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Afetividades (co)extensíveis em “periferias” urbanas: (homo)sexualidades, amizades e pertencimentos

(Co)Extendable Affections in Urban “Peripheries”: (Homo)Sexualities, Friendships and Belongings

Resumo

O artigo analisa a constituição de sentidos “familiares” e da ideia de “comunidade”, entre homossexuais, em dois bares localizados em regiões “periféricas” das cidades de São Paulo e Belém. Resultado de uma pesquisa de doutorado em antropologia sobre disputas socioespaciais, mobilidades e sociabilidades, trata-se de um esforço em: I - interpelar situações que estimulam exercícios de pertencimento e reciprocidade entre proprietárias/os e clientes, com vistas a materializar a produção de repertórios afetivos; II - perscrutar a ideia de “comunidade” acionada através de economias “informais” e de um vislumbramento protetivo (sensação de acolhimento e segurança). Notei, portanto, que a mobilização de repertórios afetivos nos bares é um modo de operar relações socioespaciais balizadas pela pessoalidade, sobretudo porque tais espaços não funcionam meramente como vetores de consumo e diversão, além de serem percebidos, dependendo do grau de proximidade, como espaços (co)extensivos não circunscritos a limites físicos.

“Periferias” Urbanas; Homo)sexualidades; Afetividades (co)extensíveis; Espaços de Sociabilidade

Abstract

This article examines the constitution of meanings of “family” and the idea of “community” among homosexuals in two bars located in “peripheral” regions of the cities of São Paulo and Belém (Brazil). Based on doctoral research in anthropology on socio-spatial disputes, mobilities and sociability, it is an effort to: 1) question situations that encourage exercises of belonging and reciprocity between owners and clients, to materialize the production of affective repertoires; and 2) explore the sense of “community” triggered through “informal” economies and a protective vision (a sense of sheltering and security). Therefore, I realized that the actioning of affective repertoires in the bars is a way to operate socio-spatial relationships guided by personhood, especially because these spaces do not function merely as vectors of consumption and fun. Moreover, they are perceived as (co)extendable spaces not restricted to physical limits, depending on the degree of proximity.

Urban “Peripheries”; Homo)sexualities; Co)extendable Affections; Sociability Spaces

O artigo analisa a construção de sentidos “familiares” e da ideia de “comunidade”, entre homossexuais, em dois bares localizados em regiões “periféricas”1 1 Optei por aspear todos os termos que correspondem às categorias de análise e manter em itálico os estrangeirismos, as categorias êmicas e os trechos de entrevistas. A propósito, os nomes das/os entrevistadas/os, exceto da/o proprietária/o dos bares (por se tratar de figuras públicas), são fictícios. das cidades de São Paulo e Belém. Resultado de uma pesquisa de doutorado em antropologia sobre disputas socioespaciais, mobilidades e sociabilidades2 2 A pesquisa contou com o financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). , trata-se de um esforço em: I - interpelar situações (cf. Gluckman, 2010GLUCKMAN, Max. Análise de uma situação social na Zululândia moderna. In: FELDMAN-BIANCO, Bela (org.). Antropologia das sociedades contemporâneas: métodos. São Paulo, Editora UNESP, 2010, pp.237-364.; Van Velsen, 2010VAN VELSEN, Jaap. A análise situacional e o método de estudo de caso detalhado. In: FELDMAN-BIANCO, Bela (org.). Antropologia das sociedades contemporâneas: métodos. São Paulo, Editora UNESP, 2010, pp.437-468.; Agier, 2011AGIER, Michel. Antropologia da Cidade: lugares, situações, movimentos. São Paulo, Editora Terceiro Nome, 2011.) que estimulam exercícios de pertencimento e reciprocidade entre proprietárias/os e clientes, com vistas a materializar a produção de repertórios afetivos; II - perscrutar a ideia de “comunidade” acionada através de economias “informais” e de um vislumbramento protetivo (sensação de acolhimento e segurança).

Ocorrida no período de 2013 a 2015, a pesquisa de campo contou com uma metodologia qualitativa balizada pela noção de mobilidade na composição de narrativas citadinas “periféricas”. Mais do que escrutinar isomorfismos entre lugares e identidades (cf. Facchini, 2008FACCHINI, Regina. Entre umas e outras: mulheres, (homo)sexualidades e diferenças na cidade de São Paulo. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2008.), procurei questionar leituras rígidas sobre a “periferia”, nas quais são (re)criados imaginários atávicos e controversos a respeito das relações estabelecidas nesses contextos. Na esteira dessas dinâmicas de mobilidade urbana, realizei uma ampla gama de incursões etnográficas nos bares, geralmente aos finais de semana, não exatamente para quantificar interlocutoras/es, mas compreender o modus operandi de suas relações.

Em São Paulo, por exemplo, conhecer a “periferia” era no mínimo curioso e no máximo perigoso, motivo de cuidado como muitas/os paulistanas/os e paulistas comentavam. Este desafio talvez tenha sido o principal motivo que me levou a continuar tal empreitada. Desde o início da pesquisa, nas quebradas da cidade, os alertas de cautela rondavam o meu caminhar principalmente quando se tratava de eventuais chacinas nas regiões em que me propus pesquisar. Algumas vezes resolvi ir a campo em momentos de tensão e conflito. Considero que a pesquisa antropológica é composta, em grande medida, pela complexidade na qual são manejadas as sensações de curiosidade, afeição, desprendimento e insegurança estabelecidas e confrontadas em campo (cf. Cardoso, 1986CARDOSO, Ruth (org.). A aventura antropológica. Teoria e pesquisa. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986.; Lewin e Leap, 1996LEWIN, Ellen; LEAP, William L. Out in the field: reflections of lesbian and gay anthropologists. Chicago, University of Illinois Press, 1996.; Kulick e Willson, 1996KULICK, Don; WILLSON, Margaret (ed.). Taboo: sex, identity and erotic subjectivity in anthropological fieldwork. London, Routledge, 1996.).

Com efeito, o argumento mencionado refere-se sobremaneira às dificuldades que passei ao realizar etnografia em contextos “periféricos” desconhecidos. As sensações de insegurança nos primeiros meses de campo na “periferia” de São Paulo diziam respeito ao fato de não saber o meio de transporte público exato que me levaria até os bares, antes de iniciar as incursões eu revisava várias vezes os trajetos. Precisei buscar autoconfiança para construir caminhos que modificassem o status inicial de insegurança.

No decurso das minhas idas e vindas, tendo como referência um misto de sentimentos e experiências compartilhadas nos bares, comecei a compreender os significados do que chamei de sensações de bem-estar e segurança e, mais que isso, daquilo que costurou as relações e baseou a construção das amizades: os sentidos de família/familiar.

A breve recuperação de um passado etnográfico reflete partes da subjetividade do pesquisador em campo. Enfatizei tais aspectos não apenas porque isso me ajudou a compor saudosismos em relação aos espaços e públicos pesquisados, mas dispôs sobremaneira de um movimento de desconhecimento, insegurança e curiosidade prévios, até culminar com a minha inserção nos bares.

Não obstante as delimitações éticas da pesquisa de campo antropológica, decidi manter os nomes reais dos bares e de cada proprietária/o, sem prejuízo da análise e com a devida autorização3 3 Compreendo que a divulgação de determinadas informações sobre a pesquisa não compromete o seu caráter ético, embora haja uma suspeição referente à produção dos dados. Não se trata, obviamente, de uma tentativa de autocontrole do que foi autorizado e/ou projetado. Em outros termos, o fato de optar por revelar o nome de bares e da/o proprietária/o foi um consenso que se estabeleceu em campo uma vez que essas decisões partiram de elaborações coletivas viabilizadas, sobretudo, por narrativas construídas pela/o dona/o dos estabelecimentos, em confluência com as falas de clientes, a respeito de um sistema de análise totalizante que reveste as impressões sobre a noção de “periferia” e as projeta enquanto suposições artificializadas. Por fim, a busca pela representatividade advinda de processos de reconhecimento, visibilidade e autoafirmação de interlocutoras/es me fizeram repensar e, por conseguinte, justificar a identificação real de espaços e nomes. . Sendo assim, os bares em destaque são: Guingas (Avenida Sapopemba, 13.780, São Mateus, São Paulo, SP) e Refúgio dos Anjos – também conhecido como bar da Ângela (Travessa Barão de Igarapé-Miri, 659, Guamá, Belém, PA).

O primeiro está localizado nos altos de um açougue, em uma área comercial e de intenso tráfego de veículos e fluxo de pedestres, e comporta dois ambientes: uma pista de dança e um karaokê, refletindo, de maneira representativa, principalmente distinções geracionais. O segundo funciona na antiga residência da proprietária, também localizado em uma área comercial marcada pelo intenso fluxo de veículos e pedestres, e está dividido em dois ambientes: o quintal da casa funciona como pista de dança e o ambiente da cozinha e dos quartos foi transformada em um lounge - geralmente aos sábados, o público majoritário é de mulheres homossexuais e aos domingos prevalecem homens homossexuais. Ambos os bares possuem pouco mais de 20 anos de existência.

Um último ponto merece destaque: Qual a relevância da escolha das cidades de São Paulo e Belém para uma pesquisa desse porte? Recaio aqui em um ponto nodal que corresponde a determinados processos de urbanização articulados diretamente a segmentações e marcações sociais de raça/cor, classe, gênero, sexualidade, região/regionalidade e território/territorialidade.

Mais do que regiões funcionais, centro e periferia são, nesses casos, linhas simbólicas que estabelecem separações articuladas e fundadas em diversos marcadores de diferença. Em São Paulo, a periferia é negra, se não na realidade ao menos na representação. Negra e pobre; negra e masculina. Em Belém novas periferias vão se formando. “Porta da floresta”, como dizia Emílio Goeldi em finais do século XIX – porta de entrada e de saída -, nessa cidade experiências complexas articulam povos e culturas distintos, sob o signo da “mistura”, mas também da “separação” (Schwarcz, 2015SCHWARCZ, Lilia. Prefácio – Quando todos os caminhos levam de Belém a São Paulo e vice-versa. In: CANCELA, Cristina Donza; MOUTINHO, Laura; SIMÕES, Júlio Assis (org.). Raça, etnicidade, sexualidade e gênero: em perspectiva comparada. São Paulo, Terceiro Nome, 2015, pp.7-12.:11).

Nesse sentido, perseguirei o seguinte argumento: de que a mobilização de repertórios afetivos nos bares é um modo de operar relações socioespaciais balizadas pela pessoalidade, sobretudo porque os bares não funcionam meramente como vetores de consumo e diversão, além de serem percebidos, dependendo do grau de proximidade, como espaços (co)extensivos não circunscritos a limites físicos. São essas relações mútuas produzidas entre pessoas e espaços que me ajudarão a compreender o que chamei de afetividades (co)extensíveis.

Afetividades (co)extensíveis: tempos, espaços e locais de moradia

Durante a pesquisa de campo, a maneira como obtive contato com os termos familiar e amizade foram niveladas pela intensidade de suas práticas, eles compuseram recorrências específicas na constituição de repertórios afetivos e recr(i)ativos. A princípio, notei que a/o proprietária/o do bar Guingas (Ailton, 54 anos), em São Paulo, e do bar Refúgio dos Anjos (Ângela, 45 anos), em Belém, manejaram o vetor tempo como forma de reconhecimento e aproximação, bem como da produção etapista de movimentos sinérgicos entre proprietária/o e clientela.

Quando a gente diz que é um bar familiar é porque todo mundo se conhece, é um ponto de encontro onde todo mundo se conhece. A gente tem a referência de um outro bar onde nós nos encontrávamos, que era bem parecido com o Guingas. Nós chegávamos lá e conhecíamos todo mundo, menos a dona, que era muito fechadona, ela era entendida e dava atenção mais pra mulherada, homem parece que ela não gostava, mas os funcionários, as pessoas, os frequentadores, a gente fazia uma amizade, a gente tinha um elo muito bacana. Eu acho que o Guingas lembra bem isso, essa coisa familiar – de amizade, de amigos. É que nem eu falo: ‘as pessoas podem vir aqui sozinhos, mas ela nunca vai ficar sozinha. Se ela não arrumar alguém, vai sempre ter um amigo’ (Ailton, em entrevista, 54 anos).

Eu acho que isso tem muito a ver com a história do bar, por ser um bar que tem um tempo. Um bar que vai completar 19 anos4 4 Em 2015. No dia 13 de setembro de 2019 o bar completou 23 anos. , parece que são as mesmas pessoas que vão, que frequentam. Tem gente que diz assim: ‘Égua! Hoje eu tô com tantos anos...’. Então, ali parece que todo domingo são as mesmas pessoas, aí essas mesmas pessoas já trazem amigos pra conhecer e acaba se tornando, realmente, aquela amizade (Ângela, em entrevista, 45 anos).

Para início de diálogo com os dados de campo, é importante frisar que o trabalho do tempo que movimenta as falas de Ailton e Ângela encontrou eco no modo como foram desenvolvidas e intensificadas as relações em cada bar. As marcações de espaço e tempo foram um dos motes principais de aproximação entre bar e frequentadoras/es (além do local de moradia), elementos que dão coesão à produção dessas sociabilidades. Isso não significa que esta associação faça sentido exclusivamente pela localização geográfica (na “periferia”), é antes um construto precedido pelo aspecto histórico (leia-se: existências, persistências e resistências), ou seja, os elementos coesivos mencionados não existem por força individual ou do destino, mas, sobretudo, através de múltiplas ações coletivas.

Nessa articulação entre pessoas e estruturas o amálgama que consubstancia a produção e a representação dessas sociabilidades são também os níveis de conhecimento e reciprocidade pelos quais foram estabelecidos os elos, afinal só é possível que haja empatia e amizade se houver disponibilidade e interesse, não à toa Ailton demonstra o quanto a falta de diálogo com a dona do bar funcionava como impeditivo para a interação. O ato de conhecer um ao outro, mesmo que de longe, e de trazer pessoas para conhecer cada espaço é o que dá sentido a essa coisa familiar5 5 Essa coisa familiar, em certo sentido, se aproxima da ideia de fabricação da categoria de análise “família” proposta por Jorge Villela (2009), termo que se produz/fabrica por meio da articulação com diversos elementos do cotidiano: circulação, consumo, economia, política, violência, religião, confrarias, irmandades e relações de compadrio. .

De certa forma, não exatamente levando em conta o caráter formal pelo qual se constituem as “famílias LGBT” perscrutadas por Eros Guimarães e Maria Calixto (2012) e Marcelo Perilo (2017)PERILO, Marcelo. Rolês, closes e xaxos: uma etnografia sobre juventude, (homo)sexualidades e cidades. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2017., é possível observar semelhanças pontuais com estas pesquisas no que se refere à reciprocidade e ao compartilhamento de experiências e afetos. Vale lembrar que a possível aproximação, por exemplo, com a pesquisa de Thiago Soliva (2012)SOLIVA, Thiago. A Confraria Gay: um estudo de sociabilidade, homossexualidade e amizades na turma OK. Dissertação (Mestrado em Sociologia e Antropologia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, 2012. requer cuidado, afinal a constituição da Turma OK6 6 Confraria gay situada no “centro” da cidade do Rio de Janeiro, nos idos de 1960. também passava pelo crivo institucional (leia-se: a produção de documentos de filiação). Reafirmo, novamente, que a aproximação das reflexões aqui apresentadas não diz respeito ao poder das escrituras, mas sim à sensibilidade da gestão afetiva e da construção de vínculos de amizade, talvez por isso lanço mão do neologismo recr(i)ativo, exatamente para problematizar o caráter puramente recreativo.

O argumento acima possui relação com a pesquisa desenvolvida por Andrea Lacombe (2005)LACOMBE, Andrea. “Pra homem já tô eu”: masculinidades e socialização lésbica em um bar no centro do Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Universidade Federal do Rio de Janeiro/Museu Nacional, Rio de Janeiro, RJ, 2005., no bar Flôr do André, “centro” do Rio de Janeiro. Majoritariamente frequentado por “mulheres lésbicas masculinas”, a autora mostrou como o bar apresentava relações em que as marcas de pertença se aproximavam da noção familiar aqui aventada. Segundo Lacombe: “A maioria das freguesas do bar se conhecem desde a juventude. São moradoras do bairro e constituem um grupo bastante unido apesar e graças às discussões que aparecem continuamente” (Lacombe, 2005:69). Esse “núcleo duro” formado por mulheres era um sinalizador que controlava as regras dentro do bar, mostrando pertença familiar, prestígio, local de moradia/de origem, idade/geração, desejo, enfim, produzindo afeto e diferença. “A socialização clânica permite, por um lado, a coesão e proteção dos integrantes, entretanto, do outro lado, leva à exclusão e desamparo dos forâneos” (Lacombe, 2005LACOMBE, Andrea. “Pra homem já tô eu”: masculinidades e socialização lésbica em um bar no centro do Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Universidade Federal do Rio de Janeiro/Museu Nacional, Rio de Janeiro, RJ, 2005.:71).

Em alguma medida, essas produções de afeto e diferença são amálgamas das relações estabelecidas no bar Refúgio dos Anjos:

Olha, a Ângela7 7 Referência ao bar. quando tu frequenta muito lá, ela8 8 Referência à proprietária do bar. te convida pro aniversário dela. Sempre ela me convida, mas sempre ela faz numa segunda-feira, que é um dia que eu trabalho. Aí ela comenta: ‘Porra, tu nunca vai no meu aniversário!’. E eu respondo: ‘Ah, Ângela, tu faz na segunda!’. E ela: ‘Poxa, mas não dá pra eu fazer no sábado ou no domingo porque eu trabalho’. Edna: ‘Eu te entendo. Mas um dia eu vou no teu aniversário’. Então, ela tem essa coisa de família, de amizade mesmo (Edna, em entrevista, 47 anos).

Há, desta feita, um comprometimento concernente ao desenvolvimento das relações, algo que para Vicente (23 anos, frequentador do bar da Ângela) e Tarcísio (37 anos, frequentador do bar Guingas) marca um processo de identificação que vislumbra o bairro (local de moradia) como vetor preponderante de visibilidade e reconhecimento do espaço como familiar a partir da frequência de amigas/os e/ou conhecidas/os, reforçando, portanto, a constituição de afetividades (co)extensíveis.

Eu conheço o bar da Ângela, já frequentei muito, hoje menos. Conheço a dona. É um lugar antigo, no qual ela tem um vínculo até próximo com as pessoas que frequentam lá. São pessoas que moram em volta do bairro. Eu acredito que o bar – o local – foi criado nesse intuito: pra que as pessoas da periferia, em volta de lá, pudessem frequentar, porque se a gente for perceber não existe lugar GLS no Guamá. Então, foi nesse intuito de socialização, pra que as pessoas pudessem também [neste caso, as/os moradoras/es ‘gays’ e ‘lésbicas’ do bairro]. Eu acredito que é um bar que foi se consolidando. A questão das pessoas, a grande maioria, serem de lá, do bairro. A Ângela acaba tendo um laço, um vínculo com essas pessoas. Então, eu acho que isso é muito importante pra consolidação, essa relação de troca: a dona ganha, mas as outras pessoas também, ficam satisfeitas, se divertem, se sentem em um ambiente agradável, e isso foi preponderante para que o bar se consolidasse. As pessoas que frequentam lá se conhecem, entendeu? (Vicente, em entrevista, 23 anos).

Sobre esse aspecto familiar do Guingas, eu acho que é justamente essa questão da identificação. Eu acho que isso pode ser trabalhado a partir do local de moradia, do bairro, dos moradores de São Mateus (Tarcísio, em entrevista, 37 anos).

Os processos de identificação acionados por Vicente e Tarcísio são diretamente relacionados aos bairros, às pessoas que neles moram e que frequentam os bares. A despeito de não corroborar com a ideia de um agenciamento familiar pela via da localidade, como se a “periferia” fosse sinônimo para a construção desses tipos de relações, a partir das narrativas deles faz sentido refletir sobre a funcionalidade do bairro na produção dessas sociabilidades.

A relação entre localização geográfica, local de moradia e mobilidade possui relevância direta nos processos de urbanização das duas capitais em questão e em seus impactos nas “periferias”.

Teresa Caldeira (2000)CALDEIRA, Teresa. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo, Editora 34/Edusp, 2000. mostrou como o processo de industrialização interferiu de modo direto na gestão do espaço urbano da capital paulistana a partir da década de 1930; a instalação de fábricas localizadas próximo de áreas residenciais incentivou um modelo de cartografia socioespacial que aumentou gradativamente o nível de segregação populacional por classes sociais e cor: brancos e ricos ocupando regiões “centrais”, e nas “periferias” um contingente expressivo de pretas/os e pobres migrantes nordestinas/os e nortistas.

Esse fosso segmentado exacerbou as afirmações identitárias entre a maioria das/os moradoras/es de “periferias”, na capital paulistana. Foi muito comum ouvir nesses lugares o termo quebrada como signo de pertencimento, algo que está relacionado ao local de moradia e ao reconhecimento entre pares, sendo utilizado pelos rappers em seus vocabulários sinérgicos (Pereira, 2005PEREIRA, Alexandre Barbosa. De “rolê” pela cidade: os pixadores em São Paulo. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, 2005.). Ainda sobre São Paulo, a região de São Mateus, onde está localizado o bar Guingas, corresponde ao que se conhece como “periferia consolidada”. Como afirmou Gabriel Feltran (2011FELTRAN, Gabriel. Fronteiras de tensão: política e violências nas periferias de São Paulo. São Paulo, Editora Unesp/CEM, Cebrap, 2011.:54): “trata-se de uma zona de transição entre os distritos centrais da metrópole, em regressão populacional, e a periferia mais longínqua, cuja população ainda cresce em ritmo elevado”.

Preciso destacar que o binômio “centro-periferia” não mais perfaz antigas dinâmicas urbanas que descreviam o padrão de segregação e desigualdade social presente em São Paulo. Caldeira elencou a seguinte combinação de processos que acabou transformando tal modelo:

[…] a reversão do crescimento demográfico; a recessão econômica, a desindustrialização e a expansão das atividades terciárias; a melhoria da periferia combinada com o empobrecimento das camadas trabalhadoras; o deslocamento de parte das classes média e alta para fora do centro; e a ampla difusão do medo do crime, que levou pessoas de todas as classes sociais a buscar formas mais seguras de moradia (Caldeira, 2000CALDEIRA, Teresa. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo, Editora 34/Edusp, 2000.:255).

Os processos de expansão urbana da capital paulistana se aproximam, em algum sentido, dos de outras capitais brasileiras, com os devidos resguardos contextuais. No caso de Belém, a expansão urbana que ocorreu nos anos 1960, principalmente a partir do acentuado fluxo de migrantes do interior paraense para a capital (cf. Mitschein, 2006MITSCHEIN, Thomas. Crescimento, pobreza e violência em Belém. Belém, NUMA/UFPA; POEMA, 2006.), configurou-se majoritariamente pela “expulsão” das populações de baixa renda, expressivamente preta, dos “centros” para as “periferias”.

Esse processo de urbanização, relacionado ao sucessivo crescimento dos empreendimentos imobiliários e comerciais nas décadas posteriores, foi um dos fatores que corroborou com a representação da paisagem urbana da cidade atravessada pela não-homogeneidade e tampouco enrijecimento da oposição “centro-periferia” (ainda que haja desigualdade social), algo que Caldeira (2000)CALDEIRA, Teresa. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo, Editora 34/Edusp, 2000. chamou de “heterogeneidade funcional” com vistas a explicar um “novo padrão de organização espacial”, que “mistura” ricas/os e pobres de um lado e residência e trabalho de outro, sem possibilidade de comunicação e contato efetivos. Isto não significa que Belém e São Paulo sejam semelhantes, mas identifica o quanto a representação ideal de “centro” e “periferia” na capital paraense é bem mais diluída e menos segmentada que em São Paulo.

Se, como afirma Heraldo Maués (1999)MAUÉS, Raymundo Heraldo. Uma outra “invenção” da Amazônia. Belém, Cejup, 1999., a Amazônia Paraense pode ser considerada uma região de fronteira, compreendo que bairros de “periferia” (também chamados de baixadas) como o Guamá, onde está localizado o bar da Ângela, pela confluência entre o rio e a cidade e pelo intenso processo de migração, pode ser concebido como um lugar de fronteira, não apenas por demarcações territoriais, mas também por imaginações geográficas borradas que vão além da simples mobilidade retórica (o efeito de ir e vir), fazendo parte de um “movimento-ação”9 9 Neologismo inspirado diretamente em Doreen Massey (2013). (cf. Puccinelli e Reis, 2020PUCCINELLI, Bruno; REIS, Ramon P. “Periferias” móveis: (homo)sexualidades, mobilidades e produção de diferença na cidade de São Paulo. cadernos pagu (58), Campinas, 2020, pp.1-40 [https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332020000100505&lng=en&nrm=iso&tlng=pt - acesso em: 27 fev. 2021].
https://www.scielo.br/scielo.php?script=...
).

A potência da dinâmica entre cidades e localizações geográficas me possibilitou lançar luz para os bairros e para os bares enquanto pontes conectivas entre “centro” e “periferia”, sem reificar a noção de movimento, mas refletir que a localidade não é um componente isolável: o percurso histórico de cada espaço, as transformações urbanísticas dessas “periferias” e o “movimento-ação” das/os interlocutoras/es mesclam elementos endógenos e exógenos para compor determinadas estruturas e seus agenciamentos. O bairro, portanto, é um elemento importante “para apreender a permanência das afinidades, aproximações e interações sociais que podem contribuir para a fixação dos indivíduos no seio dos seus meios de vida, de maneira mais contínua ou mais efémera” (Vidal, 2009VIDAL, Frédéric. A mobilidade residencial como objecto da história urbana: registros, práticas e interpretações. In: CARMO, Renato Miguel do; SIMÕES, José Alberto (org.). A produção das mobilidades: redes, espacialidades e trajectos. Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2009, pp.57-69.:59).

No caso dessas sociabilidades produzidas localmente, reconheço que o bairro é um fator importante para colocar em perspectiva noções de protagonismo e visibilidade às/aos moradoras/es homossexuais que encontram nesses bares afinidades e sensações de bem-estar e segurança10 10 Falarei mais detidamente a esse respeito na seção “Comunidade”, pessoalidades e vislumbramentos protetivos. , contudo percebi que muitas/os utilizam essa oportunidade para se projetarem além do bairro, em um movimento de afirmação identitária, isto é, não se trata apenas do caráter ordinário relacionado à possibilidade da recreação, mas do quanto a potência dessa recreação cria estratégias de circulação pelas cidades.

A ideia de projeção local aparece na pesquisa de Carmem Rodrigues (2008)RODRIGUES, Carmem Izabel. Vem do bairro do Jurunas: sociabilidade e construção de identidades em espaço urbano. Belém, Editora do NAEA, 2008. acerca da produção de sociabilidades e identidades no bairro de “periferia” Jurunas, em Belém. O lugar da produção cultural local marca as análises da autora, fazendo de sua empreitada etnográfica um exercício cuidadoso de reconhecimento identitário de bairro, que se constrói na confluência intra e extralocalidade a partir de um signo afirmativo: a identificação como jurunense. É por meio deste termo que a maioria das/dos moradoras/es do Jurunas negociam sua inserção e representatividade no espaço urbano, além de ser uma forma de manejar orgulho.

Diferente das/os interlocutoras/es de Rodrigues, que agenciaram marcações identitárias locais de maneira ampla, os meandros que levaram as/os interlocutoras/es da pesquisa que desenvolvi a se afirmarem enquanto homossexuais na localidade requereu maiores cuidados, talvez por isso para algumas/uns moradoras/es os bares mencionados são tão importantes. No que diz respeito às sociabilidades homossexuais locais e à formação de grupos de amigas/os, percebi que não é o bairro em si que promove reconhecimento e afirmação, mas sua relação com o bar, esse duplo estrutural é o que vai reafirmar um convívio entre pares, é a partir dele que são (re)atualizadas as noções de família/familiar e amizade.

Retrospectiva

A constituição dessas afetividades (co)extensíveis, que extrapolam espacialidades e consanguinidades, é um tema que está presente na literatura antropológica e sociológica brasileira há, pelo menos, 60 anos.

De modo ilustrativo, dois trabalhos chamam a atenção: um deles realizado na confluência entre as cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo ao longo do século XX, especificamente em regiões “centrais” (Green, 2000GREEN, James. Além do carnaval. A homossexualidade masculina no Brasil do século XX. São Paulo, Editora UNESP, 2000.); e o outro desenvolvido a partir da história da Turma OK, confraria gay existente desde a década de 1960 no “centro” do Rio de Janeiro, no bairro da Lapa (Soliva, 2012SOLIVA, Thiago. A Confraria Gay: um estudo de sociabilidade, homossexualidade e amizades na turma OK. Dissertação (Mestrado em Sociologia e Antropologia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, 2012.)11 11 Tais análises que relacionam perspectivas histórico-etnográficas no trato da homossexualidade e dos chamados grupos ou turmas de homossexuais também estão presentes nas pesquisas de Carmem Dora Guimarães (2004), João Silvério Trevisan (2007) e Carlos Fígari (2007). . Para James Green (2000)GREEN, James. Além do carnaval. A homossexualidade masculina no Brasil do século XX. São Paulo, Editora UNESP, 2000., a ideia da afinidade e do vínculo de amizade entre homens homossexuais conjugava articulações promissoras por meio da noção de “famílias alternativas”. A migração para “centros” urbanos foi um dos fatores que aproximou esses homens na busca por maior liberdade pessoal e anonimato.

Na leitura da pesquisa desenvolvida por Thiago Soliva (2012)SOLIVA, Thiago. A Confraria Gay: um estudo de sociabilidade, homossexualidade e amizades na turma OK. Dissertação (Mestrado em Sociologia e Antropologia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, 2012., é possível perceber que o sentido de “família” foi primordial para a constituição das turmas de homens homossexuais. Seus interlocutores faziam parte da Turma OK, espaço que funcionava como denominador comum de suas amizades, partilhas, angústias, felicidades, tristezas e garantia suporte emocional no período de vivência clandestina de suas sexualidades12 12 Essas relações de parentesco simbólico, construídas na conexão com o tema da homossexualidade, assim como da travestilidade, são fatores que acompanham grupos, organizando perspectivas de “aprendizado”. No contexto pesquisado por Soliva (2012) o emblema do parentesco incidia sobre a figura das mães e das irmãs: as mães eram identificadas como rainhas, contudo não eram únicas; já o termo irmã era a alcunha utilizada para se referir a outros homossexuais da Turma OK, observados pelo autor como os de comportamento mais feminino. Além do emprego de termos de parentesco em contextos ocupados majoritariamente por homens homossexuais, cabe ressaltar o modo como outros termos adquirem sentido, a exemplo da(s) madrinha(s) nas vivências entre travestis. Em várias situações etnográficas que as envolvem (Pelúcio, 2009; Nascimento, 2014; Sabatine, 2012) referir-se à madrinha ou à mãe significa explicitar que existe uma figura de liderança – a travesti mais velha, que acolhe, dá subsídios financeiros e estéticos, orienta e, se possível, pune – pela qual as filhas ou afilhadas irão se espelhar; os termos madrinha e afilhada extrapolam o âmbito das relações entre travestis, cada vez mais são termos utilizados por grupos de homens homossexuais. Desta feita, a nomenclatura do parentesco é rica em usos e sentidos ao se tratar das relações entre grupos de homossexuais e de travestis, por isso merecem cuidados e contextualizações quando forem aplicadas. .

Ademais, especificamente sobre o contexto paulistano de finais da década de 1950, a pesquisa de José Fábio Barbosa da Silva13 13 Defendida no âmbito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, sob orientação do Prof. Dr. Florestan Fernandes. sobre determinados grupos de amigos homossexuais (homens pertencentes às classes médias e altas) moradores do “centro antigo” de São Paulo, foi uma pesquisa pioneira ao tratar de questões referentes ao “homossexualismo” (sic), na tentativa de recuperar o que já vinha sendo trabalhado pela Escola de Chicago14 14 O movimento reflexivo dos autores da Escola de Chicago (Park, 1967; Cressey, 1969; Wirth, 1928, 1967; Whyte, 2005; Leznoff e Westley, 1998) tinha como objetivo analisar a cidade a partir de uma perspectiva ecológica, ou seja, o espaço urbano era um organismo vivo cujas partes deviam fazer sentido entre si. A ideia subjacente a este argumento é de que o processo de transformação da cidade é cíclico e depende do modo de interação entre indivíduo e sociedade. Se a organização e a funcionalidade são premissas fundamentais para essa escola de pensamento, o conjunto de pesquisadores vinculados a ela esforçou-se em compreender, por meio do boom demográfico do século XX no contexto norte-americano, questões vistas como passíveis de desorganização: pobreza, surgimento das favelas, desvio, violência e crime. , a exemplo da noção de “homosexual community15 15 Maurice Leznoff e William Westley (1998) desenvolveram um survey com 60 homens homossexuais de uma cidade de grande porte do Canadá. Seus objetivos estavam voltados para a organização social (do que eles intitularam de “homosexual community”) e a constituição de seus grupos. Três pontos serviram de base para suas análises: função, etiologia e inter-relação. Estes pontos equacionavam as relações entre homens homossexuais em uma dinâmica que envolvia vigilância, emoção, dependência e regras distintas nos “secret” e “overt groups”. O jogo das interações passava, principalmente, por distinções de gênero: efeminados e não-efeminados. A funcionalidade de cada grupo selecionava seus integrantes levando em conta a forma de expressarem seu gênero, o que favorecia um aspecto de total vigilância (função primária para o estabelecimento dos grupos, pois atuava como moderador para quem devia, ou não, fazer parte). Outro aspecto de destaque, também passível de vigilância, sobretudo no que diz respeito ao fortalecimento das amizades, postulava que dois amigos não podiam dormir juntos ou manter relações sexuais entre si, sob pena de perderem a amizade e esfacelarem parte do grupo. Esse aspecto funcional refletia necessidades e problemas comuns enfrentados por homens homossexuais diante da hostilidade social. No que tange às demandas de uma “homosexual community” norte-americana, ocorreu um debate pungente sobre “coming out” a partir da força que militantes lésbicas e gays vinham conquistando desde os anos 1970. Nesse sentido, “el parentesco comenzaba a parecer más un problema de esfuerzo y de elección, que un vínculo permanente e inamovible o underechoinalienable” (Weston, 2003:16). É importante evidenciar que as “famílias de escolha” estavam marcadas socialmente por cor, classe e relações sociais, isto é, “esta elección no-tan-libre que configura la familia incorpora también las circunstancias materiales, la cultura, la historia, los hábitos y la imaginación” (Weston, 2003:17). Houve, portanto, uma série de esforços para desvincular da tradição norte-americana a linguagem do parentesco como sinônimo exclusivo da biologia, os questionamentos incidiam, sobretudo, nos vínculos de sangue (substância) que tanto indicavam quem era “parente verdadeiro” quanto excluíam outras formas de afeto, solidariedade e coletividade. . Traçando referências diretas com o uso de diversas categorias de análise pelos pesquisadores desta Escola, o trabalho de Barbosa da Silva foi fundamental porque lançou olhar para a homossexualidade além do campo médico e psiquiátrico.

Tendo como sustentação analítica a compreensão das vicissitudes entre indivíduo e sociedade, Barbosa da Silva viu na relação entre homossexualidade e cidade um modo promissor de análise que pudesse confrontar aspectos quantitativos e biológicos. O cerne de seus argumentos girava em torno dos processos que levavam homossexuais (“grupos minoritários” e “primários”) a serem colocados numa posição de marginalidade social, e, por conseguinte, o fato destes se valerem da exclusão e do estigma como efeito de aproximação.

Barbosa da Silva enfatizou, na esteira do que fizeram Leznoff e Westley (1998)LEZNOFF, Maurice; WESTLEY, William. The homosexual community. In: NARDI, P. M.; SCHNEIDER, B. E. (ed.). Social perspectives in lesbian and gay studies: a reader. New York, Routledge, 1998 [1956], pp.5-11 [https://academic.oup.com/socpro/article-abstract/3/4/257/1701938?redirectedFrom=fulltext - acesso em: 27 fev. 2021].
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, como a ideia de um padrão ideal de comportamento homossexual balizava esse processo de aproximação, nesse caso entre dois tipos gerais: os ostensivos e os dissimulados. Não há como não perceber que essa separação entre indivíduos e grupos alimentava distintos papéis sexuais e de gênero, assim como marcações sociais de classe. Havia um jogo entre o que se entende na atualidade como dar pinta e respeito.

Embora a noção de “comunidade” articulasse afinidades entre grupos homossexuais, é digno de nota pontuar as marcações distintivas que eram agenciadas com vistas a conformar uma imaginação comum sobre a maneira na qual se estabeleciam as aproximações. No que se refere à pesquisa de Barbosa da Silva, um dos marcadores-chave de sua análise era a classe social, seus interlocutores faziam parte das classes médias e altas e residiam no que antes era considerado sinal de status e prestígio da elite paulistana: o “centro antigo”. Ademais, a maioria deles era amigo do autor e faziam parte dos mesmos ambientes que os dele. Existia o que o autor chamava de “camaradagem”, “estreita amizade entre duas pessoas que encontram satisfação na realização de atividades em comum” (Barbosa da Silva, 2005:135).

Levando em consideração o impacto de referências estadounidenses na conformação de determinadas categorias de análise relacionadas às noções de “comunidade” e consanguinidade entre homossexuais brasileiros, é válido mencionar que em meados dos anos 1980 a antropóloga Kath Weston realizou uma etnografia pioneira com grupos de lésbicas e gays, em São Francisco (EUA), na qual identificou o que ela chamou de “famílias de escolha” como contraponto às famílias constituídas por laços consanguíneos.

Embasada em antropólogas/os favoráveis à noção de parentesco como um construto sociocultural e não algo exclusivamente de domínio biológico (Schneider, 1972SCHNEIDER, David M. “What is kinship all about?” In: REINING, Priscilla (ed.). Kinship studies in the Morgan centennial year. Washington, The Anthropological Society of Washington, 1972, pp.32-63.; Yanagisako e Collier, 1987YANAGISAKO, Sylvia Junko; COLLIER, Jane Fishburne. Toward a unified analysis of gender and kinship. In: YANAGISAKO, Sylvia Junko (ed.). Gender and Kinship: Essays Toward a Unified Analysis. Stanford, Stanford University Press, 1987, pp.14-50.), Weston questionou o modo unilateral pelo qual o conceito de procriação constituía o sistema de parentesco nos Estados Unidos, isto é, as lentes que forjavam saberes e expectativas familiares eram as mesmas que sustentavam a exclusividade de aspectos biológicos em detrimento de fatores históricos e socioculturais.

Ao perseguir tais argumentos, a autora percebeu que mesmo diante de uma série de movimentos de migração lésbica e gay para os Estados Unidos, na década de 1980, trazendo consigo novas demandas aos estudos de parentesco - pela articulação entre classe, raça e etnicidade -, nenhuma das agendas políticas da época reconheceu as famílias constituídas por casais de lésbicas e gays enquanto dignas de direitos. Era necessário reconhecer que elementos de escolha precisavam entrar em pauta, pois, segundo Weston, o domínio primário das “famílias de escolha”, por onde elas/eles supostamente se espelhavam, era refletido por meio de um domínio heterossexual16 16 Referente à constituição de uma linguagem do parentesco pela ótica de uma matriz de inteligibilidade heterossexual, ver: Judith Butler (2003). Ademais, sobre os questionamentos em torno de arquétipos que vinculam sexo e gênero por uma ordem “natural”, estabelecendo, desta feita, um “sistema sexo/gênero” (redoma opressora que vincula sexo biológico a gênero de modo essencialista e hierárquico), ver: Gayle Rubin (1975). .

As análises apresentadas tornaram-se referência para a pesquisa de Telma Gonçalves (1989)GONÇALVES, Telma Amaral. Homossexualidade: representações, preconceito e discriminação em Belém. Trabalho de Conclusão de Curso - Universidade Federal do Pará, Belém, PA, 1989. sobre as representações, os preconceitos e as discriminações entre grupos homossexuais na cidade de Belém. Sete anos após a clássica publicação de Peter Fry (1982)FRY, Peter. Da hierarquia à igualdade: a construção histórica da homossexualidade no Brasil. In: FRY, Peter. Para inglês ver: identidade e política na cultura brasileira. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, pp.87-115., a pesquisa de Gonçalves perscrutava, dentre outras coisas, a posição de marginalidade social referente a homens homossexuais daquele contexto urbano, também mapeados nos bairros “centrais” da cidade.

Semelhante aos resultados de Leznoff e Westley e Barbosa da Silva, Gonçalves identificou que uma das representações comuns entre homens homossexuais resultava na divisão entre escrachados e enrustidos, questão intimamente relacionada à dicotomia passivo e ativo - posições materializadas a partir de relações hierárquicas em torno de papéis sexuais e de gênero e das marcações sociais de classe.

Posto isso, cabe mencionar que, se nos anos 1950 e 1960 as afinidades e amizades entre homens homossexuais ocorriam em pontos de encontro comuns17 17 Reuniões particulares em apartamentos e encontros afetivo-sexuais fortuitos em praças e parques. , em meados dos anos 1970 e início dos anos 1980 “um movimento político relativamente pequeno, porém intenso, começava a tomar forma, mas sua energia pareceu se dissipar em meados dos anos 80” (Parker, 2002PARKER, Richard G. Abaixo do equador: Culturas do desejo, homossexualidade masculina e comunidade gay no Brasil. Rio de Janeiro, Record, 2002.:131), principalmente por conta da epidemia de hiv/aids, que não só estigmatizou homossexuais como dividiu os que eram assumidos dos que permaneciam no “armário”. Nesse sentido, os sentidos de “família alternativa”, “turma” e “família de escolha” serviram de tropo para formatar uma ideia de “comunidade homossexual” brasileira.

A partir dos anos 1990 a militância homossexual e o, ainda tímido, mercado de bens e serviços voltados para homossexuais, no Brasil, começaram a disputar espaço, movimentando sentidos de “família” e amizade com vistas a produzir diferenças via classe social, raça/cor, gênero e sexualidade. Isso significa dizer que o crescimento e o fortalecimento da militância LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) deveu-se, em grande medida, pelo afunilamento de demandas sobre desigualdade e diversidade, ao passo que estabelecimentos comerciais como bares e boates despontaram como vetores de segmentação18 18 A esse respeito, ver: Júlio Simões e Isadora Lins França (2005), Isadora Lins França (2006a, 2006b e 2012) e Bruno Puccinelli (2013). . A sinuosidade na qual esse processo ocorreu trouxe à baila a pouca amistosidade e o quase inexistente consenso entre militância LGBT e empresários (Facchini, 2005FACCHINI, Regina. Sopa de letrinhas? Movimento e produção de identidades coletivas nos anos 90. Rio de Janeiro, Garamond, 2005.). Perseguindo a representatividade dessas querelas, é possível levantar a seguinte questão: se na atualidade a coexistência de sentidos de “família” e afetividades dentro e fora de espaços de sociabilidade homossexual trouxe à baila um acirramento dos sentimentos de pertença e distanciamento, tendo em vista a possibilidade recorrente de se observar disputas sobre decadência e modernidade, a quem se destina a sustentação de chaves analíticas a respeito do compartilhamento e da reciprocidade de exercícios afetivos em meio à expansão do capitalismo urbano em “centros” e “periferias” do Sul Global, com características neoliberais explícitas? (cf. Sabsay, 2011SABSAY, Letícia. Fronteras sexuales: espacio urbano, cuerpos y ciudadanía. Buenos Aires, Paidós, 2011.).

“Comunidade”, pessoalidades e vislumbramentos protetivos

O questionamento ao final da seção anterior servirá de elemento contrastante para a compreensão do modo como são constituídas as noções de “comunidade”, pessoalidades e os vislumbramentos protetivos (sensações de acolhimento e segurança), nos bares pesquisados, especialmente para que seja possível entender por que a relação entre determinados espaços e pessoas produzem uma série de sentimentos mútuos. Vejamos, a seguir, um trecho da entrevista de Narciso:

Eu costumo dizer que a Ângela é um pedacinho da minha casa. Eu defendo o bar porque é um lugar onde eu me sinto à vontade: encontro amigos que estão com algum problema – ‘Ai amigo, hoje eu vim aqui pra beber porque aconteceu isso e isso...’. Eu acabo dando conselho pra aquela pessoa. Então, é um lugar onde a gente encontra tudo quanto é história, histórias boas ou ruins, e as pessoas acabam indo pra lá pra espairecer. Então, eu acho que aquilo ali é um espaço pra diversão, é um espaço pra tu encontrares o teu amigo e abraçar, é um espaço de tu fazeres uma despedida. Se for pra eu defender o bar, ir pra polícia, eu vou, sirvo de testemunha, sirvo pra tudo! (Narciso, em entrevista, 33 anos).

A relação sinérgica que Narciso estabeleceu com o espaço faz parte do modo como determinadas/os frequentadoras/es do bar da Ângela tonificam o compartilhamento de experiências. A construção da narrativa, ao contrário do que se possa imaginar, não isola o cotidiano de Narciso da pontualidade da festa, o que se nota é uma engenhosa relação de reciprocidade, embora ele não use este termo. Percebi que se trata de um ato recíproco porque, enquanto o bar é um ponto de encontro para fins de diversão e convivência entre amigas/os, a contrapartida dada por algumas/uns frequentadoras/es corresponde à ideia de união e ao que cada uma/um pode fazer em nome de um benefício coletivo, ou seja, em torno da produção de repertórios recr(i)ativos.

Durante as incursões em Belém e São Paulo, por diversas vezes, refleti sobre os níveis intensos de apego das/dos frequentadoras/es com os bares. Um dos aspectos que me deixou instigado foram as maneiras pelas quais o afeto foi elaborado, por meio de um exercício relacional entre agência e estrutura. Ressalto, não se tratou de um retorno ao “gueto”, por exemplo, como liberdade de expressão, mas de um movimento que retomou o curso de uma série de pesquisas sobre (homo)sexualidade cujas perspectivas analíticas também giraram em torno da produção de experiências compartilhadas e de afetos além do bar e da boate19 19 A esse respeito, ver, por exemplo, os trabalhos de José Fábio Barbosa da Silva (2005), Carmen Dora Guimarães (2004), João Silvério Trevisan (2007), James Green (2000), Kath Weston (2003), Carlos Fígari (2007), Thiago Soliva (2012, 2016b), Carlos Eduardo Henning (2014), Gustavo Saggese (2015) e Guilherme Passamani (2015). , porém levei em consideração uma relação temática pouco escrutinada na antropologia urbana brasileira, qual seja: “periferia” e homossexualidade20 20 Notei desde o início da pesquisa o quão original e necessária foi a proposta que persegui. Nas revisões de literatura observei certa lacuna de trabalhos, especialmente teses e dissertações, que tratassem sobre a relação temática entre (homo)sexualidade e “periferia” (Facchini, 2008; Lacombe, 2005 e 2010; França, 2012; Medeiros, 2006; Oliveira, 2006; Aguião, 2007; Lopes, 2011; Villani, 2015). Os trabalhos elencados mostram, a priori, o caráter multifacetado das dinâmicas urbanas. Se ainda existe um ranço estruturado, até certo ponto, por linguagens coloquiais que localizam contextos “periféricos” enquanto lugares precários em contraposição a uma afirmação política local, não é à toa que a noção de subjetividade serve de mote para uma melhor compreensão identitária contemporânea (Biehl et al, 2007). Tal aspecto, além de subjugar noções estruturais, tonifica esse debate porque sinaliza o que está em jogo, por exemplo, quando há uma negação/afirmação do local de origem “periférico” e uma busca por prestígio e aceitação fora desses lugares, por excelência, compósitos. É importante destacar, conforme pontuam Perlongher (2008) e Puccinelli (2013), que a territorialização e a espacialização, referentes à sexualidade, são fatores que interferem diretamente nas mobilidades de determinadas/os homossexuais, materializando acessos e desejos citadinos específicos. Isso significa dizer que, pela própria tensão de classe cotidiana entre homossexuais moradoras/es de “periferias” e de “centros”, é mais rentável ultrapassar concepções fatalistas que imputam características alienantes entre esses sujeitos, os espaços que elas/es circulam e os lugares que habitam. Na região Norte, por exemplo, o baixo volume de trabalhos a respeito do tema das sociabilidades homossexuais (Oliveira, 2009; Ribeiro, 2012) ou da relação entre “periferia” e (homo)sexualidade (Fry, 1982; Reis, 2016, 2017 e 2020) revela uma faceta da produção de conhecimento em antropologia urbana ainda pouco desenvolvida. A respeito da produção de conhecimento científico em antropologia urbana no Amazônia Paraense, ver: Maurício Costa (2009) e Telma Bemerguy (2019). Sobre um balanço da produção antropológica na Amazônia, especificamente em Belém, no decênio de 1994 a 2004, ver: Jane Beltrão (2006). Ademais, a propósito do debate sobre cidades, urbanização e fronteira na região Norte, ver: Edna Castro (2008). Por fim, concernente aos mitos criados e reproduzidos sobre a Amazônia, ver: Heraldo Maués (1999) e Neide Gondim (2019). .

Ao argumentar em torno de um exercício relacional entre agência e estrutura, quero dizer que essa produção de si encontra reflexividade, potencialidade e certa ancoragem naquilo que determinados espaços representam. Desta feita, considerei instigante a retroalimentação entre indivíduo e bar justamente porque as posições individuais não estão circunscritas ao local, mas funcionam como uma espécie de suporte, por exemplo: Narciso não vive em função do bar, mas o torna inteligível a ponto de defendê-lo em qualquer circunstância, tampouco o bar é o único fator que dá sentido às suas vivências, mas é na existência deste espaço que ele também se reconhece enquanto tal.

O aspecto intimista articulado pela narrativa de Narciso aparece, também, em um dos trechos da entrevista de Josué (39 anos, frequentador do Guingas):

Eu sempre fui bem recebido no Guingas. Eu sempre fui muito bem acolhido por eles. Eu adoro essa casa, tanto que quase todos os finais de semana eu estou aqui. Eu amo esse lugar! Então, eu acabo deixando de ir pro centro que, financeiramente falando, tem pessoas que são da mesma classe social que a minha, mas eu prefiro vir aqui (Josué, em entrevista, 39 anos).

Alguns elementos da narrativa de Josué valem uma reflexão atenta sobre o que compreendi como sensações de bem-estar: ser bem recebido, bem acolhido, adorar a casa (o bar) e amar o lugar (novamente o bar). Cada uma destas sensações é produzida por pontos atrativos internos ao Guingas. Como é possível notar, o substrato dessa relação não faz referência à dietética (saúde corporal), é antes a expressão de um afeto resultante da sinergia movida pelo tempo e pela confiança entre indivíduo e espaço, ou entre quem possui alguma afinidade com o bar. Seguindo as pistas analíticas de Isadora Lins França (2012)FRANÇA, Isadora Lins. Consumindo lugares, consumindo nos lugares: homossexualidade, consumo e subjetividades na cidade de São Paulo. Rio de Janeiro, EdUERJ, 2012., não é apenas um consumo potencializado na articulação com o espaço que está em jogo, mas também um modo de consumir o próprio espaço/lugar, de dar vazão aos processos de subjetivação.

Entre os homens homossexuais com quem conversei, ouvi quase em uníssono a expressão me sinto bem, justificável pela gestão das afetividades no espaço. Houve nos dois bares, além das intencionalidades de cada um, uma espécie de recuo daquela representação meramente lucrativa na qual observa a clientela sob uma ótica hierárquica e vertical (proprietária/o = maior força, clientela = menor força). O que existiram foram dinâmicas relacionais horizontalizadas, ou como diria Benedict Anderson (2008)ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo, Companhia das Letras, 2008 [1983]., referindo-se à constituição de nações enquanto comunidades imaginadas: “camaradagem horizontal”, onde os efeitos que causam tais sensações de bem-estar são frutos de um processo constante de alteridade, da busca em compreender que as demandas do público são tão importantes quanto o capital acumulado, fatores evidenciados na fala de Reginaldo (46 anos) sobre o comportamento de Ângela:

A Ângela é aquela pessoa muito carismática, é aquela pessoa que agrada os outros com sorriso, é aquela pessoa que quando alguma coisa está acontecendo dentro do bar, feito por cliente, ela pega o microfone e fala, esculhamba21 21 Chamar atenção em situações de confusão, desrespeito e subversão de regras internas. . Então, as pessoas veem uma autenticidade no jeito dela, e esse carisma faz com que muitas pessoas venham no bar por causa dela. Eu já ouvi muita gente falar: ‘A Ângela é legal, é maravilhosa, recebe muito bem, diferente de determinadas pessoas que tratam o cliente de maneira muito fria: não falam, não querem conhecer o cliente. Então, aqui a gente vem, se diverte, brinca, fresca22 22 Conversar em tom de empatia, ironia e jocosidade. com ela, ela fresca com a gente, a gente gosta de ver a forma dela se vestir, aqueles seios bem gigantescos, aquelas roupas mínimas, ela sai pra dançar com o público e, às vezes, ela termina bebendo com o público’ (Reginaldo, em entrevista, 46 anos).

Ressalto que o sentido da fala de Reginaldo não é um ponto que deve ser generalizado, mas é um reflexo da maneira como são manejados os afetos e as reciprocidades. A qualidade, muito mais do que a quantidade (refiro-me, novamente, à gestão do afeto), tonifica a já citada coisa familiar, principalmente quando se olha para as sociabilidades estabelecidas no Guingas e na Ângela.

Enfatizei o aspecto qualitativo levando em conta o tratamento que é dado à clientela - independentemente da quantidade de pessoas, a presteza e a simpatia são palavras de ordem de cada estabelecimento, não à toa Josué ama o Guingas e Narciso vê na Ângela um pedacinho de sua casa, argumento que se sustenta na propriedade da afinidade e nas imagéticas de alcance mais geral, ou seja, naquilo que se torna inteligível para quem frequenta e se vê representada/o.

Complementando o argumento levantado, é oportuno perceber que a despeito das diferenças de classe social e raça/cor entre Narciso e Josué23 23 Narciso reside no Guamá, auto identifica-se como negro e pertence ao que ele chama de família equilibrada entre parentes de classe média e pobres. Josué reside em Santo André, região metropolitana contígua a São Mateus, auto identifica-se como descendente aos orientais e se reconhece pertencente à classe média, mas pontua que sua família está dividida em classe alta, média e baixa. , ambos manejam certo apaziguamento dessas marcações em prol de preferências individuais dispostas pelas relações afetivas construídas em meio à frequência nos bares.

Pontuei isso para mostrar que a produção do afeto equivale, também, à produção da diferença, de pontos (os bares) nas geografias das cidades, nivelados pela frequência de pessoas de classes sociais e raças/cores distintas, contribuindo assim para o que Iris Young (1997YOUNG, Iris Marion. Together in Difference: Transforming the Logic of Group Political Conflict. In: McDOWELL, Linda (ed.). Undoing Place? A Geographical Reader. New York, Arnold, 1997, pp.332-342.:337) compreende como concepção relacional da diferença: “um grupo existe e é definido como específico justamente por suas relações sociais e interativas com outros grupos. A identidade do grupo não é um conjunto de fatos objetivos, mas o produto de vivências específicas” (tradução minha24 24 Do original: “a group exists and is defined as a specific group only in social and interactive relation to others. Group identity is not a set of objective facts, but the product of experienced meanings” (Young, 1997:337). ). Esta concepção cumpre um papel extremamente relevante dentro de cada bar, qual seja: o de dessencializar experiências, afinal não são todas/os iguais, tampouco suas experiências com os espaços são as mesmas.

Esse modus operandi faz com que as relações não se tornem engessadas no tempo e no espaço. Flui mobilidade e experiência. Não posso deixar de notar que o carisma e a autenticidade citados por Reginaldo a partir do que ele ouve sobre a postura de Ângela, somados ao baixo custo que é frequentar o bar, são molas propulsoras para atrair um público diverso, disposto a se jogar25 25 Ter disponibilidade. e frescar, independente da falta de segurança que ronda o bairro. Edna explicitou parte dessas questões:

Lá na Ângela [bar] é meio perigoso, mas tu sabes o que eu acho? Eu acho assim: a Ângela tá todo esse tempo porque o espaço é dela, ela trabalha com a cerveja mais barata, também, entendeste? E ela sabe tratar o cliente. Ela sabe tratar com toda delicadeza e tudo. Ela faz umas promoções legais de cerveja, e o público gosta... Porque tu sabes que a gente trabalha, mas a gente também gosta de se divertir (Edna, em entrevista, 47 anos).

Quando Edna mencionou o termo perigoso, compreendi que nesta chave de análise não seja o bar o sinônimo de perigoso, mas sim o bairro do Guamá, especialmente o que é veiculado sobre o lugar nas mídias locais, o apelo maior das informações recai em uma tríade representativa relacionada à pobreza: violência, criminalidade e precariedade. Paralelamente, esta tríade é atrelada ao caráter estético, associando “periferia”/“periférico” à feiura/ao que é feio.

Esse destaque serve para enfatizar que os pontos acionados da tríade fazem parte do crivo de julgamento daquelas/es mulheres e homens homossexuais que dizem não frequentar e não gostar do bar, pessoas com as quais optei por não prolongar contatos durante a pesquisa, afinal seus julgamentos pareciam se tratar apenas de queixas infindáveis e superpostas.

Voltando ao trecho da entrevista de Edna, com o desenrolar da narrativa foi possível perceber que a credibilidade dada por ela ao bar independe do aspecto ordinário perscrutado pela mídia local sobre o bairro. O perigo e a ausência de segurança não a fizeram crer que o espaço esteja refém da tríade supracitada. Pelo contrário, é na auspiciosa habilidade de Ângela em manejar tais estigmas que ela constrói autonomia e reconhecimento.

Por ser um espaço próprio, Ângela tem autonomia para praticar um preço de cerveja mais acessível, sem contar nas inúmeras vezes em que ela foi retratada pela maioria do público como simpática e gentil, não obstante ter pulso firme quando necessário. Essas características garantem credibilidade a Ângela e ao bar. De fato, são características que mais aproximam do que afastam sua clientela cativa.

No bojo desse compartilhamento de sensações, que não se furtam a encarar possíveis riscos e perigos, reafirmo que a atitude de se jogar é mais uma forma de exercitar pertencimento e aproximação por critérios duplamente qualificados. Pareceu-me que se trata de um jogo adjetivado entre o prazer de estar junto e o perigo que ronda tal sociabilidade, ressaltando que prazer e perigo26 26 A projeção desses prazeres perigosos relacionados à sociabilidade homossexual, bem como aos estudos de gênero e sexualidade, é um fator que sistematiza linhas tênues – endógenas e exógenas – a respeito das possibilidades de reconhecimento criadas para juntar e/ou expurgar características de pertencimento. A priori, pode parecer que prazer e perigo, nesse sentido, sejam forças opositoras que interagem momentaneamente, isto é, no espaço-tempo da festa, porém, são noções, também, (co)extensíveis de um contexto marcado pelos jargões sobre precariedade e ausência. Portanto, a espacialização e/ou territorialização de gêneros e sexualidades e vice-versa confere legitimidade ao plano dos acessos e desejos (cf. Gregori, 2016; Massey, 2013), a despeito do lugar onde estejam inseridos. funcionam contingencialmente, podem ou não fazer sentido independente de quem frequenta.

Quero refletir neste momento a respeito das vicissitudes que levam determinadas pessoas a frequentar os bares. É possível pensar que existem indiretamente critérios de segurança que estimulam as mobilidades para esses bares na “periferia”? Uma das nuances que viabiliza a reflexão a respeito da segurança ou dos vislumbramentos protetivos é a reverberação do ato de conhecer, espécie de investimento para fins de autoconhecimento e compartilhamento/união. Conhecer, ainda que de longe quem esteja no bar, representa uma ideia de segurança e de proteção. Vejamos como isso se materializa na fala de Ailton:

Antes de eu ter o bar, a minha casa era sempre lotada, cheia. Eu gostava disso. Eu sempre gostei de estar com amigos. Então, quando a gente abriu o bar a ideia era justamente essa, tanto é que hoje os clientes são meus amigos, hoje a gente frequenta a casa deles, eles frequentam a nossa casa (Ailton, em entrevista, 54 anos).

A outra nuance é o respeito e a cumplicidade mútua que são vivenciados no bar da Ângela:

Eu acho que ali um respeita o outro, ninguém fica tirando gracinha. Em geral, quando acontece alguma coisa chata os clientes têm a liberdade de chegar comigo e relatar o que tá acontecendo, pra eu chegar junto caso esteja incomodando. Então, eu vou até a pessoa, dou um toque e tal, antes de ter alguma confusão eu já chamo logo a atenção. Nesse caso, eu acho mais fácil trabalhar com os meninos, porque, as meninas, parece que elas já querem logo resolver por elas mesmas, mas numa briga não me interessa se é menino ou menina, eu ponho todos que estiverem brigando para fora e peço pra dar um tempo fora27 27 Permanecer um período de 3 ou 4 meses sem frequentar o bar. . Eu peço, geralmente, pra que não volte no bar durante 3 ou 4 meses, porque se voltar antes eu não deixo entrar mesmo. Eu sempre digo que ali é a casa de vocês, tem que respeitar! (Ângela, em entrevista, 45 anos).

Com base nos pontos mencionados, percebi que o reconhecimento referente aos sentidos de “comunidade” e às sensações de bem-estar e segurança são os resultados da articulação direta das categorias de acusação e de identificação que são colocadas em perspectiva a partir do manejo de diversos operadores e marcadores da diferença. Não é possível olhar para determinadas amizades e sociabilidades sem antes compreender minimamente que elas estão articuladas a sentidos, sensações e percepções, e não a isolamentos geográficos e identitários.

Caminhando para a finalização da seção, considero oportuno relacionar os argumentos supracitados com a arguta reflexão de Richard Parker (2002)PARKER, Richard G. Abaixo do equador: Culturas do desejo, homossexualidade masculina e comunidade gay no Brasil. Rio de Janeiro, Record, 2002. sobre as distinções do uso do termo “comunidade gay” em contextos brasileiros (nesse caso, nas cidades do Rio de Janeiro e de Fortaleza) e anglo-europeu. Parker mostra que no contexto anglo-europeu a ideia de “comunidade gay” foi forjada atrelada a uma espécie de “institucionalização” não apenas dos espaços de sociabilidade, mas de toda a sorte de estabelecimentos, organizações, posturas e corporalidades voltadas fortemente para um potencial uso do termo “gueto gay”. No Brasil, a inserção do termo “comunidade gay” compõe um panorama fraturado e contingencialmente coeso, não à toa em nenhum momento ouvi, nos bares pesquisados, a palavra “comunidade”, mas sim família, familiar e amizade.

Aproximando das análises de Kath Weston (2003)WESTON, Kath. Las familias que elegimos: Lesbianas, gays y parentesco. Barcelona, Edicions Bellaterra, 2003., num sentido de desinstitucionalização, um dos aspectos instigantes dos argumentos supracitados é o caráter de intensidade da amizade como um signo da (homo)sexualidade, ou seja, a manifestação de agrupamentos “familiares” via sexualidade fundamenta os níveis de aproximação entre pares. É possível identificar a materialidade da relação entre amizade e (homo)sexualidade através da noção de “comunidade”, não exatamente de uma subcultura unificada, “mas como uma categoria implícita coletiva, organizando o espaço urbano e caracterizando as relações” (tradução minha28 28 Do original: “sino como una categoría implícita colectiva, organizado elespacio urbano y conceptualizadolas relaciones” (Weston, 2003: 170). ).

Portanto, a força da noção de “comunidade” associada à (homo)sexualidade, em contexto brasileiro, ganha força não por meio de seu sentido estrito, mas a partir da imaginação resultante de sua representatividade. Mais do que pensar em “comunidade gay” ou “comunidade homossexual”, faz mais sentido pensar em casa/família/amizade/turma/camaradagem (cf. Green, 2000GREEN, James. Além do carnaval. A homossexualidade masculina no Brasil do século XX. São Paulo, Editora UNESP, 2000.; Soliva, 2012SOLIVA, Thiago. A Confraria Gay: um estudo de sociabilidade, homossexualidade e amizades na turma OK. Dissertação (Mestrado em Sociologia e Antropologia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, 2012.; Barbosa da Silva, 2005BARBOSA DA SILVA, José Fábio. “Homossexualismo em São Paulo: estudo de um grupo minoritário”. In: GREEN, James & TRINDADE, Ronaldo (org.). Homossexualismo em São Paulo e outros escritos. São Paulo, Editora Unesp, 2005 [1960], pp.41-212.; Guimarães, 2004GUIMARÃES, Carmem Dora. O homossexual visto por entendidos. Rio de Janeiro, Garamond, 2004 [1977].; Trevisan, 2007TREVISAN, João Silvério. Devassos no paraíso: a homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade. Rio de Janeiro, Record, 2007 [1986].; Fígari, 2007FÍGARI, Carlos. @s “outr@s” cariocas: interpelações, experiências e identidades homoeróticas no Rio de Janeiro: séculos XVII ao XX. Belo Horizonte, Editora UFMG; Rio de Janeiro, IUPERJ, 2007.). Isso mostra que as relações estabelecidas nos bares, levando em consideração o signo da união, são também representações imaginativas, ou seja, “imagens vivas de comunhão” (Anderson, 2008ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo, Companhia das Letras, 2008 [1983].), justamente porque escapam à equivocada generalização do conhecimento que se tem sobre o outro, além de possuírem fronteiras contingenciais de ação29 29 Ainda que destoe do que procurei refletir, é importante mencionar que o debate sobre a noção de comunidade também possui reflexos diretos no modo como são construídas as políticas nacionais ou no processo referente à elegibilidade de identidades nacionais e da sexualidade. Cabe notar, nesse sentido, que o Estado (enquanto um ente jurídico-moral) tem por base a construção de nações pelo que Verena Stolcke (2001:419) compreendeu ser um exercício de compulsoriedade identitária, isto é, a suposta ideia de uma “consolidação de sentimentos de pertença nacional e de vinculação entre todos os setores da população”. Em outra chave de análise, que reflete a noção de comunidade relacionada ao marcador de sexualidade, em contexto africano, Rafael Noleto (2015) questionou se a produção de determinadas identidades nacionais masculinizadas, construídas na recusa às posturas masculinas consideradas femininas, não seria também uma forma de se opor não apenas ao gênero feminino, mas a uma ideia de “homossexualização” que supostamente a feminilidade traz consigo. Este é um debate complexo que não cabe em uma nota de rodapé, ainda assim é importante que ele esteja minimamente pontuado neste texto, sobretudo porque falar de comunidades imaginadas, Estados-nações e identidades nacionais, é perceber o modo como são manejadas e produzidas as diferenças sociais em múltiplas/os escalas e processos históricos, além de facilitar a compreensão acerca das complexas maneiras de agenciar afinidade, compartilhamento e reciprocidade. .

Considerações finais

“A ideia da gente era fazer uma extensão da nossa casa” (Ailton). “Isso aqui é a minha vida! Eu amo o bar” (Ângela). As frases destacadas nos mostram a importância de perscrutar espaços de sociabilidade homossexual localizados em contextos “periféricos” das cidades de São Paulo e Belém, primeiro por ser um campo de conhecimento pouco desenvolvido no Brasil e segundo pela visibilidade necessária a espaços que geralmente estão ausentes das cartografias de lazer e diversão. Nesse sentido, a priori procurei apresentar parte dos dados originais da pesquisa e em seguida busquei desenvolver retrospectivas elucidativas para contextualizar o debate sobre famílias, turmas e grupos de homossexuais, compreendendo quais os sentidos e deslocamentos destas noções nos contextos pesquisados.

Foi possível perceber que os sentidos que subjazem às construções narrativas das/os interlocutoras/es são permeados por regimes de afeto desenvolvidos a partir de uma relação de complementaridade. Os afetos e as sinergias despontaram como componentes centrais que organizaram suas maneiras de interagir com os bares30 30 Há que se compreender que existe uma distinção entre emoção, definida como sentimento privado que não costuma estar motivada pelo aspecto cultural ou articulada socialmente, e sentimentos definidos como símbolos articulados socialmente e expectativas comportamentais (cf. Lutz e White, 1986). Portanto, o que procurei enfatizar tem como base este último ponto: a construção de sentimentos que são agenciados na relação entre os planos micro e macro, por meio da problematização do que se compreende como exclusivamente privado ou público. . Esse movimento intercambiável e de retroalimentação serviu de suporte para a constituição de afetividades (co)extensíveis (vetores contingenciais e sistemáticos para a produção dessas sociabilidades homossexuais “periféricas”).

A casa (residência) e a extensão da casa (bar) compõem um mosaico que é composto pelo esgarçamento destes espaços; no momento em que ocorre a desestabilização do prévio significado de residência e de bar – como sinônimos de privado e público, respectivamente - há a possibilidade de estabelecer continuidades que se encontram numa espécie de ponto comum, cada um dos espaços possui um ponto de saída que vai se aproximando conforme as relações se intensificam. Dependendo da situação, bar e casa são sinônimos porque são construídos de forma (co)extensiva e intercambiável.

O modus operandi pelo qual elas/eles sistematizaram a maneira de lidar com espaços e públicos conectou grupos e pessoas em torno de pontos comuns. Quando expressões como se sentir em casa, extensão da casa ou aqui nós somos uma família vieram à tona, significava dizer que o suposto domínio público dos bares se diluía em meio a uma simbologia intimista. Ailton, em algumas situações, era considerado como pai por algumas/uns frequentadoras/es, principalmente pelas drag queens residentes do Guingas, as quais utilizavam a justificativa de que ele abriu espaço e deu oportunidade de trabalho. Em outras situações ele era visto como amigo fiel sempre disposto a ajudar.

Ângela, também reconhecida como tia ou titia, era a figura emblemática do bairro do Guamá, aquela que representava o que muitas/os percebiam como mulher batalhadora e guerreira, sapatão de respeito. Coincidentemente, as trajetórias de ambos são parecidas em algum sentido: ele e ela possuem relações muito semelhantes com cada bar, suas trajetórias se confundem com o percurso histórico do espaço. De fato, não há como desconectar a pessoa da estrutura. A utilização dos termos pai e tia comprazem significativamente a sinergia entre o público que frequenta cada bar. Embora nem todas/os compartilhassem esse mesmo tipo de experiência com Ailton e Ângela, a maioria reconheceu que a construção de laços de cordialidade e de amizade foram fundamentais para o desenvolvimento de boas relações dentro e fora dos espaços.

Com efeito, questionar o vínculo consanguíneo possibilitou problematizar os domínios essencialistas de pensamento que utilizam a natureza como subterfúgio para moldar e tornar inteligíveis determinadas práticas culturais. A leitura do biológico enquanto símbolo, ou da passagem do sangue à escolha - como nos casos em que Ailton e Ângela foram nomeados enquanto pai e tia, respectivamente - evidenciou certa desvinculação da consanguinidade de seu caráter exclusivamente biológico e ampliou o escopo do parentesco com base em temporalidades e espaços não evidentes em si mesmos31 31 O debate, em torno de como superar analiticamente a dicotomia entre biologia versus cultura, é levado a cabo pela antropóloga Janet Carsten (2000, 2004, 2013b). Em um de seus artigos, Carsten (2014), embasada diretamente em Marshall Sahlins (2013), no que ele chama de “mutualidade do ser”, recupera parte de suas preocupações atuais a respeito de como o sangue (“substância do parentesco”) ao mesmo tempo em que atua enquanto “substância corporal, recurso biomédico, ferramenta de diagnóstico, bem como uma metáfora extraordinariamente poderosa com uma grande capacidade de fluir entre diferentes domínios sociais, parece ser uma espécie paradoxal de objeto. Os significados notavelmente plurais do sangue em um determinado contexto histórico e cultural podem, arriscamos dizer, revelar propriedades até então inexploradas do parentesco, bem como da política, etnicidade, ciência e socialidade em sua forma mais abrangente” (Carsten, 2014:109). .

Portanto, os aspectos mencionados tornam os bares pesquisados espaços caracterizados pela sensação ampla de bem-estar e segurança, além de terem um sentido de família e/ou “comunidade” (leia-se: amizade) que lhes são subjacentes. Termos como prazer, amor, casa, vida e gostar, são características que interagem entre si para dar sentido aos bares em questão, o efeito de cada uma destas ações e representações borram sistemáticas de pensamento dualista, cuja aparente exclusividade entre público e privado perde sentido diante da constituição de relações pessoalizadas fora da residência e dentro do bar e vice-versa.

Por fim, a elegibilidade dos bares e das relações destacadas confronta imaginários atávicos sobre “periferia” e (homo)sexualidade “periférica” ao questionar as leituras e os olhares que enviesam e instrumentalizam a maneira como temporalizamos, espacializamos e lemos as relações que criamos com espaços, lugares e identidades; mais do que marcar posições no espaço urbano, o desenvolvimento desta pesquisa procurou interpelar os meandros da construção de sentidos e significados de cidade, pertencimento e afetividade, diante de um contexto político contemporâneo eivado por posturas individualistas, negacionistas e violentas.

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  • WESTON, Kath. Las familias que elegimos: Lesbianas, gays y parentesco. Barcelona, Edicions Bellaterra, 2003.
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  • 1
    Optei por aspear todos os termos que correspondem às categorias de análise e manter em itálico os estrangeirismos, as categorias êmicas e os trechos de entrevistas. A propósito, os nomes das/os entrevistadas/os, exceto da/o proprietária/o dos bares (por se tratar de figuras públicas), são fictícios.
  • 2
    A pesquisa contou com o financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
  • 3
    Compreendo que a divulgação de determinadas informações sobre a pesquisa não compromete o seu caráter ético, embora haja uma suspeição referente à produção dos dados. Não se trata, obviamente, de uma tentativa de autocontrole do que foi autorizado e/ou projetado. Em outros termos, o fato de optar por revelar o nome de bares e da/o proprietária/o foi um consenso que se estabeleceu em campo uma vez que essas decisões partiram de elaborações coletivas viabilizadas, sobretudo, por narrativas construídas pela/o dona/o dos estabelecimentos, em confluência com as falas de clientes, a respeito de um sistema de análise totalizante que reveste as impressões sobre a noção de “periferia” e as projeta enquanto suposições artificializadas. Por fim, a busca pela representatividade advinda de processos de reconhecimento, visibilidade e autoafirmação de interlocutoras/es me fizeram repensar e, por conseguinte, justificar a identificação real de espaços e nomes.
  • 4
    Em 2015. No dia 13 de setembro de 2019 o bar completou 23 anos.
  • 5
    Essa coisa familiar, em certo sentido, se aproxima da ideia de fabricação da categoria de análise “família” proposta por Jorge Villela (2009)VILLELA, Jorge Matar. Família como Grupo? Política como agrupamento? O Sertão de Pernambuco no mundo sem solidez. Revista de Antropologia da USP, v. 52, n. 1, São Paulo, 2009, pp.201-245 [https://www.revistas.usp.br/ra/article/view/27335/29107 - acesso em: 27 fev. 2021].
    https://www.revistas.usp.br/ra/article/v...
    , termo que se produz/fabrica por meio da articulação com diversos elementos do cotidiano: circulação, consumo, economia, política, violência, religião, confrarias, irmandades e relações de compadrio.
  • 6
    Confraria gay situada no “centro” da cidade do Rio de Janeiro, nos idos de 1960.
  • 7
    Referência ao bar.
  • 8
    Referência à proprietária do bar.
  • 9
    Neologismo inspirado diretamente em Doreen Massey (2013)MASSEY, Doreen. Pelo espaço: uma nova política da espacialidade. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2013..
  • 10
    Falarei mais detidamente a esse respeito na seção “Comunidade”, pessoalidades e vislumbramentos protetivos.
  • 11
    Tais análises que relacionam perspectivas histórico-etnográficas no trato da homossexualidade e dos chamados grupos ou turmas de homossexuais também estão presentes nas pesquisas de Carmem Dora Guimarães (2004)GUIMARÃES, Carmem Dora. O homossexual visto por entendidos. Rio de Janeiro, Garamond, 2004 [1977]., João Silvério Trevisan (2007)TREVISAN, João Silvério. Devassos no paraíso: a homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade. Rio de Janeiro, Record, 2007 [1986]. e Carlos Fígari (2007)FÍGARI, Carlos. @s “outr@s” cariocas: interpelações, experiências e identidades homoeróticas no Rio de Janeiro: séculos XVII ao XX. Belo Horizonte, Editora UFMG; Rio de Janeiro, IUPERJ, 2007..
  • 12
    Essas relações de parentesco simbólico, construídas na conexão com o tema da homossexualidade, assim como da travestilidade, são fatores que acompanham grupos, organizando perspectivas de “aprendizado”. No contexto pesquisado por Soliva (2012)SOLIVA, Thiago. A Confraria Gay: um estudo de sociabilidade, homossexualidade e amizades na turma OK. Dissertação (Mestrado em Sociologia e Antropologia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, 2012. o emblema do parentesco incidia sobre a figura das mães e das irmãs: as mães eram identificadas como rainhas, contudo não eram únicas; já o termo irmã era a alcunha utilizada para se referir a outros homossexuais da Turma OK, observados pelo autor como os de comportamento mais feminino. Além do emprego de termos de parentesco em contextos ocupados majoritariamente por homens homossexuais, cabe ressaltar o modo como outros termos adquirem sentido, a exemplo da(s) madrinha(s) nas vivências entre travestis. Em várias situações etnográficas que as envolvem (Pelúcio, 2009PELÚCIO, Larissa. Abjeção e desejo: uma etnografia travesti sobre o modelo preventivo de aids. São Paulo, Annablume; Fapesp, 2009.; Nascimento, 2014NASCIMENTO, Silvana de Souza. Variações do feminino: circuitos do universo trans na Paraíba. Revista de Antropologia da USP, v. 57, n. 2, São Paulo, 2014, pp.377-411 [https://www.revistas.usp.br/ra/article/view/89117/92009 - acesso em: 27 fev. 2021].
    https://www.revistas.usp.br/ra/article/v...
    ; Sabatine, 2012SABATINE, Thiago Teixeira. Travestis, territórios e prevenção de aids numa cidade do interior de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Universidade Estadual Paulista, Marília, SP, 2012.) referir-se à madrinha ou à mãe significa explicitar que existe uma figura de liderança – a travesti mais velha, que acolhe, dá subsídios financeiros e estéticos, orienta e, se possível, pune – pela qual as filhas ou afilhadas irão se espelhar; os termos madrinha e afilhada extrapolam o âmbito das relações entre travestis, cada vez mais são termos utilizados por grupos de homens homossexuais. Desta feita, a nomenclatura do parentesco é rica em usos e sentidos ao se tratar das relações entre grupos de homossexuais e de travestis, por isso merecem cuidados e contextualizações quando forem aplicadas.
  • 13
    Defendida no âmbito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, sob orientação do Prof. Dr. Florestan Fernandes.
  • 14
    O movimento reflexivo dos autores da Escola de Chicago (Park, 1967PARK, Robert Ezra. “A cidade: sugestões para a investigação do comportamento humano no meio urbano”. In: VELHO, Otávio (org.). O fenômeno urbano. Rio de Janeiro, Zahar, 1967 [1916], pp.26-67.; Cressey, 1969CRESSEY, Paul G. Taxi-dance hall: a sociological study in commercialized recreation and city life. Chicago, The University of Chicago Press, 1969 [1932].; Wirth, 1928WIRTH, Louis. The Ghetto. Chicago, Phoenix, 1928., 1967WIRTH, Louis. O urbanismo como modo de vida. In: VELHO, Otávio (org.). O fenômeno urbano. Rio de Janeiro, Zahar, 1967 [1938], pp.90-113.; Whyte, 2005WHYTE, William Foote. Sociedade de esquina: a estrutura social de uma área urbana pobre e degradada. Rio de Janeiro, Zahar, 2005 [1943].; Leznoff e Westley, 1998LEZNOFF, Maurice; WESTLEY, William. The homosexual community. In: NARDI, P. M.; SCHNEIDER, B. E. (ed.). Social perspectives in lesbian and gay studies: a reader. New York, Routledge, 1998 [1956], pp.5-11 [https://academic.oup.com/socpro/article-abstract/3/4/257/1701938?redirectedFrom=fulltext - acesso em: 27 fev. 2021].
    https://academic.oup.com/socpro/article-...
    ) tinha como objetivo analisar a cidade a partir de uma perspectiva ecológica, ou seja, o espaço urbano era um organismo vivo cujas partes deviam fazer sentido entre si. A ideia subjacente a este argumento é de que o processo de transformação da cidade é cíclico e depende do modo de interação entre indivíduo e sociedade. Se a organização e a funcionalidade são premissas fundamentais para essa escola de pensamento, o conjunto de pesquisadores vinculados a ela esforçou-se em compreender, por meio do boom demográfico do século XX no contexto norte-americano, questões vistas como passíveis de desorganização: pobreza, surgimento das favelas, desvio, violência e crime.
  • 15
    Maurice Leznoff e William Westley (1998) desenvolveram um survey com 60 homens homossexuais de uma cidade de grande porte do Canadá. Seus objetivos estavam voltados para a organização social (do que eles intitularam de “homosexual community”) e a constituição de seus grupos. Três pontos serviram de base para suas análises: função, etiologia e inter-relação. Estes pontos equacionavam as relações entre homens homossexuais em uma dinâmica que envolvia vigilância, emoção, dependência e regras distintas nos “secret” e “overt groups”. O jogo das interações passava, principalmente, por distinções de gênero: efeminados e não-efeminados. A funcionalidade de cada grupo selecionava seus integrantes levando em conta a forma de expressarem seu gênero, o que favorecia um aspecto de total vigilância (função primária para o estabelecimento dos grupos, pois atuava como moderador para quem devia, ou não, fazer parte). Outro aspecto de destaque, também passível de vigilância, sobretudo no que diz respeito ao fortalecimento das amizades, postulava que dois amigos não podiam dormir juntos ou manter relações sexuais entre si, sob pena de perderem a amizade e esfacelarem parte do grupo. Esse aspecto funcional refletia necessidades e problemas comuns enfrentados por homens homossexuais diante da hostilidade social. No que tange às demandas de uma “homosexual community” norte-americana, ocorreu um debate pungente sobre “coming out” a partir da força que militantes lésbicas e gays vinham conquistando desde os anos 1970. Nesse sentido, “el parentesco comenzaba a parecer más un problema de esfuerzo y de elección, que un vínculo permanente e inamovible o underechoinalienable” (Weston, 2003WESTON, Kath. Las familias que elegimos: Lesbianas, gays y parentesco. Barcelona, Edicions Bellaterra, 2003.:16). É importante evidenciar que as “famílias de escolha” estavam marcadas socialmente por cor, classe e relações sociais, isto é, “esta elección no-tan-libre que configura la familia incorpora también las circunstancias materiales, la cultura, la historia, los hábitos y la imaginación” (Weston, 2003WESTON, Kath. Las familias que elegimos: Lesbianas, gays y parentesco. Barcelona, Edicions Bellaterra, 2003.:17). Houve, portanto, uma série de esforços para desvincular da tradição norte-americana a linguagem do parentesco como sinônimo exclusivo da biologia, os questionamentos incidiam, sobretudo, nos vínculos de sangue (substância) que tanto indicavam quem era “parente verdadeiro” quanto excluíam outras formas de afeto, solidariedade e coletividade.
  • 16
    Referente à constituição de uma linguagem do parentesco pela ótica de uma matriz de inteligibilidade heterossexual, ver: Judith Butler (2003)BUTLER, Judith. “O parentesco é sempre tido como heterossexual?” cadernos pagu (21), Campinas, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2003, pp.219-260 [https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332003000200010&lng=en&nrm=iso&tlng=pt - acesso em: 27 fev. 2021].
    https://www.scielo.br/scielo.php?script=...
    . Ademais, sobre os questionamentos em torno de arquétipos que vinculam sexo e gênero por uma ordem “natural”, estabelecendo, desta feita, um “sistema sexo/gênero” (redoma opressora que vincula sexo biológico a gênero de modo essencialista e hierárquico), ver: Gayle Rubin (1975)RUBIN, Gayle. The traffic in women: notes on the political economy of sex. In: REITER, Rayna (ed.). Toward an anthropology of women. New York, Monthly Review Press, 1975, pp.157-210..
  • 17
    Reuniões particulares em apartamentos e encontros afetivo-sexuais fortuitos em praças e parques.
  • 18
    A esse respeito, ver: Júlio Simões e Isadora Lins França (2005), Isadora Lins França (2006a, 2006b e 2012) e Bruno Puccinelli (2013)PUCCINELLI, Bruno. Se essa rua fosse minha: sexualidade e apropriação do espaço na “rua gay” de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Universidade Federal de São Paulo, Guarulhos, SP, 2013..
  • 19
    A esse respeito, ver, por exemplo, os trabalhos de José Fábio Barbosa da Silva (2005)BARBOSA DA SILVA, José Fábio. “Homossexualismo em São Paulo: estudo de um grupo minoritário”. In: GREEN, James & TRINDADE, Ronaldo (org.). Homossexualismo em São Paulo e outros escritos. São Paulo, Editora Unesp, 2005 [1960], pp.41-212., Carmen Dora Guimarães (2004)GUIMARÃES, Carmem Dora. O homossexual visto por entendidos. Rio de Janeiro, Garamond, 2004 [1977]., João Silvério Trevisan (2007)TREVISAN, João Silvério. Devassos no paraíso: a homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade. Rio de Janeiro, Record, 2007 [1986]., James Green (2000)GREEN, James. Além do carnaval. A homossexualidade masculina no Brasil do século XX. São Paulo, Editora UNESP, 2000., Kath Weston (2003)WESTON, Kath. Las familias que elegimos: Lesbianas, gays y parentesco. Barcelona, Edicions Bellaterra, 2003., Carlos Fígari (2007)FÍGARI, Carlos. @s “outr@s” cariocas: interpelações, experiências e identidades homoeróticas no Rio de Janeiro: séculos XVII ao XX. Belo Horizonte, Editora UFMG; Rio de Janeiro, IUPERJ, 2007., Thiago Soliva (2012SOLIVA, Thiago. A Confraria Gay: um estudo de sociabilidade, homossexualidade e amizades na turma OK. Dissertação (Mestrado em Sociologia e Antropologia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, 2012., 2016b), Carlos Eduardo Henning (2014)HENNING, Carlos Eduardo. Tiozões, paizões, tias e cacuras: envelhecimento, meia idade, velhice e homoerotismo masculino na cidade de São Paulo. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2014., Gustavo Saggese (2015)SAGGESE, Gustavo Santa Roza. Entre perdas e ganhos: homossexualidade masculina, geração e transformação social na cidade de São Paulo. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, 2015. e Guilherme Passamani (2015)PASSAMANI, Guilherme Rodrigues. Batalha de Confete no “Mar de Xarayés”: condutas homossexuais, envelhecimento e regimes de visibilidade. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2015..
  • 20
    Notei desde o início da pesquisa o quão original e necessária foi a proposta que persegui. Nas revisões de literatura observei certa lacuna de trabalhos, especialmente teses e dissertações, que tratassem sobre a relação temática entre (homo)sexualidade e “periferia” (Facchini, 2008FACCHINI, Regina. Entre umas e outras: mulheres, (homo)sexualidades e diferenças na cidade de São Paulo. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2008.; Lacombe, 2005LACOMBE, Andrea. “Pra homem já tô eu”: masculinidades e socialização lésbica em um bar no centro do Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Universidade Federal do Rio de Janeiro/Museu Nacional, Rio de Janeiro, RJ, 2005. e 2010; França, 2012FRANÇA, Isadora Lins. Consumindo lugares, consumindo nos lugares: homossexualidade, consumo e subjetividades na cidade de São Paulo. Rio de Janeiro, EdUERJ, 2012.; Medeiros, 2006MEDEIROS, Camila. Mulheres de Kêto: etnografia de uma sociabilidade lésbica na periferia de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Universidade Federal do Rio de Janeiro/Museu Nacional, Rio de Janeiro, RJ, 2006.; Oliveira, 2006OLIVEIRA, Leandro de. Gestos que Pesam: performance de gênero e práticas homossexuais em contexto de camadas populares. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) - Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, 2006.; Aguião, 2007AGUIÃO, Silvia. “Aqui nem todo mundo é igual!”: cor, mestiçagem e homossexualidades numa favela do Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) - Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.; Lopes, 2011LOPES, Paulo Victor Leite. Sexualidade e construção de si em uma favela carioca: pertencimentos, identidades, movimentos. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Universidade Federal do Rio de Janeiro/Museu Nacional, Rio de Janeiro, RJ, 2011.; Villani, 2015VILLANI, Maycon Lopes. Para não ser uma bicha da favela: uma etnografia sobre corpo, sexualidade e distinção social. Dissertação (Mestrado em CiênciasSociais) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, 2015.). Os trabalhos elencados mostram, a priori, o caráter multifacetado das dinâmicas urbanas. Se ainda existe um ranço estruturado, até certo ponto, por linguagens coloquiais que localizam contextos “periféricos” enquanto lugares precários em contraposição a uma afirmação política local, não é à toa que a noção de subjetividade serve de mote para uma melhor compreensão identitária contemporânea (Biehl et al, 2007). Tal aspecto, além de subjugar noções estruturais, tonifica esse debate porque sinaliza o que está em jogo, por exemplo, quando há uma negação/afirmação do local de origem “periférico” e uma busca por prestígio e aceitação fora desses lugares, por excelência, compósitos. É importante destacar, conforme pontuam Perlongher (2008)PERLONGHER, Néstor. O negócio do michê: a prostituição viril em São Paulo. São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo, 2008 [1987]. e Puccinelli (2013)PUCCINELLI, Bruno. Se essa rua fosse minha: sexualidade e apropriação do espaço na “rua gay” de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Universidade Federal de São Paulo, Guarulhos, SP, 2013., que a territorialização e a espacialização, referentes à sexualidade, são fatores que interferem diretamente nas mobilidades de determinadas/os homossexuais, materializando acessos e desejos citadinos específicos. Isso significa dizer que, pela própria tensão de classe cotidiana entre homossexuais moradoras/es de “periferias” e de “centros”, é mais rentável ultrapassar concepções fatalistas que imputam características alienantes entre esses sujeitos, os espaços que elas/es circulam e os lugares que habitam. Na região Norte, por exemplo, o baixo volume de trabalhos a respeito do tema das sociabilidades homossexuais (Oliveira, 2009OLIVEIRA, Esmael Alves de. Nas fronteiras da sexualidade: uma análise sobre os processos de construção e apropriação do espaço em boates GLS do centro da cidade de Manaus. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Universidade Federal do Amazonas, Manaus, AM, 2009.; Ribeiro, 2012RIBEIRO, Milton. Na rua, na praça, na boate: uma etnografia da sociabilidade LGBT no circuito GLS de Belém-PA. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Universidade Federal do Pará, Belém, PA, 2012.) ou da relação entre “periferia” e (homo)sexualidade (Fry, 1982FRY, Peter. Da hierarquia à igualdade: a construção histórica da homossexualidade no Brasil. In: FRY, Peter. Para inglês ver: identidade e política na cultura brasileira. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, pp.87-115.; Reis, 2016REIS, Ramon. Cidades e subjetividades homossexuais: cruzando marcadores da diferença em bares nas “periferias” de São Paulo e Belém. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, 2016., 2017REIS, Ramon. Making out with the city: (homo)sexualities and socio-spatial disputes in Brazilian “peripheries”. Vibrant, v. 14, Florianópolis, 2017, pp.1-22 [https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-43412017000300601&lng=en&nrm=iso&tlng=en - acesso em: 27 fev. 2021].
    https://www.scielo.br/scielo.php?script=...
    e 2020) revela uma faceta da produção de conhecimento em antropologia urbana ainda pouco desenvolvida. A respeito da produção de conhecimento científico em antropologia urbana no Amazônia Paraense, ver: Maurício Costa (2009)COSTA, Antônio Maurício Dias. Pesquisas antropológicas urbanas no “paraíso dos naturalistas”. Revista de Antropologia da USP, v. 52, n. 2, São Paulo, 2009, pp.735-761 [https://www.revistas.usp.br/ra/article/view/27324/29096 - acesso em: 27 fev. 2021].
    https://www.revistas.usp.br/ra/article/v...
    e Telma Bemerguy (2019)BEMERGUY, Telma de Sousa. “Antropologia em qual cidade? Ou por que a “Amazônia” não é lugar de “antropologia urbana”?” Ponto Urbe (online), v. 24, n. 1, São Paulo, 2019 [https://journals.openedition.org/pontourbe/6464 - acesso em: 27 fev. 2021].
    https://journals.openedition.org/pontour...
    . Sobre um balanço da produção antropológica na Amazônia, especificamente em Belém, no decênio de 1994 a 2004, ver: Jane Beltrão (2006)BELTRÃO, Jane (org.). Antropologia na Amazônia (1994-2004): Balanço e resumos de dissertações. Belém, Universidade Federal do Pará/Museu Paraense Emílio Goeldi, 2006.. Ademais, a propósito do debate sobre cidades, urbanização e fronteira na região Norte, ver: Edna Castro (2008)CASTRO, Edna (org.). Cidades na Floresta. São Paulo, Annablume, 2008;. Por fim, concernente aos mitos criados e reproduzidos sobre a Amazônia, ver: Heraldo Maués (1999)MAUÉS, Raymundo Heraldo. Uma outra “invenção” da Amazônia. Belém, Cejup, 1999. e Neide Gondim (2019)GONDIM, Neide. A invenção da Amazônia. Manaus, Editora Valer, 2019..
  • 21
    Chamar atenção em situações de confusão, desrespeito e subversão de regras internas.
  • 22
    Conversar em tom de empatia, ironia e jocosidade.
  • 23
    Narciso reside no Guamá, auto identifica-se como negro e pertence ao que ele chama de família equilibrada entre parentes de classe média e pobres. Josué reside em Santo André, região metropolitana contígua a São Mateus, auto identifica-se como descendente aos orientais e se reconhece pertencente à classe média, mas pontua que sua família está dividida em classe alta, média e baixa.
  • 24
    Do original:a group exists and is defined as a specific group only in social and interactive relation to others. Group identity is not a set of objective facts, but the product of experienced meanings” (Young, 1997YOUNG, Iris Marion. Together in Difference: Transforming the Logic of Group Political Conflict. In: McDOWELL, Linda (ed.). Undoing Place? A Geographical Reader. New York, Arnold, 1997, pp.332-342.:337).
  • 25
    Ter disponibilidade.
  • 26
    A projeção desses prazeres perigosos relacionados à sociabilidade homossexual, bem como aos estudos de gênero e sexualidade, é um fator que sistematiza linhas tênues – endógenas e exógenas – a respeito das possibilidades de reconhecimento criadas para juntar e/ou expurgar características de pertencimento. A priori, pode parecer que prazer e perigo, nesse sentido, sejam forças opositoras que interagem momentaneamente, isto é, no espaço-tempo da festa, porém, são noções, também, (co)extensíveis de um contexto marcado pelos jargões sobre precariedade e ausência. Portanto, a espacialização e/ou territorialização de gêneros e sexualidades e vice-versa confere legitimidade ao plano dos acessos e desejos (cf. Gregori, 2016GREGORI, Maria Filomena. Prazeres perigosos: erotismo, gênero e limites da sexualidade. São Paulo, Companhia das Letras, 2016.; Massey, 2013MASSEY, Doreen. Pelo espaço: uma nova política da espacialidade. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2013.), a despeito do lugar onde estejam inseridos.
  • 27
    Permanecer um período de 3 ou 4 meses sem frequentar o bar.
  • 28
    Do original: “sino como una categoría implícita colectiva, organizado elespacio urbano y conceptualizadolas relaciones” (Weston, 2003WESTON, Kath. Las familias que elegimos: Lesbianas, gays y parentesco. Barcelona, Edicions Bellaterra, 2003.: 170).
  • 29
    Ainda que destoe do que procurei refletir, é importante mencionar que o debate sobre a noção de comunidade também possui reflexos diretos no modo como são construídas as políticas nacionais ou no processo referente à elegibilidade de identidades nacionais e da sexualidade. Cabe notar, nesse sentido, que o Estado (enquanto um ente jurídico-moral) tem por base a construção de nações pelo que Verena Stolcke (2001STOLCKE, Verena. A “natureza” da nacionalidade. In: REZENDE, Claudia Barcellos; MAGGIE, Yvonne (org.). Raça como retórica: a construção da diferença. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001, pp.411-439.:419) compreendeu ser um exercício de compulsoriedade identitária, isto é, a suposta ideia de uma “consolidação de sentimentos de pertença nacional e de vinculação entre todos os setores da população”. Em outra chave de análise, que reflete a noção de comunidade relacionada ao marcador de sexualidade, em contexto africano, Rafael Noleto (2015)NOLETO, Rafael. Comunidades sexualizadas: articulando raça, gênero e sexualidade na construção de nações. In: CANCELA, Cristina Donza; MOUTINHO, Laura Moutinho; SIMÕES, Júlio Assis (org.). Raça, etnicidade, sexualidade e gênero: em perspectiva comparada. São Paulo, Terceiro Nome, 2015, pp.121-141. questionou se a produção de determinadas identidades nacionais masculinizadas, construídas na recusa às posturas masculinas consideradas femininas, não seria também uma forma de se opor não apenas ao gênero feminino, mas a uma ideia de “homossexualização” que supostamente a feminilidade traz consigo. Este é um debate complexo que não cabe em uma nota de rodapé, ainda assim é importante que ele esteja minimamente pontuado neste texto, sobretudo porque falar de comunidades imaginadas, Estados-nações e identidades nacionais, é perceber o modo como são manejadas e produzidas as diferenças sociais em múltiplas/os escalas e processos históricos, além de facilitar a compreensão acerca das complexas maneiras de agenciar afinidade, compartilhamento e reciprocidade.
  • 30
    Há que se compreender que existe uma distinção entre emoção, definida como sentimento privado que não costuma estar motivada pelo aspecto cultural ou articulada socialmente, e sentimentos definidos como símbolos articulados socialmente e expectativas comportamentais (cf. Lutz e White, 1986LUTZ, Catherine; WHITE, Geoffrey. The Anthropology of Emotions. Annual Review of Anthropology, United States, n.15, 1986, pp.405-436 [https://www.annualreviews.org/doi/10.1146/annurev.an.15.100186.002201 - acesso em: 27 fev. 2021].
    https://www.annualreviews.org/doi/10.114...
    ). Portanto, o que procurei enfatizar tem como base este último ponto: a construção de sentimentos que são agenciados na relação entre os planos micro e macro, por meio da problematização do que se compreende como exclusivamente privado ou público.
  • 31
    O debate, em torno de como superar analiticamente a dicotomia entre biologia versus cultura, é levado a cabo pela antropóloga Janet Carsten (2000CARSTEN, Janet.Introduction: cultures of relatedness. In: CARSTEN, Janet (ed.). Cultures of relatedness: new approaches to the study of kinship. Cambridge, Cambridge University Press, 2000, pp.1-36., 2004CARSTEN, Janet. After Kinship. Cambridge, Cambridge University Press, 2004., 2013b). Em um de seus artigos, Carsten (2014)CARSTEN, Janet. “A matéria do parentesco”. R@u – Revista de Antropologia da UFSCar, v. 6, n. 2, São Carlos, 2014, pp.103-118 [http://www.rau.ufscar.br/wp-content/uploads/2016/04/07_rauA006201-def.pdf - acesso em: 27 fev. 2021].
    http://www.rau.ufscar.br/wp-content/uplo...
    , embasada diretamente em Marshall Sahlins (2013)SAHLINS, Marshall. What kinship is-and is not. Chicago: University of Chicago Press, 2013., no que ele chama de “mutualidade do ser”, recupera parte de suas preocupações atuais a respeito de como o sangue (“substância do parentesco”) ao mesmo tempo em que atua enquanto “substância corporal, recurso biomédico, ferramenta de diagnóstico, bem como uma metáfora extraordinariamente poderosa com uma grande capacidade de fluir entre diferentes domínios sociais, parece ser uma espécie paradoxal de objeto. Os significados notavelmente plurais do sangue em um determinado contexto histórico e cultural podem, arriscamos dizer, revelar propriedades até então inexploradas do parentesco, bem como da política, etnicidade, ciência e socialidade em sua forma mais abrangente” (Carsten, 2014CARSTEN, Janet. “A matéria do parentesco”. R@u – Revista de Antropologia da UFSCar, v. 6, n. 2, São Carlos, 2014, pp.103-118 [http://www.rau.ufscar.br/wp-content/uploads/2016/04/07_rauA006201-def.pdf - acesso em: 27 fev. 2021].
    http://www.rau.ufscar.br/wp-content/uplo...
    :109).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    28 Abr 2018
  • Aceito
    23 Jul 2020
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