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O gênero na política: a construção do "feminino" nas eleições presidenciais de 2010

Gender within Politics: The Building of the "Feminine" in the 2010 Presidential Elections in Brazil

Resumos

Este artigo discute as relações entre mídia, gênero e eleições por meio da análise da cobertura jornalística do Jornal Nacional da Rede Globo e do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral durante a campanha de 2010, com foco na cobertura e nas inserções das/os principais candidatas/os à Presidência da República, Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva. Não se propõe uma análise ampla da cobertura ou das estratégias eleitorais, mas um estudo sobre as marcas de gênero nesse material. Analisamos em que medida e de que forma o gênero marca a imagem de candidatas e candidato, no discurso jornalístico e no discurso da campanha. Procuramos, também, compreender diferenças e formas de reforço recíproco na mobilização de estereótipos de gênero nos dois registros.

Mídia; Gênero; Eleições; Mulher; Estereótipos


The article discusses the intersections between media, gender and elections, presenting an analysis of the coverage in the Jornal Nacional, the evening news of the main Brazilian Television Network, Rede Globo, and propaganda produced by candidates during the 2010 Brazilian presidential elections. It is not a general analysis of TV news and propaganda, but a study focused on gender bias in an election that had two women running for President, both with real chances of winning. The analysis shows how gender is part of the image of the main candidates, both in journalism and in their own campaign strategies. We point out differences and complementarities in gender stereotypes in these two different discourses.

Media; Gender; Elections; Woman; Stereotypes


A disparidade existente entre o número de mulheres e homens na política, sobretudo quando se trata dos cargos mais concorridos nas esferas representativas, é facilmente perceptível.1 1 Este artigo teve como base a pesquisa realizada para a dissertação de Mestrado de Fernanda Ferreira Mota, defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade de Brasília em 2013. Beneficiou-se das críticas e comentários feitos pelas participantes do GT de Comunicação e Política do XXIII Encontro Anual da Compós (Belém, 2014) e pelos/as pareceristas anônimos/as da revista cadernos pagu. Registramos aqui nossos agradecimentos. Mas a constatação de que se trata de um problema ou de uma injustiça depende da compreensão que se tem da política e do sentido da representação. O acesso de indivíduos com características semelhantes - sejam elas seu sexo, sua cor ou o tamanho da sua conta bancária - às esferas em que se exerce o poder político, com a correspondente exclusão de outros indivíduos, numa sociedade plural e heterogênea, evidencia limites e vieses da representação política.

No caso das mulheres, essas evidências são bastante claras. A política institucional foi e continua a ser um espaço predominantemente masculino. E as eleições presidenciais de 2010, nas quais pela primeira vez foi eleita uma mulher para a Presidência da República, não foram uma exceção. Nesse mesmo ano, a população brasileira era formada por 51% de mulheres, mas o percentual das eleitas para a Câmara dos Deputados foi de 8,7%, somando 45 deputadas em um universo de 513 parlamentares. Vale observar que o número de mulheres eleitas representa 4,8% das 933 que se candidataram ao cargo, enquanto, no caso dos homens, elegeram-se 11,8% dos que se candidataram. Para o Senado Federal, foram eleitas 7 mulheres: 8,6% do total de 81 senadoras/es. Nesse caso, o sucesso entre elas foi de 25,9% das candidaturas, enquanto entre eles foi de 39,7%.2 2 A partir dos dados do Tribunal Superior Eleitoral, disponíveis em <http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-anteriores/eleicoes-2010/eleicoes-2010>. Acesso em 26 ago 2013.

O caso brasileiro não é singular. Evidencia um dos aspectos do mais importante desencontro de uma promessa histórica da democracia liberal, a inclusão universal: a acomodação entre uma igualdade formal anunciada e a desigualdade efetiva. Ainda que não existam restrições legais à participação feminina na vida política, uma parcela pequena das mulheres opta por essa participação, e uma parcela menor ainda alcança êxito em eleições. Ausentes das esferas de decisão, as mulheres, enquanto grupo, estão em uma situação desprivilegiada para fazer ver suas experiências e transformar seus interesses em questões políticas legítimas e prioritárias.

A mídia é um dos atores na conformação, na naturalização e na reprodução de tal cenário. Ainda que complexa em sua conformação e com graus de influência variáveis, sua centralidade nos processos sociais e políticos é inquestionável. Em constante interação com o campo da política, a mídia tem um papel significativo na reprodução de representações sociais que têm impacto na definição das prioridades políticas e da percepção mais ampla da política e dos(as) políticos(as). Atua, também, na definição dos limites das disputas em contextos determinados, na legitimação de atores e posições político-ideológicas. Participa, assim, de processos que confirmam a "partilha" desigual do poder.

Este artigo analisa e discute essa dinâmica durante as eleições presidenciais de 2010, para entender de que forma agentes da mídia e da política contribuíram para consolidar definições do campo da política, das formas legítimas da ação política e do sentido do "feminino". Está dividido em quatro seções, além desta introdução, seguidas de uma breve conclusão. A primeira discute as relações entre o jornalismo e a política. Na segunda parte, é feita uma discussão sobre a relação entre gênero, identidades e representação política. É na terceira parte que apresentamos a análise empírica do Jornal Nacional da Rede Globo e do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE), nos dois casos com ênfase para a cobertura e as inserções das/os três principais candidatas/os durante a campanha presidencial de 2010. Na quarta seção, discutimos mais especificamente as entrevistas feitas pelo JN com as candidatas Dilma Rousseff e Marina Silva e com o candidato José Serra. O objetivo do artigo não é uma análise ampla da cobertura e das campanhas, mas uma análise que possa colaborar para a compreensão de como o gênero marca o discurso jornalístico no JN e o discurso das campanhas no HGPE.

Permeabilidade seletiva: quando a mídia e a política são complementares

A análise das desigualdades de gênero na política brasileira passa pelo entendimento das relações existentes entre o campo político e o midiático e de como incidem em aspectos importantes da política, como a definição da agenda, a construção das carreiras políticas e a reprodução de valores associados ao exercício da política nas democracias. Nesse sentido, recorremos aqui ao conceito de campo de Pierre Bourdieu, compreendendo que os campos definem barreiras no acesso a eles e são, também, formados por lutas internas que evidenciam a função ideológica que desempenham. Os agentes concorrem não somente por posições dentro do campo, num entendimento isolado do que essas posições significam. Eles concorrem pela definição do mundo social, conforme seus interesses (Bourdieu, 2007BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2007.:11-12). A função ideológica expõe o embate e a hegemonia de determinadas percepções da realidade relativamente a outras. É nesse embate que se definem sentidos e práticas dominantes, constituindo uma dinâmica que favorece - e mesmo impõe - seu compartilhamento pelos agentes do campo (Bourdieu, 2007BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2007.:11-12). Percepções concorrentes poderão ser, assim, negligenciadas, ou mesmo abolidas, posicionando os agentes a ela vinculados na periferia do campo, o que se traduz em diferentes formas de marginalização.

Essa é uma forma de abordar as disputas que organizam o acesso ao campo político, assim como as divisões e hierarquias internas a ele, dando conta dos processos de naturalização e uniformização que correspondem a padrões de inclusão e a barreiras para essa inclusão. Aos filtros que organizam o acesso, somam-se os que organizam as posições internas ao campo. Mais do que incentivos "externos" para agir de uma determinada forma, define-se assim uma dinâmica em que o reconhecimento dos sujeitos como atores políticos requer a internalização de regras e formas predominantes da ação política. Por isso, os discursos políticos (isto é, aqueles que são assim reconhecidos) podem atuar justamente na confirmação dos limites da política, enquanto a integração dos agentes pode corresponder à confirmação daquelas que seriam as formas legítimas do agir político. Há, certamente, tensões, mas é nesse processo que se estabelece um tipo de "censura" que produz exterioridades e silêncios.

Essa "censura" não se apresenta apenas como veto ou recusa a determinados discursos. Ela se faz ora produzindo silêncios, ora incitando falas e ações "corretas". Aproxima-se, nesse sentido, do entendimento da ideologia como interpelação para que os sujeitos se constituam segundo determinados padrões (Althusser, 2003ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos do Estado. Rio de Janeiro, Editora Graal, 2003 [1971].:104), em uma compreensão de que "a existência da ideologia e a interpelação dos indivíduos enquanto sujeitos são uma única e mesma coisa" (Althusser, 2003ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos do Estado. Rio de Janeiro, Editora Graal, 2003 [1971].:97). Nisso consiste a tensão entre a constituição das identidades (a constituição dos indivíduos como sujeitos) e a sujeição (a ocupação de posições previamente estabelecidas nas relações de poder), resumida na conhecida formulação de que "os sujeitos se constituem pela sua sujeição" (Althusser, 2003ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos do Estado. Rio de Janeiro, Editora Graal, 2003 [1971].:104).3 3 Beneficiamo-nos, aqui, da discussão sobre ideologia e estereótipos feita em Biroli (2011). Pode ser pensada também, em uma perspectiva distinta, como dinâmica que corresponde às formas produtivas do poder, por meio da produção sistemática de discursos e de práticas que constituem, ao mesmo tempo, os sujeitos e os saberes sobre esses sujeitos (Foucault, 1995FOUCAULT, Michel. Genealogia e poder. In:. ______ Microfísica do poder. Rio de Janeiro, Editora Graal, 1995, pp.167-178.). Embora sejam abordagens distintas em muitos aspectos, o que nos interessa nelas é a exposição de uma dinâmica simbólica de normalização que é distinta das formas repressivas do poder e não se resume ao seu exercício pelo Estado.

Por isso, é importante para esta discussão o conceito de opressão estrutural. Essa opressão, que impõe desvantagens aos indivíduos, variando de acordo com sua posição social e a dos grupos com os quais são identificados, se define nos processos "normais" da vida cotidiana, nos "pressupostos e reações de pessoas bem intencionadas nas interações ordinárias, nos estereótipos culturais e midiáticos, nos padrões estruturais das hierarquias burocráticas e nos mecanismos de mercado" (Young, 1990YOUNG, Iris Marion. Justice and the politics of difference. Princeton, Princeton University Press, 1990.:41). Trata-se, assim, de constrangimentos sistemáticos que incidem sobre os grupos de acordo com sua posição estrutural, sem que seja necessariamente possível identificar um opressor - embora seja sempre possível identificar vantagens e desvantagens decorrentes da opressão. Sua reprodução não depende de mecanismos coercitivos, mas está diretamente ligada a hábitos e símbolos, assim como aos pressupostos que fundamentam regras e instituições. Atravessa diferentes esferas sociais e é um componente na organização das fronteiras externas e das hierarquias internas ao campo da política.

A compreensão da presença reduzida e marginal das mulheres na política institucional e representativa depende da compreensão das formas estruturais de opressão, em conjunto com as variáveis institucionais. O gênero impacta as chances de participação política e de construção das carreiras políticas porque a divisão sexual do trabalho, dentro e fora de casa, é a base de muitas das desvantagens das mulheres no acesso a recursos materiais e simbólicos para a igual participação na política e em outras esferas da vida. Com ela, a socialização (que inibe ou estimula a construção de preferências e ambições voltadas para a atuação na esfera pública e na política), o acesso a tempo livre e a conversão de redes de contato no mundo do trabalho em recursos para a construção das carreiras impactam mulheres e homens de maneira bastante distinta. Essa não é, certamente, toda a história. E é por isso que embora tenha sido dito que o gênero impacta as chances das mulheres, é importante lembrar que não o faz igualmente: "o sexismo, como um sistema de dominação, é institucionalizado", mas isso não significa que o destino de todas as mulheres seja determinado por ele de maneira absoluta (hooks, 1984HOOKS, bell. Feminist theory: from margin to center. Boston e Brooklyn, South End Press, 1984.:5). O acesso a tempo, por exemplo, é completamente distinto se as mulheres são pobres ou têm recursos para, mesmo em contextos nos quais a divisão sexual do trabalho permanece em suas formas mais convencionais, contratar outras mulheres. A responsabilidade primordial pela vida doméstica e pelo cuidado continua, nesse caso, sendo atribuída a mulheres, mas isso tem sentidos e define obstáculos (e oportunidades) muito distintos para mulheres de diferentes classes sociais (Biroli, 2014; Tronto, 2013TRONTO, Joan C. Caring democracy: markets, equality, and justice. New York, New York University Press, 2013.).

A construção simbólica do feminino e do masculino tem, assim, consequências distintas para as mulheres, de acordo com sua posição social. Ela permanece, no entanto, como um problema e um aspecto importante na construção simbólica da política, em sua relação com o gênero. Jornalistas e eleitoras/es são parte desse processo, mas as/os primeiras/os têm uma posição destacada na reprodução das compreensões e discursos legítimos - nos noticiários, mas também nas campanhas políticas. A presença da internet modifica o ambiente político-eleitoral, mas não apaga a centralidade do discurso jornalístico e dos meios de comunicação convencionais (Biroli e Miguel, 2013BIROLI, Flávia e MIGUEL, Luis Felipe. Meios de comunicação, voto e conflito político no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais vol. 28, nº 81, 2013, pp.77-95.). Uma das perguntas que podem ser feitas, nesse ponto, é se, e em que medida, o gênero leva a pontos de partida distintos na construção da imagem de candidatas e candidatos, no discurso jornalístico e no das campanhas.

Justamente pelo viés de gênero inegável em uma política historicamente habitada por homens, a imagem, a voz, o gestual, as experiências e perspectivas desses homens - que não são quaisquer homens, mas são em sua ampla maioria brancos e de estratos socioeconômicos privilegiados - tendem a ser apresentadas como "neutras". O que delas difere aparece como desviante e, como tal, suscetível a maiores constrangimentos simbólicos e materiais. Como participantes "naturais" do mundo da política, os homens precisam de menor esforço para que sejam vistos como merecedores de posições, como competentes para o exercício dos cargos.

O campo jornalístico é, como sabemos, complexo e multifacetado. Em alguns de seus espaços, sobretudo no jornalismo produzido no contexto das grandes empresas de comunicação, a cobertura política espelha a baixa pluralidade da política institucional. Ganha visibilidade quem tem cargos, sobretudo os cargos mais centrais nas hierarquias do Executivo e do Legislativo nacionais (Miguel e Biroli, 2011MIGUEL, Luis Felipe e. BIROLI, Flávia Caleidoscópio convexo: mulheres, política e mídia. São Paulo, Editora da Unesp, 2011.). Na configuração atual da política, tem cargo quem tem determinadas características - e, portanto, têm visibilidade como parte da política, no jornalismo, os indivíduos que estão no lugar "certo", com as características "certas".

Apesar de suas especificidades, o jornalismo praticado nas grandes empresas e a política mantêm uma relação muito estreita de influência mútua, o que faz com que a definição de um discurso dominante nunca seja resultado da ação dos atores em apenas um campo, e da influência que este único campo exerce sobre suas ações. Os consensos básicos na definição dos limites da política, de quem e do que é parte dela, são, nesse sentido, co-produzidos pelos dois campos (Biroli, 2013aBIROLI, Flávia e MIGUEL, Luis Felipe. Meios de comunicação, voto e conflito político no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais vol. 28, nº 81, 2013, pp.77-95.). A permeabilidade seletiva e a baixa pluralidade da política são corroboradas pela cobertura da política no jornalismo "convencional". Na internet, parte considerável do que se torna referência está nos portais de empresas de comunicação, em blogs de jornalistas que são ou foram parte da "grande imprensa" e têm sua visão da política formada por essa trajetória. Muitas vezes, o que circula pela rede é reprodução integral ou ressonância dos conteúdos de portais, sites de jornais e blogs de jornalistas bem situados no mercado da comunicação.

A reduzida presença de integrantes de grupos historicamente subalternizados no campo da política, que também pode ser observada no noticiário dos principais veículos da imprensa, é, assim, bem mais do que uma coincidência.

Identidades de gênero: diferença e exclusão

A construção de uma carreira política corresponde a algumas etapas. Destacamos, a partir da elaboração presente em Miguel e Biroli (2010:663)______. Práticas de gênero e carreiras políticas: vertentes explicativas. Revista Estudos Feministas nº 18, vol. 3, Florianópolis-SC, UFSC, 2010, pp.563-679.: (1) a produção da ambição política, (2) a viabilização da candidatura, (3) a eleição, (4) a atuação e sustentação da carreira, uma vez que o indivíduo é eleito.

A baixa presença das mulheres na política e no noticiário político colabora, atuando juntamente com outros filtros, para que as primeiras etapas sejam galgadas com mais dificuldade do que no caso dos homens. Não são representadas como membros natos da política (o que incide sobre 1 e 3), não são visíveis no noticiário (o que incide em 3, mas pode incidir também em 2, uma vez que os partidos podem preferir apoiar alguém que tenha mais facilidade para obter visibilidade e menos empecilhos para se definir como o candidato "certo" para determinado cargo). Mas as representações convencionais do feminino e do masculino numa sociedade, presentes na mídia - e não apenas no jornalismo - podem também contribuir para o insulamento temático das mulheres na política. A divisão sexual do trabalho, conectada a estereótipos que definem papeis, pertencimentos e habilidades distintas para mulheres e homens, se transforma em expectativas quanto a sua atuação nas diferentes esferas sociais. Embora não exista uma única compreensão dos papéis de gênero ou de relação entre mulheres e atividade política, a forma como a mídia representa as mulheres é um desdobramento das formas atuais da dualidade entre privado/doméstico/feminino e público/político/masculino (Miguel e Biroli, 2011MIGUEL, Luis Felipe e. BIROLI, Flávia Caleidoscópio convexo: mulheres, política e mídia. São Paulo, Editora da Unesp, 2011.).

Mesmo com as muitas transformações no papel da mulher nas sociedades ocidentais, sobretudo a partir de meados do século XX, a dualidade entre público e privado continua na base das representações distintas do feminino e do masculino e das desigualdades daí decorrentes. Iguais em sua cidadania, mulheres e homens estão em posições bastante desiguais no exercício da sua autonomia, assim como variam os obstáculos à autonomia das mulheres segundo sua posição de classe e raça (Biroli, 2013bBIROLI, Flávia e MIGUEL, Luis Felipe. Meios de comunicação, voto e conflito político no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais vol. 28, nº 81, 2013, pp.77-95.). O pertencimento "natural" do homem à esfera pública reforça sua posição hierárquica vantajosa na esfera privada. Para a mulher, a história é bem distinta. Mesmo para as mulheres de classes econômicas privilegiados, que foram resguardadas da dura combinação entre a responsabilidade pela vida doméstica e longas jornadas de trabalho precário e mal-remunerado, "reinar" em casa nunca significou livre acesso a posições de poder na esfera pública.

Essa dualidade, que define áreas de atuação e comportamentos, perpassa, assim, as diferentes esferas da vida. Encaradas como naturalmente pertencentes à esfera privada e estimuladas para comportar-se de acordo com os requisitos socialmente associados à domesticidade, as mulheres que conseguem adentrar a esfera da política permanecem marcadas. A maior ênfase no corpo e na vida privada, mas também a permanente ambiguidade nas reações a sua presença como mulheres na esfera pública - o estranhamento porque são mulheres, a expectativa de que atuem como mulheres - estabelecem vieses importantes na construção da sua imagem no jornalismo e nos discursos políticos, assim como na sua atuação política cotidiana.

As alternativas para as mulheres são adequar-se ao perfil "feminino" e desenvolver sua atuação política dentro dos limites do que é entendido como uma atuação "feminina" - o que pode ser feito estrategicamente - ou projetar sua ação e seu perfil para fora desses limites, o que por um lado pode lhes proporcionar um maior acesso às posições centrais, ao lançar-se para áreas e formas de atuação tidas como "masculinas", mas por outro pode marcá-las negativamente, como "desviantes". Em um e outro caso, os custos do "gênero" se impõem. Os estereótipos, mesmo quando mobilizados estrategicamente pelas próprias mulheres, podem constituir obstáculos à sua atuação no campo político e colaborar para a reprodução das representações, e condições, nas quais o "feminino" permanece como desvantagem. Mobilizados negativa ou positivamente, marcam a "condição feminina": as expectativas sociais em relação à trajetória e ao comportamento das mulheres nas esferas pública e privada.

Dentre essas expectativas, uma das mais evidentes e comumente mobilizadas é a maternidade. A representação das mulheres como mães as restringem a um papel social, atualizando compreensões do "feminino" que pelo menos desde a modernidade são um dispositivo importante para sua opressão (Badinter, 1985BADINTER, Elizabeth. O amor incerto: história do amor maternal do século XVII ao século XX. Lisboa, Relógio D'Água, 1985 [1980].). Ao definir o que "é" a maternidade e o que "é" a femininidade, prescrevem comportamentos e diferenciam o esperado do desviante. Não estão presentes apenas em discursos externos à trajetória das mulheres na política, mas também são parte de estratégias das próprias políticas, e de seu aparato de campanha, para se definirem como candidatas-mulheres que sejam palatáveis ao eleitorado. As eleições de 2010 mostraram o recurso convencional à maternidade e revelaram a centralidade dessa caracterização de maneira aguda quando a temática do aborto ganhou centralidade nas disputas eleitorais.4 4 Para Mantovani (2013), a temática do aborto fez parte das disputas na campanha eleitoral de 2010 já no primeiro turno, presente na internet nas redes sociais, nos blogs e, fora da rede, em panfletos que circularam como estratégia de apoiadores do candidato José Serra (PSDB). Mas foi a partir da última semana de setembro, quando ficava mais evidente que haveria segundo turno, que a posição das/os candidatas/os sobre o aborto se tornou um tópico da cobertura jornalística.

Mesmo dentro dos limites do feminismo, há abordagens que se apoiam nas diferenças de gênero para defender a ideia de que as mulheres, justamente por serem mulheres, trariam para a política um comportamento mais brando, menos agressivo, um maior senso de justiça e uma maior preocupação com o cuidado com os outros. Esse pensamento tem sido chamado de "pensamento maternal" ou "ética do cuidado". Nele, as experiências das mulheres na esfera doméstica, sobretudo a responsabilidade que lhes foi historicamente atribuída de cuidar das crianças e de outros membros vulneráveis da família e/ou da comunidade, como os doentes e os idosos, são tomadas como a base para uma perspectiva moral e ética não apenas diferente da dos homens, mas superior a deles. O "pensamento maternal" ganhou força, entre os estudos feministas da política, na década de 1980, a partir dos estudos de Carol Gilligan (1982)GILLIGAN, Carol. In a different voice: psychological theory and women's development. Cambridge, Harvard University Press, 1982.. Vem sendo criticado justamente por reforçar estereótipos de gênero, dando passos para trás na problematização da dualidade entre o público e o privado e no questionamento dos padrões de gênero vigentes na divisão sexual convencional do trabalho (Badinter, 2005BADINTER, Elizabeth. Rumo equivocado: o feminismo e alguns destinos. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2005 [2003].; Dietz, 1998DIETZ, Mary. Citizenship with a feminist face: the problem with maternal thinking. In: LANDES, Joan B. (ed.). Feminism, the public and the private. Oxford, Oxford University Press, 1998, pp.45-64.; Miguel, 2001______. Política de interesses, política do desvelo: representação e 'singularidade feminina'. Revista Estudos Feministas vol. 9, nº 1, Florianópolis-SC, UFSC, 2001, pp.253-67.). Ainda que muitas dessas críticas não se apliquem ao trabalho de Gilligan, os problemas para os quais apontam são claros nas abordagens de Jean Bethke Elshtain (1993)ELSHTAIN, Jean Bethke. Public man, private woman: women in social and political thought. Princeton, Princeton University Press, 1993 [1981]. e Sara Ruddick (1989)RUDDICK, Sara. Maternal thinking: toward a politics of peace. Boston, Beacon Press, 1989.. Para elas, a esfera privada-familiar seria o lugar a partir do qual se poderia construir uma nova esfera pública, com valores redefinidos, centrados em imperativos éticos como a defesa de seres humanos em suas capacidades como pessoas privadas (Elshtain, 1993ELSHTAIN, Jean Bethke. Public man, private woman: women in social and political thought. Princeton, Princeton University Press, 1993 [1981].:351).

A ideia de que a família é o âmbito primário das relações evoca a compreensão da família como sociedade "natural" e âmbito dos afetos que tem sido um dos fundamentos da dominação de gênero. Sustentada ainda hoje em discursos políticos, em especial na atuação política de grupos religiosos católicos e pentecostais, ela é uma peça-chave na recusa aos direitos das mulheres, como no caso do direito ao aborto, e da afirmação da heteronormatividade contra os direitos dos homossexuais (Machado, 2013______. Discursos pentecostais em torno do aborto e da homossexualidade na sociedade brasileira. Cultura y Religion vol. VII, nº 2, Santiago, Chile, Instituto de Estudios Internacionales de la Universidad Arturo Prat, 2013, pp.48-68.). A afirmação da família como ordem natural e âmbito dos afetos também engrossa as reações e obstáculos ao avanço na criminalização da violência doméstica e na construção da igualdade de gênero. A esfera doméstica e familiar, a família e a privacidade, são elas mesmas tópicos para decisões políticas, que por sua vez as afetam e dão forma às relações que nelas se constituem (Biroli, 2014BIROLI, Flávia. Família: novos conceitos. São Paulo, Editora da Fundação Perseu Abramo, 2014.). Não é possível, portanto, tomá-las como uma espécie de origem não-política, estável e homogênea, de valores e práticas políticas alternativas. Além disso, enquanto a esfera privada é em muitos sentidos marcada por hierarquias na sua configuração, na política os indivíduos poderão relacionar-se como iguais, que "elaboram julgamentos sobre questões de importância compartilhada, deliberam sobre tópicos que são objetos de preocupações comuns e agem conjuntamente" (Dietz, 1998DIETZ, Mary. Citizenship with a feminist face: the problem with maternal thinking. In: LANDES, Joan B. (ed.). Feminism, the public and the private. Oxford, Oxford University Press, 1998, pp.45-64.:28). As relações entre a mãe e a criança, marcadas pelas posições e demandas distintas de cada uma e pela vulnerabilidade da última, não são um paradigma adequado para a transformação da política informada pelos valores democráticos da liberdade e da igualdade. A associação entre mulher e maternidade reforça, ainda, uma divisão sexual do trabalho político que é desvantajosa para as mulheres, por legar a elas temas e áreas de atuação que, se são sem dúvida relevantes, são periféricos na configuração atual da política e das carreiras (Miguel, 2001______. Política de interesses, política do desvelo: representação e 'singularidade feminina'. Revista Estudos Feministas vol. 9, nº 1, Florianópolis-SC, UFSC, 2001, pp.253-67.).

É uma situação complexa, que tem sido enunciada como o dilema de Wollstonecraft, numa referência à inglesa Mary Wollstonecraft (1759-1797), autora de Uma vindicação dos direitos da mulher, de 1792: de um lado, está a demanda de que o ideal liberal seja estendido às mulheres, com uma agenda "neutra" do ponto de vista do gênero, isto é, de que o gênero seja suspenso como diferença significativa; de outro, a defesa de que as mulheres sejam incorporadas enquanto mulheres, isto é, que suas especificidades sejam levadas em conta. Porém,

o entendimento patriarcal da cidadania significa que as duas demandas são incompatíveis, já que permite apenas duas alternativas: ou as mulheres se tornam (como) homens, e assim cidadãos plenos; ou continuam no trabalho de mulheres, que não tem valor para a cidadania (Pateman, 1989PATEMAN, Carole. The disorder of woman. Stanford, Stanford University Press, 1989.:197).

A afirmação da singularidade das mulheres pode reproduzir formas de tratá-las e posicioná-las que são o resultado das desigualdades de gênero, de formas de socialização convencionais e de restrições na construção das suas identidades e trajetórias. Esse é um dos problemas no recurso estratégico às identidades convencionais e, especificamente, à representação das mulheres como mães. Mas a neutralidade, por outro lado, pode ser uma forma de legitimar um estado de coisas: se todos são iguais, se não há diferenças, as mulheres estariam em pé de igualdade na disputa por cargos e posições no mundo da política e no do trabalho. Voltaríamos a uma concepção voluntarista, em que indivíduos abstratos são colocados na posição de sujeitos que tomam suas decisões, suspendendo os contextos concretos e desiguais em que as alternativas se apresentam (Biroli, 2013CHODOROW, Nancy. The reproduction of mothering. Berkeley, University of California Press, 1978.). Mais uma vez, é necessário explicitar a opressão estrutural em conjuntocom as barreiras da política institucional, como o funcionamento dos partidos políticos, o acesso a recursos para financiamento das campanhas e o sistema eleitoral. Os padrões históricos da divisão sexual do trabalho definiram posições sociais não apenas distintas, mas desvantajosas, para mulheres e homens. Aspectos simbólicos e materiais da reprodução desses padrões incidem sobre a participação das mulheres nas diferentes esferas da sociedade e, de maneira singular, na política.

Gênero e política no JN e no HGPE

No período eleitoral, tornam-se mais visíveis as influências recíprocas entre os campos midiático e político. O recurso a estereótipos de gênero também se apresenta com mais nitidez, tanto na construção das imagens de mulheres e homens no discurso jornalístico quanto em sua mobilização estratégica por candidatas e candidatos, em busca de uma identidade político-eleitoral que "funcione". Nesse contexto, gênero e política são construídos conjuntamente, isto é, sentidos do gênero e sentidos da política aparecem atrelados.

Para entender como isso se deu nas eleições presidenciais de 2010, analisamos 78 edições do Jornal Nacional da Rede Globo e 95 edições do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral veiculado no horário noturno, entre 17 de agosto e 29 de outubro. Foram analisadas a cobertura (incluindo reportagens e entrevistas) e a propaganda das/os três principais candidatas/os: Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT); José Serra, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e Marina Silva, então no Partido Verde (PV).

O objetivo principal foi observar como o telejornal de maior audiência no Brasil, estreitamente associado aos padrões da atuação da mídia nas eleições após a democratização5 5 Conferir, entre outros, Albuquerque (1994), Lima (2004 e 2007), Miguel (2002 e 2004) e Porto (2007). , e a propaganda construída a partir das estratégias das/os candidatas/os mobilizaram as representações de gênero nessas eleições. Partiu-se do entendimento de que poderia haver disputas, mas também coincidências, no modo de definir candidatas e candidatos no que diz respeito às marcas de gênero mobilizadas. E, é claro, no modo como compreensões do gênero estão vinculadas a compreensões da política e daquela disputa eleitoral especificamente. A análise procurou compreender também as especificidades no tratamento de cada candidata/o, numa eleição em que duas mulheres disputavam o pleito com chances de eleição.

Se o gênero não foi uma questão esquecida, também não ganhou centralidade: as questões de gênero apareceram lateralmente, nos temas da agenda relacionados às mulheres (ao eleitorado feminino), ou de maneira superficial na caracterização do "feminino". A temática do aborto, que ganhou centralidade nesses espaços da campanha e da cobertura midiática a partir da última semana de setembro, funcionou como gatilho para representações de gênero na política.

Para começar, não há formas explícitas de preconceito, mas discursos que mobilizam concepções convencionais de gênero como se fossem um dado, isto é, como se ser mulher ou ser homem implicasse determinados comportamentos, incitasse questões distintas sobre a vida privada e a política. As diferenças mais marcantes aparecem quando questões relativas a personalidade/comportamento, vida privada e corpo/aparência das candidatas/os são abordadas desigualmente, consideradas um fator político relevante para as candidatas, ao mesmo tempo em que para os candidatos não o seriam. Requisitos de gênero, na autoapresentação, organizam discursos sobre as políticas.

Um exemplo dessa forma da construção do gênero no noticiário do JN é o acompanhamento da agenda das/os três principais candidatas/os no dia anterior à eleição do primeiro turno. É um espaço em que a cobertura mostraria os candidatos de uma maneira mais leve, menos formal. Na cobertura à agenda de Dilma Rousseff, aparecem enunciados como "pop star da política"; "em vez de emagrecer, engordou"; "(...) e aquela escova caprichada depois de horas de salão foi-se à primeira chuva"; assim como a pergunta "A senhora tem coração mole?". Na cobertura de Marina Silva, fala-se da "(...) filha Shalon, uma espécie de anjo da guarda que enche a mãe de carinho"; destaca-se que "Marina perdeu dois quilos na campanha", menciona-se a "maquiagem levíssima, feita com produtos antialérgicos; na boca o batom mais natural do mundo. Raspas de beterraba para colorir os lábios da candidata verde". A construção do gênero na política pelo destaque à autoapresentação fica clara quando se observa o tratamento dado a José Serra: "O cidadão José Serra tem fama de dormir tarde, muito tarde (...). O homem não para"; "Palmeirense roxo"; "o candidato chega sério, e a caminho do estúdio ajuda uma funcionária a recuperar o sapato perdido"; "Serra só relaxa com a família" (JN, 2/10/2010).

Os comentários sobre o peso, a aparência e a vaidade das candidatas dão contornos à visibilidade das mulheres de um modo distinto da dos homens, "a mera referência ao corpo indica um modo de enquadrar a existência pública dessas personagens" (Miguel e Biroli, 2011MIGUEL, Luis Felipe e. BIROLI, Flávia Caleidoscópio convexo: mulheres, política e mídia. São Paulo, Editora da Unesp, 2011.:194). Os estereótipos convencionais do masculino complementam, nessa diferenciação, os do feminino. Mas os primeiros são neutros no discurso sobre a política, enquanto os últimos estabelecem uma alteridade em relação ao que é relevante nesse espaço/prática. Como Serra não foge aos estereótipos, não precisa ser questionado sobre sua vida privada, que não é tratada como parte importante da trajetória e da ação política tipicamente masculinas.

O recurso aos estereótipos não é, no entanto, exclusivo do jornalismo. Faz parte também das estratégias de candidatas e candidatos, como vem sendo mostrado em pesquisas feitas em diferentes países.6 6 Entre outros, cf. Kahn (1996), Iyengar (1997), Miguel e Biroli (2011). No HGPE, em que existe maior controle sobre agenda e visibilidade das/os candidatas/os, a construção do gênero na política também é feita do recurso a estereótipos. Vale lembrar que as campanhas não são construídas em um "vazio" de sentidos, mas expressam escolhas estratégicas, considerando o ambiente político e social em que as disputas são travadas. Ao mesmo tempo, respondem a pressões e estímulos de concorrentes, da própria mídia e de outros atores da sociedade civil.

Embora tenhamos mencionado a pouco uma breve referência à tranquilidade que encontraria na família, feita no JN, na biografia de Serra no HGPE não há nenhuma menção a cônjuge e filhos. Ao contrário do que ocorre quando Silva e Rousseff tratam de sua biografia e acionam sua vida privada, Serra não diz que se casou e teve filhos em meio à sua trajetória política. Podemos compreender que a base para essa diferenciação são julgamentos sociais distintos, que nesse sentido levam à produção de imagens e discursos diferenciados e que podem reforçar a razão pela qual se tornam "necessários". Assim, quando as mulheres "respondem", mesmo que estrategicamente, aos estímulos (e vantagens eleitorais possíveis) para que exponham sua identidade privada como mães e esposas, uma vez que há, independentemente de sua vontade, julgamentos de caráter moral que podem afetar as disputas políticas, elas colaboram para reforçar essas expectativas diferenciadas. O mesmo se dá, ainda que em chave distinta, quando candidatas e candidatos mobilizam "a família" como valor, procurando corresponder àqueles que seriam os valores compartilhados por parte significativa do eleitorado.

O aspecto mais relevante nessa diferenciação em 2010 foi, como antecipado, a relação entre femininidade e maternidade. É nesse ponto que cobertura e propaganda mobilizam a ideia de que mulheres e homens, pelo seu sexo - no primeiro caso, "naturalmente" vinculado à representação moderna burguesa da maternidade (Badinter, 1985BADINTER, Elizabeth. O amor incerto: história do amor maternal do século XVII ao século XX. Lisboa, Relógio D'Água, 1985 [1980].) -, atuam de maneiras diferentes na política.

No JN e no HGPE, as mulheres aparecem ora como indivíduo, ora como grupo. As representações do feminino remetem ao que seria "natural" à identidade das mulheres - como a sensibilidade, a suavidade no trato, a preocupação com a aparência, ou o cuidado e o carinho maternal - e, como tal, compartilhado por toda e qualquer mulher. Essas características aparecem como relevantes para o julgamento das mulheres como indivíduos, mas remetem a um universal "mulher". Já quando políticas relacionadas às demandas de mulheres aparecem - como no caso das políticas voltadas para a saúde da mulher -, o que se observa é que o discurso sofre um rearranjo e as mulheres passam a ser tratadas como um grupo, com interesses e demandas definidas, mas ainda diluídas em uma identidade comum.

Esse rearranjo não rompe com a primeira forma de representá-las porque essas demandas e interesses seriam desdobramentos de sua identidade "feminina". Quando as políticas de saúde da mulher são discutidas, elas são todas referentes à maternidade. Os direitos das mulheres são tratados de forma homogênea, de modo que todas as mulheres aparecem como mães. Reduz-se, assim, o espaço para que outros interesses e demandas das mulheres, entendidas enquanto grupo, sejam tematizados.

Mas esse estreitamento aparece também como estratégia, em tentativas de significação positiva do gênero dentro de limites convencionais. Observando a forma como as candidatas recorrem ao fato de serem mulheres na construção da sua imagem, encontramos dois eixos que se completam em seus discursos: a ênfase no fato de ser a primeira mulher a ocupar determinado cargo público, qualificando-a para ser também a primeira mulher a ocupar a Presidência da República (a busca por destacar-se entre as mulheres, tendo as habilidades necessárias para o cargo); a ênfase em uma atuação diferenciada, moldada pela lógica do cuidado (a busca por identificar-se com o que se espera das mulheres, caracterizando-se como mulheres na política).

Vale observar que os homens não precisam de qualquer uma das duas estratégias. Não precisam provar que, sendo homens, podem ocupar um cargo público de grande relevância: não precisam entrar para a política como homens - enquanto às mulheres o dilema mencionado antes se coloca, em suas ambiguidades e riscos. Em uma política masculina, o gênero não é uma questão para os homens, mas marca as mulheres de modo que exige que se expliquem e se qualifiquem por serem mulheres e enquanto mulheres. Marcando-se como mulheres, as candidatas optaram pela mobilização dos estereótipos correntes, o que foi corroborado pela cobertura do JN na medida em que veiculou esses fragmentos dos discursos das candidatas sem tematizar essa questão - afinal, podemos dizer que são narrativas "esperadas" e, justamente por isso, não causam nenhum tipo de questionamento.

Isso ocorre especialmente no caso de Dilma Rousseff, que por ter um perfil anterior visto como masculinizado (Biroli, 2010______. Gênero e política no noticiário das revistas semanais brasileiras: ausências e estereótipos. Cadernos Pagu (34), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2010, pp.269-299.) procura adicionar à sua imagem as características desse perfil feminino. Esse é um exemplo de "sucesso" do HGPE, pois a imagem construída e reforçada pela campanha de Dilma durante todo o período eleitoral foi confirmada e reproduzida pela cobertura do JN.7 7 Vale lembrar que situação semelhante ocorreu com Lula nas eleições presidenciais de 2002. O HGPE nessas eleições também conseguiu firmar uma imagem nova do candidato. Confirma, também, o fato de que as mulheres na política podem se definir estrategicamente "como mulheres", associando-se às temáticas "femininas" e a um perfil "feminino" para conseguir maior visibilidade midiática, mesmo tendo uma trajetória que desloca os padrões convencionais de posicionamento das mulheres na vida privada e na pública, colocando em questão a divisão sexual do trabalho e os estereótipos da femininidade.

Vale observar também como a propaganda das/os candidatas/os se dirige às mulheres como cidadãs/eleitoras. A candidatura de José Serra concentra seus esforços na ideia de que se trata de uma candidatura sensível às demandas tidas como femininas e foca nas eleitoras como destinatárias em parte de seu discurso. Isso não ocorre durante todo o tempo ou em todos os tópicos da agenda. Há momentos em que propostas relativas à economia ou trabalho, por exemplo, são também direcionadas às mulheres/eleitoras, mas esse não é o padrão. Na maior parte dos casos, essas propostas se restringem a temas específicos - saúde, educação, políticas habitacionais, drogas, creches e aborto - e são apresentadas como propostas para eleitoras que seriam antes de tudo, ou fundamentalmente, mães. Nesse tópico, as candidatas mulheres e o candidato homem convergem: a propaganda, nos três casos, projeta as demandas e os interesses a partir de uma concepção do "feminino" que funde mulheres e maternidade.

Dessa forma, podemos dizer que os discursos nas eleições de 2010 reforçaram compreensões redutoras da posição social, das necessidades e dos interesses das mulheres. Se isso esteve presente na cobertura do JN, foi ainda mais forte na construção da imagem das candidatas e no modo como as eleitoras foram representadas no HGPE.

As entrevistas do JN

As entrevistas podem ser consideradas não apenas como um momento de diálogo entre candidatas/os e jornalistas específicos, mas como um diálogo entre o modo de operar do jornalismo e as estratégias de campanha dos atores políticos. Embora tenham sido apenas cinco entrevistas - três no primeiro turno, com os três principais candidatos, e duas no segundo -, todas realizadas pelos âncoras William Bonner e Fátima Bernardes, elas expõem elementos centrais à cobertura do telejornal e estruturantes das estratégias e das posturas adotadas pelas/os candidatas/os durante a campanha. São um espaço diferenciado, no qual o diálogo e o jogo político entre os atores, e mesmo entre os dois campos, se dão de maneira instantânea. Neste artigo, as entrevistas são tratadas apenas da perspectiva restrita da incidência de construções de gênero no debate eleitoral.8 8 Para análises mais abrangentes das entrevistas no JN nas eleições de 2010, que as abordam de maneiras distintas, cf. Albuquerque (2011) e Gomes (2013). Elas permitiram acompanhar o recurso, a afirmação e a aceitação de estereótipos de gênero na campanha presidencial de 2010.

Os entrevistadores se colocam como fiadores de um diálogo legítimo, que não estaria restrito a sua percepção ou à perspectiva editorial do JN porque representaria os interesses dos cidadãos eleitores (Albuquerque, 2011ALBUQUERQUE, Afonso. Em nome do público: jornalismo e política nas entrevistas dos presidenciáveis ao Jornal Nacional. Paper apresentado ao Grupo de Trabalho Comunicação e Política do XX Encontro da Compós, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.). As três entrevistas que ocorreram no primeiro turno, com as candidatas Dilma e Marina e com o candidato Serra, não se prendem a nenhum tema específico e orientam respostas que permitiriam apresentar as/os as/candidatas/os e seus planos aos telespectadores. Já as duas entrevistas do segundo turno são focadas, de forma quase exclusiva, nas duas principais temáticas do momento: aborto e religiosidade.

A diferenciação das expectativas e julgamentos de acordo com o sexo biológico se mantém nas entrevistas, reforçando a ideia de um "candidato típico" e de uma "candidata típica" (Kahn, 1996KAHN, Kim Fridkin. The Political Consequences of being a Woman: How Stereotypes Influence the Conduct and Consequences of Political Campaigns. New York, Columbia University Press, 1996.:2).

Na primeira entrevista feita pelo JN, o fato de ser mulher foi inicialmente mobilizado pela própria entrevistada, a candidata Dilma Rousseff. Ao ser indagada por William Bonner sobre sua "falta de experiência" para governar o Brasil sem Lula, a candidata recorre a sua experiência administrativa e destaca que foi a primeira mulher a ocupar os cargos.9 9 Menciona os cargos de Secretária Municipal da Fazenda de Porto Alegre, Secretária de Energia do Rio Grande do Sul e, no âmbito federal, de Ministra de Minas e Energia e Ministra da Casa Civil. O mesmo ocorre na entrevista feita com Marina Silva no dia seguinte. Nela, a candidata se apresenta como a primeira mulher de origem humilde a concorrer à Presidência. Quando Fátima Bernardes interpela a candidata por sua falta de experiência administrativa com outros temas que não sejam o meio ambiente, Marina fala de temas que estariam interligados àquele e utiliza, como metáfora para a abordagem ambiental, a posição da mãe que está preocupada com o futuro de seu filho. No decorrer da entrevista, Marina repetiria o recurso à maternidade ao falar das eleitoras: "aquela mãe que não teve uma chance na vida, aquela mulher pobre que não teve uma chance na vida, ela sabe que se tiver uma escola melhor o seu filho pode ter dias melhores (...)" (entrevista de Marina Silva ao JN, 10/08/2010). Por duas vezes, assim, a candidata mobiliza o entendimento compartilhado do que é ser mãe: a preocupação focada no futuro dos filhos.

Essa não é a postura adotada diretamente pelo telejornal ao interpelar as candidatas. Mas esses discursos são aceitos sem estranhamento. O vínculo mulher-política se estabelece pelas vias convencionais, sem ruídos. Bem assentados em discursos prévios que organizam os sentidos do feminino e da maternidade em outros espaços midiáticos, inclusive nas produções não-jornalísticas, ele pode ser apresentado sem que seja justificado, como discurso verdadeiro porque "comum", compartilhado.

O candidato José Serra foi entrevistado pela primeira vez em 11 de agosto. Ao falar sobre sua experiência como Ministro da Saúde, ressaltou: "Eu fui Ministro da Saúde, fiz o genérico, os mutirões, a campanha contra a AIDS (...), tem um conjunto de coisas, inclusive relacionadas com a saúde da mulher" (entrevista de José Serra ao JN, 11/08/2010). Com duas mulheres na campanha e o eleitorado feminino em disputa, tópicos "femininos" estiveram presentes também no discurso de Serra, na entrevista e na propaganda, como dito anteriormente. A experiência não está entre os tópicos presentes nas interpelações dos entrevistadores, como esteve no caso das mulheres - o que certamente se relaciona ao fato de José Serra ter então uma longa carreira política, tendo ocupado cargos de deputado, senador, prefeito e governador de São Paulo. A "tipicidade" da carreira política de Serra em relação às carreiras das mulheres não é, no entanto, um dado meramente singular e individual. Nessa perspectiva, no entanto, o gênero não é problematizado.

As iniciativas dos entrevistadores William Bonner e Fátima Bernardes mobilizam o gênero não apenas da forma como está presente por iniciativa de candidatas e candidato. Ambos fazem perguntas nas quais os apelos têm o gênero como um fator de diferenciação.

Nessas primeiras entrevistas, merece destaque o diálogo entre Dilma Rousseff e Fátima Bernardes:

Fátima Bernardes: Alguns críticos, muitos críticos, e alguns até aliados, falam que a senhora tem um temperamento difícil. O que a gente espera de um presidente é que ele, entre outras coisas, seja capaz de fazer alianças, de negociar, ter habilidade política pra fazer acordos. A senhora, de que forma pretende que este temperamento, que dizem ser duro, difícil, não interfira no seu governo, caso eleita?

Dilma Rousseff: (...) Eu acho que têm visões construídas a meu respeito. Eu acho que eu sou uma pessoa firme. Acho que em relação aos problemas do povo brasileiro eu não vacilo (...).

Fátima Bernardes: Talvez seja a forma da senhora se comportar. O próprio presidente Lula esse ano (...) chegou a dizer que achava até natural haver queixas contra a senhora (...) que ele recebeu vários colegas na sala dele que iam lá se queixar que a senhora maltratava eles.

(Entrevista de Dilma Rousseff ao JN, 9/8/2010, grifos nossos)

Nesse caso, a "personalidade" aparece como um tema para a diferenciação entre as candidaturas. Aparece quando se fala no que é esperado no comportamento de um político, construindo o perfil político desejável: capacidade de fazer alianças e negociar, habilidade de fazer acordos. Se esse perfil pode ser mobilizado, em outras circunstâncias, no registro da tolerância, sensibilidade e capacidade para ouvir que supostamente seriam maiores no caso das mulheres (quando a maternidade é evocada como a base para uma sensibilidade diferenciada), nesse caso foi associado à experiência - de Serra - e contrastado com a personalidade "forte" - de Rousseff. Tendo como pano de fundo estereótipos convencionais, a "dureza" desperta estranhamento e pode ganhar o sentido de "desvio". Cabe aqui relembrar comentário irônico feito pela própria candidata quando ainda era ministra sobre as caracterizações negativas feitas à sua personalidade e comportamento: "sou uma mulher dura cercada de homens meigos" (Miguel e Biroli, 2011MIGUEL, Luis Felipe e. BIROLI, Flávia Caleidoscópio convexo: mulheres, política e mídia. São Paulo, Editora da Unesp, 2011.:183).

Na sequência dessa mesma entrevista, a então candidata Dilma Rousseff recorre à vida privada, como âmbito da realização da maternidade e do cuidado, atribuindo, estrategicamente, um sinal positivo a experiências "femininas", que funcionariam como um diferencial favorável na atuação política. Essa evocação é confirmada pela entrevistadora:

Dilma Rousseff: Fátima, é o seguinte. No papel, sabe dona de casa? No papel de cuidar do governo é meio como se a gente fosse mãe, tem uma hora que você tem de cobrar resultado (...). Então tem uma hora que é "quinem" você imagina lá na sua casa (...).

Fátima Bernardes: Como mãe eu entendo (...).

(Entrevista de Dilma Rousseff ao JN, 9/8/2010, grifos nossos)

Em conjunto, naturalizam-se a divisão sexual do trabalho, com a confirmação da responsabilidade das mulheres pelo cuidado e pela vida doméstica, da relação entre femininidade e maternidade, e compreensões do que é ser uma mulher política e do que seria sua ação, enquanto mulher, na política. As mulheres, por serem mulheres - isto é, mães - atuariam na política de forma distinta. Mais uma vez, parece importante levar em consideração que essas convenções foram assim enunciadas por uma mulher cuja trajetória se afasta das convenções e, por si só, colaboraria para colocá-las em xeque. Isso, no entanto, não neutraliza os efeitos possíveis, negativos, do recurso estratégico às mesmas convenções que, historicamente, funcionaram para barrar o acesso das mulheres à política.

Nas entrevistas realizadas com os vencedores do primeiro turno, Dilma Rousseff e José Serra, a proposição dos temas e destaques pelos entrevistadores é bastante desigual. É nesse momento que o aborto se tornaria o tema-chave. Nessa eleição, em que "líderes religiosos atuaram intensamente para manter a política institucional nos marcos ideológicos cristãos", com os riscos que essa atuação representa para a laicidade do Estado (Machado, 2012:25), o tema é mobilizado de maneiras distintas nas entrevistas com Dilma Rousseff e José Serra. A tematização do aborto na agenda eleitoral, a partir do esforço casado de atores religiosos e estratégias de campanha, colaborou para dar unidade a uma "agenda conservadora" (Mantovani, 2014MANTOVANI, Denise. Quem agenda a mídia? Um estudo de agenda-setting a partir da tematização do aborto nas eleições de 2010. Tese de Doutorado defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, Universidade de Brasília, 2014.), com efeitos potenciais distintos para a candidatura de Rousseff e a de Serra.

O interesse dos âncoras do telejornal na entrevista com Rousseff foi interpelá-la sobre sua mudança de atitude em relação à descriminalização do aborto. Resgataram essa temática inclusive quando a candidata procurou deixá-la, sinalizando a preferência por dedicar o tempo da entrevista a outras temáticas. Já na primeira pergunta, Fátima Bernardes indagou o que teria levado a disputa para o segundo turno. Dilma respondeu que foi a segunda mulher mais votada do mundo e William Bonner introduziu o tema do aborto:

William Bonner: Candidata, quando terminou o primeiro turno a senhora e alguns dos seus assessores, enfim, e partidários do PT, chegaram a dizer que aquela discussão, aquela polêmica sobre o aborto tinha motivado essa decisão do eleitor no fim do primeiro turno. Essa polêmica toda, essa discussão, não teria se dado por causa da sua mudança de posição sobre a legislação referente ao aborto? Eu digo isso porque pessoalmente a senhora sempre se manifestou contrária ao aborto. O que a senhora fez em algumas entrevistas (...) foi dizer que era favorável da mudança da legislação, a legalização do aborto. Não teria sido mais natural, num país tolerante como é o nosso que a senhora tivesse admitido publicamente essa mudança de opinião a respeito?

Dilma Rousseff: Veja bem Bonner. Eu acredito que nessa história do aborto houve muita confusão. Há uma diferença, Bonner, entre a posição individual minha - como cidadã eu sou contra o aborto, sou contra o aborto porque eu acho que é uma violência contra a mulher, e não acredito que mulher alguma é a favor do aborto, acho que as pessoas que recorrem ao aborto o fazem em situação limite. O que é que acontece com um Presidente da República? Ele não pode fingir que não existem milhares de mulheres (...), nós não podemos fingir que estas mulheres não existem. E mais, não podemos fingir que estas mulheres, elas fazem isso em situações muito precárias. E recorrer ao aborto provoca risco de vida e em alguns casos a morte. Pois bem, a minha posição sempre foi a seguinte, você não pode colocar essas mulheres, prender essas mulheres. Não se trata de prender as mulheres, se trata de cuidar delas. Porque você não vai deixar 3,5 milhões de mulheres ameaçadas a sua saúde. Então, são duas posições diferentes. Quando a gente diz que o aborto não é um caso de polícia, no Brasil ele é um caso de saúde pública, o que é que nós estamos falando? Nós estamos falando o seguinte, para prevenir, para que não haja o aborto, a primeira questão: nós temos que tratar a quantidade imensa de gestantes adolescentes que recorrem ao aborto, ou porque têm medo da família não aceitar, ou porque já não tem inclusive laços familiares efetivos que podem garantir a ela pra poder ter a criança. (Entrevista de Dilma Rousseff ao JN, 18/10/2010, grifos nossos)

A candidata enquadra o aborto como uma questão de saúde pública e de violência contra a mulher; uma violência que se dá pela falta de alternativas. É importante notar que essa narrativa resgata um pré-julgamento do que é ser mulher. Afirmar que todas as mulheres encaram o aborto como uma violência e que o fazem por falta de opção é aceitar e reproduzir um julgamento moral que inclui a naturalização da maternidade, ao mesmo tempo em que se exclui o entendimento do direito ao aborto como necessário para garantir a autonomia das mulheres. Candidata e telejornal silenciam sobre o aborto como um direito das mulheres, em um ambiente político reativo a conquistas e avanços.

A entrevista com Serra, no dia 19 de outubro, destacou a religiosidade. Ela foi relacionada à temática do aborto, mas ganhou ênfase e contorno próprios em sua relação com a política, como no trecho abaixo:

Fátima Bernardes: Este segundo turno está radicalizado. Uma mistura entre religião e política que não costuma dar certo em lugar nenhum (...). Essa mistura, política e religião, não deveria ser evitada?

José Serra: (...) Numa campanha esses temas, Fátima, acabam sendo postos pela própria população. Nunca me passou pela cabeça transformar isso num centro de campanha.

Fátima Bernardes: Mas candidato, a sua campanha tem mostrado, falado insistentemente em Deus, tem mostrado imagens de missas, de cultos religiosos (...).

José Serra: Todas as campanhas que eu fiz, eu sempre visitei Igrejas, eu sou católico, mas sempre visitei Igrejas, inclusive cristãs, evangélicas. Sempre falo no meu linguajar cotidiano, que é incorporado. Eu sempre digo: "Se Deus quiser". Eu sou uma pessoa religiosa, não há nada forçado neste sentido. E, aliás, a candidata não fez outra coisa a não ser passar a frequentar Igrejas, coisa que habitualmente ela não fazia. Então isso dá um tipo de aquecimento que se transforma no que você falou.

Fátima Bernardes: (...) Questões como essa do aborto, até mesmo a união civil entre homossexuais, elas não deveriam receber um tratamento de política pública e não uma abordagem do ponto de vista da religião? Isso não contribui pra um retrocesso do debate político?

José Serra: Mas olha, eu insisto. Quem introduziu este ingrediente na campanha foi o PT e foi a Dilma. Como eu tenho uma posição contrária ao aborto eu sempre fui perguntado, sempre disse isso (...). Agora, o que eu quero dizer é que a base disso está no fato de que uma hora ela disse uma coisa e na outra hora ela diz o oposto. Aliás, não é um único caso em que isso acontece.

(Entrevista de José Serra ao JN, 19/10/2010, grifos nossos)

Dentre os entendimentos sobre a política que são mobilizados, está a questão da laicidade do Estado. O telejornal apresentou situações de aproximação entre os candidatos e a temática da religiosidade e veiculou discurso do Papa Bento XVI com instruções para que os bispos brasileiros orientassem seus fiéis a não votarem em candidatos que defendessem a descriminalização do aborto (JN, 28/10/2010). Na entrevista com Serra, Fátima Bernardes, como representante do JN, encarna o papel de fiadora da ética política e de uma boa eleição. Assim como ocorreu em 2002, quando "a Globo atribuiu a si própria a posição de 'regente das eleições'e William Bonner nos debates e entrevistas definia o quadro do que era aceitável" (Miguel, 2004______. A descoberta da política - a campanha de 2002 na Rede Globo. In: RUBIM, Antônio A. C. (org). Eleições presidenciais em 2002 no Brasil. São Paulo, Hacker, 2004.:96). Fátima Bernardes, nesse momento, coloca a religião como algo que deveria ser tratado pelo candidato como externo à política; e como o candidato teria ultrapassado esse limite do aceitável, há a crítica. Aqui encontramos o papel atribuído ao jornalismo de denunciar e questionar o que estaria fora dos padrões legítimos, aceitáveis. No entanto, é importante perceber que há um enquadramento que define os limites da crítica: ela se dirige a desvios pontuais, sem expor as tensões e ambiguidades do Estado laico no Brasil ou acusar como problemática a atuação política das igrejas. Ao mesmo tempo, respalda o entendimento convencional de que a temática do aborto não é política, mas está sendo estratégica, e indevidamente, politizada.

A visibilidade da temática do aborto é desigual entre os candidatos, o que se deveria às mudanças na posição de Rousseff - enquadramento privilegiado pela campanha de José Serra e que é explicitado em sua fala na entrevista ao JN. Desde o começo, a candidata é interpelada como pessoalmente contrária ao aborto, vendo-o como um caso de saúde pública. Essa também parece ser a posição do telejornal, que, entretanto não discutiria o aborto, ou mesmo a legislação sobre o aborto no Brasil, mas as supostas oscilações na visão da candidata. A polêmica é, assim, focada na posição de Dilma Rousseff, e não na descriminalização do aborto. A esse discurso predominante, são incorporadas, pela própria candidata, novas aproximações: o aborto não é apenas um caso de saúde pública, é uma violência contra a mulher e resulta da falta de opção. O silêncio sobre a questão do aborto, ao mesmo tempo em que se torna tópico de campanha, corresponde a opções que estiveram presentes na mídia, mas também nas estratégias eleitorais: as vozes das feministas, por exemplo, não estiveram presentes no debate (Mantovani, 2014MANTOVANI, Denise. Quem agenda a mídia? Um estudo de agenda-setting a partir da tematização do aborto nas eleições de 2010. Tese de Doutorado defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, Universidade de Brasília, 2014.), assim como informações sobre o aborto no Brasil não foram tematizadas nas reportagens do JN.

O diálogo direto entre os atores do campo político e do jornalístico, nessas entrevistas, não é de fato conflitivo. Confirma discursos dominantes sobre a temática do aborto. Ao mesmo tempo em que se pode entender que as entrevistas reduzem a tensão entre discursos conservadores, que negam à mulher a autonomia para decidir, e discursos favoráveis à descriminalização que estejam dentro dos limites da saúde pública como justificativa, há uma recusa a tematizar o aborto como direito e, como tal, algo que seria de interesse das mulheres. Se em outros tópicos, como a maternidade, houve o recurso estratégico a um "nós", que permitiu tomar as mulheres como grupo, no caso do aborto ele se tornaria uma impossibilidade pelos limites estabelecidos para a controvérsia legítima10 10 A referência aqui é à noção de controvérsia legítima tal como é definida por Hallin (1989). Ela é explicada e mobilizada, em entendimento semelhante ao que apresentamos aqui, em Biroli (2013a). nas eleições de 2010, resultantes das interações entre atores políticos, religiosos e midiáticos. Embora "embates" possam ser encontrados pontualmente, há uma espécie de orquestramento sutil que organiza as percepções dos dois lados do diálogo, sobre a política, sobre o lugar das mulheres nela e, no segundo turno, sobre o aborto.

Conclusão

A presença reduzida de mulheres na vida política brasileira não é uma circunstância ocasional. É um desdobramento dos padrões históricos da divisão sexual do trabalho e da atribuição de papéis, habilidades e pertencimentos diferenciados para mulheres e homens. Corresponde a uma realização restrita do ideal democrático da igualdade política, que reserva os espaços de decisão e as posições de poder a uma parcela da população com perfis determinados - homens, brancos, pertencentes às camadas mais ricas da população. As desigualdades de gênero, assim como a desigualdade racial e a de classe, são importantes para se compreender os mecanismos de divisão e diferenciação que impedem uma realização mais plural da política.

Trazer as desigualdades de gênero para o centro dessa discussão nos permite ampliar o horizonte da crítica aos limites da política liberal-democrática. A baixa presença das mulheres na política institucional é aqui entendida como um resultado e ao mesmo tempo um fator atuante na reprodução da opressão estrutural, como discutido na segunda seção deste artigo. A exclusão sistemática de indivíduos com posições sociais distintas das daqueles que estão nos espaços em que as decisões são tomadas faz com que uma série de experiências, preocupações, necessidades e interesses não ganhem relevância política e/ou não resultem em políticas públicas e alocação de recursos.

A complexa relação entre os campos da mídia e da política, da forma como está estruturada, ajuda na confirmação do entendimento da política como um campo restrito. Colabora, também, para a reprodução de concepções convencionais do "feminino", que vinculam as mulheres à esfera privada e/ou dão sentido a sua atuação na esfera pública a partir do seu papel convencional na vida doméstica. Coloca água, assim, no moinho da reprodução de posições subordinadas para as mulheres e da naturalização das desigualdades de gênero.

Nas eleições presidenciais de 2010, com a singularidade das disputas, interações e silêncios que a definiram, vimos que tanto o Jornal Nacional quanto o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral mobilizaram compreensões convencionais sobre a mulher, ancoradas sobretudo na fusão entre mulher e maternidade, mas presentes também nas formas seletivas de expor o corpo, a autoapresentação e a vida familiar e privada de candidatas e candidato. De fato, uma eleição com duas candidatas mulheres entre as principais alternativas consideradas pelo eleitorado fez com que temáticas relacionadas à mulher entrassem em jogo de forma mais direta no ambiente eleitoral, mesmo quando não eram o foco principal dos discursos. Mas o que se percebe é a reprodução de entendimentos convencionais sobre o que é ser mulher e ser mulher na política - sem dúvida tensionadas pelas trajetórias de mulheres que não são a expressão de convenções, mas também pelo modo como os estereótipos de gênero atravessam diferentes espaços e são mobilizados pelos atores políticos (e, nessas eleições, como é atestado pela temática do aborto, pelos atores religiosos). Ainda que essa mobilização se dê de maneiras distintas, e possa ser considerada como recurso estratégico nas campanhas, ela foi um fator na construção dos sentidos casados do gênero e da política nessa eleição.

O mais interessante talvez seja justamente a persistência dessas representações quando sabemos que a posição das mulheres em sociedades como a brasileira se modificou bastante nas últimas décadas. Como nos índices sociais - em que os rearranjos incluem, por exemplo, um acesso maior das mulheres à educação, relativamente aos homens, com a permanência de um acesso menor a renda e emprego formal, comparativamente com eles - parece haver uma reorganização das relações de poder que não corresponde à superação das desigualdades de gênero e do sexismo. A persistência da acentuada sub-representação das mulheres na política, enquanto temos uma mulher na Presidência da República, é um indício de como os novos-velhos padrões se configuram hoje. O debate sobre aborto no Brasil, que esteve presente nas eleições de 2010 e vem sendo mais uma vez um tópico na de 2014, explicita, por sua vez, o recuo das visões progressistas sobre a autonomia das mulheres diante de visões e práticas que procuram deslegitimar o direito igual de mulheres e homens à autodeterminação.

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    Este artigo teve como base a pesquisa realizada para a dissertação de Mestrado de Fernanda Ferreira Mota, defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade de Brasília em 2013. Beneficiou-se das críticas e comentários feitos pelas participantes do GT de Comunicação e Política do XXIII Encontro Anual da Compós (Belém, 2014) e pelos/as pareceristas anônimos/as da revista cadernos pagu. Registramos aqui nossos agradecimentos.
  • 2
    A partir dos dados do Tribunal Superior Eleitoral, disponíveis em <http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-anteriores/eleicoes-2010/eleicoes-2010>. Acesso em 26 ago 2013.
  • 3
    Beneficiamo-nos, aqui, da discussão sobre ideologia e estereótipos feita em Biroli (2011)______. Mídia, tipificação e exercícios e poder: a reprodução dos estereótipos no discurso jornalístico. Revista Brasileira de Ciência Política nº 6, Brasília, Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, 2011, pp.71-98..
  • 4
    Para Mantovani (2013)______. Os limites da controvérsia do aborto na agenda eleitoral de 2010: um estudo sobre o agendamento da mídia. Textos para discussão, nº 4, Grupo de Pesquisas sobre Democracia e Desigualdades - Demodê, 2013., a temática do aborto fez parte das disputas na campanha eleitoral de 2010 já no primeiro turno, presente na internet nas redes sociais, nos blogs e, fora da rede, em panfletos que circularam como estratégia de apoiadores do candidato José Serra (PSDB). Mas foi a partir da última semana de setembro, quando ficava mais evidente que haveria segundo turno, que a posição das/os candidatas/os sobre o aborto se tornou um tópico da cobertura jornalística.
  • 5
    Conferir, entre outros, Albuquerque (1994)______. A campanha presidencial no Jornal Nacional. Observações Preliminares. Comunicação & Política nº 1, Rio De Janeiro, Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos, 1994, pp.23-40., Lima (2004______. Mídia: teoria e política. São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo, 2004. e 2007LIMA, Venício A. de (org.) A mídia nas eleições de 2006. São Paulo, Editora da Fundação Perseu Abramo, 2007.), Miguel (2002MIGUEL, Luis Felipe. Política e mídia no Brasil: episódios da história recente. Brasília, Editora Plano, 2002. e 2004______. A descoberta da política - a campanha de 2002 na Rede Globo. In: RUBIM, Antônio A. C. (org). Eleições presidenciais em 2002 no Brasil. São Paulo, Hacker, 2004.) e Porto (2007)PORTO, Mauro. TV news and political change in Brazil: The impact of democratization on TV Globo's journalism. Journalism 8(4), Maryland, USA, Journalism Studies Division of the International Communication Association, 2007, pp.363-384..
  • 6
    Entre outros, cf. Kahn (1996)KAHN, Kim Fridkin. The Political Consequences of being a Woman: How Stereotypes Influence the Conduct and Consequences of Political Campaigns. New York, Columbia University Press, 1996., Iyengar (1997)IYENGAR, Shanto et al. Running as a Woman: Gender Stereotyping in Political Campaigns. In: NORRIS, Pippa (ed.). Women, Media, and Politics. Oxford, Oxford University Press, 1997, pp.77-98., Miguel e Biroli (2011)MIGUEL, Luis Felipe e. BIROLI, Flávia Caleidoscópio convexo: mulheres, política e mídia. São Paulo, Editora da Unesp, 2011..
  • 7
    Vale lembrar que situação semelhante ocorreu com Lula nas eleições presidenciais de 2002. O HGPE nessas eleições também conseguiu firmar uma imagem nova do candidato.
  • 8
    Para análises mais abrangentes das entrevistas no JN nas eleições de 2010, que as abordam de maneiras distintas, cf. Albuquerque (2011)ALBUQUERQUE, Afonso. Em nome do público: jornalismo e política nas entrevistas dos presidenciáveis ao Jornal Nacional. Paper apresentado ao Grupo de Trabalho Comunicação e Política do XX Encontro da Compós, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011. e Gomes (2013)GOMES, Wilson. Quem está no controle? Um estudo sobre as entrevistas com os candidatos à Presidência da República transmitidas nos telejornais da Rede Globo durante as eleições de 2010. Paper apresentado ao Grupo de Trabalho Comunicação e Política do XXII Encontro Anual da Compós, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2013..
  • 9
    Menciona os cargos de Secretária Municipal da Fazenda de Porto Alegre, Secretária de Energia do Rio Grande do Sul e, no âmbito federal, de Ministra de Minas e Energia e Ministra da Casa Civil.
  • 10
    A referência aqui é à noção de controvérsia legítima tal como é definida por Hallin (1989)HALLIN, Daniel. The "uncensored war": the media and Vietnam. Berkeley e Los Angeles, University of California Press, 1989.. Ela é explicada e mobilizada, em entendimento semelhante ao que apresentamos aqui, em Biroli (2013a)______. Limites da política e esvaziamento dos conflitos: o jornalismo como gestor de consensos. Revista Estudos Políticos nº 6, Rio de Janeiro, Núcleo de Estudos em Teoria Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2013a, pp.126-143..

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    12 Fev 2014
  • Aceito
    29 Set 2014
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