Acessibilidade / Reportar erro

Contribuições para escrita de biografias de mulheres nas ciências a partir das experiências de Keller, Ferry e Goldsmith

Contributions to Writing Biographies of Women in Science based on the Experiences of Keller, Ferry and Goldsmith

Resumo

O artigo discute a escrita de biografias de mulheres cientistas a partir do relato das experiências de Evelyn Fox Keller, Georgina Ferry e Barbara Goldsmith na escrita de biografias das cientistas Barbara McClintock, Dorothy Hodgkin e Marie Curie, respectivamente. Discutimos como a escrita e a repercussão pública de tais biografias podem contribuir para uma reflexão teórica sobre as biografias de mulheres nas ciências. Consideramos ser necessário pensar a história das mulheres nas ciências como projetos marcadamente políticos, e, por isso, defendemos o conceito de biografias feministas.

Biografias científicas; História das mulheres nas ciências; Biografias feministas; História das ciências

Abstract

This article discusses the writing of biographies of women scientists based on the experiences of Evelyn Fox Keller, Georgina Ferry and Barbara Goldsmith in writing the biographies of the scientists Barbara McClintock, Dorothy Hodgkin and Marie Curie, respectively. We discuss how the writing process and the public repercussions of these biographies contributes to a theoretical reflection on biographies of women in science. We consider it necessary to think of the history of women in science to be composed of clearly political projects, and for this reason defend the concept of feminist biographies.

Scientific biographies; History of women in science; Feminist biographies; History of science

Introdução

Ao refletir sobre a escrita que trata da história das mulheres nas ciências, somos remetidas às biografias. Esse tipo de narrativa, que já foi considerada menos acadêmica do que outras abordagens historiográficas, tornou-se uma forma comum de popularizar a ciência, e ousamos dizer que nenhum outro gênero textual alcançou tamanha popularidade ( Govoni, 2000GOVONI, Paola. Biography: a critical tool to bridge the history of science and the history of women in science report on a conference at newnham college, Cambridge, 1999. Nuncius , Cambridge, 2000, pp.399-409 [https://brill.com/view/journals/nun/15/1/article-p399_11.xml - acesso em 23 ago 2022].
https://brill.com/view/journals/nun/15/1...
)1 1 Apesar de a biografia ser um gênero comumente utilizado para popularizar a ciência, poucas biografias são publicadas sobre mulheres e por mulheres. Em um estudo realizado por Kahn e Onion no ano de 2016, os quais analisaram 614 obras de não ficção publicadas, as biografias representaram 21% do número total de livros publicados, personagens eram 71,7% do sexo masculino, dos quais apenas 13% foram escritas por mulheres. . O gênero biográfico começou a ter sua relevância recuperada a partir dos anos de 1980, na esteira de outras tendências e abordagens historiográficas que surgiram na segunda metade do século XX, como a História de Mulheres na Ciência ( Govoni, 2014GOVONI, Paola. Crafting Scientific (Auto)Biographies. In: GOVONI, Paola; FRANCESCHI, Zelda Alice. Writing about lives in science. (Auto) Biography, gender, and genre. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 2014, pp.07-32. ).

Ao trazer à tona o lugar da biografia científica, Söderqvist (2020)SÖDERQVIST, Thomas. The Meaning, Nature, and Scope of Scientific (Auto) Biography. In: FORSTNER, Christian; WALKER, Mark. Biographies in the History of Physics . Cham, Springer, 2020, pp.301-318. apresenta alguns objetivos inerentes a esse gênero textual, no intuito de chegar à defesa de uma biografia como projeto existencial, sendo eles: (i) Biografia como Ancilla Historie , isto é, o uso da biografia com o objetivo de retratar um contexto histórico mais amplo; (ii) Biografia como estudo de caso do trabalho científico, mostrando como teorias, conceitos e demais elementos da prática científica são elaborados; (iii) Biografia para o entendimento público da ciência, isto é, o uso das biografias na divulgação e popularização da ciência; (iv) Biografia como literatura, uma vez que esse gênero possui um valor literário intrínseco; e (v) Biografia como elogio, que se relaciona à tendência hagiográfica de algumas obras.2 2 O termo hagiografia ontologicamente designa a escrita de biografias dos santos cristãos. Ao perceber esse caráter acrítico referente às biografias desenvolvidas a partir da Era Vitoriana, o termo passou a ser usado para designar biografias que tendem a criar imagens idealizadas e anedóticas dos indivíduos. Ver Freire Jr. (2020).

Somando-se a tais objetivos das biografias científicas, Söderqvist (2020)SÖDERQVIST, Thomas. The Meaning, Nature, and Scope of Scientific (Auto) Biography. In: FORSTNER, Christian; WALKER, Mark. Biographies in the History of Physics . Cham, Springer, 2020, pp.301-318. apresenta o projeto de biografia existencial, uma forma de escrita biográfica que considera os projetos pessoais como edificantes, mostrando como as paixões de cientistas fazem parte de suas existências, o que não significaria uma rejeição da importância da vida social do indivíduo, nem envolve um ponto de vista individualista acrítico. Por exemplo, Freire Jr. (2020) afirma que, durante a escrita de sua biografia sobre David Bohm, buscou mostrar um personagem cuja história de vida possuía um valor intrínseco, que não poderia ser reduzido apenas à sua produção científica. Segundo o autor, sua principal expectativa com a obra foi semelhante aos objetivos pensados por Söderqvist em uma biografia existencial, ou seja, “ajudar cientistas e não cientistas [a] fortalecer suas habilidades para viver vidas intelectuais mais plenas e autênticas” (Freire Jr., 2020:49). E tal aspecto só se torna possível ao ultrapassar uma visão restrita voltada a hagiografias, estudos de casos, ou meras contextualizações e pensarmos em histórias que levem em conta a inerentes características existenciais do cientista, como Freire Jr. (2020:56) se propôs por meio do que ele chamou de “imagem caleidoscópica do cientista David Bohm”.

Todavia, a experiência de biografar uma mulher cientista guarda características que ultrapassam as discussões já frequentes sobre a biografia na história das ciências, uma vez que as relações de gênero também afetam a forma como as histórias de vida de mulheres cientistas são pensadas, escritas e lidas. Nesse sentido, biografada, biógrafo(a), e leitores(as) parecem se entrelaçar, colaborando para a difusão da imagem criada acerca da cientista ( Keller, 2014KELLER, Evelyn Fox. Pot-holes Everywhere: How (not) to Read my Biography of Barbara McClintock. In: GOVONI, Paola; FRANCESCHI, Zelda Alice. Writing about lives in science. (Auto) Biography, gender, and genre. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 2014, pp.33-42. ).

Neste artigo, analisamos como as experiências de Evelyn Fox Keller, Georgina Ferry e Barbara Goldsmith na escrita de biografias das cientistas Barbara McClintock, Dorothy Hodgkin e Marie Curie, respectivamente, bem como a repercussão pública de tais biografias podem colaborar para os estudos sobre biografias de mulheres nas ciências. Para isso, o artigo está dividido em três seções. Na primeira, discutimos algumas críticas feministas às biografias e sugerimos a ideia de biografias feministas para a escrita da história das mulheres nas ciências. A segunda seção apresenta uma análise dos relatos das três biógrafas e também da repercussão das biografias na comunidade acadêmica. Por fim, nas considerações finais, defendemos uma perspectiva de biografia feminista para a escrita de histórias de vida de mulheres cientistas que relacionam questões existenciais das próprias cientistas às relações de gênero que perpassam as ciências.

Críticas feministas a biografias de cientistas

A valorização e o objetivo das biografias mudaram ao longo do desenvolvimento da história das ciências no século XX. A busca por escrever histórias de mulheres cientistas de algum modo colaborou para um retorno da biografia ao cenário da historiografia das ciências ( Govoni, 2014GOVONI, Paola. Crafting Scientific (Auto)Biographies. In: GOVONI, Paola; FRANCESCHI, Zelda Alice. Writing about lives in science. (Auto) Biography, gender, and genre. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 2014, pp.07-32. ). Em 1999, ocorreu a conferência Women in the history of science: biography, autobiography, tasks, results, problems no Newnham College, promovida pela Universidade de Cambridge. Inúmeros(as) pesquisadores(as) se reuniram para discutir o papel da biografia na construção de histórias de mulheres cientistas, refletindo especialmente sobre a suposição de que a biografia seria uma forma feminina de historiar a ciência e que seria mais adequada para leitoras, já que estas seriam menos instruídas em assuntos científicos, e poderiam ser mais atraídas a esse campo quando confrontadas com histórias enriquecidas pela família e assuntos cotidianos das personagens ( Govoni, 2000GOVONI, Paola. Biography: a critical tool to bridge the history of science and the history of women in science report on a conference at newnham college, Cambridge, 1999. Nuncius , Cambridge, 2000, pp.399-409 [https://brill.com/view/journals/nun/15/1/article-p399_11.xml - acesso em 23 ago 2022].
https://brill.com/view/journals/nun/15/1...
).

A partir do texto de Govoni (2000)GOVONI, Paola. Biography: a critical tool to bridge the history of science and the history of women in science report on a conference at newnham college, Cambridge, 1999. Nuncius , Cambridge, 2000, pp.399-409 [https://brill.com/view/journals/nun/15/1/article-p399_11.xml - acesso em 23 ago 2022].
https://brill.com/view/journals/nun/15/1...
, percebemos a busca por uma suposta aderência feminina à biografia para qualificar o seu uso pautado em padrões de feminilidade que as próprias feministas visavam combater. Essa associação entre biografia e feminilidade refletia, de certo modo, os debates acerca da existência de uma ciência feminina ou feminista no período de transição entre o século XX e XXI. Schiebinger (2001)SCHIEBINGER, Londa. O feminismo mudou a ciência . Bauru, Edusc, 2001. e Keller (1995)KELLER, Evelyn Fox. Gender and science: Origin, history, and politics. Osiris, Chicago, 1995, pp.26-38 [https://www.journals.uchicago.edu/doi/10.1086/368741 - acesso em 04 ago 2021].
https://www.journals.uchicago.edu/doi/10...
, por exemplo, estavam no centro da discussão para a defesa de que a ciência como instituição cultural estava engendrada pelas relações de gênero e o feminismo vinha questionando esses aspectos.

Em 2014, Govoni e Franceschi organizaram o livro Writing about lives in Science: (Auto)Biography, Gender, and Genre , em cuja introdução Govoni (2014GOVONI, Paola. Crafting Scientific (Auto)Biographies. In: GOVONI, Paola; FRANCESCHI, Zelda Alice. Writing about lives in science. (Auto) Biography, gender, and genre. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 2014, pp.07-32.: 7) levantou o seguinte questionamento: “Até que ponto minha experiência pessoal, profissional e social, incluindo meu gênero – é importante na imagem que estou transmitindo do(a) cientista sobre o qual estou escrevendo?”. Se as questões de gênero desempenham um papel na criação da ciência e de suas instituições, certamente elas não seriam indiferentes ao trabalho do(a) historiador(a).

Não é por acaso que o ressurgimento da biografia começou na década de 1970, junto às novas e radicais teorias feministas. A biografia começou a ser pensada como escrita acadêmica a partir de discussões sobre a inter-relação entre o pessoal e o social. Dentro da história das ciências, podemos entender o embaraço dos(as) historiadores(as) da ciência sobre a biografia em relação às questões de gênero. Até poucas décadas atrás, os(as) cientistas se reconheciam como parte de uma comunidade supranacional, tipicamente masculina e que durante séculos se apresentaram como os únicos capazes de produzir conhecimento objetivo. Por sua parte, historiadores(as), sociólogos(as) e filósofos(as) da ciência, compartilhando com os cientistas o culto da ciência como um empreendimento especial, negaram que sentimentos e sociedade tivessem um papel a desempenhar na prática da ciência e na criação de conhecimento. Por coincidência (ou não), retratos de feminilidade se aproximavam de questões mais privadas relacionadas à ciência, as quais eram deixadas de lado até então ( Govoni, 2014GOVONI, Paola. Crafting Scientific (Auto)Biographies. In: GOVONI, Paola; FRANCESCHI, Zelda Alice. Writing about lives in science. (Auto) Biography, gender, and genre. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 2014, pp.07-32. )

Deste modo, chegamos à proposição de pensar a biografia de mulheres cientistas sob um ponto de vista feminista, o que aqui chamamos de biografias feministas. Mas por que defender uma biografia feminista? Mulheres cientistas devem ser biografadas de modo diferente? Mulheres escrevem biografias de um modo diferente?

De acordo com Caine (1994)CAINE, Barbara. Feminist biography and feminist history. Women’s History Review , Londres, 1994, pp.247-26 [https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/09612029400200049 – acesso em 18 out 2021].
https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1...
, os estudos sobre biografias feministas se iniciaram no intuito de apresentar a história de vida de ativistas feministas que desempenharam um papel de destaque na história do feminismo; por apresentarem histórias heroicas e de grandes feitos, se assemelhavam à estrutura da biografia convencional nesse aspecto. Todavia, diante do maior interesse na história feminista pela esfera privada e dos desdobramentos relevantes em compreender o mundo doméstico vivenciado pelas mulheres, os estudos relacionados às biografias feministas precisaram ser revistos. A biografia feminista passou então a ser um gênero textual que derivou da tentativa de responder uma série de novas questões que surgiram com a história das mulheres. Mesmo ao tratar de mulheres que foram muito proeminentes, a biografia feminista não investiga apenas o que elas fizeram, mas também como elas conseguiram fazê-lo dentro das restrições familiares e sociais às quais estavam sujeitas ( Caine, 1994CAINE, Barbara. Feminist biography and feminist history. Women’s History Review , Londres, 1994, pp.247-26 [https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/09612029400200049 – acesso em 18 out 2021].
https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1...
).

Assim, a biografia feminista questiona como determinadas mulheres realmente vivenciaram seus mundos doméstico e social, quais estratégias elas usaram para seguir seus próprios interesses, que apoio receberam e de onde ele veio, como negociaram as estruturas sociais e familiares que definiram suas oportunidades como mulheres, quanto lhes custou seguir seu próprio caminho e ter sucesso no campo que escolheram e como elas se sentiram sobre sua vida privada e familiar. Caine (1994)CAINE, Barbara. Feminist biography and feminist history. Women’s History Review , Londres, 1994, pp.247-26 [https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/09612029400200049 – acesso em 18 out 2021].
https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1...
pondera que a biografia feminista é também uma maneira de analisar a própria história feminista, e aqui ampliamos que, no caso da história das ciências, ela se torna um instrumento relevante para analisar a própria história das mulheres nas ciências.

O feminismo é um movimento político, mas também intelectual. A partir da aderência desse movimento à academia, não só a ciência, mas também a história, a epistemologia, e outras áreas do conhecimento passaram por críticas e questionamentos sobre a forma como elas se desenvolveram e foram aculturadas sob um padrão de masculinidade ( Schiebinger, 2001SCHIEBINGER, Londa. O feminismo mudou a ciência . Bauru, Edusc, 2001. ). Em relação ao gênero biográfico, as críticas feministas defendem que o conceito de gênero é interessante não apenas para entender a ciência e a história de determinada cientista, mas também uma ferramenta útil para escapar de escritas anedóticas e hagiográficas. Ao sugerir gênero como uma categoria de análise histórica, pensa-se como as relações de gênero também impulsionaram as construções das vidas de diferentes sujeitos ( Tilly, 1994TILLY, Louise A. Gênero, história das mulheres e história social. cadernos pagu (03), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 1994, pp.28-62 [https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/1722 – acesso em 24 ago 2002].
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/in...
). Tratando-se de uma mulher cientista, alcançar o sucesso, ainda mais em séculos passados, poderia parecer um verdadeiro ato heroico. Assim, gênero, além de ser uma categoria de análise da história da ciência, é uma categoria importante para se pensar as biografias de mulheres, percebendo-as como verdadeiros agentes históricos, mostrando como as relações de gênero, enquanto relações de poder, cruzaram as vivências das cientistas.

Dentre as experiências de apresentar histórias de mulheres cientistas, destacamos aqui os esforços de Margaret Rossiter nos três volumes de Women Scientists in America , sendo eles: Struggles and Strategies to 1940 ; Before Affirmative Action, 1940-1972 , e Forging a New World since 1972 . Tais livros apresentam sobretudo os esforços das mulheres para estabelecerem-se como parte das comunidades científicas ( Rossiter, 1982ROSSITER, Margaret W. Women scientists in America: Struggles and strategies to 1940. Maryland, JHU Press, 1982. ; 1998). Em outra produção, Rossiter denuncia casos de mulheres que foram negligenciadas pela ciência e tiveram seus trabalhos atribuídos a homens. Em The Matthew Matilda Effect in Science (1993), Rossiter apresenta o Efeito Matilda, expressão criada em alusão ao Efeito Matthew proposto pelo sociólogo Robert K. Merton. Enquanto o Efeito Matthew se refere à atribuição de autoria do trabalho científico e ao acúmulo de capital simbólico àqueles cientistas que possuem maior status na comunidade, o efeito Matilda denuncia casos onde a autoria do trabalho científico de mulheres é atribuída aos seus colegas homens. O Efeito Matilda se tornou um importante demarcador na historiografia das mulheres cientistas (Rossiter, 1993).

Os trabalhos de Michelle Perrot também se tornam relevantes, por exemplo, ao levantar a possibilidade de ir em contrapartida ao argumento de que as mulheres não estão inscritas na história, pois não fizeram parte dela. Remetendo ao debate entre as esferas pública e privada, a autora explica como as mulheres não eram passivas, ao contrário, muitas vezes foram conotadas por certa rebeldia que revolucionou a própria sociedade e sua história (Perrot, 2006). Perrot também colaborou com a obra História das mulheres no ocidente , ao lado de George Duby, em 1991, recebendo inúmeras críticas, entre as quais a ideia da história de uma mulher universal. O debate a respeito de um padrão universalizado da mulher, nesse período, já havia se esgotado, e é retomado por ela. Perrot (2007)PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo, Contexto, 2007. se propõe a rebater algumas dessas críticas, explicitando principalmente que não se propôs a escrever a história das mulheres, mas, sim, uma história das mulheres. Ademais, Perrot (2017PERROT, Michelle. Escrever a história das mulheres. In: PERROT, Michelle. Minha história das mulheres . 2.ed. São Paulo, Contexto, 2017, pp.13-39.: 25) nos convida a refletir sobre a importância de romper com o silêncio e invisibilidade dentro da história, e, no nosso caso, dentro da história das ciências, bem como a olhar para “fontes que emanam delas, nas quais se podem ouvir suas vozes diretamente. Podem ser achadas em bibliotecas, locais do impresso, dos livros e dos jornais; como arquivos públicos ou privados. Lugares solitários e complementares [...]”, de modo que possamos ter arquivos para dar às mulheres seus lugares na história. Neste sentido, é importante diversificar e ampliar os tipos de fontes, já que, em muitos casos, as convencionais podem não conseguir trazer à tona as contribuições das mulheres para o seu tempo e espaço. Quanto às pesquisas publicadas no Brasil, em uma busca nos principais indexadores, percebemos que ainda há lacunas em relação à publicação de biografias de mulheres nas ciências. No entanto, pesquisadores(as), ao escreverem histórias de vida de cientistas, traçaram reflexões que colaboram para que possamos entender como a escrita de biografias de mulheres cientistas vêm sendo pensada teoricamente, bem como questões políticas vêm sendo utilizadas na construção dos argumentos que perpassam tais análises.

É o caso de Lopes (2008)LOPES, Maria Margaret. Proeminência na mídia, reputação em ciências: a construção de uma feminista paradigmática e cientista normal no Museu Nacional do Rio de Janeiro. História, Ciências, Saúde-Manguinhos , Rio de Janeiro, 2008, pp.73-95 [https://www.scielo.br/j/hcsm/a/mpZwTTwgsjyqpXXRqZ6hMSD/?lang=pt - acesso em 04 ago 2021].
https://www.scielo.br/j/hcsm/a/mpZwTTwgs...
, que apresenta questões da vida de Bertha Lutz nas primeiras décadas do século XX, tendo como fontes publicações midiáticas dela e sobre ela. Lopes (2008)LOPES, Maria Margaret. Proeminência na mídia, reputação em ciências: a construção de uma feminista paradigmática e cientista normal no Museu Nacional do Rio de Janeiro. História, Ciências, Saúde-Manguinhos , Rio de Janeiro, 2008, pp.73-95 [https://www.scielo.br/j/hcsm/a/mpZwTTwgsjyqpXXRqZ6hMSD/?lang=pt - acesso em 04 ago 2021].
https://www.scielo.br/j/hcsm/a/mpZwTTwgs...
ressalta que, até então, publicações historiográficas sobre Bertha Lutz haviam focado nas suas lutas políticas enquanto feminista; nesse artigo, a autora busca mostrar como a vida política e a carreira científica de Bertha Lutz tornaram-se indissociáveis. Para isso apoia-se em sugestões de autores como Jordanova (1999)JORDANOVA, Ludmilla. Nature displayed: gender, science and medicine 1760-1820. London, Longman. 1999. para pensar a trajetória de Bertha Lutz e analisar as fontes disponíveis.

Alberto e Sanjad (2019)ALBERTO, Diana; SANJAD, Nelson. Emília Snethlage (1868-1929) e as razões para comemorar seus 150 anos de nascimento. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi . Belém, 2019, pp.1047-1070 [https://www.scielo.br/j/bgoeldi/a/SS9qKtZDJbDscX7M8vZ4Ktm/abstract/?lang=pt – acesso em 04 ago 2021].
https://www.scielo.br/j/bgoeldi/a/SS9qKt...
aborda a trajetória da primeira mulher a fazer parte de uma instituição de pesquisa no Brasil, a alemã Emília Snethlage (1868-1929). Para isso, ao analisar sua história, imprime um olhar voltado às questões de gênero e ciência, apoiando sua escrita em autoras como Harding, Scott e Lopes. Dentre as questões presentes no texto, é relatada a dificuldade em escrever a história de uma mulher cientista que viveu no início do século XX, especialmente no acesso às fontes, já que muitos documentos negligenciaram o gênero de Emília. Ainda sobre questões historiográficas, Alberto e Sanjad (2019)ALBERTO, Diana; SANJAD, Nelson. Emília Snethlage (1868-1929) e as razões para comemorar seus 150 anos de nascimento. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi . Belém, 2019, pp.1047-1070 [https://www.scielo.br/j/bgoeldi/a/SS9qKtZDJbDscX7M8vZ4Ktm/abstract/?lang=pt – acesso em 04 ago 2021].
https://www.scielo.br/j/bgoeldi/a/SS9qKt...
argumentam sobre a baixa representatividade feminina na história das ciências no Brasil.

Destacamos também o texto produzido por Minella (2017)MINELLA, Luzinete Simões. No trono da Ciência I: mulheres no Nobel da Fisiologia ou Medicina (1947-1988). Cadernos de Pesquisa , São Paulo, 2017, pp.70-93 [http://publicacoes.fcc.org.br/index.php/cp/article/view/3817 - acesso em 04 ago 2021]
http://publicacoes.fcc.org.br/index.php/...
, que busca organizar uma biografia coletiva das cinco cientistas que receberam o Nobel no campo da Fisiologia ou Medicina entre 1947 e 1988: Gerty Theresa Radnitz Cori; Rosalyn Sussman Yallow; Barbara McClintock; Rita Levi-Montalcini; e Gertrude Elion. Minella (2017)MINELLA, Luzinete Simões. No trono da Ciência I: mulheres no Nobel da Fisiologia ou Medicina (1947-1988). Cadernos de Pesquisa , São Paulo, 2017, pp.70-93 [http://publicacoes.fcc.org.br/index.php/cp/article/view/3817 - acesso em 04 ago 2021]
http://publicacoes.fcc.org.br/index.php/...
se utiliza de inúmeras pesquisadoras da área de gênero e ciência para subsidiar sua escrita, tais como McGrayne, Keller, Harding, Rossiter e Haraway, buscando assim ir um pouco além de uma abordagem descritiva sobre a lenta entrada de mulheres na história do prêmio.

O livro “Antropólogas e antropologia”, de Corrêa (2003)CORRÊA, Mariza. Antropólogas e antropologia . Belo Horizonte, Editora da UFMG, 2003. , atenta para a questão da linguagem e da identidade ao escrever sobre narrativas femininas. Por meio da história de três mulheres, a naturalista Emilia Snethlage, a sertanista Leolinda Daltro e a pesquisadora de museu Heloisa Alberto Torres, Corrêa (2003)CORRÊA, Mariza. Antropólogas e antropologia . Belo Horizonte, Editora da UFMG, 2003. questiona as diferenças em se pensar uma carreira no feminino. Ela aborda a discussão sobre gênero relacionada com a questão da identidade apontando como muitas mulheres acadêmicas precisam ser renomeadas diante de suas identidades femininas para permanecer na ciência, e traz o questionamento “o que é um nome?” para tal análise. Também reflete sobre como a linguagem é perpassada não apenas pelas questões de gênero, mas também pela própria sexualidade, e como a linguagem corporifica as diferenças de gênero – por exemplo, no caso da antropologia, homens antropólogos são denominados positivamente como aventureiros, enquanto um sentido negativo e de conotação sexual é atribuído às mulheres antropólogas aventureiras ( Corrêa, 2003CORRÊA, Mariza. Antropólogas e antropologia . Belo Horizonte, Editora da UFMG, 2003. ).

No que cerne ao cruzamento de relações de poder, destacamos dois textos que refletem sobre histórias de mulheres não apenas atravessadas por questões de gênero, mas também por raça e etnia.3 3 Os conceitos de raça e etnia são complexos e polissêmicos. Neste trabalho, assumimos as definições propostas por Kabengele Munanga (2004): Compreende-se como “raça” uma forma de classificação dos indivíduos, criada no século XVIII, com o intuito de categorizar a diversidade humana em grupos com características biomorfológicas comuns. Por sua vez, chama-se de “etnia” a caracterização dos indivíduos pelas suas origens sociais e histórico-culturais. Nesse sentido, o idioma, a cosmovisão, a organização social, as crenças e religiosidades, e outros elementos sócioculturais são considerados na caracterização de um grupo étnico. Sugere-se a leitura dos seguintes textos: Achille Mbembe (2014) , Kabengele Munanga (2004) e Silvio Almeida (2019) . Sugere-se ainda consultar a Plataforma Sarah Baartman, no seguinte endereço: https://sarahbaartman.pro.br/ . Maia Filho e Silva (2019)MAIA FILHO, Angevaldo Menezes; SILVA, Indianara. O experimento WS de 1950 e as suas implicações para a segunda revolução da mecânica quântica. Revista Brasileira de Ensino de Física , São Paulo, 2019 [https://www.scielo.br/j/rbef/a/KRhqvJf5J4kKKGwgHVhWRry/abstract/?lang=pt - acesso em 04 ago 2021].
https://www.scielo.br/j/rbef/a/KRhqvJf5J...
proporcionam algumas reflexões ao escrever sobre a trajetória da física experimental sino-estadunidense Chien Shiung Wu e a sua contribuição para a física, utilizando uma discussão pautada nas questões de gênero e ciência. Os autores trazem uma ampla revisão bibliográfica mostrando como Wu foi negligenciada pelas principais referências da história das ciências na área de física quântica, e utilizam-se do conceito de segregação hierárquica, ( Rossiter, 1982ROSSITER, Margaret W. Women scientists in America: Struggles and strategies to 1940. Maryland, JHU Press, 1982. ), para compreender a ausência de indicações à Wu ao Prêmio Nobel de física de 1957. Vale ainda destacar a importância atribuída ao contexto histórico pelos autores, que retomam muitos elementos da conjuntura chinesa e norte-americana no início do século XX. Já Pereira, Santana e Brandão (2019), utilizam-se do conceito de interseccionalidade para escrever a biografia da química negra norte-americana Alice Ball. Tais autores utilizam esse conceito para mostrar como a discriminação aumenta quando, relacionado à questão de gênero, entrelaçam-se outros marcadores sociais, sendo este o caso de Alice Ball, que teve sua história negligenciada e suas pesquisas atribuídas a um cientista homem branco. O conceito de Efeito Matilda apresentado por Rossiter (1993)ROSSITER, Margaret W. The Matthew Matilda effect in science. Social studies of science , Thousand Oaks, 1993, pp.325-34 [https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/030631293023002004 - acesso em 23 ago 2022].
https://journals.sagepub.com/doi/abs/10....
também suporta a análise apresentada.

Em um texto recentemente publicado, Pereira (2021)PEREIRA, Letícia dos Santos. Uma química interrompida: Clara Immerwahr. Cadernos de Gênero e Tecnologias , Curitiba, 2021, pp.391-409 [https://periodicos.utfpr.edu.br/cgt/article/view/13411 - acesso em 04 ago 2021].
https://periodicos.utfpr.edu.br/cgt/arti...
aborda a história da química alemã Clara Immerwahr, concentrando-se em sua vida acadêmica e na relação entre o seu casamento, o abandono da ciência e seu suicídio. Para isso, a autora faz uso de publicações e correspondências pessoais, argumentando que a trajetória de Clara Immerwahr exemplifica alguns aspectos do Efeito Camille Claudel proposto por Lima (2008), mostrando como os relacionamentos afetivos e os papéis sociais atribuídos historicamente ao gênero feminino podem ser obstáculos ao crescimento profissional das mulheres cientistas.

Diante dessas discussões, notamos como alguns pontos perpassam esses debates, por exemplo, as relações de poder (gênero, raça, etnia e classe), a importância do contexto, diálogo com literaturas relacionadas a gênero e ciência, questões políticas, dentre outras. Assim, biografia e autobiografia se misturam, e, dentro de uma biografia feminista, sem dúvidas essa junção se torna ainda mais evidente. Afinal, por que mais mulheres do que homens escrevem biografias de mulheres cientistas? Acreditamos que, no fundo, estamos em certa medida falando sobre nós quando temos oportunidade de falar sobre outras.

As experiências biográficas de Keller, Ferry e Goldsmith

Ao entender o processo de biografar um(a) cientista como uma relação que envolve biógrafo(a), biografado(a), e o público leitor, propomo-nos a refletir a respeito de três casos de mulheres que escreveram sobre mulheres cientistas, buscando entender como foram suas experiências de escrita, quais foram os objetivos pensados inicialmente, a recepção inicial, e como as interpretações foram se moldando após a publicação da obra.

Os três casos são: a biografia da geneticista Barbara McClintock, escrita por Evelyn Fox Keller (1983)KELLER, Evelyn Fox. A Feeling for the Organism: The Life andWork of Barbara McClintock. San Francisco, W. H. Freeman, 1983. ; a biografia da bioquímica Dorothy Hodgkin, de autoria de Georgina Ferry (1998)FERRY, Georgina. Dorothy Hodgkin: A Life. London, Granta Books, 1998. ; e a biografia de Marie Curie, escrita por Barbara Goldsmith (2005)GOLDSMITH, Barbara. Obsessive genius: The inner world of Marie Curie. New York, W.W. Norton & Company, 2005. . Os três casos são de algum modo tratados no livro Writing about lives in Science: (Auto)Biography, Gender, and Genre, organizado por Govoni e Franceschi (2014)GOVONI, Paola; FRANCESCHI, Zelda Alice. Writing about lives in science. (Auto) Biography, gender, and genre. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 2014. . Keller e Ferry são responsáveis por dois artigos que fazem parte deste livro, no qual elas relatam suas experiências enquanto biógrafas. No mesmo livro, Vita Fortunati apresenta um artigo em que analisa, entre outras biografias de Marie Curie, a escrita por Barbara Goldsmith. Além desses relatos, analisamos aqui algumas resenhas dessas biografias. É importante salientar que tais resenhas refletem muito mais como as universidades e os críticos receberam essas biografias. Assim, destacamos a dificuldade em compreender, para além da percepção das próprias biógrafas, como foi a recepção dessas biografias por parte do público geral. Utilizamos também outros textos e entrevistas e partes das próprias biografias em que essas autoras relatam aspectos de sua experiência.

A primeira experiência de escrita que analisamos é de Evelyn Fox Keller na escrita da biografia de Barbara McClintock (1902-1992), intitulada A Feeling for the Organism: The Life and Work of Barbara McClintock. Fox Keller se graduou em Física na década de 1950, realizando posteriormente seu PhD na Universidade de Harvard em 1963. Fox Keller lecionou em universidades renomadas dos Estados Unidos e atua hoje no M.I.T., focando seus estudos nas relações de gênero e ciência. Ela foi a primeira a interseccionar gênero e ciência no título de um artigo em 1978.

Em sua escrita biográfica, Keller aborda a história de vida de Barbara McClintock (1902-1992), uma das mais conhecidas mulheres cientistas dos Estados Unidos no século XX, que desenvolveu uma pesquisa pioneira sobre elementos transponíveis no milho, pela qual recebeu o Prêmio Nobel de Medicina ou Fisiologia de 1983. Na biografia, que ganhou bastante repercussão, a biógrafa enfatiza a vontade de estabelecer o direito de McClintock de exercer a ciência como bem entendesse, ultrapassando assim normativas sociais de gênero. Como veremos, a intenção de Keller se concentrava em mostrar que McClintock não era uma dissidente ou muito menos se utilizava de um modo feminino de se fazer ciência, mas que a própria ciência era permeada por estereótipos que a fizeram ser vista como excêntrica.

Lopes (1998:350) descreve a biografia de Barbara McClintock como um “marco referencial para o estudo de mulheres e gênero na História das Ciências”. Segundo a autora, o livro escrito por Keller acaba com duas ilusões: pensar McClintock como dissidente da ciência, uma vez que, se a ciência fosse tratada a partir de um viés mais pluralista, ela não teria sequer sido negligenciada por tantos anos; e a visão de que a ciência de McClintock era feminista devido ao uso da subjetividade e intuição. Sobre este último, Keller foi acusada de gerar o que mais recentemente Nathan Confort (2001) chamou de o Mito de McClintock. De acordo com tal mito, McClintock teria desenvolvido uma ciência feminina ou feminista, ou seja, suas experiências enquanto cientista teriam suscitado desse seu olhar feminino. Diante disso, Keller tem buscado explicar seu ponto de vista, afirmando que não defendeu a existência de um jeito feminino de se fazer ciência (Sepulveda; Silva, 2021).

Em 1987, Keller publicou o artigo “The gender/Science system: is sex to gender as nature is to science?” . Para a própria acadêmica, esse artigo foi necessário para rebater tais críticas, principalmente as que apresentavam a possibilidade da existência de uma ciência feminina ou feminista. Mais recentemente, Keller (2014)KELLER, Evelyn Fox. Pot-holes Everywhere: How (not) to Read my Biography of Barbara McClintock. In: GOVONI, Paola; FRANCESCHI, Zelda Alice. Writing about lives in science. (Auto) Biography, gender, and genre. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 2014, pp.33-42. recordou suas intenções iniciais com o texto e como a própria história foi ganhando vida após sua publicação, especialmente após a premiação de McClintock ao Nobel em 1983 e as leituras realizadas por diferentes grupos.

No texto, Keller (2014KELLER, Evelyn Fox. Pot-holes Everywhere: How (not) to Read my Biography of Barbara McClintock. In: GOVONI, Paola; FRANCESCHI, Zelda Alice. Writing about lives in science. (Auto) Biography, gender, and genre. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 2014, pp.33-42.: 35-36, tradução nossa) mostra como grupos de feministas, cientistas e editores receberam inicialmente o seu projeto, e como tais impressões afetaram sua experiência de escrita. Os trechos a seguir são apresentados sequencialmente:

Esses foram os primeiros dias da teoria feminista e, quando me ouviram falar sobre McClintock, a resposta inicial de várias amigas foi: “ela não é feminista, por que você está escrevendo sobre ela? Ela está fazendo tudo o que os cientistas masculinos têm feito o tempo todo”.

[...] os cientistas com quem conversei não a consideravam feminista ou não feminista; para eles, ela era apenas uma excêntrica [...]

Eu também poderia mencionar um terceiro grupo, os editores [...] finalmente devolvendo um manuscrito completamente marcado – primeiro mudando o título (“um sentimento pelo organismo”, uma citação da própria McClintock), e, em seguida, marcando com um lápis vermelho para cortar quase tudo o que tinha a ver com o lado emocional de sua vida científica [...]

Colegas feministas de Keller questionavam sua motivação para escrever sobre uma cientista que não era feminista, ou que supostamente nada fazia para mudar a lógica patriarcal da ciência. Já colegas cientistas viam McClintock como uma dissidente, e poucos compreendiam a forma como conduzia seu trabalho. Dentro dessas contradições, Keller viu a oportunidade de apresentar uma mulher cientista que exercia o direito de ser tão diferente dos estereótipos quanto desejava ser. Destacamos, ainda, a forma como o grupo de editores buscou se afastar de qualquer atributo emocional que McClintock atrelava à ciência, possivelmente pela crença comum de que essa característica do seu trabalho se dava por ser ela uma mulher. Mesmo diante desse cenário adverso, Keller (2014) relata que prosseguiu com seu intuito de apresentar McClintock diante de toda sua excentricidade, tanto que persistiu em publicar o texto original, mesmo contra a vontade dos editores.

A biografia de McClintock foi publicada meses antes da entrega do prêmio Nobel à cientista, e a percepção do público em relação à história mudou com a premiação. Nos meses que antecederam o Nobel, praticamente ninguém havia lido a biografia como um manifesto feminista, nem como relato de uma ciência feminina ou feminista. Após o Nobel, o que parecia mais problemático a Keller (2014)KELLER, Evelyn Fox. Pot-holes Everywhere: How (not) to Read my Biography of Barbara McClintock. In: GOVONI, Paola; FRANCESCHI, Zelda Alice. Writing about lives in science. (Auto) Biography, gender, and genre. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 2014, pp.33-42. era o argumento da existência de uma ciência feminina ou feminista, sugerindo que mulheres faziam ciência de uma forma diferente simplesmente por serem mulheres.

Keller (2014)KELLER, Evelyn Fox. Pot-holes Everywhere: How (not) to Read my Biography of Barbara McClintock. In: GOVONI, Paola; FRANCESCHI, Zelda Alice. Writing about lives in science. (Auto) Biography, gender, and genre. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 2014, pp.33-42. afirma que buscou evidências para afirmar que não estava em pauta uma ciência feminina ou feminista. Na tentativa de mudar essas concepções, ela relata que o seu primeiro passo foi evidenciar que não elaborou a biografia McClintock baseada em características genéticas ou sociais de feminilidade. A questão central não se encontrava na persona de Barbara McClintock, mas na própria ciência. O mais interessante no relato de Keller (2014)KELLER, Evelyn Fox. Pot-holes Everywhere: How (not) to Read my Biography of Barbara McClintock. In: GOVONI, Paola; FRANCESCHI, Zelda Alice. Writing about lives in science. (Auto) Biography, gender, and genre. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 2014, pp.33-42. é a forma como a autora reconhece sua própria experiência de escrita, mostrando como a biografia ultrapassou seus objetivos e ganhou por si uma história própria:

Mas, ao longo do tempo, e em resposta direta à perpetuação da mídia do “mito de McClintock” – isto é, a imagem de McClintock como um ícone de uma cientista feminina/feminista –, alguns começaram a mudar de tom. Eles ainda insistiam que ela era uma dissidente, mas, agora, ela não era uma dissidente qualquer, era uma dissidente feminista. E eles atribuíram essa interpretação a mim. Um cientista me disse: 'É claro que é isso que você afirma, quero dizer, basta olhar para o título – “Um sentimento pelo organismo” – sem dúvida, isso a define como uma cientista feminina ( Keller, 2014KELLER, Evelyn Fox. Pot-holes Everywhere: How (not) to Read my Biography of Barbara McClintock. In: GOVONI, Paola; FRANCESCHI, Zelda Alice. Writing about lives in science. (Auto) Biography, gender, and genre. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 2014, pp.33-42.: 41, tradução nossa)4 4 Trecho original: “But over the course of time, and in direct response to the media perpetuation of ‘the McClintock myth’ – i. e., to the image of McClintock as na icon of a feminine / feminist scientist –, some began to change their tune. They still insisted she was a maverick, but now, she wasn’t just any old maverick, she was a feminist maverick. And they attributed that interpretation to me. One scientist said to me, ‘Of course this is what you claim, I mean, just look at the title – ‘A Feeling for the Organism’ – without question, this defines her a feminine scientist.’ And another scientist said, ‘Oh, we know she was a feminist maverick, after all, she was a lesbian ’”. .

Apesar dessas reflexões, notamos que tais percepções descritas no relato acima perpassam muito mais pela experiência vivenciada pela biógrafa do que pelos reviews publicados após o lançamento da biografia de McClintock. Na análise das resenhas, esperávamos encontrar elementos relacionados aos debates que envolveram a publicação da biografia, apontados por Keller (2014)KELLER, Evelyn Fox. Pot-holes Everywhere: How (not) to Read my Biography of Barbara McClintock. In: GOVONI, Paola; FRANCESCHI, Zelda Alice. Writing about lives in science. (Auto) Biography, gender, and genre. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 2014, pp.33-42. . Além disso, esperávamos a variabilidade da aceitação do livro em interpretações anteriores e posteriores à premiação do Nobel por Barbara McClintock. No entanto, realizamos a leitura de resenhas publicadas nos primeiros anos após a publicação da biografia e, em nenhuma delas, as questões expostas por Keller (2014)KELLER, Evelyn Fox. Pot-holes Everywhere: How (not) to Read my Biography of Barbara McClintock. In: GOVONI, Paola; FRANCESCHI, Zelda Alice. Writing about lives in science. (Auto) Biography, gender, and genre. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 2014, pp.33-42. são abordadas. Em sua resenha, Fedoroff (1983)FEDOROFF, Nina. A Feeling for the Organism. The Life and Work of Barbara McClintock. By Evelyn Fox Keller. Cell , Massachusetts, 1983, pp.593-594. afirma que, se a intenção de Keller foi apresentar McClintock como uma dissidente na ciência, ela acabou falhando (como vimos acima essa realmente não foi a intenção de Keller), uma vez que o foco dado à sua escrita foi muito mais direcionado à forma como a comunidade científica visualizava McClintock. Apesar disso, ela afirma que vale a pena ler o livro, já que ele consegue comunicar um forte senso de complexidade, originalidade e exclusividade de McClintock e sua abordagem científica.

Para Fells (1983)FELLS, Anna. A feeling for the organism: The Life and Work of Barbara McClintock. The Nation , New York, 1983, pp.509-513. , Keller conseguiu fazer com que McClintock emergisse no seu livro mesmo não tendo acesso a informações íntimas como geralmente é necessário para a escrita de uma biografia; a autora também destaca que McClintock é apresentada como tendo uma carreira surpreendente, não sendo apenas um rosto esquecido e negligenciado pela ciência. Já Laughnan (1984)LAUGHNAN, John. A Career in Genetics. Science, Washington, 1984, pp.482-483 [https://science.sciencemag.org/content/223/4635/482 - acesso em 04 ago 2021].
https://science.sciencemag.org/content/2...
traça uma análise bastante precisa da obra de Keller, relatando como ela apresentou o percurso de uma cientista solitária reconhecida como mítica, mas que inovou no ramo da genética. Para Eubanks (1985), o livro escrito por Keller aborda McClintock como uma pioneira na genética do milho e uma das cientistas mais conceituadas do século XX, descrevendo a obra como “um retrato excelente e provocador de Barbara McClintock, uma mulher notável e personalidade fundamental na história e filosofia da ciência” (Eubanks, 1985:538).

Vale ainda destacar os escritos de Comfort (2001)COMFORT, Nathaniel C. From controlling elements to transposons: Barbara McClintock and the Nobel Prize. Cell Press Journal, Trends in Genetics, Cambridge, 2001, pp.475-478 [https://www.cell.com/trends/genetics/fulltext/S0168-9525(01)02383-6#relatedArticles - acesso em 04 ago 2021].
https://www.cell.com/trends/genetics/ful...
que em seu livro sobre McClintock, The Tangled Field , fez fortes críticas ao trabalho de Keller, afirmando que ela havia criado o Mito McClintock. Para Comfort (2001)COMFORT, Nathaniel C. From controlling elements to transposons: Barbara McClintock and the Nobel Prize. Cell Press Journal, Trends in Genetics, Cambridge, 2001, pp.475-478 [https://www.cell.com/trends/genetics/fulltext/S0168-9525(01)02383-6#relatedArticles - acesso em 04 ago 2021].
https://www.cell.com/trends/genetics/ful...
, a trajetória de Barbara McClintock foi apresentada por Keller como uma luta pela aceitação em um mundo dominado por homens, como uma jornada por contratempos profissionais e financeiros, dificuldades sociais e humilhação, tornando-se um símbolo da discriminação feminina na ciência. Segundo Comfort, o mito se tornou uma fantasia sentimental, visto que a ciência desenvolvida por McClintock não seguia os padrões hegemonicamente masculinos, sendo holística e intuitiva. Nesse debate, Keller (2014) afirma que a história de McClintock não lhe pertencia mais, havia ganhado proporções e interpretações as quais ela jamais imaginaria ao iniciar o projeto. Por mais que não tenha reivindicado McClintock como uma cientista feminina ou feminista, ela reconheceu sua responsabilidade pelo mito que fez ser criado e pelas representações construídas sobre ela nos mais variados segmentos.

A segunda experiência foi vivenciada por Georgina Ferry na escrita da biografia de Dorothy Hodgkin (1910-1994). Georgina Ferry possui formação em Psicologia Experimental pela Universidade Oxford, atuando como editora e escritora científica, sendo a biografia de Hodgkin seu primeiro contato com a história das ciências. O seu livro traça a história de vida de Dorothy Hodgkin, uma cientista inglesa cuja determinação da estrutura de penicilina e vitamina B12 renderam o Prêmio Nobel de Química de 1964. Nesse sentido, Georgina Ferry explica que iniciou o projeto sobre Hodgkin a partir do desejo de torná-la mais conhecida entre a população do Reino Unido, sendo nitidamente um projeto vinculado à divulgação científica. Para isso, ela possuía experiência enquanto escritora e jornalista científica, embora não estivesse familiarizada com as problemáticas relacionadas ao gênero biográfico na história das ciências.

Ferry (2014FERRY, Georgina. Telling Stories or Making History? Two Lives in X-ray Crystallography. In: GOVONI, Paola; FRANCESCHI, Zelda Alice. Writing about lives in science. (Auto) Biography, gender, and genre . Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 2014, pp.55-66.: 59, tradução nossa) afirma que ainda acredita no potencial dessas histórias de vida para dar um rosto humano à ciência. Todavia, como a biógrafa explica, embora tenha usado ferramentas de estudiosos da área, no início as referências de sua biografia de Hodgkin foram compiladas com menos consciência do que deveriam ter sido, e de forma bastante superficial:

Devo admitir que não me preocupei muito se a biografia é ou não uma maneira válida de abordar a história da ciência. [...] Estou interessada nas contribuições intelectuais dos meus sujeitos biográficos apenas na medida em que os tornem figuras de influência e estima: estou muito mais interessada nas qualidades pessoais que levaram às suas conquistas e no ambiente social e cultural que promoveu ou impediu seu progresso.

Em 2010, Ferry foi entrevistada pela revista Nature e disse gostar das biografias por elas permitirem uma narrativa fluida, com começo, meio e fim, e pela curiosidade que esse gênero desperta, já que, como ela mesma relata: “é dada licença para ir e ler o pessoal de alguém e entrar em suas vidas de uma forma que você raramente tem o privilégio de fazer” (Ferry, 2010:1025, tradução nossa). Ferry também explica que escolheu Hodgkin para sua primeira biografia por ela ser a única mulher britânica a ter recebido um Prêmio Nobel de ciência, mas ainda assim a maioria das pessoas não conhecia seu trabalho. Além disso, segundo Ferry (2010:1025, tradução nossa), Hodgkin “era uma mãe que tinha três filhos e um marido que estava praticamente ausente em toda a sua carreira profissional”, interessando-lhe descobrir como a cientista conciliou isso tudo. Ferry (2010:1025, tradução nossa), também explica o motivo para o título da obra Dorothy Hodgkin: a life, não remeter à ciência: “Eu queria que parecesse uma biografia literária, não um livro de ciências. Quando as pessoas vão para uma livraria, elas buscam algo familiar [...]; se você tem ciência ligada a um nome do qual você nunca ouviu falar, o público poderia não se interessar em comprar o livro”. Nessa entrevista, fica nítido o interesse de Ferry em alcançar o público geral e não especializado, e sua escrita e a escolha do título refletiam esse desejo.

No entanto, Ferry percebeu que esse não foi o público que alcançou. Vendo as cartas que recebia, percebeu que seus leitores estavam longe de serem leigos, pelo contrário, eram formados por pesquisadores e professores. Ela atrela esse fato à uma questão de inacessibilidade do mercado editorial – a extrema dificuldade de publicação e divulgação de livros daqueles que não tinham fama; isso levou sua biografia a alcançar apenas um público seleto e estritamente interessado (Ferry, 2014).

De acordo com Govoni (2014)GOVONI, Paola. Crafting Scientific (Auto)Biographies. In: GOVONI, Paola; FRANCESCHI, Zelda Alice. Writing about lives in science. (Auto) Biography, gender, and genre. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 2014, pp.07-32. , o método de escrita biográfica desenvolvido por Ferry, que ia além das carreiras científicas de seus biografados, pensando também suas vidas individuais e percursos traçados para alcançar eventuais sucessos, foi bem aceito por parte do público especializado. Não à toa, inúmeras vezes, ela foi citada e recebeu convites para levar sua experiência como biógrafa para conferências especializadas.

Apesar disso, Söderqvist (2020)SÖDERQVIST, Thomas. The Meaning, Nature, and Scope of Scientific (Auto) Biography. In: FORSTNER, Christian; WALKER, Mark. Biographies in the History of Physics . Cham, Springer, 2020, pp.301-318. critica a biografia de Dorothy Hodgkin escrita por Ferry, julgando-a excessivamente enaltecedora da cientista. Govoni (2014)GOVONI, Paola. Crafting Scientific (Auto)Biographies. In: GOVONI, Paola; FRANCESCHI, Zelda Alice. Writing about lives in science. (Auto) Biography, gender, and genre. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 2014, pp.07-32. pondera que o parecer de Sördeqvist (2020) possui algumas problemáticas de gênero, uma vez que é exemplificado apenas por biografias de mulheres cientistas escritas por mulheres. Ainda, resenhas escritas nos primeiros anos após a publicação da biografia elogiam a forma como Ferry a escreveu.

Rossmann (1998:412) explica que mesmo Ferry não sendo cientista e nem tendo conhecido Dorothy, por viver em Oxford, ela estava familiarizada com o trabalho da universidade local, de modo que “ela pintou um retrato em palavras que é notavelmente preciso”, descrevendo que, muitas vezes, enquanto lia a biografia, imaginava que poderia ouvir e ver Dorothy como a conhecia. Para Dodson (1999DODSON, Eleanor. Dorothy Hodgkin: A Life. Structure, Cambridge, 1999, pp.147-148 [https://www.cell.com/structure/pdf/S0969-2126(99)80080-X.pdf - acesso em 04 ago 2021].
https://www.cell.com/structure/pdf/S0969...
: 148), “é um livro charmoso e inteligente, cheio de interesse para químicos estruturais e biólogos, gerando uma simpática e interessante compreensão sobre Dorothy Hodgkin”. Já para Sime (2000SIME, Ruth Lewin. Book Review: Dorothy Hodgkin: A Life Georgina Ferry. Isis , Chicago, 2000, p.810.: 810), a biografia escrita por Ferry “é um relato confiável no qual Dorothy Hodgkin, seu trabalho e as pessoas ao seu redor ganham vida”.

Para Sawyer (2001)SAWYER, Lindsey. Dorothy Hodgkin a Life. By Georgina Ferry. Genetics Research , Cambridge, 2001, pp.209-210 [https://www.cambridge.org/core/journals/genetics-research/article/dorothy-hodgkin-a-life-by-georgina-ferry-cold-spring-harbour-laboratory-press-2000-423-pages-price-1500-isbn-0-87969-590-0/883F713A57DE5F3E53E9E8A7B462E578 - acesso em 23 ago 2022].
https://www.cambridge.org/core/journals/...
o livro escrito por Ferry faz muito mais do que apenas documentar a vida e o trabalho de uma mulher cientista, sendo também uma biografia envolvente. Wolfers (1999) relata que Ferry consegue capturar a emoção e a excitação de buscas por verdades científicas sustentadas por anos e às vezes décadas, embora ressalte que o texto pode ser um pouco cansativo para o público leigo, apesar de este ter sido o público alvo de Ferry.

A estratégia narrativa adotada por Georgina Ferry pode proporcionar alguma compreensão de como as descobertas científicas e os avanços tecnológicos ocorrem. Ou seja, não se tratava de enaltecer Dorothy Hodgkin enquanto mulher cientista, seguindo uma tendência hagiográfica, e, sim, elevar o perfil de uma cientista pouco conhecida, percebendo os percursos e contextos, acadêmicos e sociais, que a levaram a desenvolver determinada pesquisa científica e alcançar o status de sucesso, que, no caso de Hodgkin, culminou no Prêmio Nobel.

A terceira experiência biográfica trata-se da escrita da biografia de Marie Curie, Obsessive genius: The inner world of Marie Curie, por Barbara Goldsmith. Goldsmith se formou em Artes e em inglês pelo Wellesley College. Suas primeiras atribuições como jornalista foram no campo da arte, escrevendo também uma série de perfis de celebridades de Hollywood. Ela tornou-se uma reconhecida escritora de Best Sellers nos Estados Unidos.

Marie Curie provavelmente é a mulher cientista mais famosa entre o público em geral. Dentre as primeiras biografias de Marie, temos a escrita por sua filha Eve Curie, publicada ainda na primeira metade do século XX, além de algumas notas autobiográficas junto aos seus escritos sobre Pierre em 1929. Quem se propôs a escrever a biografia de Marie Curie desde então precisou lidar com os estereótipos de como uma mulher cientista seria. No caso de Marie, o estereótipo de mulher fria e solitária, mas acima de tudo obstinada ao trabalho científico, e que negava papéis atrelados à feminilidade se aproximando de supostos padrões masculinos. O maior desafio da história de Marie sempre foi compreender como essa cientista sobreviveu a bombardeamentos morais em relação ao seu gênero na academia, sendo apenas uma mulher cientista e não uma heroína. Esse foi o intuito de Barbara Goldsmith com sua biografia.

Goldsmith relata que teve acesso a uma série de arquivos pessoais de Marie, que foram entregues por Eve Curie Labouisse, Hélene Langevin-Joliot e Pierre Joliot na década de 1990 à Bibliothèque Nationale . Dentre esses arquivos, estavam publicações científicas, cartas, diários e registros pessoais de Marie Curie. Por esses documentos permanecerem radioativos por muito tempo, não estavam disponíveis ao acesso de pesquisadores(as) até então. Goldsmith afirma que conhecer em certa medida a personalidade de Marie por meio desses documentos permitiu que ela tentasse se aproximar de uma imagem menos idealizada de quem foi Marie Curie como mulher e cientista.

A autora observa que se entusiasmou com Marie Curie por acreditar que por trás do ícone criado e divulgado pela mídia havia uma mulher real. Afirmou que seu interesse estava em mostrar que Marie poderia ser uma mulher excepcional, mas ainda ser uma mulher que experimentou dificuldades como qualquer outra, com opiniões e ambição. Segundo Fortunati (2014)FORTUNATI, Vita. Mirror Shards: Conflicting Images between Marie Curie’s Autobiography and her Biographies. In: GOVONI, Paola; FRANCESCHI, Zelda Alice. Writing about lives in science. (Auto) Biography, gender, and genre. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 2014, pp.141-160. , a intenção da biógrafa era entender a personalidade de Marie, mas também como sua imagem pública de heroína da ciência havia sido criada e interpretada.

Ao contrário da biografia escrita por Eve Curie, que era bastante evasiva em relação à vida privada de Marie, como o episódio da sua relação com Paul Langevin e a premiação do Nobel que veio em seguida, Goldsmith (2005)GOLDSMITH, Barbara. Obsessive genius: The inner world of Marie Curie. New York, W.W. Norton & Company, 2005. buscou evidenciar as demarcações de gênero ao interpretar essas informações. Esse episódio, citado no exemplo, passa por um exame minucioso na biografia, apresentando o contexto histórico e as questões de gênero envolvidas. Percebe-se, então, como uma questão da vida privada de Marie (seu relacionamento com Paul Langevin) teve impacto na sua imagem pública, já que devido a esse episódio ela foi recomendada a não comparecer na premiação do Nobel.

A imagem de Marie foi construída entre o público e o privado, coabitando por vezes duas Maries, como relata Fortunati ao examinar o processo de elaboração da biografia escrita por Goldsmith:

Aqui estão duas Maries, de um lado, a mulher direta, de outro, a complicada, apaixonada, teimosa e melancólica. Goldsmith ressalta como ela viveu sua dupla condição, no duplo vínculo de ser mulher e cientista, dois papéis que na França do início do século XX não podiam coabitar harmoniosamente, mas, pelo contrário, foram vividos de maneira dramática, quase esquizofrênica. Goldsmith observa a diferença de tom entre o diário privado e o laboratório, a fim de destacar a complexidade de sua personalidade, tendo que mudar de momentos de trabalho intenso e cansativo para momentos de depressão e “aposentadoria psíquica” ( Fortunati, 2014FORTUNATI, Vita. Mirror Shards: Conflicting Images between Marie Curie’s Autobiography and her Biographies. In: GOVONI, Paola; FRANCESCHI, Zelda Alice. Writing about lives in science. (Auto) Biography, gender, and genre. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 2014, pp.141-160.: 152, tradução nossa)5 5 Trecho original: “ Here are two Maries, on the one hand the straightforward woman, on the Other the complicated, passionate, stubborn, and melancholy one. Goldsmith underlines how she lived out her dual condition, in the double bind entailed by being a woman and a scientist, two roles that in early twentieth-century France could not cohabit harmoniously, but on the contrary, were lived out dramatically, almost schizophrenically. Goldsmith notes the difference in tone between her private and her lab diary, in order to highlight the complexity of her personality, having to switch from moments of intense, gruelling work to moments of depression and ‘psychic retirement’ ”. .

Nesse sentido, as relações entre o público e o privado, o laboratório e os diários e a imagem midiática e a personalidade foram fundamentais na construção da biografia de Marie, estabelecendo seu direito de ser fria e obsessiva, mas também depressiva e melancólica. Essa construção pode inclusive ser encarada como uma estratégia de Marie para conseguir sobreviver no ambiente masculinizado das ciências.

A biografia escrita por Goldsmith recebeu várias resenhas. Aparentemente, o texto foi bem recebido pelo público especializado logo nos primeiros anos da publicação, tornando-se em seguida um sucesso de vendas também para o público não especializado.

Em sua resenha, Lidie (2005) afirma ter se questionado sobre as motivações de Goldsmith para escrever uma biografia de Marie Curie, visto que a cientista já tinha importantes biografias publicadas. Todavia, a escrita de Goldsmith conseguiu ser inovadora, não só na exploração de diversos episódios públicos, mas por tentar compreender o mundo interior de Marie, desvendando como sua vida privada moldava a sua imagem pública, permitindo à própria Marie colaborar na criação da sua imagem mítica. Goldsmith não apresenta Marie como uma vítima da sociedade e tenta mostrar que ela era intransigente e obstinada. Para Lidie (2005), Goldsmith reconheceu que Marie Curie inventou sua própria história, e foi essa história – expressa principalmente em suas notas autobiográficas – que moldou a maioria de suas biografias desde então, tratando da limitação do seu corpo físico para o trabalho científico e transformando-a em um mito.

Já a resenha de Nye (2005)NYE, Mary Jo. The Inner Marie Curie. American Scientist , New Haven, 2005, pp.272-275 [https://www.jstor.org/stable/27858586 - acesso em 04 ago 2021].
https://www.jstor.org/stable/27858586...
para a American Scientist foi um pouco mais crítica. Segundo sua percepção, Goldsmith tentou apresentar uma outra face de Marie, mostrando uma análise psicológica sobre como a cientista vivenciava situações de obsessão e de depressão, que muitas vezes a fizeram se afastar da família e das filhas. Aponta que, de algum modo, as condições psicológicas de Marie colaboraram na criação da sua imagem como uma mulher estranha e obscura. Nesse sentido, Nye (2005)NYE, Mary Jo. The Inner Marie Curie. American Scientist , New Haven, 2005, pp.272-275 [https://www.jstor.org/stable/27858586 - acesso em 04 ago 2021].
https://www.jstor.org/stable/27858586...
se preocupou com a ambiguidade da mensagem transmitida por Goldsmith, questionando de que modo o exemplo da obsessão de Marie Curie, que parece tê-la impedido de sentir alegria no trabalho e na família – o que é destacado inclusive no título do livro – pode dissuadir mais do que inspirar mulheres.

Bekett (2006)BEKETT, Dorothy. Obsessive Genius: The Inner World of Marie Curie. Physics Today . Maryland, 2006, pp.61 [https://physicstoday.scitation.org/doi/10.1063/1.2180182 – acesso em 04 ago 2021].
https://physicstoday.scitation.org/doi/1...
ponderou que Goldsmith dissipou o mito de Curie de uma vida de perfeição elevada e reavalia muitos dos aspectos pessoais e sociais que a cientista enfrentou. Goldsmith parece se concentrar em buscar a imagem real de Marie, e ela escolheu operar por meio de leituras psicológicas de sua personalidade. Nesse mesmo sentido, Penczek (2006), relata que todo químico e cientista deveria ler o livro escrito por Goldsmith, por este trazer um retrato profundo de uma cientista brilhante e de uma mulher corajosa.

Sime (2007)SIME, Ruth Lewin. Obsessive Genius: The Inner World of Marie Curie. Physics in Perspective , Basel, 2007, pp.118-125 [https://link.springer.com/article/10.1007/s00016-007-0314-x - acesso em 04 ago 2021].
https://link.springer.com/article/10.100...
também traçou críticas. Segundo ela, o foco principal da biografia de Goldsmith seria atingir o público geral, tanto que há alguns erros científicos que podem incomodar o público especializado. No entanto, a biografia cumpre um papel importante ao buscar o objetivo de encontrar a verdadeira Marie Curie por trás de sua imagem de perfeição elevada, focando nas suas relações privadas e familiares, de modo a oferecer uma análise psicológica de Marie. Além disso, Goldsmith teria feito um grande esforço para tornar a ciência acessível ao público em geral. Assim, segundo Sime (2007)SIME, Ruth Lewin. Obsessive Genius: The Inner World of Marie Curie. Physics in Perspective , Basel, 2007, pp.118-125 [https://link.springer.com/article/10.1007/s00016-007-0314-x - acesso em 04 ago 2021].
https://link.springer.com/article/10.100...
, a biografia se apresenta como uma introdução à vida de Marie.

De modo geral, a biografia escrita por Goldsmith parece ter sido bem aceita nos primeiros anos após sua publicação. E hoje, sendo um sucesso de vendas com inúmeras traduções, percebemos a importância que essa biografia teve para divulgar o trabalho e a vida de Marie Curie. Goldsmith parece ter conseguido alcançar o seu objetivo ao traçar um novo perfil de Marie para além da imagem mítica – a imagem essa que, segundo a autora, a própria Marie Curie ajudou a criar como estratégia de sobrevivência no ambiente científico masculinizado. Goldsmith apresenta uma cientista muito mais humana do que a imagem comum de Marie Curie. Diante do sucesso da sua biografia, acreditamos que ela conseguiu colaborar de algum modo para desmistificá-la.

Considerações finais: contribuições para a escrita de biografias feministas de mulheres cientistas

Diante da análise das experiências de escrita biográfica de Keller, Ferry e Goldsmith, apresentamos algumas reflexões que podem contribuir para a escrita de biografias menos romantizadas e estereotipadas de mulheres cientistas, tais como: questionar os padrões hegemônicos da ciência e sua epistemologia; relacionar esferas pública e privada; utilizar gênero como uma categoria de análise; refletir sobre os diversos contextos atrelados ao texto biográfico; pensar na biografia como um projeto existencial.

Partindo da ideia de Simone de Beauvoir (2019)BEAUVOIR, Simone. O segundo Sexo . Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2019. de que nós mulheres fomos designadas ao lugar de “o outro” de um sujeito masculino, acreditamos que é fundamental a interferência feminista nos mais variados campos de conhecimento. Poderíamos simplesmente defender uma ideia genérica relacionada às biografias de mulheres cientistas, mas gostaríamos de evocar todo potencial político que a biografia feminista pode suscitar. Pensar uma biografia feminista não significa negar qualquer contribuição não feminista ao gênero biográfico, mas sim olhar criticamente para elas percebendo como podemos avançar a partir delas.

Ao pensar a escrita de biografias de mulheres cientistas, parece imprescindível perceber as diferentes formas de conhecer desenvolvidas por essas mulheres. Para avançar na superação de injustiças epistêmicas, precisamos incorporar as formas de conhecer que fogem do padrão de masculinidade colocado como métrica a esse conceito. Nesse sentido, podemos tomar como exemplo a experiência de Keller ao biografar McClintock, cientista reconhecida por sua abordagem heurística, cujo trabalho demorou décadas para ser premiado justamente por fugir aos métodos tradicionais da ciência. E mesmo que Keller tenha visto na biografia uma oportunidade de mostrar que a problemática não se concentrava em McClintock e sim na própria ciência e na epistemologia hegemônica, ela ainda assim enfrentou dificuldade em fazer o seu argumento compreensível.

Outra crítica feminista ao gênero biográfico refere-se à utilização do conceito de gênero como uma categoria de análise histórica, de acordo com Tilly (1994)TILLY, Louise A. Gênero, história das mulheres e história social. cadernos pagu (03), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 1994, pp.28-62 [https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/1722 – acesso em 24 ago 2002].
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/in...
. Vimos, por exemplo, na experiência de Keller, que mesmo tentando fugir do conceito de gênero, ele se tornou imprescindível para entender McClintock. Nas experiências de Ferry e de Goldsmith, as relações de gênero perpassaram pela motivação das autoras para escrever tais biografias. Santana (2021)SANTANA, Carolina Queiroz. Gênero, ciência e história: reflexões para escrita de história de mulheres nas ciências. Dissertação (Mestrado em ensino, filosofia e história das ciências), UFBA, Salvador, 2021. argumenta que o conceito de gênero é necessário não só para entender a ciência e a história de determinada mulher cientista, mas também para escapar de escritas anedóticas e hagiográficas. No caso de uma biografia feminista, essa categoria permite perceber como as relações de gênero afetaram a vida da cientista e a escrita das suas biografias sem recorrer a incoerências anacrônicas, como vimos na experiência de Goldsmith ao desmistificar a imagem de Marie Curie, pensando nela como uma mulher real, ao levar em consideração as relações de gênero que engendraram sua história de vida.

As experiências biográficas analisadas apontam para a importância de se pensar espaço privado e espaço público como indissociáveis. Um dos objetivos primordiais de Ferry ao biografar Dorothy Hodgkin foi perceber como foi possível para a cientista conciliar a vida doméstica e a vida acadêmica e ter sucesso em ambas. Neste caso, algumas considerações foram elencadas por Ferry, como características progressistas do centro de pesquisa em que Dorothy atuava – por exemplo, a criação de um cargo para que ela pudesse continuar trabalhando durante o nascimento dos três filhos – e a relação conjugal de Dorothy, caracterizada por Ferry como não-ortodoxa para a época. Na experiência de Goldsmith, a relação entre as esferas pública e privada aponta ainda para outro elemento relacionado à escrita de biografias. Goldsmith inova em sua escrita justamente por trazer o mundo interior de Marie, desmistificando essa cientista. Deste modo, a relação entre tais esferas pode proporcionar biografias menos romantizadas das cientistas.

Nessa relação entre público e privado, a história das mulheres se concentra na necessidade de criar suas próprias fontes, de pensar sua própria metodologia de consulta de dados (Amorim, 2003). A memória é uma agência imprescindível. A história oral e a análise de diários e documentos pessoais se configuram como metodologias imprescindíveis no desvendar da história das mulheres ( Santana, 2021SANTANA, Carolina Queiroz. Gênero, ciência e história: reflexões para escrita de história de mulheres nas ciências. Dissertação (Mestrado em ensino, filosofia e história das ciências), UFBA, Salvador, 2021. ). Por exemplo, Ferry (2014)FERRY, Georgina. Telling Stories or Making History? Two Lives in X-ray Crystallography. In: GOVONI, Paola; FRANCESCHI, Zelda Alice. Writing about lives in science. (Auto) Biography, gender, and genre . Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 2014, pp.55-66. afirma que não só o acesso aos arquivos pessoais de Hodgkin foi indispensável, como também a realização de entrevistas de seus amigos e colegas que a fizeram conhecer mais sobre a personalidade da cientista e perceber como o campo da análise da estrutura proteica cresceu por meio de amizades e contatos pessoais.

No que se refere ao contexto atrelado à biografia, concordamos com Keller (2014)KELLER, Evelyn Fox. Pot-holes Everywhere: How (not) to Read my Biography of Barbara McClintock. In: GOVONI, Paola; FRANCESCHI, Zelda Alice. Writing about lives in science. (Auto) Biography, gender, and genre. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 2014, pp.33-42. ao ver o texto biográfico como uma mercadoria. Ela explica que sua biografia de Barbara McClintock foi uma mercadoria desde o início, sendo modelada e remodelada pelas lembranças dos informantes, pelos interesses de quem escreveu e pelas necessidades de vários tipos de leitores. Ou seja, a sua versão da história de McClintock também tem uma historicidade, pois foi narrada e escrita em um determinado contexto. Além disso, é importante notar o público para o qual a biografia foi pensada e qual ele atingiu, pois mesmo escrevendo uma biografia destinada ao público leigo, Ferry atingiu um público mais especializado em ciências.

Por fim, retornamos a Söderqvist (2020)SÖDERQVIST, Thomas. The Meaning, Nature, and Scope of Scientific (Auto) Biography. In: FORSTNER, Christian; WALKER, Mark. Biographies in the History of Physics . Cham, Springer, 2020, pp.301-318. , afirmando a importância de entender a biografia de mulheres cientistas também como um projeto existencial. Acreditamos que, até certo ponto, as críticas feitas pelo autor sobre biografias de grupos marginalizados, ao dizer que elas são muitas vezes escritas de modo a exaltá-los, são válidas. Consideramos que foi importante saber que existiam mulheres nas ciências que poderiam ser exaltadas e elevadas como corriqueiramente foi feito com homens cientistas. Mas precisamos avançar, buscando entender a verdadeira complexidade da vida dessas mulheres, percebendo os projetos existenciais como edificantes, mostrando a forma como as paixões do cientista são imprescindíveis à sua existência.

Portanto, modificando uma frase de Söderqvist (1996)SÖDERQVIST, Thomas et al. Existential projects and existential choice in science: science biography as an edifying genre. In: SHORTLAND, Michael et al. Telling lives in science: Essays on scientific biography. Cambridge University Press, 1996, pp.45-84. , acreditamos que o objetivo da biografia feminista não é primariamente ser um auxílio para a história das mulheres na ciência, nem ser um gerador de estudos de caso. Em vez de adicionar à “hermenêutica da suspeita” que governa grande parte da história e da sociologia da ciência de hoje, acreditamos que o principal objetivo da biografia feminista é fornecer uma variedade de exemplos de projetos existenciais de mulheres cientistas – narrativas por meio das quais podemos nos identificar com outras mulheres que foram confrontadas com escolhas existenciais e lutaram para viver na e com a ciência. Tais histórias de vida não apenas oferecem oportunidades de nos entendermos, intelectualmente e emocionalmente, mas podem também nos mudar e criar. Portanto, as biografias de mulheres cientistas são edificantes, pois podem nos ajudar a reorientar nossos modos de pensar como as relações de gênero exercem poder sobre nossa própria existência e nossa relação com a ciência.

Referências bibliográficas

  • ALBERTO, Diana; SANJAD, Nelson. Emília Snethlage (1868-1929) e as razões para comemorar seus 150 anos de nascimento. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi . Belém, 2019, pp.1047-1070 [https://www.scielo.br/j/bgoeldi/a/SS9qKtZDJbDscX7M8vZ4Ktm/abstract/?lang=pt – acesso em 04 ago 2021].
    » https://www.scielo.br/j/bgoeldi/a/SS9qKtZDJbDscX7M8vZ4Ktm/abstract/?lang=pt
  • ALMEIDA, Silvio. Racismo estrutural. Barueri, Editorial Ltda., 2019.
  • BEAUVOIR, Simone. O segundo Sexo . Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2019.
  • BEKETT, Dorothy. Obsessive Genius: The Inner World of Marie Curie. Physics Today . Maryland, 2006, pp.61 [https://physicstoday.scitation.org/doi/10.1063/1.2180182 – acesso em 04 ago 2021].
    » https://physicstoday.scitation.org/doi/10.1063/1.2180182
  • CAINE, Barbara. Feminist biography and feminist history. Women’s History Review , Londres, 1994, pp.247-26 [https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/09612029400200049 – acesso em 18 out 2021].
    » https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/09612029400200049
  • COMFORT, Nathaniel C. From controlling elements to transposons: Barbara McClintock and the Nobel Prize. Cell Press Journal, Trends in Genetics, Cambridge, 2001, pp.475-478 [https://www.cell.com/trends/genetics/fulltext/S0168-9525(01)02383-6#relatedArticles - acesso em 04 ago 2021].
    » https://www.cell.com/trends/genetics/fulltext/S0168-9525(01)02383-6#relatedArticles
  • CORRÊA, Mariza. Antropólogas e antropologia . Belo Horizonte, Editora da UFMG, 2003.
  • DODSON, Eleanor. Dorothy Hodgkin: A Life. Structure, Cambridge, 1999, pp.147-148 [https://www.cell.com/structure/pdf/S0969-2126(99)80080-X.pdf - acesso em 04 ago 2021].
    » https://www.cell.com/structure/pdf/S0969-2126(99)80080-X.pdf
  • FEDOROFF, Nina. A Feeling for the Organism. The Life and Work of Barbara McClintock. By Evelyn Fox Keller. Cell , Massachusetts, 1983, pp.593-594.
  • FELLS, Anna. A feeling for the organism: The Life and Work of Barbara McClintock. The Nation , New York, 1983, pp.509-513.
  • FERRY, Georgina. Telling Stories or Making History? Two Lives in X-ray Crystallography. In: GOVONI, Paola; FRANCESCHI, Zelda Alice. Writing about lives in science. (Auto) Biography, gender, and genre . Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 2014, pp.55-66.
  • FERRY, Georgina. Dorothy Hodgkin: A Life. London, Granta Books, 1998.
  • FORTUNATI, Vita. Mirror Shards: Conflicting Images between Marie Curie’s Autobiography and her Biographies. In: GOVONI, Paola; FRANCESCHI, Zelda Alice. Writing about lives in science. (Auto) Biography, gender, and genre. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 2014, pp.141-160.
  • FREIRE JR, Olival. Biografia como gênero na história das ciências – O caso do físico David Bohm (1917-1992). Circumscribere: International Journal for the History of Science, São Paulo, 2020, pp.40-56 [https://revistas.pucsp.br/index.php/circumhc/article/view/49606 - acesso em 04 ago 2021].
    » https://revistas.pucsp.br/index.php/circumhc/article/view/49606
  • GOLDSMITH, Barbara. Obsessive genius: The inner world of Marie Curie. New York, W.W. Norton & Company, 2005.
  • GOVONI, Paola. Crafting Scientific (Auto)Biographies. In: GOVONI, Paola; FRANCESCHI, Zelda Alice. Writing about lives in science. (Auto) Biography, gender, and genre. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 2014, pp.07-32.
  • GOVONI, Paola. Biography: a critical tool to bridge the history of science and the history of women in science report on a conference at newnham college, Cambridge, 1999. Nuncius , Cambridge, 2000, pp.399-409 [https://brill.com/view/journals/nun/15/1/article-p399_11.xml - acesso em 23 ago 2022].
    » https://brill.com/view/journals/nun/15/1/article-p399_11.xml
  • GOVONI, Paola; FRANCESCHI, Zelda Alice. Writing about lives in science. (Auto) Biography, gender, and genre. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 2014.
  • JONES, Nicola. Q&A: Georgina Ferry on writing biography. Nature , London, 2010, pp.1025 [https://www.nature.com/articles/4631025a-49606 - acesso em 04 ago 2021].
    » https://www.nature.com/articles/4631025a-49606
  • JORDANOVA, Ludmilla. Nature displayed: gender, science and medicine 1760-1820. London, Longman. 1999.
  • KAHN, Andrew; ONION, Rebecca. Is History Written About Men, by Men? Slate, Washington, 2016.
  • KELLER, Evelyn Fox. Pot-holes Everywhere: How (not) to Read my Biography of Barbara McClintock. In: GOVONI, Paola; FRANCESCHI, Zelda Alice. Writing about lives in science. (Auto) Biography, gender, and genre. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 2014, pp.33-42.
  • KELLER, Evelyn Fox. Gender and science: Origin, history, and politics. Osiris, Chicago, 1995, pp.26-38 [https://www.journals.uchicago.edu/doi/10.1086/368741 - acesso em 04 ago 2021].
    » https://www.journals.uchicago.edu/doi/10.1086/368741
  • KELLER, Evelyn Fox. A Feeling for the Organism: The Life andWork of Barbara McClintock. San Francisco, W. H. Freeman, 1983.
  • LAUGHNAN, John. A Career in Genetics. Science, Washington, 1984, pp.482-483 [https://science.sciencemag.org/content/223/4635/482 - acesso em 04 ago 2021].
    » https://science.sciencemag.org/content/223/4635/482
  • LEAR, Linda. Rachel Carson: witness for nature. London, Allen Lane, 1998.
  • LIMA, Betina Stefanello. Quando o amor amarra: reflexões sobre as relações afetivas e a carreira científica. Revista Gênero , Niterói, 2011, pp.9-21 [https://periodicos.uff.br/revistagenero/article/view/31128/18218 - acesso em 04 ago 2021].
    » https://periodicos.uff.br/revistagenero/article/view/31128/18218
  • LINDEE, Susan. Marketing Marie. Nature, London 2005, pp.140-141 [https://www.nature.com/articles/434140a - acesso em 04 ago 2021].
    » https://www.nature.com/articles/434140a
  • LOPES, Maria Margaret. Proeminência na mídia, reputação em ciências: a construção de uma feminista paradigmática e cientista normal no Museu Nacional do Rio de Janeiro. História, Ciências, Saúde-Manguinhos , Rio de Janeiro, 2008, pp.73-95 [https://www.scielo.br/j/hcsm/a/mpZwTTwgsjyqpXXRqZ6hMSD/?lang=pt - acesso em 04 ago 2021].
    » https://www.scielo.br/j/hcsm/a/mpZwTTwgsjyqpXXRqZ6hMSD/?lang=pt
  • LOPES, Maria Margaret. “Aventureiras” nas ciências: refletindo sobre gênero e história das ciências naturais no Brasil. cadernos pagu (10), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 1998. pp.345-368 [https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/4689345 - acesso em 04 ago 2021].
    » https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/4689345
  • MAIA FILHO, Angevaldo Menezes; SILVA, Indianara. O experimento WS de 1950 e as suas implicações para a segunda revolução da mecânica quântica. Revista Brasileira de Ensino de Física , São Paulo, 2019 [https://www.scielo.br/j/rbef/a/KRhqvJf5J4kKKGwgHVhWRry/abstract/?lang=pt - acesso em 04 ago 2021].
    » https://www.scielo.br/j/rbef/a/KRhqvJf5J4kKKGwgHVhWRry/abstract/?lang=pt
  • MBEMBE, Achille. A questão da raça. Lisboa, Antígona, 2014.
  • MINELLA, Luzinete Simões. No trono da Ciência I: mulheres no Nobel da Fisiologia ou Medicina (1947-1988). Cadernos de Pesquisa , São Paulo, 2017, pp.70-93 [http://publicacoes.fcc.org.br/index.php/cp/article/view/3817 - acesso em 04 ago 2021]
    » http://publicacoes.fcc.org.br/index.php/cp/article/view/3817
  • MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia . In: Programa de educação sobre o negro na sociedade brasileira [S.l: s.n.], 2004 [https://repositorio.usp.br/item/001413002 - acesso em 11 out 2021].
    » https://repositorio.usp.br/item/001413002
  • NYE, Mary Jo. The Inner Marie Curie. American Scientist , New Haven, 2005, pp.272-275 [https://www.jstor.org/stable/27858586 - acesso em 04 ago 2021].
    » https://www.jstor.org/stable/27858586
  • OGILVIE, Marilyn Bailey. Marie Curie: a biography. Pennsylvania, Penn State Press, 2004.
  • PEREIRA, Letícia dos Santos. Uma química interrompida: Clara Immerwahr. Cadernos de Gênero e Tecnologias , Curitiba, 2021, pp.391-409 [https://periodicos.utfpr.edu.br/cgt/article/view/13411 - acesso em 04 ago 2021].
    » https://periodicos.utfpr.edu.br/cgt/article/view/13411
  • PEREIRA, Letícia dos Santos; SANTANA, Carolina Queiroz; BRANDÃO, Luís Felipe Silva da Paixão. O apagamento da contribuição feminina e negra na ciência: reflexões sobre a trajetória de Alice Ball. Cadernos de Gênero e Tecnologias , Curitiba, 2019, pp.92-110 [https://periodicos.utfpr.edu.br/cgt/article/view/9346 - acesso em 04 ago 2021].
    » https://periodicos.utfpr.edu.br/cgt/article/view/9346
  • PERROT, Michelle. Escrever a história das mulheres. In: PERROT, Michelle. Minha história das mulheres . 2.ed. São Paulo, Contexto, 2017, pp.13-39.
  • PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo, Contexto, 2007.
  • PERROT, Michelle. A mulher popular rebelde. In: PERROT, Michelle. Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros. 4.ed. São Paulo, Paz e Terra, 2006, pp.185-212. Tradução de Denise Bottmann.
  • PEZENK, Stanislaw. Obsessive Genius: The Inner World of Marie Curie. Chemistry International , Berlim, 2006, n.p.
  • QUINN, Susan. Marie Curie: uma vida. São Paulo, Scipione, 1997. Tradução Sonia Coutinho.
  • ROSSITER, Margaret W. Women scientists in America: Forging a new world since 1972 . Maryland, JHU Press, 2012.
  • ROSSITER, Margaret W. Women scientists in America: Before affirmative action, 1940-1972. Maryland, JHU Press, 1998.
  • ROSSITER, Margaret W. The Matthew Matilda effect in science. Social studies of science , Thousand Oaks, 1993, pp.325-34 [https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/030631293023002004 - acesso em 23 ago 2022].
    » https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/030631293023002004
  • ROSSITER, Margaret W. Women scientists in America: Struggles and strategies to 1940. Maryland, JHU Press, 1982.
  • ROSSMANN, Michael G. Full biography of Dorothy Hodgkin . Nature Structural Biology, London, 1999, pp.412-412 [https://www.nature.com/articles/nsb0599_412 - acesso em 23 ago 2022].
    » https://www.nature.com/articles/nsb0599_412
  • SANTANA, Carolina Queiroz. Gênero, ciência e história: reflexões para escrita de história de mulheres nas ciências. Dissertação (Mestrado em ensino, filosofia e história das ciências), UFBA, Salvador, 2021.
  • SAWYER, Lindsey. Dorothy Hodgkin a Life. By Georgina Ferry. Genetics Research , Cambridge, 2001, pp.209-210 [https://www.cambridge.org/core/journals/genetics-research/article/dorothy-hodgkin-a-life-by-georgina-ferry-cold-spring-harbour-laboratory-press-2000-423-pages-price-1500-isbn-0-87969-590-0/883F713A57DE5F3E53E9E8A7B462E578 - acesso em 23 ago 2022].
    » https://www.cambridge.org/core/journals/genetics-research/article/dorothy-hodgkin-a-life-by-georgina-ferry-cold-spring-harbour-laboratory-press-2000-423-pages-price-1500-isbn-0-87969-590-0/883F713A57DE5F3E53E9E8A7B462E578
  • SCHIEBINGER, Londa. O feminismo mudou a ciência . Bauru, Edusc, 2001.
  • SEPULVEDA, Claudia; SILVA, Indianara. Narrativas dissidentes: contribuições da história das mulheres para uma educação anti-opressão. In: GALIETA, Tatiana. Temáticas sociocientíficas na formação de professores . São Paulo, Editora Livraria da Física, 202, pp.93-112.
  • SIME, Ruth Lewin. Obsessive Genius: The Inner World of Marie Curie. Physics in Perspective , Basel, 2007, pp.118-125 [https://link.springer.com/article/10.1007/s00016-007-0314-x - acesso em 04 ago 2021].
    » https://link.springer.com/article/10.1007/s00016-007-0314-x
  • SIME, Ruth Lewin. Book Review: Dorothy Hodgkin: A Life Georgina Ferry. Isis , Chicago, 2000, p.810.
  • SÖDERQVIST, Thomas. The Meaning, Nature, and Scope of Scientific (Auto) Biography. In: FORSTNER, Christian; WALKER, Mark. Biographies in the History of Physics . Cham, Springer, 2020, pp.301-318.
  • SÖDERQVIST, Thomas et al. Existential projects and existential choice in science: science biography as an edifying genre. In: SHORTLAND, Michael et al. Telling lives in science: Essays on scientific biography. Cambridge University Press, 1996, pp.45-84.
  • TILLY, Louise A. Gênero, história das mulheres e história social. cadernos pagu (03), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 1994, pp.28-62 [https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/1722 – acesso em 24 ago 2002].
    » https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/1722
  • 1
    Apesar de a biografia ser um gênero comumente utilizado para popularizar a ciência, poucas biografias são publicadas sobre mulheres e por mulheres. Em um estudo realizado por Kahn e Onion no ano de 2016, os quais analisaram 614 obras de não ficção publicadas, as biografias representaram 21% do número total de livros publicados, personagens eram 71,7% do sexo masculino, dos quais apenas 13% foram escritas por mulheres.
  • 2
    O termo hagiografia ontologicamente designa a escrita de biografias dos santos cristãos. Ao perceber esse caráter acrítico referente às biografias desenvolvidas a partir da Era Vitoriana, o termo passou a ser usado para designar biografias que tendem a criar imagens idealizadas e anedóticas dos indivíduos. Ver Freire Jr. (2020).
  • 3
    Os conceitos de raça e etnia são complexos e polissêmicos. Neste trabalho, assumimos as definições propostas por Kabengele Munanga (2004)MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia . In: Programa de educação sobre o negro na sociedade brasileira [S.l: s.n.], 2004 [https://repositorio.usp.br/item/001413002 - acesso em 11 out 2021].
    https://repositorio.usp.br/item/00141300...
    : Compreende-se como “raça” uma forma de classificação dos indivíduos, criada no século XVIII, com o intuito de categorizar a diversidade humana em grupos com características biomorfológicas comuns. Por sua vez, chama-se de “etnia” a caracterização dos indivíduos pelas suas origens sociais e histórico-culturais. Nesse sentido, o idioma, a cosmovisão, a organização social, as crenças e religiosidades, e outros elementos sócioculturais são considerados na caracterização de um grupo étnico. Sugere-se a leitura dos seguintes textos: Achille Mbembe (2014)MBEMBE, Achille. A questão da raça. Lisboa, Antígona, 2014. , Kabengele Munanga (2004)MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia . In: Programa de educação sobre o negro na sociedade brasileira [S.l: s.n.], 2004 [https://repositorio.usp.br/item/001413002 - acesso em 11 out 2021].
    https://repositorio.usp.br/item/00141300...
    e Silvio Almeida (2019)ALMEIDA, Silvio. Racismo estrutural. Barueri, Editorial Ltda., 2019. . Sugere-se ainda consultar a Plataforma Sarah Baartman, no seguinte endereço: https://sarahbaartman.pro.br/ .
  • 4
    Trecho original: “But over the course of time, and in direct response to the media perpetuation of ‘the McClintock myth’ – i. e., to the image of McClintock as na icon of a feminine / feminist scientist –, some began to change their tune. They still insisted she was a maverick, but now, she wasn’t just any old maverick, she was a feminist maverick. And they attributed that interpretation to me. One scientist said to me, ‘Of course this is what you claim, I mean, just look at the title – ‘A Feeling for the Organism’ – without question, this defines her a feminine scientist.’ And another scientist said, ‘Oh, we know she was a feminist maverick, after all, she was a lesbian ’”.
  • 5
    Trecho original: “ Here are two Maries, on the one hand the straightforward woman, on the Other the complicated, passionate, stubborn, and melancholy one. Goldsmith underlines how she lived out her dual condition, in the double bind entailed by being a woman and a scientist, two roles that in early twentieth-century France could not cohabit harmoniously, but on the contrary, were lived out dramatically, almost schizophrenically. Goldsmith notes the difference in tone between her private and her lab diary, in order to highlight the complexity of her personality, having to switch from moments of intense, gruelling work to moments of depression and ‘psychic retirement’ ”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Out 2022

Histórico

  • Recebido
    13 Ago 2021
  • Aceito
    17 Mar 2022
Núcleo de Estudos de Gênero - Pagu Universidade Estadual de Campinas, PAGU Cidade Universitária "Zeferino Vaz", Rua Cora Coralina, 100, 13083-896, Campinas - São Paulo - Brasil, Tel.: (55 19) 3521 7873, (55 19) 3521 1704 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: cadpagu@unicamp.br