhor, para a sua reconversão em capital econômico - o que Diniz chamou de "transforma[r] o piano, um mero ornamento, em um meio de trabalho e instrumento de liberação" (2009:103). E mais: onde se deu, espacialmente falando, essa reconversão.

Retomando meu argumento, quero indicar que só foi possível à Chiquinha uma carreira musical - algo inteiramente distinto, em sua gênese social, de uma educação musical - devido à sua experiência de classe e de gênero. O peso simbólico do nome Gonzaga e as pessoas que a cercavam, a musicalização precoce, essencial na cristalização de um modo musical de pensar, e as credenciais culturais legítimas lhe deram meios de executar na rua o que outras mulheres faziam em casa.

Nesse sentido, fazer do piano instrumento de trabalho implica, necessariamente, em duas coisas: primeiro, num mercado musical liberal, ainda que incipiente, em que compositores autônomos possam vender suas peças independentemente do mecenato de outras instituições, como, por exemplo, a realeza, que no período de D. João VI desempenhava esse papel ditando o tom - literalmente - das obras executadas nas imediações da Corte (Monteiro, 2010Monteiro, Maurício. A construção do gosto. Ateliê Editoral, São Paulo, 2010.). Segundo, numa adequação da produção musical a certas demandas estéticas que configuram esse mercado.6 6 Aqui, novamente o trabalho de Elias (1994) é elucidativo para pensarmos essa questão. Mozart, por nunca ter introjetado o ethos de um hônnete homme, não via motivos para restringir seu potencial às exigências da música artesanal palaciana. Por querer ser um "artista-gênio" em um momento em que o desenvolvimento do mercado musical era extremamente incipiente, Mozart encontrou nada senão o fracasso profissional e a desilusão pessoal. No Rio de Janeiro, ao final do século XIX, era muito improvável que alguma personalidade musical, como Ernesto Nazareth, Joaquim Callado ou mesmo a própria Chiquinha, conseguisse destoar de uma certa padronização formal se quisesse permanecer dentro dos nichos comerciais da música.

Afirmar que a música para Chiquinha foi "instrumento de liberação" não constitui nenhum absurdo, uma vez que, tocando e compondo, ela foi capaz de interpelar o destino social convencionalmente atribuído às mulheres de sua origem social. E assim, sendo literalmente uma mulher "pública", cujo nome7 7 Os nomes "Francisca Gonzaga" e "Chiquinha Gonzaga" expressam uma "objetivação sociológica do carisma" (Pontes, 2010) crucial para entendermos o processo de consagração da compositora. De fato, ela nunca assinou "Chiquinha" em nenhuma de suas obras; ao que parece "Chiquinha" configura uma espécie de renomeação (no sentido mesmo de renome) efetuada por seus companheiros, fossem eles de seu métier, fossem da crítica cultural da época. era lido ad nauseum nos jornais do Rio de Janeiro, ela gozou de uma maior "liberdade" - sempre em termos relativos - e de um trânsito maior em espaços de sociabilidade em que mulheres, se os frequentassem, jamais o fariam sem o "olhar zeloso" de seus maridos. No entanto, colocar o trabalho musical sob a égide da "liberdade" é deixar de lado tanto uma dinâmica propriamente sociológica da música, em que tanto a posição de produtores (compositores e instrumentistas) dentro do espaço social quanto as assimetrias de gênero presentes impõem condições específicas ao fazer musical.

Mães

Primeiramente, é preciso dizer que Chiquinha Gonzaga não adotou de fato João Batista Fernandes Lage. A adoção enquanto procedimento jurídico foi instituída no Código Civil brasileiro somente em 1917 - dezoito anos depois, portanto, do início do relacionamento dos dois. Tal medida, porém, não impediu a prática de adotar informalmente crianças às quais não se tivesse dado a luz e, tampouco, que, a partir dessa data, todas as adoções tivessem passado necessariamente pelas autoridades oficiais. A "adoção à brasileira" (Fonseca, 2012Fonseca, Cláudia. Mães "abandonantes": fragmentos de uma história silenciada. Revista de Estudos Feministas 20(1), Florianópolis, jan-abr 2012, pp.13-32.:16) foi uma medida amplamente empregada na qual era preciso não mais do que duas testemunhas para atestar perante um tabelião a legitimidade biológica entre um adulto e uma criança.

Indo além do âmbito legal, a circulação de menores consistia em estratégias de criação elaboradas majoritariamente por pessoas de classes sociais desprivilegiadas, em que as crianças eram socializadas "através de uma extensa rede de vizinhança e parentela" (Venâncio, 1997Venâncio, Renato Pinto. Maternidade negada. In: Priore, Mary Del. (org.). História das Mulheres no Brasil., São Paulo, Contexto 1997, pp.189-222.:202) não permanecendo restritas, portanto, ao núcleo familiar. Dessa forma, minha acepção do termo "adoção" cinge significações simbólicas e não apenas legais. Ela envolve a assunção de uma conduta pública de mãe, no que ela implica a mais fina gestualidade: o olhar, o toque, os nomes. Além disso, implica na proposição de que as relações de parentesco devem ser pensadas também em seu âmbito performativo, no qual a encenação social dos atores a partir de categorias como "mãe" e "filho" produzem, se bem realizadas, um "efeito de real" para aqueles que os observam. A capacidade de convencer é maior quanto mais adequada for a representação dessas categorias. Nesse sentido, era exatamente o que ocorria com Chiquinha e João Batista. A compositora "adotava" o jovem rapaz quando se comportava maternalmente e quando o apresentava aos outros como sendo seu filho. A teatralização da suposta maternidade lhes servia como um recurso retórico convincente para que pudessem, na intimidade, aboli-la.

Parece questionável, então, a afirmação de que um tipo de família tenha prevalecido no Brasil não apenas como valor hegemônico, mas também como realidade estatística. O patriarcalismo, enquanto forma de organização das relações sociais públicas e privadas, na qual o homem regia os negócios e provia materialmente a família e a mulher gerava uma extensa prole, habita certo imaginário historiográfico que precisa ser problematizado: será mesmo que a realidade brasileira estava ajustada a essa distinção tão nítida entre papéis de gênero (e idade) e uso do espaço? Será que uma sociedade tão estratificada quanto a carioca do entresséculos não abrigava múltiplas configurações familiares? Tais dúvidas nos são caras por permitirem pensarmos formas alternativas de experiência familiar e, por conseguinte, possibilidades de trânsito individual entre tais formas.

Mariza Corrêa, em "Repensando a família patriarcal brasileira" (1993), problematiza, com base numa breve, porém consistente, reconstituição histórica dos primeiros séculos do colonialismo, o conceito de família patriarcal enquanto correspondente a um modelo totalizante que compreendesse a realidade brasileira, e mais, que impusesse a ela um parâmetro normatizador, sendo taxado de "desviante" tudo que lhe escapasse. Ela retoma o clássico Casa-grande e Senzala para discutir as limitações que o modelo de Gilberto Freyre impõe a uma análise dos tipos de organização familiar no país. Segundo ela, a visão do autor explicita "apenas as extensões dos dois pólos a que reduz a sociedade colonial brasileira - a casa grande e a senzala, o senhor e o escravo..." (Corrêa, 1993:24). A norma "oficial" que posicionava despoticamente a mulher dentro do claustro domiciliar, fazendo-a ocupar-se de pequenos afazeres domésticos enquanto seus maridos garantiam o sustento da família, tratava-se, novamente segundo Cláudia Fonseca (2012Fonseca, Cláudia. Mães "abandonantes": fragmentos de uma história silenciada. Revista de Estudos Feministas 20(1), Florianópolis, jan-abr 2012, pp.13-32.), de uma estereotipia calcada em valores da elite colonial, estando, portanto, longe de refletir a realidade social heterogênea do fim do Império.

Não duvido que o sistema colonial no Brasil tenha engendrado formas de socialidade patriarcal, em que ao homem cabia de fato um poder decisório muito diferente do da mulher (enquanto ele administrava o cultivo das terras e dos escravos da lavoura, ela atinha-se ao cotidiano da casa-grande, à tarefa da manutenção do lar, ao comando dos escravos domésticos ou simplesmente ao ócio tedioso). No entanto, acredito ser mais proveitoso pensar a partir de Mariza Corrêa quando ela diz que

a "família patriarcal" pode ter existido, e seu papel ter sido extremamente importante, apenas não existiu sozinha, nem comandou do alto da varanda da casa grande o processo total de formação da sociedade brasileira (1993:27).8 8 Não foi devido ao declínio da casa-grande e à decadência da antiga "majestade dos tempos coloniais" (Freyre, 2003:101) que ocorreu o sepultamento do patriarcalismo, dando lugar a outros tipos de organização familiar no interior de uma urbanização incipiente: a diversidade já estava lá desde o início, corporificada na imagem dos "homens livres e pobres" cujas condições de existência se deveram às formas parciais de ocupação do solo pelos donos das sesmarias (Franco, 1997); distantes da grande propriedade rural e do ideal de "ordem" postulado tanto pelas elites quanto pelos teóricos que depois se detiveram sobre esses assuntos, esses homens integraram uma "maioria minoritária" emudecida e invisível, mas que já constituía formas de organização social alternativas àquelas dos grandes engenhos.

É nesse contexto fluido e complexo que se encaixam nossos amantes. No início do século, Chiquinha já era uma reconhecida compositora e maestrina9 9 Sua estreia como regente de uma orquestra ocorreu em abril de 1885, no Teatro Recreio Dramático, no Rio de Janeiro. A peça, cuja partitura foi assinada pela própria, era "A filha do Guedes", apresentada pela Companhia Dias Braga (Bôscoli, 1978:42). , tendo realizado parcerias com pessoas ilustres como Antonio Callado, Henrique Alves Mesquita, Viriato Corrêa, Arthur Azevedo e muitos outros homens. Não era simplesmente uma dama circulando entre os chorões, ela era um deles. João Batista, por sua vez, havia nascido em Portugal, mas vivia no Rio de Janeiro desde pequeno com um irmão mais velho. Músico amador, ele frequentava o Clube Euterpe, do qual Chiquinha Gonzaga era sócia honorária. Entre outras atividades culturais, o Clube "agrupava rapazes interessados em música, organizava concertos e soirées literomusicais..." (Diniz, 1984Diniz, Edinha. Chiquinha Gonzaga: uma história de vida. Rio de Janeiro, Rosa dos ventos, 1984.:152). Em 1899, os dois encontram-se. E logo, de um flerte contido, que pouco deixava escapar de uma intimidade ainda nova10 10 Dos pouquíssimos indícios documentais que Edinha Diniz encontra acerca de tal flerte, um deles é a partitura de "Desejos", de Chiquinha para João Batista, em que há uma dedicatória muito singela ao "estimado colega". , unem-se os dois. Mas somente em 1901 o relacionamento adquire os contornos ambíguos da maternidade, quando, voltando de uma viagem a Portugal, Chiquinha declara-se publicamente mãe de João Batista.

"Desejos"

Mas por que chamar de "filho" o amante? De onde emerge a necessidade de tal travestismo? Nesse ponto, Diniz é categórica:

Se a moral da época não era capaz de compreendê-la, a maturidade lhe assegurava um álibi perfeito. O mascaramento da situação através da maturidade era uma saída perfeitamente aceitável aos padrões da moralidade pública reinante. Atendia a uma exigência das normas sociais e preservava a sua vida íntima, se não da curiosidade, ao menos da desaprovação" (2009:191, grifos meus).

Embora Diniz não se detenha à natureza de tais normas sociais e no modo como elas agiram constrangendo pessoas e exigindo-lhes condutas morais específicas, ela aponta um caminho que julgo ser paralelo ao meu. É certo que a relação entre os dois não contou apenas com o mascaramento silencioso do licencioso para ter êxito, mas sim com aquilo indicado na citação pelos grifos. Segundo Guita Debert, na fase "pré-moderna", isto é, aquela que antecedera o regime industrial fordista, "a idade cronológica [seria] menos relevante do que o status da família na determinação do grau de maturidade e do controle de recursos de poder" (2010:58). Isso significa que os significados simbólicos da sexualidade, além de serem diferentes para homens e mulheres, estavam dados no arranjo das relações sociais dentro da família, e sobre cada papel específico recaíam conotações determinadas. Aos adultos "saudáveis", o direito ao sexo, inscrito na finalidade da reprodução; às crianças e aos velhos, a interdição moral.

Esse "álibi perfeito" proporcionado pela maturidade é a corporificação de leis morais que regiam a vida de mulheres como Chiquinha Gonzaga, e foi a partir de um fino dispositivo meticulosamente constituído ao longo da história que se pode vincular, sem maiores problemas, o apagamento da sexualidade à imagem de uma senhora em determinada etapa de sua vida. Já mãe e avó, Chiquinha provavelmente causaria espanto se demonstrasse desejo sexual por alguém, e mais espanto ainda se esse alguém lhe retribuísse na mesma medida. Talvez fosse com essa condição desfavorável em mente - e os problemas que a sua revelação causaria - que Chiquinha e João Batista mantiveram sua relação em segredo e investiram-na, na esfera pública, de uma performance adequada à moral vigente nos círculos pelos quais circulavam.

Foram várias as instituições que tratavam de converter esse "espanto" em epistemologia e a mulher11 11 Com a palavra "mulher" quero designar aqui não qualquer tipo de mulher, mas principalmente aquelas oriundas de classes privilegiadas, mais familiarizadas com o discurso médico-científico e potenciais pacientes dos consultórios e manicômios. em objeto de um novo campo de saberes. Entre elas está a psiquiatria, que se consolida no Brasil a partir da década de 1880, adquirindo legitimidade plena ainda nos primeiros anos da República. Operando a partir de conceitos dicotômicos como normalidade e patologia, a psiquiatria tratou de delinear um quadro no qual a figura da mulher pudesse ser confortavelmente alocada de acordo com a apresentação (ou não) de características desviantes: distúrbios erótico-afetivos, histerias, transtornos maníaco-depressivos, todos eles ligados principalmente à questão da sexualidade feminina e seus mistérios. Magali Engel ressalta o papel do saber e do poder psiquiátrico em construir uma imagem da feminilidade, permeada pela dimensão da natureza, em oposição à masculinidade, fruto da cultura e do uso da razão.12 12 Essa categorização psiquiátrica exposta e defendida pela autora é, contudo, problemática. Situar o masculino na dimensão cultural, onde predominaria a razão e o autocontrole, seria silenciar um discurso referente à sexualidade masculina enquanto uma incontrolável força do "instinto" que se sobreporia a da mulher, mas, no entanto, não considerada uma patologia.

A construção da imagem feminina a partir da natureza e das suas leis implicaria em qualificar a mulher como naturalmente frágil, bonita, sedutora, submissa, doce etc. Aquelas que revelassem atributos opostos seriam consideradas seres antinaturais (Engel, 1997Engel, Magali. Psiquiatria e feminilidade In: Priore, Mary Del. (org.). História das Mulheres no Brasil., São Paulo, Contexto 1997, pp.322-361.:334).

Uma vez situada no domínio obscuro e holista da natureza, onde predominariam a força do instinto e a determinação fisiológica dos comportamentos, era necessário um conjunto de medidas corretivas extremamente rígidas que assegurassem os papéis socialmente delegados às mulheres, e que pudessem gerir, sob a égide da normalidade, o arrazoado caótico de atributos positivos e negativos intrínsecos a essa natureza feminina que estava sendo meticulosamente inventada.

A proliferação desses discursos interessados em capturar e conter as "classes perigosas" (McClintock, 2011) corresponde ao surgimento da mentalidade burguesa e sua fixação enquanto pensamento hegemônico. Como personagem dessa reorganização da experiência familiar e doméstica das classes altas está a "mulher burguesa". Segundo demonstra Maria Ângela D'Incao (1997)D'incao, Maria Ângela. Mulher e família burguesa. In: Priore, Mary Del. (org.). História das Mulheres no Brasil. São Paulo, Contexto, 1997, pp.223-240., ela passaria a ser marcada pela valorização da intimidade e da maternidade, principal e mais nobre tarefa desse novo ethosfeminino.13 13 Também Gilberto Freyre, em Sobrados e Mucambos, nota os valores morais que transbordam desse corpo materno: "Esse papel social de estabilizadora ou fixadora de valores, da mulher, na formação brasileira, como que se acha simbolizado pela especialização acentuada do seu corpo em corpo de mãe" (2003:219). Além de ser um atributo exclusivo de sua fisiologia, a procriação adquirira um papel eminentemente social na ideologia positivista de então. Uma nação sã precisava de mães sãs e muitos filhos. Tantos que, para fazer jus ao "fardo honroso" que essa nova mentalidade lhe impunha, o corpo dessas jovens mães rapidamente exauria-se e em poucos anos elas se tornavam senhoras austeras e astutas em dissimular sua decrepitude.

A maternidade também se coloca como um obstáculo para algumas mulheres que viam em outros tipos de atividade - que não parir - possibilidades maiores de satisfação pessoal. A desqualificação da mulher enquanto "incapaz" de exercer certas funções, como "irracional" e "movida pelos sentimentos" (o que levou a eufemização brutal do "sexo frágil" ou "belo sexo") aparecia renitentemente não só nas conversas informais ou nos sermões religiosos. Esse imaginário, que já era antigo quando surgiram as primeiras fábricas, foi responsável pela implementação de medidas pragmáticas que determinaram novos modos de socialidade durante o Segundo Reinado e a Primeira República. Tais medidas incidiam tanto sobre o corpo quanto sobre a psique femininos.

As questões envolvendo "os perigos que rondavam a excessiva intelectualização da mulher" (Simioni, 2008Simioni, Ana Paula. Profissão artista: pintoras e escultoras acadêmicas brasileiras., Edusp, São Paulo 2008.:14) adquirem uma nova perspectiva ao longo do século XIX, quando a medicina social passa a se estabelecer enquanto um campo de saberes especializado. A partir daí o discurso médico propôs-se a oferecer "soluções" de caráter científico para o nebuloso problema da feminilidade. Os profissionais da época

acreditavam que, em virtude [de as mulheres] possuírem órgãos reprodutivos distintos (ovários e úteros), os quais competiam com as atividades do cérebro, [as mulheres] eram menos dotadas para as atividades intelectuais e criativas, mas eram superiores no que tange às aptidões necessárias para a reprodução da espécie (Simioni, 2008Simioni, Ana Paula. Profissão artista: pintoras e escultoras acadêmicas brasileiras., Edusp, São Paulo 2008.:22).

Com isso, logo se vê que o enaltecimento de valores morais como a maternidade e o espaço doméstico delineava um dispositivo social que tinha por objetivo o controle de uma população cujo tamanho aumentava exponencialmente em suas dimensões, composição e fluxos. Mas era um dispositivo que também agia individualmente sobre o corpo e a sexualidade dessas mulheres que, por serem objeto dessas novas categorias clínicas, eram capturadas em suas malhas e diagnosticadas como "histéricas" ou portadoras de outras "doenças de nervos".

Michel Foucault, em A vontade de saber (2007Foucault, Michel. História da sexualidade: a vontade de saber. Graal, São Paulo, 2007.), traçou linhas importantes sobre o desenvolvimento desse macroprocesso. O movimento de concentração da sexualidade para dentro da família foi central na constituição de um dispositivo "que no exterior se apoia nos médicos e pedagogos, mais tarde nos psiquiatras, e que, no interior, vem duplicar e logo 'psicologizar' ou 'psiquiatrizar' as relações de aliança" (Foucault, 2007Foucault, Michel. História da sexualidade: a vontade de saber. Graal, São Paulo, 2007.:121). Exterior e interior carregam, aqui, as marcas simbólicas do público e do privado, mas não colocados em oposição estanque (como boa parte da história política enfatiza), e sim em uma relação de entropia - do público ao privado - na qual nota-se uma porosidade difícil de conter. Esse fluxo foi responsável pela fixação de uma tipologia do desvio, na qual mulheres, crianças e homossexuais figuravam ao mesmo tempo como casos científicos de estudo e casos morais de salvamento, corroborando a "combinação perfeita" (Chalhoub, 2001Chalhoub, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da Belle Époque. Campinas, Editora da Unicamp, 2001.:180) das verdades científicas com os valores previstos pelo discurso jurídico.

Resultado de um jogo incessante com os códigos morais e culturais hegemônicos, a relação entre Chiquinha Gonzaga e João Baptista conseguiu burlar convenções sociais acerca do amor e da sexualidade a partir da explicitação convencional do relacionamento materno. O "álibi perfeito", enquanto repunha a imagem modelar do "exemplo admirável de dedicação filial" (Lira, 1978:5) sem ferir os sentimentos estabelecidos, os permitia agenciar outras possibilidades de afeto. Para além da dupla posição de amantes e parentes, a façanha de ambos foi viver um relacionamento no qual o amor foi sendo entretecido à medida que expectativas pessoais e coletivas eram negociadas de diferentes maneiras. Para Joãozinho, imigrante pobre e ilegal, portar o sobrenome "Gonzaga" e o prestígio que o envolvia fora decisivo para sua carreira como homem de negócios14 14 João Baptista foi funcionário de Frederico Figner, proprietário da Casa Edison, primeira gravadora de discos do Brasil. Posteriormente teve uma curta sociedade com Paulo Lacombe na Lacombe Discos Ltda. e membro honorário da "Sociedade" (SBAT). Em uma espécie de herdeiro por empréstimo, João Baptista Gonzaga afirmou não apenas sua legitimidade como filho, mas sua autonomia econômica.

Trânsitos

Em 2 de março de 1935, poucos dias após a morte de Chiquinha, o jornalista Benjamin Constallat deixa por escrito, no Jornal do Brasil, aquelas que seriam suas últimas impressões sobre a maestrina:

Muito idosa, mas os olhos vivos de inteligência, de ironia e de bondade, com o seu vestido sóbrio e o seu chapéu preto, sempre ao braço do filho, formando um casal comovente pela sua beleza moral e pelo exemplo admirável de ternura que eles irradiavam, D. Chiquinha fazia constantemente o seu passeio perto dos teatros do velho Rocio, teatro também de suas glórias (...). E dela guardei uma recordação de encanto e de respeito por uma velhice que não era velhice, porque havia ainda alguma coisa de muito vivo, talvez dada pela felicidade criada pela dedicação do filho exemplar, e talvez dada também pela preocupação da arte, que ainda e sempre remoçara a sua alma. Aos oitenta e oito anos, D. Chiquinha parece não ter conhecido a velhice.

Algo "de muito vivo" fez com que Chiquinha morresse sem que a velhice a tivesse encontrado. De fato, numa sociedade em que a vida era fortemente cronologizada e em que os papéis sociais de gênero ligavam-se poderosamente às suas etapas biológicas 15 15 Por "biológico" não me remeto, de forma alguma, a algo que estaria para além da construção sócio-discursiva da verdade. Assim como as ideias de "mãe", "esposa" e até mesmo "mulher" dependem de atividade histórico-social de pensá-las, as "etapas biológicas" também são ideias agindo sobre esses corpos. , estabelecendo fronteiras "quase" intransponíveis (e Chiquinha faz jus a essas aspas), ser mulher e "muito idosa" era uma sentença a um exercício solitário e monástico de espera. Sendo assim, um final de vida ativo tanto artisticamente - sua última peça, "Maria", é de 1933 - quanto afetivamente é motivo suficiente para não ser considerada velha.

Outras peculiaridades de sua trajetória pessoal também a afastavam de uma imagem arquetípica da velhice. Com o fim da união com Jacinto, o filho Hilário e a filha Maria foram criados pela avó paterna. Alice, filha de João Baptista, cresceu com o pai. Apenas João Gualberto, primogênito de Chiquinha, ficou sob a guarda da mãe. Os netos e netas da maestrina também respeitaram a distância e o silêncio mantidos por seus pais. Chiquinha era o avesso, no início do século XX, de uma figura familiar, na qual a mulher é a peça fulcral e agregadora das relações de afeto e intimidade, relações que cabem a ela produzir no "intérieur" do lar. O braço do filho, exemplo de dedicação, a acompanhava pelas ruas e nutria pela "mãe" um tipo de amor cuja "beleza moral" que irradiava era a prova de sua dissimulação face às normas morais dos 1930 e tantos. Sem dúvida, ambos não estavam imunes a esse tipo de pressão social que os fazia assumirem uma performance de "mãe e filho", mas foi justamente nessa saída - que brinca jocosamente com as categorias relacionais de então - que perpetuaram sua união. Só eles sabiam do que riam.

Talvez mais do que a "sociedade" carioca do entresséculos, a historiografia tenha sido injusta com as mulheres. Primeiramente, ao reduzi-las ao singular - mulher - dando a entender que, de algum lugar que só elas conheciam, se forjasse uma identidade a qual só elas aspirassem. Depois, dizer que a elas (quem são, afinal?) couberam todas as sanções de uma ordem patriarcal repressora. Se assim o fosse, do interior dessa prisão androcentrada Chiquinha explodiria com seu "pioneirismo insuspeito", infinitamente inconformada com os valores de sua época e seu lugar, encarnando em si própria um "protofeminismo" do qual ela - e um outro punhado de "mulheres excepcionais" - foi a genitora.

Um outro modo de lidar com esse tema, acredito, é retirá-la desse contexto rígido em que só há espaço para trânsito se for sob a égide da ruptura espetacular (da qual a música é mero combustível sublimador) e situá-la num quadro no qual ela é um pigmento de aquarela exposto num dia de chuva: incapaz de ultrapassar a moldura, ela pode, contudo, mover-se. Deve escolher seu caminho, ainda que seja levada, às vezes, pela imponderabilidade das nuvens e da precipitação. Ou também - e talvez essa imagem seja mais apropriada ao nosso caso - ela pode ser uma nota numa partitura, podendo variar sua duração, sua altura e sua frequência, ainda que restrita às linhas e espaços da pauta.

Com isso, procuro sugerir que tanto a moldura quanto o pentagrama correspondem a constrangimentos e injunções de ordem estrutural, dados pela conformação de certos valores e práticas sociais histórica e culturalmente situados, mas que, no entanto, não foram capazes de levar à vida de Chiquinha Gonzaga - e de outras mulheres - a um engessamento total. Como a aquarela ou a semicolcheia, ela transita de forma mais ou menos consciente por esses espaços - físicos e simbólicos - e consegue fazê-lo justamente pela heterogeneidade deles. São várias maneiras de ser mulher e Chiquinha figura uma delas. Se ela conseguiu, como dizem suas biógrafas e biógrafos, "vencer" em uma sociedade machista (afirmação que contradiz a carta de 16 de janeiro) não foi porque sua personalidade única teve força o suficiente para transpor os obstáculos da moral caduca oitocentista. "Nas margens", como diz Natalie Davis (1995Davis, Natalie Zemon. Women on the margins: three seventeenth-centyry lives. Cambrigde, Harvard University Press. 1995.), é que estão esboçadas as condições para as pequenas subversões.

Referências bibliográficas

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  • Alcunha dada àqueles que, ao piano, dedicavam-se a tocar gêneros populares. Usado de forma desdenhosa pelos profissionais da música erudita, o nome também denotava ausência de conhecimentos da linguagem e teoria musicais, fato que nem sempre se confirmava, como no caso da própria Chiquinha.
  • 2
    Convencionou-se chamar de "marcadores sociais da diferença" certos domínios da experiência social (e pessoal) circunscritos pelas diferenciações de gênero, raça, sexualidade, geração e religiosidade. São peças fundamentais no processo de criação de identidades e, por isso mesmo, alvo de debates políticos e movimentos sociais, mas ao mesmo tempo, são constituintes da subjetividade humana. Separados apenas metodologicamente, tais marcadores integram a essência mesma da experiência e só fazem sentido, tanto para quem os porta quanto para quem os estuda, se entendidos em intersecção, isto é, como uma espécie de grade de leitura de si e do mundo.
  • 3
    Não existe um consenso entre as biógrafas e biógrafos de Chiquinha acerca da idade que tinha ao se casar. Os registros oscilam entre 13 e 16 anos. De qualquer forma, acredito que, aqui, um número preciso importe menos do que o caráter compulsório do ato e o aspecto cotidiano e comezinho que ele admitia diante dos valores da época.
  • 4
    O termo foi mantido no francês para preservar o destaque já feito por Walter Benjamin "O homem privado, que no escritório presta contas à realidade, exige que o intérieur o sustente em suas ilusões" (Benjamin, 2006Benjamin, Walter. Passagens. Belo Horizonte, Editora da UFMG, 2006.:45).
  • 5
    Quando Needell diz "Sociedade" ele se refere ao "alto mundo", isto é, à fração da sociedade composta pelos membros da elite.
  • 6
    Aqui, novamente o trabalho de Elias (1994)Elias, Norbert. Mozart. Sociologia de um gênio., Rio de Janeiro, Jorge Zahar 1994. é elucidativo para pensarmos essa questão. Mozart, por nunca ter introjetado o ethos de um hônnete homme, não via motivos para restringir seu potencial às exigências da música artesanal palaciana. Por querer ser um "artista-gênio" em um momento em que o desenvolvimento do mercado musical era extremamente incipiente, Mozart encontrou nada senão o fracasso profissional e a desilusão pessoal.
  • 7
    Os nomes "Francisca Gonzaga" e "Chiquinha Gonzaga" expressam uma "objetivação sociológica do carisma" (Pontes, 2010Pontes, Heloisa. Intérpretes da metrópole. Edusp, São Paulo, 2010.) crucial para entendermos o processo de consagração da compositora. De fato, ela nunca assinou "Chiquinha" em nenhuma de suas obras; ao que parece "Chiquinha" configura uma espécie de renomeação (no sentido mesmo de renome) efetuada por seus companheiros, fossem eles de seu métier, fossem da crítica cultural da época.
  • 8
    Não foi devido ao declínio da casa-grande e à decadência da antiga "majestade dos tempos coloniais" (Freyre, 2003Freyre, Gilberto. Sobrados e Mucambos. São Paulo, Record, 2003.:101) que ocorreu o sepultamento do patriarcalismo, dando lugar a outros tipos de organização familiar no interior de uma urbanização incipiente: a diversidade já estava lá desde o início, corporificada na imagem dos "homens livres e pobres" cujas condições de existência se deveram às formas parciais de ocupação do solo pelos donos das sesmarias (Franco, 1997Franco, Maria Sylvia de Carvalho. Homens livres na ordem escravocrata. São Paulo, Editora da UNESP, 1997.); distantes da grande propriedade rural e do ideal de "ordem" postulado tanto pelas elites quanto pelos teóricos que depois se detiveram sobre esses assuntos, esses homens integraram uma "maioria minoritária" emudecida e invisível, mas que já constituía formas de organização social alternativas àquelas dos grandes engenhos.
  • 9
    Sua estreia como regente de uma orquestra ocorreu em abril de 1885, no Teatro Recreio Dramático, no Rio de Janeiro. A peça, cuja partitura foi assinada pela própria, era "A filha do Guedes", apresentada pela Companhia Dias Braga (Bôscoli, 1978Bôscoli, Geysa. A pioneira Chiquinha Gonzaga. Natal, Departamento de Imprensa, 1978.:42).
  • 10
    Dos pouquíssimos indícios documentais que Edinha Diniz encontra acerca de tal flerte, um deles é a partitura de "Desejos", de Chiquinha para João Batista, em que há uma dedicatória muito singela ao "estimado colega".
  • 11
    Com a palavra "mulher" quero designar aqui não qualquer tipo de mulher, mas principalmente aquelas oriundas de classes privilegiadas, mais familiarizadas com o discurso médico-científico e potenciais pacientes dos consultórios e manicômios.
  • 12
    Essa categorização psiquiátrica exposta e defendida pela autora é, contudo, problemática. Situar o masculino na dimensão cultural, onde predominaria a razão e o autocontrole, seria silenciar um discurso referente à sexualidade masculina enquanto uma incontrolável força do "instinto" que se sobreporia a da mulher, mas, no entanto, não considerada uma patologia.
  • 13
    Também Gilberto Freyre, em Sobrados e Mucambos, nota os valores morais que transbordam desse corpo materno: "Esse papel social de estabilizadora ou fixadora de valores, da mulher, na formação brasileira, como que se acha simbolizado pela especialização acentuada do seu corpo em corpo de mãe" (2003:219).
  • 14
    João Baptista foi funcionário de Frederico Figner, proprietário da Casa Edison, primeira gravadora de discos do Brasil. Posteriormente teve uma curta sociedade com Paulo Lacombe na Lacombe Discos Ltda.
  • 15
    Por "biológico" não me remeto, de forma alguma, a algo que estaria para além da construção sócio-discursiva da verdade. Assim como as ideias de "mãe", "esposa" e até mesmo "mulher" dependem de atividade histórico-social de pensá-las, as "etapas biológicas" também são ideias agindo sobre esses corpos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    15 Fev 2014
  • Aceito
    19 Maio 2015
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