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Bolsa Família, autonomia feminina e equidade de gênero: o que indicam as pesquisas nacionais?

The Family Grant Program, Female Autonomy and Gender Equity: What do national studies indicate?

Resumo

O Programa Bolsa Família (PBF), desde sua criação, prioriza as mulheres como responsáveis pelo recebimento do benefício financeiro. Esse arranjo faz com que a conexão entre o PBF e mudanças nas relações de gênero seja objeto de interesse de diversas pesquisas. O objetivo deste texto é debater os achados dessas pesquisas. A conclusão é a de que, embora seu desenho possa reforçar a ideia de que o trabalho de cuidado é responsabilidade feminina, o PBF gera inquietações relativas à autoridade masculina e amplia as redes sociais das mulheres, tendo potencial para gerar mudanças nas relações de gênero.

Bolsa Família; Autonomia; Gênero

Abstract

The Family Grant program has, since its inception, given priority to women as the recipients of the cash benefit. Several studies have focused on the connection between the program and changes in gender relations. The purpose of this article is to discuss the findings of these studies. The conclusion is that although its design may reinforce the idea that caregiving is a female responsibility, the family grant program leads to questioning of male authority and broadens the social networks of women, and thus has potential to generate changes in gender relations.

Family Grant Program; Autonomy; Gender

Introdução

O Programa Bolsa Família (PBF) responde hoje, no Brasil, pelo atendimento de aproximadamente 13,8 milhões de famílias, correspondentes aos 25% mais pobres da população (julho/2016).1 1 Fonte: Secretaria Nacional de Renda de Cidadania do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (Senarc/MDSA). Entre seus objetivos básicos estão o combate à fome e à pobreza; o reforço do acesso à rede de serviços públicos, principalmente de educação, saúde e assistência social; a promoção da intersetorialidade e da sinergia das políticas públicas; e o estímulo à emancipação sustentada das famílias (Decreto n. 5.209/2004, art. 4º).

Esses objetivos são organizados pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA), seu órgão gestor no nível federal, em três dimensões de atuação: a transferência direta de renda; as condicionalidades nas áreas de saúde e educação; e a articulação com outras políticas públicas que ampliem as possibilidades de melhoria socioeconômica das famílias beneficiárias.

Em relação à transferência de renda, o PBF repassa mensalmente, por meio de cartão bancário, recursos financeiros às famílias em situação de extrema pobreza (renda familiar per capita mensal de até R$ 85,00) e de pobreza (renda familiar per capita entre R$ 85,01 e R$ 170,00). A estrutura de benefícios do PBF varia conforme o grau de pobreza e a composição etária da família. Resumidamente, o PBF transfere às famílias em extrema pobreza o recurso necessário para que cada pessoa da família supere a linha de extrema pobreza (R$ 85,00). Já as famílias pobres são atendidas desde que tenham crianças e adolescentes de até 17 anos e recebem os chamados benefícios variáveis – no valor de R$ 39,00 por criança ou adolescente entre 0 e 15 anos, gestantes ou nutrizes, até o limite de 5 benefícios por família – e o benefício variável vinculado ao adolescente, de R$ 46,00, por jovem entre 16 e 17 anos que frequente a escola, até o limite de 3 por família. O benefício mensal médio está em torno de R$ 182,00 (julho/2016).2 2 Fonte: Senarc/MDSA.

As condicionalidades abrangem as áreas de saúde e educação. Na saúde, gestantes devem realizar o pré-natal; nutrizes, fazer o acompanhamento de saúde da mãe e do bebê; e crianças de até 6 anos, cumprir o calendário de vacinação. Na educação, pessoas de até 15 anos devem frequentar 85% das aulas e aquelas entre 16 e 17 anos, 75% do calendário letivo.

Já a terceira dimensão, de articulação com outras políticas públicas, não é realizada no âmbito do PBF, mas a partir dele. Implica o atendimento de seus beneficiários por outras políticas e programas sociais, de forma a majorar as possibilidades de melhorarem de vida. Essa articulação se realiza por meio do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (Cadastro Único). Criado em 2001, esse cadastro foi unificado à gestão do PBF em 2003 e é a base de dados utilizada para a seleção de beneficiários do PBF. O público do Cadastro Único é mais amplo do que o atendido pelo PBF: devem ser cadastradas todas as famílias brasileiras com renda mensal per capita de até meio salário mínimo e podem também ser inscritas famílias com rendimento superior, desde que seu cadastramento esteja vinculado ao uso da informação por algum programa social. Desde 2011, com a instituição do Plano Brasil sem Miséria (BSM)3 3 Instituído pelo Decreto n. 7.492, de 2 de junho de 2011, o Plano Brasil sem Miséria visa superar a extrema pobreza, por meio da integração e articulação de políticas públicas. A ferramenta definida para seleção e acompanhamento do público atendido pelas iniciativas do Plano foi o Cadastro Único. , essas potencialidades se concretizaram e o uso do Cadastro Único se expandiu bastante entre as políticas públicas voltadas aos mais pobres. Atualmente, esse cadastro conta com cerca de 27 milhões de famílias registradas, sendo 23 milhões delas com renda mensal per capita de até ½ salário mínimo, e é utilizado por, além do PBF, quase 20 programas federais (julho/2016).4 4 A lista de programas usuários do Cadastro Único pode ser acessada em: http://mds.gov.br/assuntos/cadastro-unico/o-que-e-e-para-que-serve/programas-e-beneficios

No Cadastro Único, as informações coletadas são declaradas pela pessoa responsável pela unidade familiar (RF), que deve ter 16 anos, ou mais, e ser preferencialmente do sexo feminino (Decreto n. 6.135/2007). Essa RF é também a titular preferencial do PBF, isto é, a pessoa responsável pelo saque do benefício, conforme a Lei n. 10.836/2004. Do ponto de vista administrativo, a opção pela titularidade preferencial feminina no PBF decorre da definição legal já existente nos programas de transferência de renda condicionada anteriores ao PBF e a ele unificados em 2003. Sob a ótica conceitual, essa opção ratifica a perspectiva já existente nesses programas, e embasada em análises empíricas sobre os gastos domiciliares, de que a transferência monetária direta à mulher reforça sua utilização em prol de toda a família. Hoje, 92% das famílias beneficiárias têm mulheres como titulares (julho/20165 5 Fonte: Senarc/MDS. ).

É fato que trabalhar para a equidade de gênero não faz parte dos objetivos do Bolsa Família. No entanto, é expressivo o interesse sobre quais seriam os resultados da titularidade feminina do benefício nessa dimensão analítica – afinal, as relações de gênero são um tema transversal nas políticas públicas e programas sociais, mesmo não tendo esse objetivo, podem ou não contribuir no sentido de sua equidade. De um lado, uma vertente da crítica feminista aponta o uso instrumental da mulher pelo Estado, como forma de ampliar a eficácia da política pública, e o reforço da naturalização do papel feminino de cuidado. De outro, argumenta-se que o acesso à renda pela titular pode ampliar seu poder de decisão e gerar mais autonomia, na medida em que permite à mulher participar da provisão financeira do lar – tarefa tradicionalmente masculina.

Nesse cenário controverso sobre a atuação do Bolsa Família nas relações de gênero, este texto objetiva avançar na reflexão sobre o papel do Bolsa Família para a autonomia individual das mulheres e a promoção da equidade de gênero, tendo como pontos de partida o debate sobre a crítica feminista aos programas de transferência de renda condicionada e os achados das pesquisas brasileiras feitas sobre o tema. Esta análise abrange artigos de revistas científicas, livros e teses de doutorado publicados entre 2008 e setembro de 2016. A sistematização enfoca prioritariamente pesquisas que trabalham com fontes de dados primárias e versam sobre os efeitos do PBF na vida das mulheres, utilizando-se métodos quantitativos e qualitativos. Não serão abordadas, portanto, pesquisas dedicadas somente à caracterização dessas mulheres, ou à descrição de suas percepções sobre as relações de gênero, nas quais não é possível identificar vinculações entre mudanças na autonomia feminina ou nas relações de gênero e a participação no Bolsa Família. Publicações cujos métodos de pesquisa não estão suficientemente esclarecidos também não serão aqui tratadas.

Este texto divide-se em quatro seções, além desta Introdução. A seção 1 contextualiza o Programa Bolsa Família no bojo da crítica feminista sobre os Programas de Transferência de Renda Condicionada (PTCs) e examina a adequação dessas críticas à racionalidade do desenho do programa. A segunda seção aborda as pesquisas quantitativas – de representatividade nacional e localizada (no último caso, uma só). Na seção 3, tem-se a apresentação das pesquisas qualitativas sobre o tema, conjunto composto majoritariamente por estudos etnográficos, mas no qual há três análises baseadas em entrevistas e grupos focais. Por fim, a quarta e última seção dedica-se às conclusões, buscando identificar os consensos e dissensos entre as pesquisas acessadas, no sentido de examinar se e por quais caminhos o PBF contribui para ganhos de autonomia feminina e mudanças nas relações de gênero.

As críticas feministas aos Programas de Transferência de Renda Condicionada (PTCs) e a racionalidade do desenho do Bolsa Família: pontos e contrapontos

Antes de debater as críticas feministas aos programas de transferência de renda condicionada (PTCs), vale lembrar que o movimento feminista é bastante diverso e que, não necessariamente, o conjunto de questões aqui expostas reflete o pensamento de todo o feminismo. Mas as pesquisadoras feministas que têm se dedicado à análise dos PTCs repousam suas críticas fundamentalmente na interpretação de que esses programas fazem uso instrumental da mulher, refletido sobremaneira em três características comuns a eles: a definição da titularidade feminina do benefício; a exigência de condicionalidades; e a incapacidade para ampliar as possibilidades de escolhas individuais femininas (Molyneux, 2007Molyneux, Maxine. Change and Continuity in Social Protection in Latin America Mothers at the Service of the State? Gender and Development Programme Paper Number, UNRISD, 2007.; Costa, 2008Costa, Delaine M. Considerações sobre o Programa Bolsa Família: implicações para o empoderamento e a autonomia das mulheres. IBASE, 2008 [http://www.undppovertycentre.org/publications/mds/29P.pdf – acesso em 17 out. 2016].
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; Carloto; Mariano, 2010Carloto, Cassia Maria; Mariano, Silvana. As mulheres nos programas de transferência de renda: manutenção e mudanças nos papéis e desigualdades de gênero. In: Congresso Internacional da Rede Mundial de Renda Básica de Cidadania, 13º, 2010. São Paulo. [http://www.sinteseeventos.com.br/bien/pt/papers/cassiacarlotoAsmulheresnosprogramasdetransferenciaderenda.pdf – acesso em 10 nov. 2016].
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).

O primeiro conjunto de críticas, relativo à titularidade feminina, argumenta que essa definição, feita de forma apriorística pelo Estado, não visa somente ofertar à mulher o acesso preferencial ao recurso monetário: essa escolha direciona a ela a responsabilidade de mediação entre o Estado e a família. Enxergando-a como representação de uma família encarada como instância homogênea, o Estado reforça seu papel tradicional de cuidadora (Molyneux, 2007Molyneux, Maxine. Change and Continuity in Social Protection in Latin America Mothers at the Service of the State? Gender and Development Programme Paper Number, UNRISD, 2007.; Costa, 2008Costa, Delaine M. Considerações sobre o Programa Bolsa Família: implicações para o empoderamento e a autonomia das mulheres. IBASE, 2008 [http://www.undppovertycentre.org/publications/mds/29P.pdf – acesso em 17 out. 2016].
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; Carloto; Mariano, 2010Carloto, Cassia Maria; Mariano, Silvana. As mulheres nos programas de transferência de renda: manutenção e mudanças nos papéis e desigualdades de gênero. In: Congresso Internacional da Rede Mundial de Renda Básica de Cidadania, 13º, 2010. São Paulo. [http://www.sinteseeventos.com.br/bien/pt/papers/cassiacarlotoAsmulheresnosprogramasdetransferenciaderenda.pdf – acesso em 10 nov. 2016].
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; Carloto, 2012Carloto, Cassia Maria. Empoderamento, trabalho e cuidados: mulheres no programa bolsa família. Textos & Contextos (2), vol.11, Porto Alegre, 2012, pp.258-272.).

Costa (2008)Costa, Delaine M. Considerações sobre o Programa Bolsa Família: implicações para o empoderamento e a autonomia das mulheres. IBASE, 2008 [http://www.undppovertycentre.org/publications/mds/29P.pdf – acesso em 17 out. 2016].
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, a partir de pesquisa nacional realizada em 2007, identifica a concordância com a titularidade feminina do benefício entre a ampla maioria das titulares (87,5%), frequentemente justificada sob o argumento de que as mulheres conhecem melhor as necessidades da família. Ou seja, parece haver um consenso entre o desenho do programa e as beneficiárias: “essa política constrói-se a partir da perspectiva sobre o papel feminino na família e é o desempenho desse papel, reconhecido pelas beneficiárias como parte de sua identidade, que lhes habilita à condição de titular do benefício” (Costa, 2008Costa, Delaine M. Considerações sobre o Programa Bolsa Família: implicações para o empoderamento e a autonomia das mulheres. IBASE, 2008 [http://www.undppovertycentre.org/publications/mds/29P.pdf – acesso em 17 out. 2016].
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:7).

O segundo, sobre as condicionalidades, aponta que a exigência de contrapartidas nas áreas de saúde e educação geraria o aumento da responsabilidade com os filhos e a elevação do tempo gasto pela mulher nas atividades de cuidado. Em outras palavras, essa instrumentalização produziria sobrecarga de tarefas, a partir do reforço do etos da maternidade responsável. Ainda, teria o efeito de co-responsabilizar a mulher pelo combate à pobreza intergeracional, na medida em que caberia a ela acompanhar as agendas das condicionalidades definidas por tais programas (Gomes, 2011Gomes, Simone da Silva. Notas preliminares de uma crítica feminista aos programas de transferência direta de renda – o caso do Bolsa Família no Brasil. Textos & Contextos (1), vol.10, Porto Alegre, 2011, pp.69-81.; Carloto, 2012Carloto, Cassia Maria. Empoderamento, trabalho e cuidados: mulheres no programa bolsa família. Textos & Contextos (2), vol.11, Porto Alegre, 2012, pp.258-272.; Santos, 2014). Para Carloto (2012)Carloto, Cassia Maria. Empoderamento, trabalho e cuidados: mulheres no programa bolsa família. Textos & Contextos (2), vol.11, Porto Alegre, 2012, pp.258-272., as condicionalidades de educação demandariam grande alocação de tempo para levar e buscar os filhos em locais distantes de moradia, enquanto as de saúde requereriam idas, vindas e esperas pelos serviços de saúde, tal como a necessidade de adequação aos horários de funcionamento desses serviços.

O terceiro conjunto de críticas refere-se ao fato de os PTCs não ampliarem o conjunto de escolhas disponíveis às mulheres. Tais programas preocupariam-se com as mulheres mais jovens, no sentido de que permaneçam estudando, mas não com as mulheres adultas e com as peculiaridades sociais que marcam suas vidas. Encaradas de forma instrumental pela gestão dos PTCs, essas mulheres não teriam o apoio necessário para o desenvolvimento de capacidades que lhes permitam ampliar o leque de escolhas sociais. Principalmente, não haveria nesses programas nenhum amparo para que escolham se dedicar mais ao trabalho produtivo, gerador de independência e autonomia (Gomes, 2011Gomes, Simone da Silva. Notas preliminares de uma crítica feminista aos programas de transferência direta de renda – o caso do Bolsa Família no Brasil. Textos & Contextos (1), vol.10, Porto Alegre, 2011, pp.69-81.; Carloto, 2012Carloto, Cassia Maria. Empoderamento, trabalho e cuidados: mulheres no programa bolsa família. Textos & Contextos (2), vol.11, Porto Alegre, 2012, pp.258-272.).

Essa linha de análise traz à tona a diferença apontada por Farah (2004)Farah, Marta Ferreira Santos. Gênero e políticas públicas. Revista Estudos Feministas (12), vol.1, Florianópolis, 2004, pp.47-71. em relação à absorção da questão de gênero nas políticas públicas. Para a autora, essa inclusão pode ser realizada via programas orientados à mulher, ou pela inserção da dimensão de gênero em programas que não têm a mulher como seu foco principal. Neste último caso, a inclusão da dimensão gênero não necessariamente é o reconhecimento da agenda de gênero pautada na modificação da dinâmica de reprodução das desigualdades entre homens e mulheres. Situando o PBF nesse debate a partir da abordagem crítica em referência nesta seção, é como se a titularidade feminina trouxesse a mulher a um programa social no qual ela não é o foco e sem o objetivo de redução das assimetrias entre homens e mulheres de forma fundamental. O uso seria, no caso, instrumental: o Estado objetiva potencializar a política pública a partir do papel tradicional feminino na família. Dessa forma, apesar de não incorporar explicitamente uma perspectiva de gênero em seu desenho, no sentido de ter como objetivo a autonomia das mulheres, por exemplo, o PBF, ao dar preferência às mulheres na titularidade do cartão como forma de ampliar a eficácia do programa, embutiria e fortaleceria um viés de gênero.

Com efeito, não há como deixar de notar a aderência da racionalidade do desenho do PBF ao argumento do uso instrumental da mulher em sua função de mãe. A escolha apriorística do Estado sobre quem representa a família assenta-se numa percepção da divisão sexual do trabalho que identifica na mulher a função de responsável pelos cuidados. A Exposição de Motivos (EMs) da Medida Provisória (MP) que criou o Bolsa Família não traz nenhuma informação que permita claramente identificar as justificativas dessa escolha. Porém a titularidade feminina no PBF é derivada do desenho dos PTCs anteriores a ele, e nas EMs das MPs que criaram dois desses principais programas, Bolsa Escola e Bolsa Alimentação, o foco entre identidade feminina e maternidade está claro.6 6 Ver exposições de motivos das medidas provisórias que criaram os programas Bolsa Escola e Bolsa Alimentação, respectivamente, MP n. 2.140-1, de 2001, e MP n. 2.206-1, de 2001 [http://legis.senado.leg.br/diarios/BuscaDiario?tipDiario=2&datDiario=30/03/2001&paginaDireta=06711 (Bolsa Escola) e http://legis.senado.leg.br/diarios/BuscaDiario?tipDiario=2&datDiario=21/09/2001&paginaDireta=19151 (Bolsa Alimentação).

O Bolsa Família tem um desenho mais dedicado ao combate à pobreza do que o Bolsa Escola e o Bolsa Alimentação, o que se percebe na existência dos benefícios Básico e de Superação da Pobreza Extrema.7 7 Os programas Bolsa Escola e Bolsa Alimentação pagavam um benefício financeiro por criança, até o limite de três crianças por família. Não atendiam, portanto, famílias sem crianças. O PBF, desde seu início, além de incorporar os benefícios pagos por esses dois programas, criou o chamado Benefício Básico, pago a toda família em situação de extrema pobreza, independentemente de sua composição. Em 2012, passou também a pagar o chamado Benefício de Superação da Pobreza Extrema, que completa a renda da família (considerando também os benefícios já pagos pelo próprio PBF) para que nenhum beneficiário do programa permaneça na linha de extrema pobreza, que em julho de 2016 era de R$ 85,00 (Lei. N. 10.836/2004, atualizada pela Lei 12.817, de 2013). Mas partilha com eles um viés claramente pró-criança – a pobreza que as atinge e os adolescentes é das preocupações principais do programa. Isso se reflete nas condicionalidades e no não atendimento de famílias em situação de pobreza que não possuam crianças ou adolescentes entre 0 e 17 anos. Esse viés está intimamente relacionado ao êxito do PBF na diminuição da pobreza e na melhoria do acesso das crianças e adolescentes aos sistemas de saúde e educação. Tal êxito, porém, não afrouxa a aderência do desenho do programa à crítica de instrumentalização da mulher como representante familiar responsável pelas tarefas de cuidado. Não se pode deixar de sublinhar, porém, um contraponto à essa crítica: o fato de que o acesso à renda regular pela mulher pode gerar modificações num dos pólos da divisão sexual tradicional do trabalho. Afinal, a provisão monetária é um atributo tradicionalmente masculino.

Já no que se refere aos dois outros aspectos abordados, o encaixe da crítica feminista à racionalidade do desenho do PBF não parece se sustentar a contento. Em relação às condicionalidades, essa sustentação frágil vincula-se a algumas características do desenho e da administração do PBF. Primeiro, as condicionalidades são somente as agendas já previstas na legislação ou em protocolos das áreas de saúde e educação direcionadas ao conjunto da população e não apenas aos beneficiários – com exceção dos 85% de frequência escolar definidos para crianças de 6 a 15 anos, já que a exigência da legislação é de 75% de comparecimento às aulas nessa faixa de idade. Segundo, a verificação de condicionalidades é feita nos sistemas públicos de cada área: são os agentes públicos das áreas de saúde e educação de cada município que verificam o cumprimento das condicionalidades, registram e transmitem os dados ao nível nacional. Além disso, não há sanção em caso de descumprimento por motivos justificáveis – como doença na família ou indisponibilidade de transporte para chegar à escola. Finalmente, o desligamento da família do PBF ocorre somente após reiterados descumprimentos de condicionalidades e requer o acompanhamento prévio da família pelo sistema público de assistência social do município.

As normas infralegais da gestão de condicionalidades e seu modo de operação parecem sugerir, portanto, que as contrapartidas do PBF estão mais focadas no incentivo e na promoção do acesso aos serviços de educação e saúde do que nas sanções por descumprimento. Sugerem também que a elevação do tempo feminino com os cuidados não está presente explicitamente no desenho do PBF. Independentemente desse arranjo, é possível que, na prática, as mulheres beneficiárias sejam, ou sintam-se, responsabilizadas pelo cumprimento das condicionalidades ou mesmo pressionadas para esse fim. Considerando o contexto de privação de recursos financeiros em que vivem as mulheres beneficiárias, a própria informação de que a manutenção do benefício está vinculada à frequência escolar e aos cuidados com a saúde pode gerar este sentimento de pressão, que também pode surgir na relação entre as beneficiárias e os profissionais do PBF nos municípios. Por outro lado, considerando os efeitos do PBF na diminuição da desnutrição e da mortalidade infantil (Rasella et alii, 2013), uma hipótese alternativa é a de que o PBF, na percepção das mulheres, possibilite a redução do tempo dedicado aos cuidados com os filhos, em virtude de possível diminuição da suscetibilidade das crianças a doenças. Infelizmente, não há dados de representatividade nacional que permitam identificar em que medida isso ocorre ou não, tornando ambas as hipóteses carentes de investigações.

O último conjunto de críticas, o de que o PBF não se preocuparia com a ampliação das escolhas sociais das mulheres adultas, na verdade, responsabiliza um programa específico por atribuições de um conjunto de políticas públicas. Isso porque as possibilidades de ampliação das escolhas femininas requerem a atuação de políticas públicas que não fazem parte do PBF, nem estão vinculadas à sua gestão. Por exemplo, o acesso a creches para crianças de até 3 anos, de suma importância para o engajamento produtivo feminino, a oferta de cursos de qualificação profissional e a intermediação de mão de obra são responsabilidades federais de outros Ministérios e realizadas em coordenação com estados ou municípios. Em outros termos, direcionar ao PBF a insuficiência do aparato de proteção social brasileiro na promoção de possibilidades de ampliação das escolhas femininas é, antes de tudo, responsabilizar a parte – e uma pequena parte – pelo todo.

Embora não seja correto exigir que o Bolsa Família seja isoladamente responsabilizado por ampliar o leque de escolhas femininas, o programa tem potencial para contribuir nessa direção. Essa potencialidade está em sua ampla plataforma de informações de identificação e de características socioeconômicas da população mais pobre – o Cadastro Único, conforme mencionado na Introdução deste artigo. O uso integrado dessas informações pelo Estado pode fazer com que as políticas públicas, inclusive as universais, sejam tensionadas no sentido da equidade. Em outros termos, é viável que as informações do Cadastro Único sejam utilizadas para priorizar e monitorar o acesso das beneficiárias do Bolsa Família, ou de todas as mulheres cadastradas, a serviços, programas e benefícios públicos.

É fato que esforços federais foram feitos nessa direção nos últimos anos. No contexto do Plano Brasil sem Miséria (BSM), lançado em 2011 e coordenado pelo então Ministério do Desenvolvimento Social, diversos programas sociais passaram a priorizar o atendimento a essas famílias do PBF. Por exemplo, o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), instituído em outubro de 2011, articulou-se com o BSM e vagas em cursos de qualificação profissional foram direcionadas aos jovens e adultos beneficiários do PBF, com orientação dos professores e adaptação do material ao aprendizado da população de baixa renda. Somente nessa modalidade, denominada Pronatec BSM, 600 mil pessoas beneficiárias do PBF matricularam-se nos cursos, entre as quais 66% eram mulheres (Sousa et alii, 2015).

Também no BSM, houve tentativa de majorar a oferta de educação infantil às crianças do PBF entre 0 e 48 meses, por meio de repasse suplementar de recursos financeiros do Governo Federal aos municípios, conforme o número de crianças do PBF frequentando creches. A matrícula em creche teria atingido pouco mais de 700 mil crianças beneficiárias em 2014, representando 19,6% do total de beneficiários nessa faixa de idade. Persiste, no entanto, uma diferença muito expressiva de acesso conforme estratos de renda – em 2014, entre os 20% mais ricos da população brasileira, a proporção de crianças de até 48 meses frequentando a educação infantil foi de 42,5%, mais que o dobro daquela verificada entre os beneficiários do PBF (Costa et alii, 2014).

A diferença de acesso a creches entre os estratos de renda mostra que, se esse terceiro conjunto de críticas parece excessivamente exigente em relação ao PBF, está corretamente direcionado a um grande leque de políticas públicas. Isto é, a crítica soa correta, no sentido de sublinhar a necessidade de que o Estado brasileiro enxergue as mulheres adultas mais pobres em suas necessidades e trabalhe para que concretamente tenham a possibilidade de escolherem o engajamento produtivo digno.

Aderentes ou não à racionalidade do desenho do Bolsa Família, interessa aqui examinar se essas críticas se adequam aos achados das pesquisas quantitativas e qualitativas sobre o tema. Neste caso, distintamente das posições das estudiosas das relações de gênero, dá-se voz às beneficiárias, às mulheres pobres, que respondem aos questionários ou participam de entrevistas e grupos focais expressando suas próprias opiniões. Claro, na interpretação dos resultados dessas pesquisas, é preciso lembrar o lugar de fala dessas mulheres, isto é, os condicionamentos de suas opiniões não somente pela própria estrutura social, contexto cultural e socioeconômico, mas também porque se expressam como beneficiárias de uma política pública na qual pretendem seguir incluídas. Mas, se o lugar de fala das beneficiárias é repleto de condicionamentos sociais, também o são os nossos – das pesquisadoras da temática. E, sem dúvida, ouvir as mulheres do Bolsa Família é um meio bastante útil de tentar refletir sobre as questões aqui levantadas.

O que dizem as pesquisas quantitativas

O Brasil dispõe de resultados de pesquisas de cobertura nacional sobre o bem-estar das mulheres do PBF basicamente nas duas rodadas da pesquisa de avaliação de impacto sobre o programa (AIBF), efetuadas em 2005 e 2009 por instituições externas contratadas pelo MDSA, e em pesquisa sobre repercussões do PBF na segurança alimentar e nutricional das famílias, realizada em 2007 pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE). Essas pesquisas circunscrevem o exame do bem-estar feminino a questões sobre saúde reprodutiva e autonomia decisória no domicílio. Apesar de este último aspecto estar diretamente relacionado a transformações nas relações de gênero, é apenas uma de suas dimensões. Dessa forma, a centralização nesses aspectos deixa uma lacuna nas investigações de âmbito nacional que possibilitem interpretações mais abrangentes sobre os ganhos para as mulheres nas relações de gênero, a partir do recebimento do benefício do PBF.

A AIBF avaliou o impacto do PBF sobre o bem-estar feminino a partir de dois conjuntos de indicadores: número de consultas pré-natais e tomada de decisões no domicílio. Entre 2005 e 2009, o número médio de consultas de pré-natal por beneficiária passou de 3,5 para 4,4. Entre as não beneficiárias do grupo de comparação, os números foram de 2,9 e 4,3 para os anos da primeira e segunda rodadas, respectivamente. Conforme De Brauw (2010), o PBF contribuiu para que as gestantes beneficiárias grávidas em 2009 tivessem 1,6 consulta de pré-natal a mais, comparativamente às gestantes não beneficiárias, mas esse impacto precisa ser interpretado com cautela, pelo limitado tamanho da amostra de gestantes no período da pesquisa. Também foi positiva a queda na proporção de beneficiárias que não tiveram nenhuma consulta pré-natal durante a gestação, que passou de aproximadamente de 17,7% para 5,7% – mas esse impacto não é estatisticamente significante.

As duas rodadas da AIBF também questionaram as respondentes sobre quem tomava as decisões no domicílio: exclusivamente as mulheres; as mulheres e seus parceiros; ou exclusivamente os parceiros. As dimensões abordadas foram: compra de comida; vestimentas para si, para o parceiro e para as crianças; gastos com saúde das crianças; se a criança deve deixar de ir à escola; aquisição de bens de consumo duráveis para a casa; se a mulher deve trabalhar ou não; se o cônjuge deve trabalhar ou não; e sobre a decisão de usar métodos contraconceptivos.

Em 2005 e 2009, períodos de realização da pesquisa, a maior parte das mulheres afirmou tomar as decisões conjuntamente, sendo que aquelas que estavam sem a presença do cônjuge no momento da pesquisa tenderam a mais respostas de exclusividade nas decisões. Em 2009, nota-se um impacto de aproximadamente 10 pontos percentuais do PBF na decisão individual das mulheres sobre o uso de métodos contraceptivos. O exame do tema conforme o local de moradia demonstra que os impactos positivos do PBF na tomada de decisão exclusiva das mulheres são inexpressivos no meio rural, estando concentrados nas áreas urbanas. Nestas, o efeito positivo do PBF sobre as decisões exclusivamente das mulheres aumenta para 16% a 18% em relação ao uso de contraceptivos, 8% a 14% sobre a compra de bens duráveis, 13% a 15% em relação aos gastos com a saúde das crianças e 12% a 15% sobre a decisão do comparecimento da criança à escola (De Brauw et alii, 2014).

O aumento das decisões exclusivas sobre temas domésticos entre as mulheres da área urbana implica maior autonomia decisória, mas o resultado não pode ser considerado necessariamente positivo em termos de equidade nas relações de gênero – afinal, pode representar um afastamento maior dos homens da esfera doméstica e, portanto, mais sobrecarga para as mulheres e reforço das atribuições tidas socialmente como femininas. Já a decisão sobre o uso de métodos contraceptivos significa claramente a ampliação dos direitos reprodutivos femininos: autonomia decisória sobre o próprio corpo e a decisão de ter filhos. Esse resultado pode estar vinculado à maior frequência das mulheres ao sistema de saúde ou ao próprio valor monetário do benefício e pode sugerir que o PBF tem a potencialidade de atuar como instrumento de concretização do exercício de direitos reprodutivos.

Na pesquisa do IBASE, feita em 2007, entre os 5 mil titulares entrevistados, dos quais 94% eram mulheres, 42% afirmaram ter passado a frequentar mais os serviços de saúde e 33% ter mais acesso aos exames do Sistema Único de Saúde (Ibase, 2008Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE). Repercussões do Programa Bolsa Família na segurança alimentar e nutricional das famílias beneficiadas. Rio de Janeiro, IBASE; FINEP, 2008.). Sobre autonomia no domicílio, 38,2% das titulares afirmaram que seu poder de decisão sobre o dinheiro da família aumentou; 47,7% das titulares responderam se sentir mais independentes financeiramente e 27,7%, mais respeitadas por seus companheiros, enquanto somente 3,7% apontaram a existência de conflitos familiares por conta do uso do dinheiro do PBF (Costa, 2008Costa, Delaine M. Considerações sobre o Programa Bolsa Família: implicações para o empoderamento e a autonomia das mulheres. IBASE, 2008 [http://www.undppovertycentre.org/publications/mds/29P.pdf – acesso em 17 out. 2016].
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).

Essa pesquisa também perguntou se as respondentes deixaram de fazer algum trabalho em consequência do recebimento do PBF – pergunta respondida negativamente por 99,5% das titulares. A segunda rodada da AIBF também não identificou impacto expressivo do PBF na probabilidade de participação dos beneficiários, homens ou mulheres, na força de trabalho. De fato, as análises econométricas feitas com base nas pesquisas domiciliares nacionais majoritariamente corroboram os achados da AIBF, identificando somente impactos tênues do PBF na oferta de trabalho.

Em Oliveira e Soares (2013)Oliveira, Luís; Soares, Sergei. “Efeito Preguiça” em Programas de Transferência de Renda? In: Campello, Tereza; Neri, Marcelo (org.). Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania. Brasília, IPEA, 2013., tem-se uma boa meta avaliação das pesquisas que analisam possíveis impactos do PBF na jornada e na participação no mercado de trabalho de seus beneficiários. O resumo das pesquisas deixa claro que não há sustentação empírica para a tese de que a participação no programa impacta negativamente o engajamento produtivo de seus beneficiários. Porém, ainda que de forma tênue, identificam que o PBF reduz a participação das mães beneficiárias no trabalho remunerado, principalmente entre aquelas ocupadas no setor informal. Quando ocorre, a redução no tempo do trabalho remunerado das mulheres é acompanhada pelo aumento do tempo por elas dedicado aos afazeres domésticos, o que não ocorre com os homens.

Um survey realizado por Lavinas, Cobo e Veiga (2012) na cidade de Recife (PE) com 1.780 famílias inscritas no Cadastro Único, beneficiárias e não beneficiárias do PBF, traz resultado interessante sobre a percepção das beneficiárias em relação ao engajamento produtivo. Por meio das respostas aos questionários aplicados, as autoras buscaram isolar o efeito de ser beneficiária do Bolsa Família sobre um conjunto de questões vinculadas à dimensão de maior autonomia de gênero – basicamente, a opção por um padrão reprodutivo formado por um menor número de filhos e a percepção sobre o trabalho remunerado.

No que tange à fecundidade, a pesquisa identifica uma associação forte entre ser beneficiária do PBF e não desejar ter mais filhos para majorar sua permanência no PBF ou o valor dos benefícios. Esse achado coaduna-se com a ideia de que as mulheres beneficiárias da área urbana têm tido a possibilidade de maior exercício do direito de decisão sobre sua fecundidade, conforme identificado na segunda rodada da AIBF.

Em relação à percepção sobre o engajamento produtivo, notam que ser beneficiária do PBF impactou a probabilidade de as mulheres discordarem da afirmação de que, a partir do trabalho remunerado, “a mulher não depende mais do cônjuge/companheiro” e de que “a vida fica melhor em casa, porque a mulher tem mais autonomia e seu próprio dinheiro”. As variáveis com maior efeito explicativo nas respostas positivas a essas duas questões foram as relativas à escolaridade e à atividade. Ser beneficiária teve efeito positivo na maior probabilidade de as mulheres acharem que devem trabalhar só meio período, para ficar mais tempo com os filhos. Isso, segundo as autoras, demonstraria que a transferência de renda por si não gera percepções de valorização do trabalho feminino como fonte de independência. Mais anos de estudo e já trabalhar seriam os fatores que contribuem para que as mulheres mais pobres percebam positivamente o engajamento produtivo.

Ainda que as pesquisas econométricas não sejam conclusivas sobre o efeito de redução da oferta de trabalho gerado pelo PBF, conforme apontam Oliveira e Soares (2013)Oliveira, Luís; Soares, Sergei. “Efeito Preguiça” em Programas de Transferência de Renda? In: Campello, Tereza; Neri, Marcelo (org.). Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania. Brasília, IPEA, 2013., vale notar que, se tal redução existe, pode ter interpretações negativas e positivas sob a ótica feminista. De um lado, é inconteste o papel do trabalho remunerado para a independência e a autonomia femininas, de forma que dedicar menos tempo a ele e mais tempo ao espaço doméstico significaria fortalecer o papel tradicional da mulher como provedora de cuidados. Porém, se esse trabalho é precário e mal remunerado, seu caráter promotor de independência fica comprometido e uma menor dedicação das beneficiárias a esse tipo de engajamento produtivo poderia indicar que o PBF permite reduzir a sujeição feminina a relações de exploração no mercado de trabalho e, nesse sentido, ampliar o leque de escolhas para as mulheres.

O que dizem as pesquisas qualitativas

No terreno controverso dos efeitos do PBF para a autonomia das mulheres, cabe examinar o que dizem as pesquisas qualitativas feitas junto às titulares do programa: afinal, como se enxergam na dicotomia interpretativa de reforço ao tradicionalismo versus possíveis ganhos de autonomia?

Grosso modo, essas pesquisas versam basicamente sobre a percepção das beneficiárias em relação à sua participação no Bolsa Família e sobre as mudanças que isso tem provocado. Majoritariamente são de caráter etnográfico, à exceção das pesquisas de Libardoni (2008)Libardoni, Marlene. O Programa Bolsa Família e o enfrentamento das desigualdades de gênero. 2008. [http://www.ipc-undp.org/doc_africa_brazil/Webpage/missao/Pesquisas/PESQUISA_MULHER.pdf – acesso em 10 dez. 2015.
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, baseada em entrevistas em profundidade e grupos focais, Carloto e Mariano (2012), que usa entrevistas semiestruturadas e grupos focais, e Nadu, Simão e Fonseca (2013), que utiliza entrevistas semiestruturadas.

Para melhor sistematização e debate, os resultados desses estudos são aqui apresentados a partir de tópicos constantes da maior parte deles: a) de quem é o benefício do PBF e como deve ser utilizado?; b) a existência de sobrecarga gerada pelas condicionalidades; c) mudanças em relação à autoridade masculina no espaço doméstico; d) mudanças de ordem comunitária ou de projetos de vida; e) PBF e a necessária articulação com outros programas sociais. Ainda, no último tópico são debatidos alguns apontamentos de melhoria do PBF com vistas a ampliar a autonomia feminina, conforme indicado por alguns dos estudos.

Antes do início dos tópicos, é preciso notar que a maior parte dos estudos acessados sinalizam que o PBF reforça o vínculo entre a identidade feminina e o etos da maternidade. A maioria deles também aponta a concordância das titulares com essa identificação (Libardoni, 2008Libardoni, Marlene. O Programa Bolsa Família e o enfrentamento das desigualdades de gênero. 2008. [http://www.ipc-undp.org/doc_africa_brazil/Webpage/missao/Pesquisas/PESQUISA_MULHER.pdf – acesso em 10 dez. 2015.
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; Pires, 2012Pires, André. Orçamento familiar e gênero: percepções do Programa Bolsa Família. Cadernos de Pesquisa (145), vol. 42, Rio de Janeiro, 2012, pp.130-161.; Pereira; Ribeiro, 2013Pereira, Milena; Ribeiro, Fernanda. No Areal das mulheres: um benefício em família. Revista Política e trabalho (38), João Pessoa-PB, 2013, pp.87-104.; Rego; Pinzani, 2014Rego, Walquíria; Pinzani, Alessandro. Vozes do Bolsa Família: autonomia, dinheiro e cidadania. 2ªed., São Paulo, Unesp, 2014, pp.246.): num consenso entre o Estado e as mulheres, são elas que devem representar a família recebendo o benefício, já que são as que entendem as necessidades dos filhos e da casa – são as que “sabem fazer” (Libardoni, 2008Libardoni, Marlene. O Programa Bolsa Família e o enfrentamento das desigualdades de gênero. 2008. [http://www.ipc-undp.org/doc_africa_brazil/Webpage/missao/Pesquisas/PESQUISA_MULHER.pdf – acesso em 10 dez. 2015.
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:4). Portanto, existe consenso nessa literatura de que o PBF está assentado nesse papel tradicional da mulher e a instrumentaliza em seu funcionamento. Os tópicos abaixo objetivam avaliar se, apesar disso, o PBF traz ganhos de autonomia a elas e por quais caminhos esses ganhos parecem ser acessados.

a) De quem é o benefício do PBF e como deve ser gasto?

As pesquisas apontam que as titulares percebem o benefício do PBF como prioritariamente dos filhos (Pires, 2012Pires, André. Orçamento familiar e gênero: percepções do Programa Bolsa Família. Cadernos de Pesquisa (145), vol. 42, Rio de Janeiro, 2012, pp.130-161., 2013Pires, André. Relações de troca e reciprocidade entre os participantes do Programa Bolsa Família em Campinas (SP). Revista Política e trabalho (38), João Pessoa-PB, 2013, pp.171-195.; Carloto; Mariano, 2012; Pereira; Ribeiro, 2013Pereira, Milena; Ribeiro, Fernanda. No Areal das mulheres: um benefício em família. Revista Política e trabalho (38), João Pessoa-PB, 2013, pp.87-104.; Ahlert, 2013Ahlert, Martina. A “precisão” e o “luxo”: usos do benefício do Programa Bolsa Família entre as quebradeiras de coco de Codó (MA). Revista Política e trabalho (38), João Pessoa-PB, 2013, pp.69-86.; Rego; Pinzani, 2014Rego, Walquíria; Pinzani, Alessandro. Vozes do Bolsa Família: autonomia, dinheiro e cidadania. 2ªed., São Paulo, Unesp, 2014, pp.246.; Santos; 2014), o que gera inclusive um grande decoro e por vezes um julgamento moral na sua utilização (Pires, 2012Pires, André. Orçamento familiar e gênero: percepções do Programa Bolsa Família. Cadernos de Pesquisa (145), vol. 42, Rio de Janeiro, 2012, pp.130-161., 2013Pires, André. Relações de troca e reciprocidade entre os participantes do Programa Bolsa Família em Campinas (SP). Revista Política e trabalho (38), João Pessoa-PB, 2013, pp.171-195.; Pereira; Ribeiro; 2013Pereira, Milena; Ribeiro, Fernanda. No Areal das mulheres: um benefício em família. Revista Política e trabalho (38), João Pessoa-PB, 2013, pp.87-104.; Rego; Pinzani, 2014Rego, Walquíria; Pinzani, Alessandro. Vozes do Bolsa Família: autonomia, dinheiro e cidadania. 2ªed., São Paulo, Unesp, 2014, pp.246.). Notam também que o benefício é geralmente visto como uma contribuição feminina ao orçamento doméstico – é atribuição feminina receber e definir como gastar o recurso, a partir de sua legitimidade como a pessoa que conhece as necessidades dos filhos e do lar.

Pires (2012)Pires, André. Orçamento familiar e gênero: percepções do Programa Bolsa Família. Cadernos de Pesquisa (145), vol. 42, Rio de Janeiro, 2012, pp.130-161. sublinha a liberdade das titulares no uso do benefício sem negociação com o cônjuge, mas identifica também, entre elas, a existência de um julgamento moral da forma como é gasto o benefício. Há o jeito mais certo de gastar, aquele voltado diretamente aos filhos, e o jeito errado de gastar, com produtos que negam a ideia de maternidade responsável, como álcool e drogas. Entre o jeito certo e o errado há gradações: o gasto com bens que indiretamente beneficiam os filhos (como bens duráveis para a casa) também são considerados corretos e os gastos direcionados somente à titular são considerados aceitáveis, desde que as necessidades dos filhos estejam atendidas. Rego e Pinzani (2014)Rego, Walquíria; Pinzani, Alessandro. Vozes do Bolsa Família: autonomia, dinheiro e cidadania. 2ªed., São Paulo, Unesp, 2014, pp.246. referem-se inclusive à manifestação de vergonha das entrevistadas em admitir o uso do benefício em itens de cuidado pessoal.

Morton (2013)Morton, Gregory. Acesso à permanência: diferenças econômicas e práticas de gênero em domicílios que recebem Bolsa Família no sertão baiano. Revista Política e Trabalho (38), João Pessoa-PB, 2013, pp.43-67. nota uma clivagem entre os domicílios, em relação à autonomia da titular para o gasto do benefício e sua identificação com o recurso. Nos domicílios mais pobres, o benefício é usado sobremaneira para aquisições de curto prazo, como alimentos e remédios. A provisão de alimentos é vista como tarefa masculina e, portanto, nesses contextos o benefício é identificado com o marido e com a casa. Nas famílias menos pobres, a alimentação depende menos do PBF e o benefício pode ser então usado para outras coisas, como aquisição de bens duráveis em prestações. Nesses lares, o benefício é visto como contribuição feminina ao orçamento e é comumente utilizado pelas mulheres na compra de bens duráveis em prestações. Para o autor, a aquisição de bens duráveis produz um reforço do vínculo de quem o comprou à capacidade de consumir – o produto adquirido está visível diariamente, trazendo a lembrança de quem o proporcionou. O caráter de permanência dos produtos comprados com o benefício fortaleceria, portanto, a figura feminina nos domicílios menos pobres.

b) A existência de sobrecarga gerada pelas condicionalidades

Entre os estudos acessados, as condicionalidades e suas implicações são abordadas em Libardoni (2007), Pires (2012Pires, André. Orçamento familiar e gênero: percepções do Programa Bolsa Família. Cadernos de Pesquisa (145), vol. 42, Rio de Janeiro, 2012, pp.130-161., 2013Pires, André. Relações de troca e reciprocidade entre os participantes do Programa Bolsa Família em Campinas (SP). Revista Política e trabalho (38), João Pessoa-PB, 2013, pp.171-195.), Carloto e Mariano (2012), Pereira e Ribeiro (2013)Pereira, Milena; Ribeiro, Fernanda. No Areal das mulheres: um benefício em família. Revista Política e trabalho (38), João Pessoa-PB, 2013, pp.87-104., Rego e Pinzani (2014)Rego, Walquíria; Pinzani, Alessandro. Vozes do Bolsa Família: autonomia, dinheiro e cidadania. 2ªed., São Paulo, Unesp, 2014, pp.246., Nadu, Simão e Fonseca (2014) e Santos (2014).

Em Carloto e Mariano (2012), as condicionalidades são abordadas como geradoras de sobrecarga para as titulares. Sua pesquisa realizada nos municípios de Contagem (MG) e Londrina (PR) identificou que 37,3% das titulares em Uberlândia e 68,6% em Londrina afirmaram terem sentido aumento de suas responsabilidades depois da entrada no PBF, principalmente em atividades relacionadas ao acompanhamento escolar e às compras para as crianças. As autoras seguem a linha de interpretação sobre as condicionalidades apresentada na seção 1: são reforços à naturalização da responsabilidade feminina pelas tarefas de cuidado, que geram sobrecarga de trabalho, na medida em que estão desvinculadas da melhoria de oferta de serviços públicos de educação e saúde. Nadu, Simão e Fonseca (2014) não chegam a concluir que as condicionalidades geram ampliação do trabalho feminino, mas notam um incômodo de algumas titulares em não contar com a colaboração masculina no acompanhamento de saúde e educação dos filhos.

Em todos os demais estudos, as condicionalidades não são tratadas pelas titulares como algo que lhes traga sobrecarga. Pereira e Ribeiro (2013)Pereira, Milena; Ribeiro, Fernanda. No Areal das mulheres: um benefício em família. Revista Política e trabalho (38), João Pessoa-PB, 2013, pp.87-104. e Santos (2014) sugerem que a não identificação dessa sobrecarga pode derivar da própria naturalização, pelas titulares, da responsabilidade de cuidado com os filhos.

Embora em contextos de pesquisa bastante distintos – urbano, no caso de Pires (2013)Pires, André. Relações de troca e reciprocidade entre os participantes do Programa Bolsa Família em Campinas (SP). Revista Política e trabalho (38), João Pessoa-PB, 2013, pp.171-195., e majoritariamente rural, em Rego e Pinzani (2014)Rego, Walquíria; Pinzani, Alessandro. Vozes do Bolsa Família: autonomia, dinheiro e cidadania. 2ªed., São Paulo, Unesp, 2014, pp.246. –, esses dois trabalhos apresentam interpretação semelhante e positiva do papel das condicionalidades para as titulares: seriam um elo entre as mulheres e o Estado, independente da intermediação masculina. Um vínculo que produz, entre as titulares, um sentimento de cidadania e participação num círculo político mais amplo, na medida em que o Estado as reconhece como detentoras de direitos e deveres. Quando as trajetórias femininas são marcadas pela ausência do poder público, o PBF e suas condicionalidades seriam interpretados como um reconhecimento público da própria existência dessas mulheres. Ressalte-se que, em ambos os estudos, aparecem diversos casos em que as titulares personificam o Estado que com elas se relaciona na figura do ex-presidente Lula. Pires (2013)Pires, André. Relações de troca e reciprocidade entre os participantes do Programa Bolsa Família em Campinas (SP). Revista Política e trabalho (38), João Pessoa-PB, 2013, pp.171-195. ressalta que essa característica pode estar ligada ao funcionamento da visibilidade política em países presidencialistas. Rego e Pinzani (2014)Rego, Walquíria; Pinzani, Alessandro. Vozes do Bolsa Família: autonomia, dinheiro e cidadania. 2ªed., São Paulo, Unesp, 2014, pp.246. sugerem que tal personificação relaciona-se à identificação das titulares com o ex-presidente – a percepção de que ele se preocuparia com elas, por também ter vivenciado uma trajetória de pobreza.

c) Mudanças em relação à autonomia no espaço doméstico e à autoridade masculina

À exceção de Ahlert (2013)Ahlert, Martina. A “precisão” e o “luxo”: usos do benefício do Programa Bolsa Família entre as quebradeiras de coco de Codó (MA). Revista Política e trabalho (38), João Pessoa-PB, 2013, pp.69-86. e Pires (2013)Pires, André. Relações de troca e reciprocidade entre os participantes do Programa Bolsa Família em Campinas (SP). Revista Política e trabalho (38), João Pessoa-PB, 2013, pp.171-195., que não abordam este assunto, todos os demais autores sublinham ganhos de autonomia das mulheres titulares dentro do espaço doméstico (Libardoni, 2007; Pires, 2012Pires, André. Orçamento familiar e gênero: percepções do Programa Bolsa Família. Cadernos de Pesquisa (145), vol. 42, Rio de Janeiro, 2012, pp.130-161.; Pereira; Ribeiro, 2013Pereira, Milena; Ribeiro, Fernanda. No Areal das mulheres: um benefício em família. Revista Política e trabalho (38), João Pessoa-PB, 2013, pp.87-104.; Morton, 2013Morton, Gregory. Acesso à permanência: diferenças econômicas e práticas de gênero em domicílios que recebem Bolsa Família no sertão baiano. Revista Política e Trabalho (38), João Pessoa-PB, 2013, pp.43-67.; Rego; Pinzani, 2014Rego, Walquíria; Pinzani, Alessandro. Vozes do Bolsa Família: autonomia, dinheiro e cidadania. 2ªed., São Paulo, Unesp, 2014, pp.246.; Santos, 2014). Basicamente, o benefício, que muitas vezes é a maior ou a única fonte de renda regular, fornece às mulheres alguma segurança financeira e a percepção de que são donas de um rendimento, possibilitando-lhes fazer escolhas de consumo não subordinadas às vontades do parceiro. Está presente na maior parte dos estudos a identificação de que essa segurança de renda gera sentimentos de respeito próprio ou ampliações de expectativas para a vida futura que propiciam, inclusive, questionamentos sobre a autoridade masculina tradicional e a perspectiva de se livrarem de relações conjugais indesejadas (Libardoni, 2007; Pires, 2012Pires, André. Orçamento familiar e gênero: percepções do Programa Bolsa Família. Cadernos de Pesquisa (145), vol. 42, Rio de Janeiro, 2012, pp.130-161.; Morton, 2013Morton, Gregory. Acesso à permanência: diferenças econômicas e práticas de gênero em domicílios que recebem Bolsa Família no sertão baiano. Revista Política e Trabalho (38), João Pessoa-PB, 2013, pp.43-67.; Rego; Pinzani, 2014Rego, Walquíria; Pinzani, Alessandro. Vozes do Bolsa Família: autonomia, dinheiro e cidadania. 2ªed., São Paulo, Unesp, 2014, pp.246.; Santos, 2014).

Para Pereira e Ribeiro (2013)Pereira, Milena; Ribeiro, Fernanda. No Areal das mulheres: um benefício em família. Revista Política e trabalho (38), João Pessoa-PB, 2013, pp.87-104., os reiterados comentários de independência feminina feitos pelas entrevistadas podem ser sinal de que o PBF está fortalecendo esse tipo de postura. Morton (2013)Morton, Gregory. Acesso à permanência: diferenças econômicas e práticas de gênero em domicílios que recebem Bolsa Família no sertão baiano. Revista Política e Trabalho (38), João Pessoa-PB, 2013, pp.43-67. identifica que há mais espaço para ganhos de autonomia feminina nos lares menos pobres, onde as mulheres se afirmam como donas de um rendimento que propicia aquisição de bens que circulam no longo prazo (ver item a). Rego e Pinzani (2014)Rego, Walquíria; Pinzani, Alessandro. Vozes do Bolsa Família: autonomia, dinheiro e cidadania. 2ªed., São Paulo, Unesp, 2014, pp.246. ressaltam o sentimento de liberdade fornecido pela renda regular, que por vezes se traduz, entre outras dimensões, em sentir-se livre da dependência do cônjuge. Carloto e Mariano (2012) e Nadu, Simão e Fonseca (2014) notam que, para algumas titulares, a segurança do benefício do Bolsa Família contribuiu para que pudessem optar pela separação de seus cônjuges.

Observe-se que, nesse caso, os ganhos de autonomia não são avaliados restringindo-os ao engajamento produtivo e à independência financeira feminina, devendo ser entendidos, grosso modo, como ampliações nas possibilidades de escolhas das titulares, dentro de estruturas sociais específicas, geralmente marcadas pela privação e por relações de gênero tradicionais. Aqui, como em muitos escritos feministas e sociológicos, a autonomia das mulheres não se restringe a acesso à renda e/ou ao trabalho produtivo, sendo este apenas um dos aspectos de um conceito bastante mais complexo.8 8 Rego e Pinzani (2014), em sua análise do PBF, debruçam-se sobre o conceito de autonomia – nesse caso, não somente referindo-se às mulheres. Para uma discussão mais aprofundada dentro da perspectiva feminista, ver Biroli (2013).

d) Mudanças de ordem comunitária ou de projetos de vida

A maior parte das pesquisas aponta que o PBF trouxe ganhos na ampliação das expectativas, na percepção do aumento das possibilidades de escolhas e, por vezes, na participação comunitária das titulares (Libardoni; 2008Libardoni, Marlene. O Programa Bolsa Família e o enfrentamento das desigualdades de gênero. 2008. [http://www.ipc-undp.org/doc_africa_brazil/Webpage/missao/Pesquisas/PESQUISA_MULHER.pdf – acesso em 10 dez. 2015.
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; Pires; 2012Pires, André. Orçamento familiar e gênero: percepções do Programa Bolsa Família. Cadernos de Pesquisa (145), vol. 42, Rio de Janeiro, 2012, pp.130-161., 2013Pires, André. Relações de troca e reciprocidade entre os participantes do Programa Bolsa Família em Campinas (SP). Revista Política e trabalho (38), João Pessoa-PB, 2013, pp.171-195.; Morton, 2013Morton, Gregory. Acesso à permanência: diferenças econômicas e práticas de gênero em domicílios que recebem Bolsa Família no sertão baiano. Revista Política e Trabalho (38), João Pessoa-PB, 2013, pp.43-67.; Ahlert, 2013Ahlert, Martina. A “precisão” e o “luxo”: usos do benefício do Programa Bolsa Família entre as quebradeiras de coco de Codó (MA). Revista Política e trabalho (38), João Pessoa-PB, 2013, pp.69-86.; Rego; Panzani, 2014; Santos, 2014).

Libardoni (2007) nota que o simples fato de que mulheres marcadas pelo isolamento social tenham de tirar documentos civis para se inscrever no PBF lhes fornecia a sensação de participar de um círculo mais amplo e de estar socialmente visíveis. Pires (2012Pires, André. Orçamento familiar e gênero: percepções do Programa Bolsa Família. Cadernos de Pesquisa (145), vol. 42, Rio de Janeiro, 2012, pp.130-161.; 2013) percebe as condicionalidades como compromissos que geram sentimentos de reconhecimento social entre as beneficiárias. Ahlert (2013)Ahlert, Martina. A “precisão” e o “luxo”: usos do benefício do Programa Bolsa Família entre as quebradeiras de coco de Codó (MA). Revista Política e trabalho (38), João Pessoa-PB, 2013, pp.69-86. identifica que o benefício flexibiliza a necessidade de as mulheres trabalharem sem nenhum descanso semanal. Rego e Pinzani (2014)Rego, Walquíria; Pinzani, Alessandro. Vozes do Bolsa Família: autonomia, dinheiro e cidadania. 2ªed., São Paulo, Unesp, 2014, pp.246. notam na titularidade feminina um esteio para as mulheres rejeitarem trabalhos desvalorizados, sub-remunerados e precários. Segundo Santos (2014), a rejeição a esse tipo de trabalho viria acompanhada pela expectativa de que possam ter um emprego com garantias trabalhistas – um modo de reconfigurar a trajetória de trabalho feminino precário que marca suas famílias.

Morton (2013)Morton, Gregory. Acesso à permanência: diferenças econômicas e práticas de gênero em domicílios que recebem Bolsa Família no sertão baiano. Revista Política e Trabalho (38), João Pessoa-PB, 2013, pp.43-67. nota que, mesmo nos domicílios mais pobres, onde o benefício não é visto como dinheiro feminino, ele contribuiria para que as mulheres cultivem sonhos, como de enviar os filhos à faculdade ou comprar animais para criação e revenda, inclusive poupando, sem contar ao parceiro, parcela do benefício para a consecução desses sonhos. Rego e Pinzani (2014)Rego, Walquíria; Pinzani, Alessandro. Vozes do Bolsa Família: autonomia, dinheiro e cidadania. 2ªed., São Paulo, Unesp, 2014, pp.246. veem no PBF o início de um processo de possível rompimento com a cultura da resignação, a sensação constante de que a miséria é uma sina. Ainda que as beneficiárias percebam que somente na geração dos filhos haverá saída, existe o sentimento de que é possível romper com a história de miséria. O acesso à renda regular lhes possibilita também maior circulação: ir ao comércio, fazer compras e sentir-se respeitadas pelos comerciantes proporciona às titulares a diminuição do isolamento social e a sensação de dignidade.

e) PBF e a necessária articulação com outros programas sociais

Alguns autores apontam também lacunas importantes nas quais o PBF pode agir indiretamente, isto é, por meio dos serviços públicos a ele associados. Libardoni (2008)Libardoni, Marlene. O Programa Bolsa Família e o enfrentamento das desigualdades de gênero. 2008. [http://www.ipc-undp.org/doc_africa_brazil/Webpage/missao/Pesquisas/PESQUISA_MULHER.pdf – acesso em 10 dez. 2015.
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reflete sobre a possibilidade de que o PBF defina, em nível federal, mecanismos de potencializar as capacidades das beneficiárias por meio dos programas sociais a ele articulados. Nadu, Simão e Fonseca (2013, 2014) atentam sobre a importância simbólica que o trabalho tem na vida das mulheres beneficiárias do Bolsa Família e, evocando os argumentos de Carloto e Mariano (2012), engrossam o coro da importância de políticas de articulação entre trabalho e responsabilidades familiares, para que as mulheres do PBF possam ampliar suas possibilidades de engajamento produtivo.

Santos (2014), pesquisando em área urbana, nota que as mulheres titulares têm histórias marcadas por gravidezes indesejadas e apresentam grandes dificuldades em acessar orientações sobre métodos contraceptivos, tal como os métodos em si. A esterilização aparece como um desejo que, frente à inoperância da saúde pública, só pode se concretizar por sorte. Para a autora, o PBF fortalece o vínculo das titulares com a saúde pública apenas em seu papel materno e poderia abordar minimamente a dimensão de direitos reprodutivos. Rego e Pinzani (2014)Rego, Walquíria; Pinzani, Alessandro. Vozes do Bolsa Família: autonomia, dinheiro e cidadania. 2ªed., São Paulo, Unesp, 2014, pp.246., em cuja pesquisa a laqueadura também aparece diversas vezes como desejo ou conquista das mulheres das áreas rurais, indicam a importância de que o Estado apoie formas pelas quais as beneficiárias consigam se organizar, para compartilhar experiências e vocalizar demandas ao Estado – o que também já foi apontado por Libardoni (2008)Libardoni, Marlene. O Programa Bolsa Família e o enfrentamento das desigualdades de gênero. 2008. [http://www.ipc-undp.org/doc_africa_brazil/Webpage/missao/Pesquisas/PESQUISA_MULHER.pdf – acesso em 10 dez. 2015.
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A crítica sobre a necessidade de mudanças no PBF – para que seja capaz de ampliar as possibilidades de engajamento produtivo das mulheres ou a ampliação de suas escolhas – parece correta no diagnóstico da necessidade, mas está mal direcionada ou exige excessivamente de um programa focalizado de transferência de renda condicionada. Isso se depreende da própria argumentação dessas críticas, que são no sentido de apontar a privação de escolhas pelas quais passam as mulheres beneficiárias marcadamente pela falta de oferta de serviços públicos de qualidade.

Aqui é preciso fazer distinção entre o amplo objetivo de transformação das relações de gênero e o aprimoramento das políticas públicas para as mulheres – e, ainda, entre este último e a melhoria dos serviços públicos que são primordialmente acessados pelas mulheres. São três fins que se inter-relacionam, aparecem nas análises sobre Bolsa Família e gênero e para cujo alcance o programa pode ter menor ou maior potencialidade.

Embora, como se argumentou, seja inadequado exigir do PBF a responsabilidade sobre a melhoria de serviços que ampliem as escolhas disponíveis às mulheres mais pobres, vale lembrar, conforme exposto na seção 2, que o PBF, ao contar com uma extensa plataforma de informações e com serviços de educação, saúde e assistência social a ele associados, pode favorecer que esses e outros serviços cheguem às titulares – pode servir como catalizador de acesso aos serviços. Por exemplo, se a saúde pública estabelece um vínculo maior com as titulares do PBF por meio das condicionalidades, seria positivo que essa relação tomasse formas mais amplas além da preocupação com o bem-estar infantil, fortalecendo os direitos reprodutivos dessas mulheres.

Ainda, parece viável a sugestão de que sejam criados espaços para que as titulares se encontrem, compartilhem experiências e organizem suas demandas ao Estado. Há que se lembrar de que todos os municípios brasileiros contam com conselhos responsáveis pelo controle social do PBF (conselhos municipais de assistência social), que têm a diretriz de promover a participação dos usuários dessa política. Esses espaços poderiam, portanto, estar articulados aos próprios conselhos, mas devem ser de participação voluntária das titulares e sem nenhuma espécie de condicionamento, a fim de não constrangerem o próprio rol de escolhas femininas que pretendem ampliar.

Ou seja, essas melhorias de atuação do Estado em direção à autonomia das mulheres mais pobres não estão no escopo do PBF, mas podem ser indiretamente facilitadas por ele, por meio de sua estrutura de informações (Cadastro Único, principalmente) e da articulação governamental. Porém, para que não pareça ao leitor que esse é um caminho fácil e com atalhos, é preciso recordar que essa articulação traz desafios importantes, entre os quais estão não só a melhoria da oferta e da qualidade dos serviços públicos no cenário de restrição fiscal vigente, mas também a necessidade de preparação e formação, também sobre a temática de equidade nas relações de gênero, dos profissionais que diretamente prestam os serviços à população. Essa é outra dimensão da maior importância quando se trata de repensar a transformação das relações de gênero. Se as convenções sociais de gênero não são questionadas e são a todo tempo reproduzidas pelos agentes do Estado, tem-se mais um obstáculo ao reconhecimento da cidadania das mulheres como sujeitos.

Considerações finais

Este texto buscou sistematizar as pesquisas brasileiras feitas junto às titulares do Bolsa Família sobre possíveis efeitos do programa para a autonomia feminina e as mudanças nas relações de gênero. Ao fornecer renda regular mensal a mulheres que vivenciam situação de pobreza e privação, o Bolsa Família promove ganhos na autonomia feminina? Se sim, por quais caminhos são acessados? Em que medida esses ganhos são capazes de propiciar mudanças nas relações de gênero? Quais rumos de aperfeiçoamento o Bolsa Família pode seguir para ser mais efetivo na promoção da equidade nas relações de gênero? Em maior ou menor medida, as pesquisas aqui sintetizadas procuram responder a essas questões.

Conforme visto neste artigo, as pesquisas quantitativas de representatividade nacional que versam sobre os efeitos do PBF nas relações de gênero estão circunscritas ao exame do acesso ao pré-natal e à tomada de decisões no domicílio. Apontam que o benefício financeiro amplia a autonomia das titulares residentes nas áreas urbanas nas decisões sobre compra de bens duráveis, remédios para os filhos, comparecimento das crianças à escola e uso de anticoncepcionais. No entanto, essa ampliação das decisões exclusivas das mulheres sobre questões relativas à casa e às crianças não pode ser facilmente interpretada como ganhos de equidade nas relações de gênero, pois pode também indicar mais dificuldade de compartilhamento das atividades domésticas entre homens e mulheres. Porém, o impacto do programa na probabilidade de que as beneficiárias residentes em áreas urbanas decidam individualmente sobre o uso de métodos contraceptivos sugere que o PBF pode atuar como instrumento de concretização de direitos, nesse caso reprodutivos, em contextos nos quais as mulheres já possuem a disposição de exercitá-los autonomamente. Ainda, não é possível deixar de notar que esse achado da pesquisa de avaliação de impacto vai de encontro aos achados das pesquisas qualitativas de Rego e Pinzani (2014)Rego, Walquíria; Pinzani, Alessandro. Vozes do Bolsa Família: autonomia, dinheiro e cidadania. 2ªed., São Paulo, Unesp, 2014, pp.246. e Santos (2014). Claro, são pesquisas com metodologias e níveis de representatividade bem distintos, pois as duas últimas não podem ser extrapoladas para contextos outros que não aqueles em que foram realizadas. Porém os resultados quantitativos de maior uso de contraceptivos nas áreas urbanas e os de pouco acesso a eles nessas duas pesquisas qualitativas podem ser lidos de forma coerente: para que o PBF catalise direitos, é preciso que haja oferta pública suficiente que permita o exercício desses direitos.

Sobre a relação entre PBF e trabalho remunerado, as avaliações de impacto e outras análises econométricas feitas com dados de pesquisas domiciliares não acham alterações relevantes na participação dos beneficiários, homens e mulheres, no mercado de trabalho. Há, no entanto, indicativos de que a participação no Bolsa Família constrange levemente a jornada de trabalho de grupos específicos de beneficiárias. A redução de horas dedicadas ao trabalho produtivo entre mulheres beneficiárias é parcialmente compensada pelo aumento das horas direcionadas às tarefas domésticas – o que não ocorre entre os homens beneficiários. Esse constrangimento pode ser interpretado como um efeito negativo do PBF na equidade das relações de gênero, já que o trabalho produtivo é gerador de autonomia feminina. Mas pode também indicar a ampliação das escolhas femininas, se o trabalho trocado pelas tarefas domésticas é precário e fonte de exploração.

O que os estudos qualitativos parecem consensualmente apontar é que se trata da segunda opção: o benefício permite a flexibilização de jornadas de trabalho muito árduas, ou mesmo a liberação de trabalhos considerados humilhantes e degradantes. O trabalho, de todo modo, segue com um valor simbólico grande para essas mulheres e alguns estudos indicam que participar do programa lhes gera expectativas de que consigam um dia o acesso a um trabalho digno, que lhes forneça independência e propicie mobilidade social.

Também como mostram as pesquisas qualitativas, são mulheres que têm trajetórias marcadas pela sujeição ao padrão tradicional das relações de gênero e pelo etos da maternidade responsável. Observam o benefício como um dinheiro dos filhos e o utilizam com grande decoro e julgamento moral. Isso, no entanto, não impede que esse recurso seja visto como contribuição feminina ao orçamento e que fortaleça essas mulheres no âmbito da esfera doméstica. Ainda, o acesso à renda regular lhes permite construir sonhos e expectativas de mudança de vida, que muitas vezes inclui a libertação de relações conjugais indesejadas.

Se é possível tirar consensos interpretativos dos estudos aqui examinados, é o de que, ao mesmo tempo, a racionalidade do desenho do PBF reforça a naturalização da atividade de cuidado como tarefa feminina, mas também ocasiona um desbalanceamento no papel de provisão tradicionalmente masculino. O acesso à renda regular propiciada pelo programa parece provocar mudanças nas trajetórias dessas mulheres: na percepção que têm de si, no questionamento da sujeição a relações conjugais indesejadas, na ampliação de sua liberdade de fazer escolhas e da capacidade de participarem no mundo público. Essa característica aparece tanto em estudos realizados em contextos urbanos, quanto em áreas rurais.

Entendendo autonomia de forma ampla, como capacidade de fazer escolhas, os estudos qualitativos majoritariamente entendem que o Bolsa Família traz ganhos de autonomia às mulheres, acessados por dois caminhos. Em primeiro lugar, e principalmente, por meio da renda regular, que faz com que as titulares possam ter outras preocupações que não a sobrevivência no dia de amanhã, diminuam o isolamento social e aumentem sua presença no mundo público e percebam ampliações em suas escolhas. Em segundo lugar, pelas condicionalidades, as quais, paradoxalmente, embora reforcem simbolicamente o papel maternal da mulher, parecem estar contribuindo para que se enxerguem como detentoras de direitos e deveres, como cidadãs que se relacionam com o Estado, independentemente da mediação masculina.

Essas mudanças sugerem que, se o PBF não pode se furtar à crítica de ter em sua racionalidade a utilização instrumental da mulher na mediação entre Estado e família, é reducionista interpretá-lo simplesmente como um programa maternalista que não oferece oportunidades às mulheres adultas. Isso porque, embora não provoque direta e deliberadamente mudanças nas relações de gênero, tem gerado inquietações relativas à autoridade masculina e mesmo provocado a ampliação das redes de relações sociais dessas mulheres, que as auxiliam nesse percurso.

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  • 1
    Fonte: Secretaria Nacional de Renda de Cidadania do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (Senarc/MDSA).
  • 2
    Fonte: Senarc/MDSA.
  • 3
    Instituído pelo Decreto n. 7.492, de 2 de junho de 2011, o Plano Brasil sem Miséria visa superar a extrema pobreza, por meio da integração e articulação de políticas públicas. A ferramenta definida para seleção e acompanhamento do público atendido pelas iniciativas do Plano foi o Cadastro Único.
  • 4
    A lista de programas usuários do Cadastro Único pode ser acessada em: http://mds.gov.br/assuntos/cadastro-unico/o-que-e-e-para-que-serve/programas-e-beneficios
  • 5
    Fonte: Senarc/MDS.
  • 6
    Ver exposições de motivos das medidas provisórias que criaram os programas Bolsa Escola e Bolsa Alimentação, respectivamente, MP n. 2.140-1, de 2001, e MP n. 2.206-1, de 2001 [http://legis.senado.leg.br/diarios/BuscaDiario?tipDiario=2&datDiario=30/03/2001&paginaDireta=06711 (Bolsa Escola) e http://legis.senado.leg.br/diarios/BuscaDiario?tipDiario=2&datDiario=21/09/2001&paginaDireta=19151 (Bolsa Alimentação).
  • 7
    Os programas Bolsa Escola e Bolsa Alimentação pagavam um benefício financeiro por criança, até o limite de três crianças por família. Não atendiam, portanto, famílias sem crianças. O PBF, desde seu início, além de incorporar os benefícios pagos por esses dois programas, criou o chamado Benefício Básico, pago a toda família em situação de extrema pobreza, independentemente de sua composição. Em 2012, passou também a pagar o chamado Benefício de Superação da Pobreza Extrema, que completa a renda da família (considerando também os benefícios já pagos pelo próprio PBF) para que nenhum beneficiário do programa permaneça na linha de extrema pobreza, que em julho de 2016 era de R$ 85,00 (Lei. N. 10.836/2004, atualizada pela Lei 12.817, de 2013).
  • 8
    Rego e Pinzani (2014)Rego, Walquíria; Pinzani, Alessandro. Vozes do Bolsa Família: autonomia, dinheiro e cidadania. 2ªed., São Paulo, Unesp, 2014, pp.246., em sua análise do PBF, debruçam-se sobre o conceito de autonomia – nesse caso, não somente referindo-se às mulheres. Para uma discussão mais aprofundada dentro da perspectiva feminista, ver Biroli (2013)Biroli, Flávia. Autonomia e desigualdades de gênero: contribuições do feminismo para a crítica democrática. Vinhedo, Editora Horizonte, 2013, pp.208..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    30 Mar 2017
  • Aceito
    11 Mar 2019
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