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Em busca da cegonha: “tentantes”, “instamigas” e possíveis ativismos em redes sociais*

In Search of the Stork: “Seekers”, “Instafriends” and Possible Activisms in Social Networks

Resumo

Pessoas que estão tentando ter filhos têm acessado redes virtuais e se identificando através da categoria “tentante”. Esse movimento se insere na ativação de redes sociais na busca por informações. Há na busca de redes sociais por “tentantes” uma quebra da regra de silêncio que permeia a infertilidade e o uso de reprodução assistida. Tais práticas foram, frequentemente, agenciadas por tabus, segredo e inseridas na esfera da intimidade. Nesse artigo nos propomos a refletir sobre como a criação de grupos e canais de tentantes em redes sociais pode ser vista ora como um fórum de busca de informações especializadas, ora como uma prática de ativismo virtual visando através de redes de biossocialidade desmistificar e eliminar os preconceitos relacionados à infertilidade. No entanto, a centralidade de mulheres como protagonistas desses canais e postagens parece manter um desses tabus: a culpabilização e a responsabilização das mulheres pela infertilidade. Para compreendermos esse complexo universo, analisaremos as trocas e as publicações no Instagram a partir do perfil de duas tentantes. Nossa aproximação com essas publicações problematiza o modo como as postagens agenciam práticas e têm impacto no universo on/offline. “Curtidas”, emojis e “intamigas” nos permitem uma chave para compreender como a tecnologia mais do que mediar relações, as constrói.

Tentantes; “instamigas”; ativismo virtual; infertilidade

Abstract

People who are trying to have children have accessed virtual networks and identified themselves in the "seeker"[tentante] category. This movement is part of the activation of social networks in the pursuit for information. In this search, the "seekers" are breaching the rule of silence that permeates infertility and the use of assisted reproduction. Such practices were often managed by taboos, secrecy and inserted in the sphere of intimacy. In this article we propose to reflect on how the creation of groups and channels of “seekers” in social networks can be seen sometimes as a forum for obtaining specialized information, and sometimes as a practice of virtual activism aimed at demystifying and eliminating taboos related to infertility. However, the centrality of women as protagonists of these channels and posts seems to maintain one of these taboos: women's blame and accountability for infertility. To understand this complex universe, we will analyze Instagram exchanges and publications from the profile of two seekers. We'll analyze how posts agency practices and impact on / offline universe. Likes, emojis and “instafriends” allow us a key to understanding how technology, rather than mediating relationships, builds them.

Seekers”(Tentatantes; “Instafriends”; Virtual Activism; Infertitity

Introdução

A comunicação social mediada pela internet através de aparelhos eletrônicos e computadores não é um fenômeno recente. A proliferação de redes sociais permite interações em tempo real e produz meios de sociabilidades específicos, que reproduzem o universo offline.

Nesse artigo examinamos as práticas de compartilhamento nas redes sociais específicas para pessoas que vivenciam a realidade de tentar ter filhos, pessoas estas que se autodenominam “tentantes”. Tentantes são mulheres1 1 No início dessa pesquisa deixamos essa categoria aberta para a possibilidade de homens se colocarem na condição de tentantes. Em um survey exploratório quase a totalidade das respondentes eram mulheres (apenas 01 do universo de 32 respondentes, era homem). Além disso, nas postagens analisadas todos os comentários e reações eram de perfis de mulheres. Apesar desses dados não excluírem a possibilidade da existência de tentantes homens, no nosso recorte a pesquisa contemplou apenas mulheres. que estão tentando ter filhos com ou sem a ajuda de novas tecnologias reprodutivas – NTR – mas comumente esse termo está associado ao uso dessas tecnologias. Acompanhando as tentantes nas redes sociais é possível notar que há uma gradual migração dos métodos de concepção “artesanais” e “naturais”2 2 Chás (uxi amarelo, unha de gato, entre outros), tabelas (de ciclo menstrual, ovulação e temperatura basal), alimentos (abacaxi para a nidação, por exemplo) e suplementos alimentares (tubérculos mexicano, um regulador hormonal, por exemplo) fazem parte do vasto universo de técnicas que as tentantes fazem uso para maximizar suas chances de alcançar uma gravidez. para o universo da medicalização3 3 Nesse campo entram em cena os exames para diagnóstico (bateria de exames de sangue, rastreamentos genéticos, reserva ovariana, histerossalpingografia, entre outros), as cirurgias (videolaparoscopia para a tratamento de endometriose é uma das mais comuns) e os tratamentos hormonais (como os de estimulação ovariana para a FIV(fertilização in vitro)). culminando com a reprodução assistida (RA). Nesse sentido é importante demarcar que a infertilidade4 4 Na antropologia, preferimos nos referir a ausência involuntária de filhos (childlessness), termo cunhado por Leonard (2002). enquanto categoria biomédica não está sempre presente nas postagens e na autoidentificação das tentantes. É possível que uma mulher se identifique como tentante desde o início da busca pela gravidez e não relacione o “tentar engravidar” com infertilidade. No entanto, quando essa busca por uma gestação se prolonga5 5 A percepção do tempo de espera pela gravidez é muito relativa. Pessoas podem esperar pacientemente por anos, sem sentir o peso da infertilidade e outras podem acreditar que são inférteis apenas seis meses após o início das tentativas. , a associação com a infertilidade costuma ser muito frequente.

Para esta investigação realizamos uma pesquisa de orientação etnográfica, baseada na atualização da observação participante para o mundo virtual, através de plataformas virtuais, conhecidas como redes sociais6 6 Para mais informações sobre os métodos de pesquisa e detalhamento dos procedimentos de acesso a todas as redes sociais visitadas, ver Iumatti Freitas (2019). , analisando especificamente as interações no Instagram. Nesta plataforma nos deparamos com linguagens específicas da área da saúde, assim como de tecnologias de comunicação, tendo em vista o recorte específico em transitar pelas interações em mídias sociais de pessoas com ausência involuntária de filhos. Para tanto, iniciaremos nossa discussão com um aprofundamento teórico e prático da peculiaridade desse universo para refletir acerca da etnografia virtual.

Discorreremos sobre a etnografia online, os desafios e estratégias metodológicas para essa pesquisa e a ênfase nas interações entre as tentantes no Instagram. Nos aproximamos da categoria “instamigas” e as trocas entre as tentantes nesta rede social a partir de dois perfis, um bastante consolidado e outro recente no momento da pesquisa. Categorizamos as publicações das nossas interlocutoras e analisamos alguns exemplos mais relevantes. Essas publicações abordam temas altamente especializados como a gravidez ectópica, exames específicos para Fertilização in Vitro (FIV) e destacam a solidariedade entre as tentantes na rede social. Esse universo protagonizado por mulheres é problematizado a partir de suas falas sobre a infertilidade e também sobre as camadas de ocultamento e privacidade que um certo uso da rede social lhes permite dispor. A pergunta sobre a solidariedade e ativismo virtual é tensionada a partir das “operações”, “campanhas” e engajamentos públicos que as tentantes acionam na busca por filhos.

Etnografia online: desafios e trânsitos teórico-metodológicos

A internet foi a mediadora da pesquisa, tendo ela a função de permitir o acesso ao campo que desejamos pesquisar: as interações viabilizadas pela comunicação online. As redes sociais, com suas convenções de compartilhamentos, foram espaços plenos de desafios para entender como se davam as interações entre aquelas pessoas que utilizavam estratégias de comunicar suas experiências, mobilizando catarses e trocas, e assim formavam redes de solidariedade. A etnografia online, ciberetnografia ou etnografia virtual desafia concepções de encontro etnográfico e percepções acerca das subjetividades de pesquisadores que se aventuram nesse universo.

Em 1994, na emergência da primeira onda de popularização do acesso à internet, Arturo Escobar (1994)ESCOBAR, A. Welcome to Cyberia: Notes on the Anthropology of Cyberculture. Current Anthropology, 35(3), 1994, pp.211–231. escreveu sobre os desafios que essa mudança tecnológica estava trazendo para a antropologia. Na sua abordagem, a “cibercultura” estava acarretando mudanças no modo como compreendemos a modernidade. Um dos pontos centrais de sua argumentação está em mergulhar nas produções dos estudos sociais da ciência, um campo também emergente na época, e advertir o leitor para o fato que essas tecnologias não são neutras.

Miller e Slater (2004)MILLER, Daniel. SLATER, Don. Etnografia on e off-line: cibercafés em Trinindad. Horizontes Antropológicos – antropologi@Web. Porto Alegre - RS, 2004, pp.41–65. discutem uma abordagem a partir das relações on e offline. Para os autores “[...] a etnografia compreende um leque de canais metodológicos [...] que permitem que emerjam não só conhecimentos mais profundos como também conhecimentos que não confirmam as observações iniciais” (Miller e Slater, 2004MILLER, Daniel. SLATER, Don. Etnografia on e off-line: cibercafés em Trinindad. Horizontes Antropológicos – antropologi@Web. Porto Alegre - RS, 2004, pp.41–65.:44).

Esses autores afirmam que deverá existir uma maneira de reiterar a esfera de interação “partindo do compromisso maior de se relacionar o fenômeno a contextos mais amplos (independentemente de como foram definidos)” (Miller e Slater, 2004MILLER, Daniel. SLATER, Don. Etnografia on e off-line: cibercafés em Trinindad. Horizontes Antropológicos – antropologi@Web. Porto Alegre - RS, 2004, pp.41–65.:45). Portanto, nessa pesquisa nem a internet foi considerada um objeto isolado, nem o universo de pessoas com ausência involuntária de filhos foi visto como um evento autocontido. Nesse sentido, procuramos inter-relacionar em suas especificidades os contextos que nos eram dados, entendendo que os usos tecnológicos de redes sociais e relacionamentos de ajuda mútua entre pessoas com ausência involuntária de filhos mediados pela internet não estão inteiramente descolados, demandando uma atenção etnográfica minuciosa.

Diante disso, realizamos a pesquisa com foco em três redes sociais que figuravam entre as mais difundidas e populares no momento da pesquisa: Instagram, Facebook e YouTube. A pesquisa foi realizada através do navegador Mozilla Firefox e por aplicativos para dispositivos móveis disponíveis pela Apple ou para Android, através de perfis, grupos e canais. No entanto, para esse artigo nos debruçaremos nas interações de tentantes no Instagram.

Delinear um universo de pesquisa que se propõe ter interlocutores/as que se comunicam em redes sociais compreende lidar com transitoriedades, tendo em vista que o fluxo de entradas e saídas de perfis de redes sociais é intenso. Nosso universo também contemplou um público que, em sua maioria, está numa condição transitória – pessoas que estão “tentando” ter filhos. Nesse sentido é muito comum que esta condição esteja latente, próxima ou não da mudança do status de “tentante” para outros status como pessoas com filhos (mães e pais) e/ou sem filhos.

Essas interações destacam um modo particular de encarar o desafio da ausência involuntária de filhos e revelam limites e possibilidades de um ativismo virtual centrado no desejo de filhos. Examinaremos na próxima seção os modos de interação possíveis no Instagram.

Entre “instamigas”: as interações no Instagram

O Instagram é caracterizado por ser uma rede social virtual disponível para aplicativos móveis do sistema Android ou IOS (Apple), que permite aos usuários o compartilhamento em tempo real de fotos associadas a textos, e comumente são sucedidos de palavras-chave conhecidas como hashtag, representadas pelo símbolo do jogo da velha(#). Segundo Almeida; Coelho et. al (2018) “hashtags são marcações utilizadas para criar determinada discussão e agrupar todas as discussões que fazem uso dessa marcação, provenientes de diferentes fontes (perfis), em ordem cronológica” (Almeida; Coelho et. al, 2018:126). As hashtags funcionam como marcadores que permitem outros usuários a localizar determinado conteúdo, o agrupando de acordo com as palavras definidas por elas7 7 Enquanto as hashtags são utilizadas no Instagram, em outras redes sociais, como o Facebook, grupos fechados são destinados às pessoas que se identificam com essas condições. .

Essa mídia social passou a ser associada pelos chamados “influenciadores digitais” e/ou empresas para a divulgação de serviços ou produtos a serem consumidos pelo público, que geram engajamento em suas postagens através de curtidas, comentários, republicações e marcações/recomendações de outras pessoas as quais os estudiosos em marketing e publicidade chamam de boca a boca. De acordo com Almeida; Coelho et. al (2018) “em função de suas características sociais e colaborativas, redes sociais virtuais são espaços perfeitos para a prática do boca a boca eletrônico, na forma de conversas e recomendações on-line” (Almeida; Coelho et.al, 2018:120), esse tipo de estratégia de marketing facilita a venda de produtos e a influência por meio de marcas e oferta de serviços. Desse modo, a partir do mapeamento dos “tags” buscados, visualizados e seguidos por um usuário do aplicativo é construído uma espécie “shopping center virtual”, no qual serviços e produtos são vendidos entre as postagens visualizadas.

Assim, o engajamento seria a medida do relacionamento entre os seguidores e as postagens de cada perfil, semelhante ao que acontece com outras plataformas como YouTube e Facebook8 8 Para informações sobre as interações e modos de cálculo dessas plataformas ver Iumatti Freitas (2019). . Através dos algoritmos a plataforma associa as curtidas, os compartilhamentos, comentários e marcações para medir o nível de engajamento que um perfil tem.

Mapeamos9 9 O mapeamento foi realizado utilizando a ferramenta de busca da própria plataforma para filtrar os perfis que se relacionassem com o tema de pesquisa, com as palavras-chave: Infertilidade, Reprodução Assistida, Cegonha e Tentantes os perfis que estavam conectados com o interesse dessa pesquisa através de uma conta chamada “pesquisa tentantes” como forma de possibilitar nossa interação junto a pessoas que compartilhavam as suas experiências de ausência involuntária de filhos e delimitar claramente o nosso lugar enquanto pesquisadoras. Esse perfil possuía 107810 10 Dados do dia 03 de março de 2018. seguidores e 452 postagens (compartilhávamos atividades cotidianas, experiências com médicos e mensagens motivacionais)11 11 Este perfil foi criado e gerenciado pela segunda autora. O elevado número de seguidores e postagens se deve a aproximação pessoal da autora com o tema. Para mais detalhes dessa aproximação e suas implicações metodológicas ver Iumati Freitas (2019). .

Nossa análise se direciona para dois perfis12 12 As autoras desses perfis concordaram em participar dessa pesquisa e permitiram que fizéssemos a coleta e análise de suas postagens e interações. , um perfil bastante consolidado (Cegonha: 21.100 seguidores e 732 postagens13 13 Dados do dia da primeira observação (26 de fevereiro de 2018). ) e um “novo perfil” (Tentante: 726 seguidores e 60 postagens14 14 Dados de 02 de agosto de 2018. ). Foram observados nessa rede social, os tipos de postagens, seus conteúdos, as informações e de que maneira o público reage através dos comentários. Para acessar e entender as interações, mapeamos os comentários em número e conteúdo.

Cegonha é jornalista, casada e tinha 35 anos quando criou seu perfil de Instagram. Ela era tentante há 03 anos e estava em busca de tratamentos para engravidar, porém, descobriu endometriose, motivo pelo qual acredita que suas tentativas anteriores não foram bem-sucedidas. No recorte temporal escolhido para análises de interações, Cegonha estava se preparando para realizar um procedimento cirúrgico, que culminou na retirada de focos de endometriose. Atualmente a Cegonha tem 01 filho.

Tentante é dona de casa, casada, tinha 31 anos quando decidiu compartilhar seus itinerários terapêuticos para engravidar no Instagram. A Tentante teve 02 perdas gestacionais causadas por Gestações Ectópicas - gestações que ocorrem fora do útero. Ela é tentante há 09 anos e já realizou 01 Fertilização in Vitro - FIV, não obtendo resultado positivo. Tentante tem endometriose, trombofilia e perdeu uma trompa numa das perdas gestacionais. No momento da pesquisa Tentante estava em tratamento para realizar nova FIV.

Cegonha escreve suas postagens em formato de cartas e muitas delas são construídas a partir de uma narrativa descontraída e criativa. Ela envia convites para “a” cegonha lhe fazer uma visita, oferece jantar e roupas quentes para os dias mais frios por exemplo. Na espera por sua visita, essas postagens giravam em torno de perguntas e brincadeiras, de forma lúdica e até mesmo poética, com o fato de não ter sido escolhida para a entrega do bebê pela “Dona Cegonha”, como na postagem reproduzida abaixo:

Querida cegonha, ontem fiz confusão e esqueci de te comunicar, geralmente te escrevo da Capital, mas vim passar o feriado com meus pais no interior. Achei que, desta forma, você teria mais possibilidades de me encontrar. espero que você não tenha se confundido...e não tenha ido para a Capital justamente nestes dias. Você sabia que fizeram uma homenagem para você aqui? Esta estátua se chama bebê esperança. Diz a lenda que, as mulheres que passarem a mão no pé dela, logo, logo, receberão a sua visita. Claro que passei a minha mãozinha nos pés, na perna, na saia, na barriga e, mais tarde, vou levar uma escada e me atirar no pescoço dela! Não pense que é exagero... É só precaução! #cartinhasparaacegonha#vemcegonha #tentandoengravidar#gravidez #vemcegonhavem#estatuaparaacegonha #interior

Já a Tentante inicia seu perfil com um caráter religioso, sendo comum a postagem de passagens bíblicas e as poucas15 15 Essa pouca interação deve-se ao fato do perfil ser recente, logo, com menos seguidoras, as interações são menores que as interações de um perfil com muitos seguidores. interações nas suas postagens, têm o mesmo cunho. A religiosidade é comumente ativada nos tratamentos de infertilidade. Autoras que têm explorado esta questão afirmam que não há uma conexão direta entre a fé e uma devoção e práticas religiosas mais conservadoras (Franklin, 1995FRANKLIN, Sarah. Science as Culture, Cultures od Science. Annual Review of Antropology, 24, 1995, pp.163-184 [].http://www.jstor.org/stable/2155934
http://www.jstor.org/stable/2155934...
; Franklin & Ragone, 1998FRANKLIN, Sarah; RAGONE, Helena (ed.). Reproducing reproduction: kinship, power, and technological innovation. University of Pennsylvania Press. Philadelphia, 1998.). Mas, as mesmas autoras afirmam que há nas práticas de RA a necessidade de acreditar em milagres e ter fé de que eles acontecerão em breve.

Eu estou sentindo, que está chegando. Uma novidade na minha vida. E uma promessa tão esperada, tão desejada tão chorada. Que está chegando uma novidade, uma novidade... Nunca desistam, Deus nunca esquece das promessas que ele te prometeu, espera no tempo de Deus e vc nunca irá se decepcionar. #vemPositivo2018 #MeuBebe”

A segunda maior categoria de postagens da Tentante são as informações sobre tratamentos médicos. Nestas postagens, a interlocutora realiza publicações de cunho especializado, tratando sobretudo de Gestação Ectópica, tipo de gravidez que inviabiliza a gestação dada a impossibilidade do desenvolvimento do embrião, que em geral se aloca nas trompas de Falópio, mas também pode ocorrer nos ovários ou até mesmo na cavidade abdominal. Tentante teve duas Gestações Ectópicas, motivo pelo qual, suas postagens traziam esse foco.

Para Pereira Neto et. al (2015), essa narrativa que foca em informações especializadas, se refere ao “paciente informado”, ou seja, “alguém que se sente inteirado sobre sua condição de saúde, devido ao acesso e à troca de informações e à experiência derivada do convívio com a doença” (Pereira Neto et. al., 2015:1655). Para os autores esse deslocamento do saber médico empoderou os/as pacientes no sentido de discussão, entendimento e até mesmo contestação de diagnósticos e profilaxia. Abaixo selecionamos uma publicação, na qual ela fala sobre a gravidez ectópica.

É POSSIVEL TER PARTO NORMAL APÓS A ECTÓPICA? A RESPOSTA É SIIIIIIIIIIIIIIIIM! Nós não fizemos uma Cesárea como costumamos falar (usamos esse termo por ser mais simples das pessoas entender). Nós fizemos uma Laparotomia ou seja, foi feito somente uma abertura cirúrgica na cavidade abdominal, não houve corte no útero! A cesárea sim é realizada para tirar um feto de dentro do útero! Então pra ser mais óbvia. A cirurgia laparotomia não impede a mulher de ter um parto normal. Não é contado como cesárea. Caso você não tenha cesáreas anterior, ou alguma complicação na gestação, a laparotomia não te impede de ter um parto normal. A LAPAROSCOPIA a cirurgia por vídeo (furinhos na barriga) também não impede parto normal.

Essa publicação recebeu 14 curtidas16 16 “Curtir” as publicações é um elemento central nas redes sociais. Diferente do Facebook, que popularizou o “like”, seguido do símbolo 👍🏻(polegar em riste), como modo de apreço virtual. No Instagram o curtir é dado através do símbolo ♡ (um coração), representando o “love”. e foi comentada conforme a interação a seguir:

Instamiga1: E a cesárea impede? Tive duas gravidezes ectópicas, a primeira fiz laparoscopia e na segunda fiz cesariana 😔

Tentante: @instamiga1 😱 eu tbm tive 2 em 2014 fiz a cirurgia (Cesária) de retirada da trompa direita, 2 foi na esquerda em 2017 como descobri no início fiz uso da medicação Metotrexato 10 dias internada, tomei uxi amarelo Unha gato e tbm fiz a massagem desobstrução da trompa....6 meses depois fiz exames a trompa está OK permeável

Tentante: @instamiga1 VC engravidou normal depois ectópica? Ou fez algum tratamento?

Instamiga1: @tentante eu tive a primeira em 2015, na trompa direita, fiz a laparoscopia e conseguiram conservar a trompa , em 2016 engravidei novamente na mesma trompa (direita) c isso ela se rompeu e tive q tirá-la, me restando só a esquerda q estava obstruída, depois fiz um tratamento chamado hidrotubação que desobstrui e trata as trompas e agora estou tentando naturalmente.

Instamiga1: Vi que vc teve fiv negativa, tenha cuidado, geralmente quem teve gravidez ectópica a causa é por infecção bacteriana, e esta terá q ser tratada, pq essas bactérias impedem a implantação e causam até aborto 😉

Tentante: @instamiga1 antes de das início a Fiv e necessário fazer uma bateria de exames... foi isso que fiz exames de sangue, solorogia, mutações, ultrassom total, transvaginal, mama, histerossalpingografia (raio x trompa) secreção Vaginal, cardiorico G em vários exames ... E graças a Deus nada.

Tentante: Nem um tipo de infeção, bactéria nada.... Alteração foi a trombofilia que precisava toma coagulante antes da tec e foi que fiz tomei 3 dias antes da transferência embrião....

Tentante: Vou fazer uma nova investigação pra saber a falha da implantação do embrião já pra 2 tentativa, depois do meu Negativo eu fiz ressonância Magnética da Pélvica onde foi visualizado micropolicisto e endometrioma todos micro, minha reserva ovariana e boa 4,61

Instamiga1 Eu sei que se faz uma bateria de exames, eu já fiz vários orçamentos e tenho várias amigas q fizeram Fiv. Todas essas tiveram o negativo na Fiv, e pasme, depois que os maridos fizeram espermocultura por PCR foi diagnosticado várias bactérias, inclusive clamídia e que não foi detectado no sangue. Se o seu está ok, ótimo, só estou dando um alerta pq as vezes a investigação não é tão bem feita em alguns lugares, e não custa nada trocarmos informações, bjs e boa sorte p nós, em breve teremos nossos milagres.

Tentante: @instamiga1 Obrigada 😊 vamos sim! Deus nos abençoe!

A obtenção e troca de informações mediadas pela internet possibilitaram ao paciente um conhecimento mais aprofundado acerca da sua condição de saúde, tratamento de enfermidades entre outras, empoderando-o, conforme aludiram Pereira Neto et. Al (2015). Nessa publicação Tentante dialoga, a partir da experiência de gravidez ectópica, sobre um dos mitos que minam as tentativas de parto “natural” ou vaginal. Segundo a OMS, a realização de uma cirurgia cesariana não é indicação de parto cesáreo para partos subsequentes (Hirsch, 2014HIRSCH, Olívia Nogueira. O parto “natural” e “humanizado”: um estudo comparativo entre mulheres de camadas populares e médias no Rio de Janeiro. Civitas – Revista de Ciências Sociais. 15 (2), 2014, pp.229-249 [https://doi.org/10.15448/1984-7289.2015.2.17933 – acesso em 01 de setembro de 2019].
https://doi.org/10.15448/1984-7289.2015....
; Vogt et al., 2011VOGT, Sibylle Emilie; DINIZ, Simone Grilo; TAVARES, Carlos Mendes; SANTOS, Nagela Cristine Pinheiros; SCHNECK, Camila Alexsandra; ZORZAM, Bianca e t.al. Características da assistência ao trabalho de parto e parto em três modelos de atenção no SUS, no município de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 27 (9), 2011, pp.1789–1800 [https://doi.org/10.1590/S0102-311X2011000900012 – acesso em 01 de setembro de 2019].
https://doi.org/10.1590/S0102-311X201100...
). Ainda que Tentante fale de cesariana como laparotomia, sua reflexão faz eco à militância pelo parto humanizado e medicina baseada em evidências no Brasil.

Na interação entre Tentante e sua Instamiga1, podemos notar que elas partilham de um histórico de tentativas de gestação bastante semelhante. No entanto, as alertas da Instamiga1 e a resposta marcadamente informada de Tentante parecem situar uma disputa pela informação mais precisa que parece levar também a uma hierarquia entre as tentantes (Iumatti Freitas, 2019IUMATTI FREITAS, Camilla. No mundo das Cegonhas: Aspectos sobre redes de solidariedade entre pessoas com ausência involuntária de filhos. Dissertação de mestrado, Antropologia, UFAL, 2019.).

Dessa disputa pela detenção das informações e procedimentos mais precisos fica a questão se é possível que essas trocas de informações interfiram na relação médico/paciente. Vejamos a troca de Cegonha com suas “instamigas” sobre um procedimento indicado por um médico.

Querida cegonha, hoje tenho que confessar que acordei desanimada. Na verdade ontem à noite nem quis te escrever porque estava sem vontade... Achei que, na minha consulta, o médico iria entender minha agonia nestes anos de espera e iniciar o tratamento para a fertilização... Claro que ele entendeu, já está super acostumado com mamães que demoram para receber a sua visita.. mas como ainda não encontramos nenhum problema que me impeça de ter um bebê, ele sugeriu que eu faça uma videolaparoscopia e, depois, tente engravidar normalmente por mais seis meses. Foi isso mesmo que você leu, seis meses! Fiquei muito em dúvida se devo fazer este exame ou se devo ir direto para a fertilização. Se você me respondesse, poderia saber qual a sua opinião... O que você acha que eu deveria fazer? Estou muuuiiitttooo confusa.... E, para ser bem sincera, não aguento mais esperar... Será que você poderia, por gentileza, me dar alguma dica??? Não precisa me mandar uma carta, manda só um torpedo... Pode ser só uma letra que eu vou entender V ou F?

#cartasparaacegonha#consulta #cartinhasparaacegonha#gravidez #fertilizacaoinvitro#tentantes #instatentantes #fiv#videolaparoscopia #duvidas#fertilitat

Essa publicação recebeu 48 curtidas e os seguintes comentários:

Instamiga1:Querida, vc está em SP? Já ouviu falar na Dra. Fulana de Tal? Foi minha médica. É maravilhosa!

Instamiga2:não entendi o porque da indicação da vídeo... Bom, minha opinião é tentar a fiv primeiro, até pra saber como responderá teu organismo. Minha irmã recebeu indicação de vídeo tb, mas optou pela fiv e conseguiu... Claro que cada caso é um caso... Mas como disse a @instamiga_perfil_apagado, se vc não tem cisto, mioma, etc... Tb não entendi a indicação... Consulte uma segunda opinião! 😘

Instamiga3:Oie querida. Sei o quanto essa espera é angustiante e as vezes até desesperadora com o passar dos meses sem o positivo. Te desejo toda a sorte e que nesse momento de dúvida Deus te guie pelo caminho certo e que seu milagrinho chegue logo para alegrar seu mundo. Não desanime nem desista às vezes a porta abre na próxima chave e não sabemos. 😉😘🙏

Instamiga4: vai dar tudo certo 😉

Instamiga5:Às vezes não entendemos o que pode ser melhor para nós, talvez o médico não queira que passe por isso agora, enfim, vc precisa ouvir seu coração e decidir o que será melhor nesse momento. Que Deus te ilumine! Continuo na torcida! :-)

Instamiga6:Você já fez a histerossalpingografia? Exames de trombofilia? Video histeroscopia com pesquisa de células Nk? Nunca vi médico indicar uma cirurgia sem precedentes. 😁

Instamiga7:Oi @cegonha meu caso tbm é assim, nós não temos nenhum problema diagnosticado, mas mesmo assim nada do meu milagre, daí meu médico me pediu pra fazer a videolaparoscopia (claro q já tinha feito todos os outros exames primeiro) então eu fiz, mas tbm não tinha nada. Fiquei decepcionada pois queria achar a causa... Sou tentante a 5 anos.

Instamiga8: Amiga, faça a video, conheço MTA mulheres que fizeram a video e no mês seguinte engravidaram.

Instamiga6:Eu falo por mim, fiz a vídeolaparoscopia a após a histerossalpingografia porque tinha as duas trompas obstruídas, o médico disse que não havia focos de endometriose, 2 meses depois fiz uma videohisteroscopia e a endometriose tava lá.

Cegonha:@Instamiga1:não estou em SP... fui em uma clínica em Poa que é referência neste tipo de tratamento. 😘😘

Instamiga1: Ótimo!

Cegonha: Muito obrigada, @Instamiga6 vou falar com o meu médico.

Instamiga9:Vai da tudo certo, estou torcendo e rezando por você 😔😌

Instamiga10: @cegonha vc viu minha história? Consegui engravidar no mês seguinte à vídeo... Estou rezando por vc, vai ser a melhor escolha Cegonha: Serio @Instamiga10?? Nossa meninas, vocês estão me dando muita força e muita esperança! 😘

Instamiga11:@instamiga11_marca_outra_amiga Instamiga12:Adorando seus textos! E torcendo p vc!

Cegonha: Obrigada pelo carinho @Instamiga12, que bom que você está gostando!

Cabe destacar que a publicação da Cegonha tinha como intuito expressar sua angústia em fazer um procedimento que a levaria a mais tempo “tentando”. Na interação com as “instamigas” surge uma polarização: aquelas que duvidam da indicação médica da videolaparoscopia e recomendam uma “segunda opinião”; e aquelas que tiveram experiências positivas com esse exame, descobrindo uma causa da infertilidade e até mesmo engravidando subsequentemente à realização do mesmo.

Há nessas passagens um deslocamento do saber médico como o único detentor de informação e autoridade. Na interação com as “instamigas”, são partilhadas informações bastante precisas acerca das indicações do procedimento. No entanto, parece pesar mais para a decisão favorável de Cegonha pelo exame a experiência positiva de algumas tentantes que, nas suas palavras, estão lhe “dando muita força e muita esperança”.

Essa análise nos permite concluir que as informações compartilhadas nessas mídias sociais próprias para determinados grupos, como as tentantes, ao passo que desequilibra a assimetria entre médico-paciente tão marcadamente imposta pela construção social da medicina, empodera as mulheres sobre as possíveis intervenções em seus corpos. Nesse ponto o que está em disputa é o acesso à informação precisa, que nada mais é que o reflexo sobre quem entre as tentantes está mais atenta sobre seus itinerários terapêuticos para engravidar. Assim, quanto mais e melhor informada, maior autoridade passa a ter no assunto.

Outra questão que merece destaque é a ênfase dada nas publicações para outras categorias de postagens como a “Vida Pessoal (VP)” e “Desabafo (D)” presente nos perfis das duas interlocutoras. Isso demonstra, juntamente com a categoria “Mensagem Motivacional (MM)” constituíam 43% e 30% das postagens de Cegonha e Tentante, respectivamente. Isso parece demonstrar que nossas interlocutoras utilizaram o Instagram para refletir sobre seu momento e compartilhar com suas seguidoras a intimidade, as oscilações, os medos e as angústias da vida de tentante.

Querida cegonha, esta pequena pilha que você pode ver pela imagem que envio, são apenas alguns dos exames que eu e meu marido fizemos nos últimos anos. Vários tubinhos de sangue, algumas ultras, testes, exames, exames, exames...até agora nada que impossibilitasse sua visita, foi diagnosticado. Nenhum médico consegue ter uma explicação para o seu descaso comigo. Semana que vem, como você já deve saber, terei uma nova consulta e, com certeza, mais exames... Aí eu pergunto, por que você não aparece? Não responde? Não me liga? Pelo menos manda algum sinal de vida. Ta, eu prometo não imprimir mais os exames que eu receber por email para economizar papel...mas, será que você poderia dar uma passadinha por aqui, antes que eles ocupem um armário inteiro ou, quem sabe até, por favor não, um cômodo da minha casinha?

#respondecegonha #meligacegonha#exames #examesparagravidez#tentantes #instatentantes #vembebe#queroengravidar #vemcegonhavem#vemcegonha #cartasparaacegonha#cartinhasparaacegonha

Nessa interação17 17 Essa interação foi curtida 35 vezes. , as instamigas também desabafam sobre o excesso de exames e os desconfortos físicos que alguns deles causam. Elas também se confortam e confiam coletivamente na visita próxima da cegonha.

As publicações sempre recebem “curtidas” e são comentadas pelas “instamigas”. Cegonha, um perfil consolidado, acumulou nas publicações analisadas uma média de 56 curtidas e 15 comentários. Já Tentante, contou com uma média de 17 curtidas e 1 comentário. Essa diferença de engajamento nos perfis das nossas interlocutoras revela a lógica publicitário-comercial com que o aplicativo coproduz as interações (Jasanoff, 2005JASANOFF, Sheila. Designs on nature: science and democracy in Europe and the United States. Woodstock: Priceton University Press, Priceton – NJ, 2005.). Quanto mais postagens, mais seguidoras alcançadas e maior interação. É interessante notar que o momento em que Cegonha passa a chamar suas seguidoras de “instamigas” é também o momento em que recebe mais curtidas e ocorre maior interação. Há também um maior engajamento da própria Cegonha, que cada vez mais a responde individualmente cada comentário que recebe.

O Instagram parece ser utilizado como um fórum público e íntimo, no qual se constrói e partilham coletivamente uma série de emoções e vivências da ausência involuntária de filhos. Nessas publicações, as “instamigas” parecem compartilhar com a interlocutora, suas frustrações e conquistas. Em uma dessas publicações, Cegonha celebrou a rede de apoio que pode contar em suas “instamigas”.

Querida cegonha, queria contar para você que estou muito feliz com este Instagram. Dá para ver daí o meu sorriso? Hoje, acordei desanimada e, através dele, consegui colocar para fora minhas angústias. Recebi muitas mensagens com sugestões e muito carinho para seguir em frente. Já estou bem melhor. Respirando e renovando as energias para os próximos passos. É realmente impressionante como ficamos tristes com as dificuldades de algumas e como comemoramos de verdade, cada vitória e cada positivo, destas guerreiras. Então, hoje, resolvi te mandar esta foto. Uma árvore cheia de corações. Imagine que cada coraçãozinho é uma mulher querendo ser mamãe. Imagine, o abraço gigante que você vai receber, se decidir fazer seu ninho nesta árvore. Prometo que iríamos nos controlar para não quebrar seus ossinhos... Para vocês, #instamigas , obrigada...de coração. #cartinhasparaacegonha#vemcegonhavem#tentandoengravidar #gravidez#respondecegonha #instamigas#coracoes #ninhoparaacegonha”

Na comunicação através das redes sociais é a interação que muitas vezes permite o fortalecimento da autonomia e superação em situações de medo, angústia e traumas. Por este motivo, proliferam as comunidades virtuais de situações específicas reunindo pessoas que compartilham dos mesmos dramas (Barros e Serpa JR., 2017; Frizzo et. al, 2017). Com as tentantes não é diferente.

Há, no entanto, uma especificidade das tentantes. A marca de uma condição que é vivida por ambos os sexos, que está sendo protagonizada apenas por mulheres nas interações do Instagram18 18 Não podemos afirmar como se configuram os fóruns que se centram no desejo por filhos no contexto de casais homossexuais e lésbicas. Ainda que tenhamos mantido aberta a possibilidade de participação de homens nessa pesquisa, o universo investigado contemplou apenas mulheres heterossexuais. . Nossas interlocutoras e suas instamigas são todas mulheres heterossexuais, casadas ou em união estável, vivendo a ausência involuntária de filhos. Nesses fóruns pouco se fala sobre os seus companheiros e, quando são mencionados, eles aparecem, comumente, numa posição passiva no polo de soluções para superar as questões impeditivas de filhos. Nas suas narrativas parece estar sob sua inteira responsabilidade as decisões e estratégias de procriação. São as mulheres que tomam chás e fazem exames. São as mulheres que, cansadas, pedem ajuda as suas amigas virtuais. São elas também que fazem piada com a condição de tentante.

Esse protagonismo feminino, prolixamente vivido através das redes sociais, é um importante passo para romper um dos principais estigmas da infertilidade: o segredo. No entanto, apenas mulheres falando sobre infertilidade acaba reforçando outro estigma da infertilidade: que este é um problema apenas feminino19 19 É importante ressaltar que nas interações em que acompanhamos os homens não eram sequer citados. É como se eles não fizessem parte do “casal infértil”. Para uma análise sobre como pesquisas e práticas em RA têm pensado a infertilidade masculina ver Allebrandt (2019) e para uma abordagem da infertilidade masculina em grupos populares, ver Nascimento (2011). . Decorre dessa lógica outras questões como: seria apenas responsabilidade das mulheres solucionar a infertilidade? Procriação e reprodução são preocupações apenas para as mulheres? Perpassam essas e outras questões a maternidade prescritiva como parte essencial do ser mulher. Uma relação combatida com entusiasmo pelas primeiras ondas do feminismo (Butler, 2003BUTLER, Judith. Problemas de Gênero. [S. l.]: Civilização Brasileira, 2003. E-book [https://doi.org/10.1007/s00417-002-0503-x].
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; Costa, 2004COSTA, Rosely. Gomes. O que a seleção de doadores de gametas pode nos dizer sobre noções de raça. Physis: Revista de Saúde Coletiva. 14 (2), 2004, pp.235-255 [https://doi.org/10.1590/S0103-73312004000200004 - acesso em 01 de setembro de 2019].
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; Rubin, 1993RUBIN, Gayle. O Tráfico De Mulheres: notas sobre a “economia política” do sexo. Recife: S.O.S Corpo, 1993. E-book.; Thompson, 2005THOMPSON, Charis. Making Parents – The ontological Choreography of Reproductive Tecnologies. The IT Press, Cambrigde, Massachusetts, 2005., Rohden, 2001ROHDEN, Fabíola. Uma ciência da diferença: sexo e gênero na medicina da mulher. Rio de Janeiro, Editora da FIOCRUZ, 2001. E-book.)⁠.

Nesse sentido, Vargas, Moás e Seixas (2016) afirmaram que “no que tange à reprodução humana, nesses mecanismos reguladores velados por uma demanda de auxílio ao tratamento médico, a fertilidade se inscreve em uma norma de gênero que incide sobre o corpo feminino” (Vargas, Moás e Seixas, 2016:65). Essas autoras levaram em consideração a subjetividade e a psicologização da reprodução, constatando que em consultórios médicos, assim como em espaços não medicalizados, como a família, por exemplo, a culpabilização da não reprodução recai sobre a mulher, seus desejos e suas condições psíquicas, o que vai além de condições fisiológicas.

Para além do cenário de silenciamento em torno da vivência da infertilidade, as tentantes acionam na internet grupos de partilha de interesses parecem abrir portas para a construção de mais do que redes sociais de solidariedade, iniciando caminhos de um ativismo virtual. Na próxima seção investigaremos mais de perto essa possibilidade.

Mais do que interações: solidariedade e ativismo virtual?

Durante muito tempo, o desejo de filhos e as tentativas de procriação foram um campo delimitado pelos muros da privacidade. Autores que se dedicaram a problematizar a infertilidade nos mais diferentes contextos, relataram o quanto havia uma esfera de segredo em torno das práticas de reprodução assistida e a condição de infertilidade (Allebrandt, 2008ALLEBRANDT, Débora. Encobrindo origens, descobrindo relações. Uma análise comparativa do anonimato de doadores de gametas na Reprodução Assistida. Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008.; Costa, 2004COSTA, Rosely. Gomes. O que a seleção de doadores de gametas pode nos dizer sobre noções de raça. Physis: Revista de Saúde Coletiva. 14 (2), 2004, pp.235-255 [https://doi.org/10.1590/S0103-73312004000200004 - acesso em 01 de setembro de 2019].
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; Franklin & Ragone, 1998FRANKLIN, Sarah; RAGONE, Helena (ed.). Reproducing reproduction: kinship, power, and technological innovation. University of Pennsylvania Press. Philadelphia, 1998.; Luna, 2004LUNA, Naara. Provetas e clones: teorias da concepção, pessoa e parenstesco. Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Museu Nacional/UFRJ, Rio de Janeiro – RJ, 2004 [http://teses.ufrj.br/PPGAS_D/NaaraLuciaDeAlbuquerqueLuna.pdf – acesso em 01 de setembro de 2019].
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; Duarte, 2004DUARTE, Luiz Fernando Dias. A sexualidade nas ciências sociais: leitura crítica das convenções. In. PISCITELLI, A.; CARRARA, S.; GREGORI, M.F. (eds.), Sexualidades e Saberes: Convenções e Fronteiras, Rio de Janeiro – RJ, Garamond, 2004, pp.38-80.; Moàs & Corrêa, 2010; Nascimento, 2011NASCIMENTO, Pedro F. G. De quem é o problema? Os homens e a medicalização da reprodução. In: GOMES, R. (org.). Saúde do homem em debate [online]. Editora FIOCRUZ, Rio de Janeiro – RJ, 2011, pp.157-174. ISBN 978-85-7541-364-7 [http://books.scielo.org – acesso em 01 de setembro de 2019].
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; Strathern, 1995STRATHERN, Marilyn. Shifting Contexts. M. Strarthen, Ed. London, 1995.; Tamanini, 2010TAMANINI, Marlene. Os desafios e implicações éticas para a pesquisa produzidos pela disseminação das novas tecnologias no campo biomédico. In: SCHUCH, Patrice; VIEIRA, Miriam S.; PETERS, Roberta. (ed.). Experiências, dilemas e desafios do fazer etnográfico contemporâneo, Porto Alegre – RS, Editora da UFRGS, 2010.; Thompson, 2005)THOMPSON, Charis. Making Parents – The ontological Choreography of Reproductive Tecnologies. The IT Press, Cambrigde, Massachusetts, 2005.. O fato de que as redes sociais permitem que algumas pessoas falem sobre sua condição de “tentantes” e dialoguem abertamente sobre a infertilidade nos leva a problematizar se há nessa atuação uma intenção de ativismo virtual ou bioativismo virtual.

É importante salientar que, embora cresçam fóruns sobre o assunto e a visibilidade de algumas tentantes seja expressiva, não acreditamos que as redes sociais expressem uma mudança radical no sentimento hegemônico de segredo e, muitas vezes, vergonha acerca da ausência involuntária de filhos e uso de técnicas de reprodução assistida. Sabe-se que o tema é cada vez mais lugar comum na nossa sociedade e as práticas médicas de RA são cada vez mais respeitadas. No entanto, concepções intimamente ligadas a uma sociedade machista, os papéis e responsabilidades ligados a reprodução e ao cuidado são muito estáveis (Duarte, 2004DUARTE, Luiz Fernando Dias. A sexualidade nas ciências sociais: leitura crítica das convenções. In. PISCITELLI, A.; CARRARA, S.; GREGORI, M.F. (eds.), Sexualidades e Saberes: Convenções e Fronteiras, Rio de Janeiro – RJ, Garamond, 2004, pp.38-80.; Fonseca, 1997FONSECA, Claudia. Ser mulher, mãe e pobre. In. DEL PRIORE, Mary. (Ed.), História das Mulheres no Brasil, São Lepoldo – RS, Editora Unesp, 1997, pp.510-553..; Martin, 1992MARTIN, Emily. The end of the body? American Ethnologist, 19(01), 1992, pp.121-140.; Ortner, 1996ORTNER, Sherry. Making gender: the politics and erotics of culture. Beacon Press, Boston, 1996.; Scoot, 1995; Strathern, 1995STRATHERN, Marilyn. Shifting Contexts. M. Strarthen, Ed. London, 1995..)

Além disso, a internet pode propiciar camadas de ocultamento da identidade das tentantes e se manter externa, em grande medida às vivências offline dessas mulheres. Cegonha, Tentante e grande parte de suas instamigas usam nomes “vocacionais” em seus perfis de Instagram. Trata-se de apelativos como “queromeubebê2018”, “vemcegonha2016”, “embuscadomeumilagre”, como exemplos. Nesses perfis, como é o caso de Cegonha e Tentante não temos acesso as suas informações pessoais. Não vemos fotos de seus rostos, de sua família e sua casa. Imagens estas que estão muito associadas a exposição de influenciadores digitais nas redes sociais. Cegonha passou a mostrar seu rosto após ter conseguido engravidar. Nesse momento, ela passou a publicar fotos de seu rosto e barriga semanalmente, acompanhando o desenvolvimento da gestação. Além disso, suas cartas para a cegonha foram reunidas em um livro, tornando Cegonha uma porta-voz das tentantes no Instagram e fora dele. Muito provavelmente é devido a esse papel que Cegonha aceitou fazer parte dessa pesquisa20 20 Muitos pesquisadores abordaram a recusa da participação em suas pesquisas. Nessa pesquisa encontramos uma série de entraves e camadas de ocultamento. Para mais informações sobre a recusa a participação ver Iumatti Freitas (2019). .

Falar sobre dificuldade de ter filhos e falar sobre o uso de tecnologias reprodutivas em qualquer espaço é um ato que demanda muita coragem. Diante das grandes mudanças no modo como os ativismos têm sido vividos, especialmente a partir da internet, perguntamos se a partilha de informações e vivências acerca da infertilidade são tomadas pelas pessoas que as publicam e as acessam como uma forma de ativismo virtual.

O ativismo está intimamente ligado a movimentos sociais coletivos. Quando pensamos em ativismo, quase imediatamente somos remetidos a movimentos políticos e democráticos. Quando falamos em ativismo virtual não é diferente. Movimentos recentes como a “primavera árabe”, “Occupy Wall Street” e “#elenão”, somente para citar alguns, foram amplamente articulados nas redes sociais.

No entanto, a utilização instrumental da internet tem aberto o campo dos ativismos virtuais para múltiplas esferas de atuação, atores e diversidade de causas. Segundo Campos, Pereira e Simões (2016) a internet como uma ferramenta21 21 Os autores atentam também para a internet como uma arena de conflito, apontando para os movimentos que propõe projetos de transformação social e tecnológica, como o combate a infoexclusão (Campos et al., 2016). à serviço dos movimentos sociais pode ser dividida em três tipologias: 1) ações transgressoras e tecnologicamente sofisticadas, através das quais o espaço virtual é o palco para o protesto em ações como hackerativismo; 2) ações voltadas para o interior dos próprios movimentos sociais permitindo a concentração da ação coletiva, criando websites e happenings em escala global; 3) ações de divulgação e difusão que são voltadas para um público geral.

Sobre este terceiro ponto os autores afirmam que

Esta utilização não exige competências técnicas particularmente sofisticadas e centra-se, acima de tudo, na propagação de mensagens em sites, blogues ou páginas de Facebook, que possam ser partilhados com um público generalista, potencialmente interessado. O espaço virtual surge então como um showcase que permite a explanação de discursos, projetos e causas, e a transferência de informação e conhecimento (Campos et al., 2016CAMPOS, Ricardo., PEREIRA, Inês, & SIMÕES, José Alberto. Ativismo digital em Portugal: Um estudo exploratório. Sociologia, Problemas e Práticas, v.82, 2016, pp.27-47. [https://doi.org/10.7458/SPP2016826977 - acesso em 01 de setembro de 2019].
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:31).

É nessa perspectiva que ocorre a atuação das tentantes no universo online. Suas publicações são um guia para outras mulheres que tentam compreender os processos pelos quais seus corpos estão se investindo. Muitas vezes, inspiradas pelas publicações de outras tentantes, iniciam também seus relatos públicos (Iumatti Freitas, 2019IUMATTI FREITAS, Camilla. No mundo das Cegonhas: Aspectos sobre redes de solidariedade entre pessoas com ausência involuntária de filhos. Dissertação de mestrado, Antropologia, UFAL, 2019.).

Como destacamos na categorização dos tipos de publicações de nossas interlocutoras, a troca de informações acerca de possíveis causas da infertilidade e o esclarecimento de dúvidas acerca de procedimentos médicos e exames é essencial para navegar o turbulento universo da busca de filhos e da RA.

Na publicação abaixo, Cegonha e suas “instamigas” compartilham as dificuldades de lidar com as constantes e intrusivas perguntas acerca dos filhos que ainda não chegaram.

Querida cegonha, ontem comprei este livro do Arnaldo Antunes, não sei se você conhece, ele é um grande artista por aqui e eu adoro as músicas que ele compõe e os textos que ele escreve. Quando eu terminar de ler, posso te emprestar. Bem, quando li esta poesia, até tirei uma foto para você ler, pensei na hora nas pessoas que, a todo momento, perguntam sobre a minha gravidez. Quando? Já está na hora! Ai, inspirada no Arnaldo, resolvi escrever assim: Quando alguém perguntar Cadê o bebê? Responder O bebê vai bem. Mesmo que não saiba Quando o bebê vem. Quando alguém perguntar Não está na hora? Responder Está na hora. Mesmo que já tenha passado da hora para você, Ou melhor: Quando alguém perguntar Cadê o bebê? Repetir Cadê o bebê? Como se perguntasse também.

#cartinhasparaacegonha#cartasparaacegonha #vembebe#vemlogobebe #tentantes#vidadetentante #instatentantes#tentantesunidas #arnaldoantunes#queroengravidar #cadeobebe

Essa publicação recebeu 60 curtidas e os seguintes comentários:

Instamiga1: 😍😍😍 adorei!!!!!

Instamiga2: Cadê?????? #amei

Instamiga3: Nossa adorei tem hora q dá raiva as pessoas cadê o bebê? Ja ta na hora ne menina vcs tao junto a 7 anos e nada de criança? Vc que ter velha e? Nossa da vontade de ligar o Fo#%s pra quem pergunta e quando nao tem aqueles inconvenientes q diz fulana parou os remedios e engravidou no primeiro mes ou fulana nem quis e ta grávida meu Deus o povo nao sabe como isso pra uma tentante a um tempo e frustrante

Instamiga4:Adorei!!!

Instamiga5: 😍😍😍 😍😍😍

Cegonha: Tem muitas pessoas sem noção @Instamiga3 o pior é que acho que muitos perguntam já achando que eu tenho algum problema.. Tem outras que perguntam e eu tenho certeza que também estão tentando mas não tem coragem de falar. Bem, como não vamos desistir, a partir de agora, vou devolver a pergunta: cadê o bebê? 😘😘😘

Cegonha: 😍😍😍@instamigas X; Y e Z[que não estão nos comentários] 😘😘😘💖💖💖💖

Instamiga6: Que amor😘

Cegonha: 😘😘😘😘 @Instamiga6

Instamiga7:😘

Instamiga8: Que fofooo!! Amei! 😍

Instamiga9: 😍 será tipo um hino pras Tentantes.

Instamiga3:Também vou fazer isso @cegonha e olha q sou um tentante secreta por isso nao posto nada de gravidez

Instamiga10: Perfeito, inteligente e sábio!

Cegonha:@instamiga 10 😍😍😍 obrigada!!! Bom dia para vocês!! 😚😚😚

Instamiga11:Segue

Instamiga12: Que fofura sei IG! Estarei torcendo por aqui! Sempre que vibrei pra isso deu certo!! 😍

Cegonha: Que bom que você gostou @instamiga12 !! Muito obrigada pelo carinho! 😍😘😘

Cegonha: Ah, obrigada também pela torcida!!! 😍 @instamiga12

Instamiga13:Oooow! Cegonha....Vai lá na Instamiga13, please!!! 😍

As “instamigas” partilham a ideia de que é bom devolver a pergunta “Cadê o bebê?” destacando o quão frustrantes e culpabilizantes essas perguntas podem ser. De acordo com Neto et. al (2015), a comunidade virtual oferece “um ambiente no qual as pessoas que compartilham um estado patológico podem socializar seus medos e aflições” (Pereira Neto et.al, 2015:1661).

Esse ambiente em que as pessoas se sentem à vontade para compartilhar aciona entre pares o desejo em oferecer e buscar ajuda para suas questões, o que pôde ser confirmado nas postagens analisadas, relacionavam-se de uma forma ou de outra ao reconhecimento desses espaços como redes de solidariedade.

Muitas vezes, as tentantes se reúnem em grupos destinados a discutir e partilhar informações acerca de uma condição específica como a síndrome de ovários policísticos; endometriose e “mães de anjo”22 22 Essas são mulheres que sofreram perdas gestacionais por mais diversas causas e abordam nesses grupos e publicações as dificuldades de lidar com o luto e o silenciamento em torno da perda gestacional. , somente para citar alguns exemplos.

No Instagram, Tentante e Cegonha identificam seus perfis pela sua condição de “tentantes”. Essa ausência involuntária de filhos é marcada biologicamente por dois aspectos: gênero e ausência de gravidez. Nesse sentido, a influência das tentantes e também sua popularidade é marcada pelos obstáculos que estão enfrentando. Somam-se nos perfis as perdas gestacionais, exames, diagnósticos e as tentativas de FIV, e outros.

Exemplo disso pode ser a divulgação e participação das tentantes em semanas de conscientização acerca da infertilidade e problemas mais específicos relacionados a ela. É o exemplo da marcha mundial de conscientização sobre a endometriose, a “Endo Marcha”23 23 Vale notar que o cartaz da marcha foi amplamente divulgado e nos comentários várias tentantes afirmaram que iriam participar da marcha. No entanto, não visualizamos publicações da participação na marcha, que pode estar relacionado as camadas de ocultamento e estratégias para manter a privacidade das tentantes. . Nesse momento, as tentantes que partilham dessa condição se reúnem na tentativa de divulgar a doença, seus sintomas e sobretudo, sua relação com a dificuldade de ter filhos.

Além disso, esse espaço de vivência coletiva da ausência involuntária de filhos produz movimentos organizativos motivacionais que funcionam como “campanhas” para engravidar. Trata-se dos movimentos “Buchudas no Natal”, Carnaval, dia das mães e outras datas festivas, conforme imagens abaixo. Essas imagens das “operações” são amplamente partilhadas e comentadas pelas “instamigas”.

Apesar de não conter nenhum tipo de informação sobre o tratamento da infertilidade, as “instamigas” se organizam em operações buscando a gestação antes dessas datas festivas. Há nessa busca de sincronização de “positivos” uma mudança nas narrativas de infertilidade partilhadas na rede social. Se a maioria das postagens trazem as angústias da vida de tentante, nessas “operações”, ainda que ocorra uma tentativa de controle coletivo dos corpos, há um tom positivo, de jocosidade em relação aos “treinos”, que se referem a prática sexual em busca da gestação.

Dentre as muitas singularidades da atuação e ativismo das tentantes no Instagram, seu protagonismo parece acentuar alguns marcadores hegemônicos da infertilidade: a utilização do anonimato através dos “nomes vocacionais” e a responsabilização das mulheres pela infertilidade24 24 Considerando que os homens podem ter outros meios de comunicação sobre a experiência da ausência involuntária de filhos, é preciso sinalizar que ainda que não tenha sido nosso objetivo procurar os canais de comunicação de homens, e que não tenhamos conhecimento da existência de grupos ou redes para esse fim, a presença massiva de mulheres preocupadas nas redes sociais e no Instagram buscando informações e se especializando em infértil idade nos dá um indicativo de que esse tem sido um problema protagonizado pelas mulheres. Alguns leitores podem presumir que isso se deve ao fato de que a infertilidade acomete mais mulheres do que homens. Esse é um equívoco, visto que especialistas tem atribuído que a infertilidade atinge 10% da população mundial e é dividida pelos fatores femininos (40%), masculinos (30%) e contribuição de ambos os fatores (30%). .

Reflexões finais

A partir da análise das interações entre as tentantes e suas “instamigas” é possível notar que a busca de informações, compartilhamentos e a criação de redes de solidariedades têm a manifesta presença feminina. Nessas redes há o compartilhamento de frustrações, angústias e uma série de informações especializadas tentando tornar acessível o campo da reprodução humana.

Entre mulheres e entre “instamigas” é rompido o silêncio que envolvia a busca de filhos. Esse aspecto destaca o protagonismo feminino na busca de respostas e redes de ajuda mútua e situa as tentantes como ativistas em prol da desmistificação da ausência involuntária de filhos e suas causas. Ao mesmo tempo, esse protagonismo parece acentuar entre as mulheres a responsabilização da ausência de filhos. Tampouco há nas interações examinadas algum questionamento ou posição que tensione diretamente a indissociabilidade do duo mulher/mãe, a responsabilização da mulher pela infertilidade e desejo de filhos e a ênfase e a invasividade dos procedimentos de RA. Nesse vasto coletivo de mulheres que buscam informações e apoio mútuo diante das incertezas da reprodução não parece haver espaço para ativismos politicamente orientados, uma vez que o objeto de questionamento não são as pressões sociais que a mulher recebe quando não deseja ser mãe. Ora, a maternidade aqui é almejada (Teman, 2010TEMAN, Elly. Birthing a Mother: The Surrogate Body and the Pregnant Self. [S. l.]: University of California Press, 2010 [http://www.amazon.com/Birthing-Mother-Surrogate-Body-Pregnant/dp/0520259645 - acesso em: 28 dez. 2012].
http://www.amazon.com/Birthing-Mother-Su...
; Thompson, 2005THOMPSON, Charis. Making Parents – The ontological Choreography of Reproductive Tecnologies. The IT Press, Cambrigde, Massachusetts, 2005.)⁠. Em meio às trocas entre as tentantes podemos perceber nas disputas e hierarquias que são construídas entre elas o peso das moralidades e expectativas de uma maternidade naturalizada. Várias das trocas em que as disputas se tornam palpáveis versam sobre o autocuidado, uma vez que o cuidado é o trabalho feminino por excelência (Fonseca & Fietz, 2018FONSECA, Claudia; FIETZ, Helena. Collectives of Care in the Relations Surrounding People With ‘ Head Troubles ’: Family , Community and Gender in a Working-Class Neighbourhood of. Sociologia & Antropologia, 8(1), 2018, pp.223–243 [https://doi.org/http://dx.doi.org/10.1590/2238-38752017v818].
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.159...
; Hirata, 2014)HIRATA, Helena. Gênero, classe e raça: interseccionalidade e consubstancialidade das relações sociais. Tempo Social, 26(1), 2014 61–73 [https://doi.org/10.1590/s1981-77462006000100013].
https://doi.org/10.1590/s1981-7746200600...
⁠.

O aspecto que essas mulheres buscam modificar é sua condição de “tentantes”. Através da construção de uma de rede de solidariedade, as tentantes atuam para que a ausência involuntária de filhos seja melhor compreendida e respeitada. Apesar de não pautarem demandas feministas historicamente construídas, há na necessidade de contextualização da vivência da ausência de filhos e da condição de “tentante”, a problematização de um novo modo de viver as pressões sociais que a maternidade prescritiva produz na nossa sociedade. Se as produções feministas se debruçaram sobre as dificuldades que mulheres que não desejam ter filhos ou protelam a maternidade encontram na nossa sociedade, as tentantes estão nos mostrando que aquelas mulheres que estão buscando a maternidade sofrem muitas pressões sociais por não se enquadrarem numa construção naturalizada de maternidade.

Nessas redes de socialidade, a solidariedade é construída através mensagens motivacionais, felicitações de procedimentos bem-sucedidos e entusiasmo mútuo quando da descoberta de diagnósticos e caminhos para tratamentos possíveis. Diante dos exemplos aqui trazidos, é possível notar que concomitantemente a essa rede de suporte há uma disputa pela informação acerca de tratamentos e terapias. Nelas uma hierarquia parece situar as tentantes e seu prestígio no mundo virtual a partir de seus diagnósticos e um currículo de perdas (perdas gestacionais, FIV sem sucesso, número de anos tentando).

Entre disputas, hierarquias, redes de solidariedade e ativismo virtual há a construção de um “nós” que reúne as tentantes na busca por filhos. Diferentemente de outras condições, há na expectativa da construção desse “nós, as tentantes”, a mudança desse status de tentantes para mães. Mas nessa transitoriedade, enquanto esperam, estão acompanhadas por suas “instamigas”.

Nesta pesquisa, para além dos afetos trocados através de “emojis” e “loved”, atentamos para a influência da lógica publicitário-comercial em que o aplicativo co-produz as interações ao contrastarmos o engajamento e interação de um perfil mais recente e outro consolidado. Quanto mais postagens, mais seguidoras e maior atividade da pessoa que publica e consequentemente, maior a eficácia do sentimento de pertencimento e identificação a esses grupos. Nesse sentido, o Instagram atua como uma tecnologia que mais do que mediar as relações sociais virtuais, também está as construindo.

Também refletimos sobre os agenciamentos das mulheres que transitam em redes sociais a fim de compartilhar a condição primária que as aglutina: a ausência involuntária de filhos. As narrativas e interações entre as nossas interlocutoras e suas instamigas na construção de desse “nós, tentantes” são atravessadas por questões morais, segredos, tabus e fé como meio de regulação de corpos femininos.

Referências bibliográficas

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    » https://doi.org/10.1590/S0102-311X2011000900012
  • 1
    No início dessa pesquisa deixamos essa categoria aberta para a possibilidade de homens se colocarem na condição de tentantes. Em um survey exploratório quase a totalidade das respondentes eram mulheres (apenas 01 do universo de 32 respondentes, era homem). Além disso, nas postagens analisadas todos os comentários e reações eram de perfis de mulheres. Apesar desses dados não excluírem a possibilidade da existência de tentantes homens, no nosso recorte a pesquisa contemplou apenas mulheres.
  • 2
    Chás (uxi amarelo, unha de gato, entre outros), tabelas (de ciclo menstrual, ovulação e temperatura basal), alimentos (abacaxi para a nidação, por exemplo) e suplementos alimentares (tubérculos mexicano, um regulador hormonal, por exemplo) fazem parte do vasto universo de técnicas que as tentantes fazem uso para maximizar suas chances de alcançar uma gravidez.
  • 3
    Nesse campo entram em cena os exames para diagnóstico (bateria de exames de sangue, rastreamentos genéticos, reserva ovariana, histerossalpingografia, entre outros), as cirurgias (videolaparoscopia para a tratamento de endometriose é uma das mais comuns) e os tratamentos hormonais (como os de estimulação ovariana para a FIV(fertilização in vitro)).
  • 4
    Na antropologia, preferimos nos referir a ausência involuntária de filhos (childlessness), termo cunhado por Leonard (2002)LEONARD, Lori. Problematizing fertility: “Scientific accounts and Chadian women’s narratives. In.: INHORN, M.C. & VAN BALEN, F. (ed.). Infertility around the globe. New thinking on childlessness, gender anda reproductive technologies. University of California Press, Los Angeles, 2002, pp.193-213..
  • 5
    A percepção do tempo de espera pela gravidez é muito relativa. Pessoas podem esperar pacientemente por anos, sem sentir o peso da infertilidade e outras podem acreditar que são inférteis apenas seis meses após o início das tentativas.
  • 6
    Para mais informações sobre os métodos de pesquisa e detalhamento dos procedimentos de acesso a todas as redes sociais visitadas, ver Iumatti Freitas (2019)IUMATTI FREITAS, Camilla. No mundo das Cegonhas: Aspectos sobre redes de solidariedade entre pessoas com ausência involuntária de filhos. Dissertação de mestrado, Antropologia, UFAL, 2019..
  • 7
    Enquanto as hashtags são utilizadas no Instagram, em outras redes sociais, como o Facebook, grupos fechados são destinados às pessoas que se identificam com essas condições.
  • 8
    Para informações sobre as interações e modos de cálculo dessas plataformas ver Iumatti Freitas (2019)IUMATTI FREITAS, Camilla. No mundo das Cegonhas: Aspectos sobre redes de solidariedade entre pessoas com ausência involuntária de filhos. Dissertação de mestrado, Antropologia, UFAL, 2019..
  • 9
    O mapeamento foi realizado utilizando a ferramenta de busca da própria plataforma para filtrar os perfis que se relacionassem com o tema de pesquisa, com as palavras-chave: Infertilidade, Reprodução Assistida, Cegonha e Tentantes
  • 10
    Dados do dia 03 de março de 2018.
  • 11
    Este perfil foi criado e gerenciado pela segunda autora. O elevado número de seguidores e postagens se deve a aproximação pessoal da autora com o tema. Para mais detalhes dessa aproximação e suas implicações metodológicas ver Iumati Freitas (2019).
  • 12
    As autoras desses perfis concordaram em participar dessa pesquisa e permitiram que fizéssemos a coleta e análise de suas postagens e interações.
  • 13
    Dados do dia da primeira observação (26 de fevereiro de 2018).
  • 14
    Dados de 02 de agosto de 2018.
  • 15
    Essa pouca interação deve-se ao fato do perfil ser recente, logo, com menos seguidoras, as interações são menores que as interações de um perfil com muitos seguidores.
  • 16
    “Curtir” as publicações é um elemento central nas redes sociais. Diferente do Facebook, que popularizou o “like”, seguido do símbolo 👍🏻(polegar em riste), como modo de apreço virtual. No Instagram o curtir é dado através do símbolo ♡ (um coração), representando o “love”.
  • 17
    Essa interação foi curtida 35 vezes.
  • 18
    Não podemos afirmar como se configuram os fóruns que se centram no desejo por filhos no contexto de casais homossexuais e lésbicas. Ainda que tenhamos mantido aberta a possibilidade de participação de homens nessa pesquisa, o universo investigado contemplou apenas mulheres heterossexuais.
  • 19
    É importante ressaltar que nas interações em que acompanhamos os homens não eram sequer citados. É como se eles não fizessem parte do “casal infértil”. Para uma análise sobre como pesquisas e práticas em RA têm pensado a infertilidade masculina ver Allebrandt (2019)ALLEBRANDT, Débora. Um só basta? Agenciando gametas e noções de gênero na Reprodução Assistida (RA). In: ALVES, Daniela; MAÍRA BAUMGARTEN (org.). Conhecimentos e Sociedade: Teorias, políticas e controvérsias. Brasília: Editora Verbena, 2019. pp.70–88. E-book. e para uma abordagem da infertilidade masculina em grupos populares, ver Nascimento (2011)NASCIMENTO, Pedro F. G. De quem é o problema? Os homens e a medicalização da reprodução. In: GOMES, R. (org.). Saúde do homem em debate [online]. Editora FIOCRUZ, Rio de Janeiro – RJ, 2011, pp.157-174. ISBN 978-85-7541-364-7 [http://books.scielo.org – acesso em 01 de setembro de 2019].
    http://books.scielo.org...
    .
  • 20
    Muitos pesquisadores abordaram a recusa da participação em suas pesquisas. Nessa pesquisa encontramos uma série de entraves e camadas de ocultamento. Para mais informações sobre a recusa a participação ver Iumatti Freitas (2019)IUMATTI FREITAS, Camilla. No mundo das Cegonhas: Aspectos sobre redes de solidariedade entre pessoas com ausência involuntária de filhos. Dissertação de mestrado, Antropologia, UFAL, 2019..
  • 21
    Os autores atentam também para a internet como uma arena de conflito, apontando para os movimentos que propõe projetos de transformação social e tecnológica, como o combate a infoexclusão (Campos et al., 2016CAMPOS, Ricardo., PEREIRA, Inês, & SIMÕES, José Alberto. Ativismo digital em Portugal: Um estudo exploratório. Sociologia, Problemas e Práticas, v.82, 2016, pp.27-47. [https://doi.org/10.7458/SPP2016826977 - acesso em 01 de setembro de 2019].
    https://doi.org/10.7458/SPP2016826977...
    ).
  • 22
    Essas são mulheres que sofreram perdas gestacionais por mais diversas causas e abordam nesses grupos e publicações as dificuldades de lidar com o luto e o silenciamento em torno da perda gestacional.
  • 23
    Vale notar que o cartaz da marcha foi amplamente divulgado e nos comentários várias tentantes afirmaram que iriam participar da marcha. No entanto, não visualizamos publicações da participação na marcha, que pode estar relacionado as camadas de ocultamento e estratégias para manter a privacidade das tentantes.
  • 24
    Considerando que os homens podem ter outros meios de comunicação sobre a experiência da ausência involuntária de filhos, é preciso sinalizar que ainda que não tenha sido nosso objetivo procurar os canais de comunicação de homens, e que não tenhamos conhecimento da existência de grupos ou redes para esse fim, a presença massiva de mulheres preocupadas nas redes sociais e no Instagram buscando informações e se especializando em infértil idade nos dá um indicativo de que esse tem sido um problema protagonizado pelas mulheres. Alguns leitores podem presumir que isso se deve ao fato de que a infertilidade acomete mais mulheres do que homens. Esse é um equívoco, visto que especialistas tem atribuído que a infertilidade atinge 10% da população mundial e é dividida pelos fatores femininos (40%), masculinos (30%) e contribuição de ambos os fatores (30%).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    16 Set 2019
  • Aceito
    02 Set 2020
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