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O protagonismo das mulheres negras no Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo (1983-1988)* * Gostaríamos de agradecer à equipe de pesquisa do Laboratório de Estudos de Gênero e História da UFSC pelo compartilhamento de dados e entrevistas no âmbito do projeto Gênero, Feminismos e Ditaduras no Cone Sul, ao CNPq e à CAPES, que apoiou a realização dos trabalhos, através do projeto "Mulheres de luta: feminismo e esquerdas no Brasil (1964-1985)".

The Role of Black Women on The São Paulo State Council on The Condition of Women in Brazil (1983-1988)

Resumo

Durante o período de transição democrática nos anos 1980, no Brasil, as mulheres negras participaram ativamente do processo de reestruturação das instâncias governamentais e de reorganização dos movimentos sociais. Este trabalho visa assim, analisar as contribuições das mulheres negras no Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo. Objetivamos também discutir as divergências e redes de solidariedade entre os diferentes grupos de mulheres que constituíram esse órgão governamental na década de 1980.

Mulheres Negras; Movimento Feminista; Movimentos Sociais; Conselho Estadual da Condição Feminina; Democracia

Abstract

During Brazil's democratic transition in the 1980s black women actively participated in the restructuring of government institutions and reorganizing of social movements. This paper analyzes the contributions of black women on the São Paulo State Council on the Condition of Women. We also discuss networks of solidarity among the various women's groups, and differences between them, that participated in this governmental institution in the 1980s.

Black Women; Feminist Movement; Social Movements; São Paulo State Council on the Condition of Women; Democracy

Introdução

Mulheres brancas, amarelas ou negras, de todos os matizes, são todas irmãs, independente da cor de suas peles. Todas nascemos iguais. Tão somente seres humanos com suas qualidades e defeitos. Apesar disso as mulheres brancas, mesmo as mais exploradas e oprimidas, gozam de maiores privilégios em relação às demais, que sofrem múltiplas discriminações sociais por terem uma epiderme não-branca (CECFSP, 1986Conselho Estadual da Condição Feminina (CECFSP). Mulher negra: Dossiê sobre a discriminação racial. São Paulo, Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo, 1986.:04).

Em 1988, ano do centenário da Abolição, as mulheres negras integrantes do Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo (CECF) elaboraram uma proposta visando analisar as consequências da Lei Áurea para a população negra e, principalmente, para as mulheres negras. Esse projeto foi nomeado Tribunal Winnie Mandela1 1 Esposa de Nelson Mandela, importante líder contra o apartheid na África do Sul. e representou um marco histórico do movimento de mulheres negras. Entretanto, o governo considerava a proposição do tribunal demasiadamente perigosa para as relações diplomáticas entre o Brasil e a África do Sul; havia também o receio de uma possível aproximação crítica entre as condições dos negros brasileiros e os negros dos países inscritos no regime do apartheid. Ademais, as mulheres negras se confrontaram com diferentes discórdias entre os grupos que compunham o CECF de São Paulo. Os conflitos entre as mulheres atuantes no interior da instituição tiveram início já no período da sua consolidação, em 1982, momento no qual várias militantes denunciaram a inexistência da participação das mulheres negras no recém-criado órgão estatal. Nesse sentido, segundo Rosane da Silva Borges, autora de um livro sobre Sueli Carneiro

se, por um lado, a criação desse Conselho representou uma vitória histórica para a luta feminista no estado, por outro, mostrou, com a total ausência de mulheres negras no corpo das conselheiras, de qual janela esse organismo nascente via o mundo feminino (Borges, 2009Borges, Rosane. Sueli Carneiro. São Paulo, Selo Negro, 2009.:66).

Assim, este artigo busca analisar a participação das mulheres negras no interior do CECF a partir da sua criação, em 1983, até o ano do centenário da Abolição da escravidão, em 1988, período marcado pelo processo de redemocratização, reorganização partidária, eleições e reelaboração da Constituição no Brasil.

Certamente o CECF de São Paulo representou um triunfo das feministas brasileiras, uma vez que a questão da mulher tornava-se assim uma questão de política do Estado. Para Yumi Garcia dos Santos, conselhos como esse, que tinham como objetivo supervisionar a condição da mulher, não surgem apenas como uma resolução direta e instantânea à "Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher"2 2 A Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher (CEDAW) foi adotada pela Assembleia Geral da Organização as Nações Unidas (ONU) em 1979. Como país signatário, o Brasil comprometeu-se com essas medidas. Ver sobre isso, Prá (2014). , desenvolvida em 1979, mas a partir do esforço das mulheres que já agiam nas décadas anteriores como sujeitos políticos. Exemplo disso, é o fato de, no momento da adoção da convenção, em 1979, a elite política do país não ter julgado útil promover uma estratégia nacional para a elaboração de políticas públicas destinadas a favorecer a condição da mulher no Brasil (Santos Y., 2006Santos, Yumi Garcia dos. A implementação dos órgãos governamentais de gênero no Brasil e o papel do movimento feminista: o caso do Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo. cadernos pagu (27), Campinas, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2006, pp.401-426 [http://www.scielo.br/pdf/cpa/n27/32149.pdf - acesso em 10 jan 2017].
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). Zuleika Alambert ressalta a pressão exercida pelas feministas na consolidação do CECF, e rejeita afirmações que o apresenta o conselho como um feito do governo do Montoro, na gestão de março de 1983 a março de 1987 (Pitanguy, 2008Pitanguy, Jacqueline. Feminismo e Estado: A experiência do CNDM. In: Costa, Ana Alice Alcantara; Sardenberg, Cecília Maria B. (org.) O Feminismo no Brasil: Reflexões Teóricas e Perspectivas. Salvador, NEIM/UFBA, 2008, pp.111-139.).

Aliás, no que diz respeito a Montoro e suas práticas políticas, vale ressaltar que apesar de ele ter se manifestado solidário, em certas circunstâncias, às reivindicações formuladas pelas mulheres negras, como no momento da integração delas ao CECF, em outras situações ele foi acusado de assumir posições discriminatórias diante das veementes exigências dos(as) militantes e políticos negros. Elisabete Pinto, autora de uma dissertação sobre a trajetória de Laudelina de Campos Mello - responsável pela criação da primeira Associação de Empregadas Domésticas no Brasil, em 1936 -, enfatiza o receio dos partidos políticos em aceitar negros na cúpula das organizações. Nessa perspectiva, a educadora aponta precisamente a oposição de Montoro à candidatura de Adalberto Camargo.3 3 Primeiro negro a se eleger deputado federal por São Paulo, em 1966. Elisabete Pinto apresenta os argumentos de Montoro que, segundo ela, considerava pouco pertinente apoiar um postulante negro para o cargo de direção do partido, mesmo estando consciente de que Adalberto tinha uma grande experiência política desde o início da ditadura militar (Pinto, 1993Pinto, Elisabete Aparecida. Etnicidade, Gênero e Trajetória de Vida de Dona Laudelina de Campos Melo (1904-1991). Dissertação (Mestrado em Educação), Unicamp, Campinas, 1993.). Para Laudelina de Campos Mello, depoente na dissertação de Elisabete Pinto, os grupos políticos, independentemente da ideologia conservadora ou progressista, reproduzem de forma incessante mecanismos discriminatórios em relação aos negros e às mulheres. Nesse sentido, é viável pressupor que Montoro e seu partido não contemplassem integralmente as demandas da população negra. Até mesmo porque o conselho, cujo papel era agir em favor dos direitos das mulheres, não levou em conta, pelo menos nos primeiros anos de sua existência, as especificidades e reivindicações das mulheres negras.

O CECF de São Paulo foi instituído com o objetivo de auxiliar o Poder Executivo através da formulação de pareceres de governo nas esferas federal, estadual e municipal, e, além disso, com o propósito de preconizar, nos âmbitos do governo, da Assembleia Legislativa do Estado e do Congresso Nacional, a criação de projetos de lei ou outras ações suscetíveis de garantir e expandir os direitos da mulher. E ainda fiscalizar e interceder em prol do cumprimento das disposições legislativas favoráveis às mulheres e intervir no contexto das denúncias a ele encaminhado. Por fim, o conselho deve empreender na produção de estudos, debates e pesquisas sobre as temáticas relativas à mulher e na promoção de projetos que contribuem para a sua participação nos diferentes espaços sociais e políticos.

Os conselhos estavam vinculados ao poder local (estadual ou municipal), não sendo criados por lei, e, consequentemente permaneciam à mercê dos governos em vigor. De toda maneira, independentemente dessa debilidade estratégica, a atuação dos conselhos, em vários estados, no decorrer da elaboração da Constituição, em 1988, assegurou uma dinâmica benéfica às demandas femininas. Garantiu também uma conjuntura na qual as feministas obtiveram recursos suficientes para formular diretrizes e promover iniciativas destinadas à salvaguarda dos direitos da mulher e à supressão das medidas discriminatórias inscritas na legislação.

Entretanto, as militantes negras foram frequentemente excluídas e silenciadas no interior dos círculos de mulheres que estruturaram a primeira etapa do CECF e, quando Thereza Santos e Vera Lúcia Freitas Saraiva, duas conselheiras negras, ingressaram no conselho - um órgão composto por 32 feministas, ambas foram regularmente ignoradas, questionadas e desvalorizadas. Eclodiram inúmeras divergências políticas entre as conselheiras negras, as conselheiras precursoras do projeto e os agentes do governo. Conflitos que se iniciaram ainda nos prelúdios da proposição de consolidação do CECF, e intensificaram-se vigorosamente durante toda a década de 1980, principalmente nos momentos designados a discutir e deliberar sobre os temas passíveis de ter uma consequência direta no cotidiano das mulheres negras. Segundo Vera Lúcia Benedito, as posições políticas de Thereza Santos, Edna Roland, Sueli Carneiro e suas reivindicações voltadas particularmente para a população negra incomodavam a grande maioria das feministas, que as viam como um entrave e uma inconveniência no movimento de mulheres (entrevista em 07 ago. 2015).

Assim, é plausível se perguntar de que maneira as mulheres negras conquistaram o acesso aos cargos de conselheiras no interior do CECF, e quais eram exatamente seus espaços de luta e suas margens de manobra política? Foram elas efetivamente incluídas nesses grupos de mulheres, majoritariamente brancos? Em qual medida e de qual maneira suas demandas, voltadas para as especificidades das mulheres negras, foram acolhidas pelas feministas? Quais foram as suas principais diretrizes e ações políticas para mobilizar a população negra? Quais foram as redes de divergências e solidariedades entre os grupos de mulheres que compuseram o conselho na década de 1980?

A partir dos testemunhos, escritos e orais, de cinco mulheres negras integrantes do CECF - Edna Roland, Maria Lúcia da Silva, Sueli Carneiro, Thereza Santos e Vera Lúcia Benedito, este artigo visa refletir sobre a consolidação do primeiro órgão de políticas públicas para as mulheres.4 4 Foram realizadas entrevistas orais com Edna Roland, Maria Lúcia da Silva e Vera Lúcia Benedito. Thereza Santos deixou um livro de cunho autobiográfico (Santos, 2008). Sueli Carneiro e Edna Roland deram também entrevistas publicadas em Alberti e Pereira (2007). Há ainda a biografia de Sueli Carneiro (Borges, 2009). Na primeira parte veremos como o processo de redemocratização do país constituiu uma conjuntura propícia para as mulheres ingressarem nas diferentes esferas do governo. Objetivamos também analisar quais foram as principais discórdias e contradições entre os círculos de mulheres que se posicionaram contra ou a favor da integração das organizações femininas e feministas nas instâncias de representação política do Estado, e qual seria, a partir de então, o papel desses movimentos sociais. Em seguida, examinaremos o ingresso das mulheres negras no CECF e, ao mesmo tempo, a criação do Coletivo de Mulheres Negras de São Paulo, com a finalidade de debater certos argumentos do órgão feminista e denunciar a ausência do viés racial. Intencionamos também explorar as primeiras ações políticas das mulheres negras conselheiras e a consolidação da Comissão para Assuntos da Mulher Negra dentro do CECF. Por fim, observaremos a constituição do Programa Nacional da Mulher Negra vinculado ao Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), que, em parceria com a Comissão para Assuntos da Mulher Negra, representaram as principais instâncias de desenvolvimento e implementação do projeto do Tribunal Winnie Mandela.

A memória e a história oral, bem como os escritos autobiográficos, são fundamentais para a história que estamos analisando neste artigo. Entendemos a memória como um trabalho, como nos ensina Elisabeth Jelin (2002)Jelin, Elizabeth. Los trabajos de la memoria. Madrid, Siglo XXI Editores, 2002., feito no presente com relação ao passado, que permite reconfigurar e compreender contextos e fatos que de outra maneira ficariam congelados nas formas pelas quais os documentos do passado os interpretaram. Torna-se fundamental no momento atual do Brasil, recuperar as vozes e a atuação de mulheres negras que foram apagadas da memória oficial, e isso só pode ser feito com as vozes, as palavras, as imagens, os textos falados e escritos por essas mulheres. Esse foi o exercício metodológico deste artigo: trazer para a análise histórica a presença das mulheres negras e as questões que elas colocavam para o feminismo e para os movimentos de mulheres da época da transição democrática.

Nota-se ao longo deste artigo que a palavra "feminista" é usada pelas mulheres negras para definir o grupo de mulheres majoritariamente brancas que compuseram a primeira fase do CECF. Segundo Bairros (2008Bairros, Luiza. A mulher negra e o feminismo. In: Costa, Ana Alice Alcantara; Sardenberg, Cecília Maria B. (org.) O Feminismo no Brasil: Reflexões Teóricas e Perspectivas. Salvador, NEIM/UFBA, 2008, pp.139-147.:141), "se examinássemos aquela fase inicial do Movimento Feminista, ao final dos anos 70, (...) encontraríamos questões que seriam estranhas, fora do lugar, na cabeça da mulher negra". Aqui, Bairros também pensa a mulher negra como uma unidade, como se todas as mulheres negras tivessem uma só cabeça, um só pensamento. Mas o fato é que na ausência de um recorte racial, as demandas das feministas não refletiam diretamente a realidade das mulheres negras e, sendo assim, muitas militantes não se identificavam com esses grupos de mulheres e se articulavam, sobretudo, com os movimentos negros. Diante disso, constata-se que, em diferentes circunstâncias, o gênero não foi suficiente para reuni-las em torno de uma mesma luta, pois havia uma questão racial interseccionada nas relações entre essas mulheres, mas que era invisibilizada. Isto é, as mulheres negras eram, de certa forma, postas em uma posição desfavorável no tocante às decisões tomadas pelas feministas, e mudar essa condição era a reivindicação dos movimentos liderados por Thereza Santos e Vera Lúcia Freitas Saraiva.

"O conselho é nosso?" Preservando a autonomia do movimento feminista

O processo de redemocratização do país, a partir do início dos anos 1980, representou um momento importante para as mulheres atuarem como agentes sociais junto ao Estado. Desde os anos 1970, as mulheres vinham se organizando em grupos políticos com o intuito de discutir questões feministas e, por conseguinte, alcançar uma voz no cenário político. Embora muitas pertencessem aos agrupamentos de esquerda, havia também militantes que provinham de correntes políticas diversas. Em 1975, no Rio de Janeiro, foi realizado um evento para comemorar o Ano Internacional da Mulher e, em seguida, foi criado o Centro da Mulher Brasileira, que contou com a participação de militantes negras, como Sandra Maria da Mata Azeredo e Maria do Espírito Santo Tavares dos Santos, como pudemos observar em entrevistas realizada com elas pelo Laboratório de Estudos de Gênero e História da UFSC. Contudo, a ubiquidade dos partidos políticos no interior dos grupos feministas gerou tensões entre o que era compreendido como "lutas específicas" em favor dos direitos das mulheres e "lutas gerais" em prol da redemocratização e pela anistia.

Durante a ditadura civil-militar (1964-1984), o principal objetivo dos movimentos sociais era lutar contra o regime autoritário e, segundo Jacqueline Pitanguy, o movimento feminista não estampava apenas o que era julgado coerente na cena política "(...) era considerado como discurso político legítimo a união do povo brasileiro e das forças progressistas na luta contra a ditadura (...)" (Pitanguy, 2008:111).

Assim, apesar das mulheres terem contestado o governo militar desde 1964, e mesmo engajado na luta armada no contexto dos anos 1970, as demandas feministas - direito ao corpo, à sexualidade, à liberação da mulher e contra a supremacia masculina e as hierarquias sexuais - foram julgadas responsáveis pela fragmentação da "luta geral" que se opunha ao sistema político em vigor. De toda maneira, durante os anos 1970 era primordial para vários movimentos sociais e populares não atuar em nenhum órgão político vinculado à estrutura estatal (Soihet, 2007Soihet, Rachel. Encontros e desencontros no Centro da Mulher Brasileira (CMB) anos 1970-1980. Gênero, vol.7, nº2, Niterói, 2007, pp.237-254 [http://www.revistagenero.uff.br/index.php/revistagenero/article/view/153 - acesso em 10 jan 2017].
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).

Já na década seguinte, nos anos 1980, as instâncias governamentais passam a ser vistas por várias mulheres como um espaço suscetível à implementação de políticas públicas em favor das suas reivindicações de gênero e de raça.

No processo que precede e envolve as eleições de 1982, fica claro que as mulheres redescobriram a "grande política" e o movimento de mulheres [¼] vai fortalecer e incentivar, mesmo que não intencionalmente, a participação da mulher nas instâncias de representação política da sociedade (Vargas; Schumaher, 1993Vargas, Elisabeth; Schumaher, Maria Aparecida. Lugar no Governo: álibi ou conquista? Revista Estudos Feministas, ano1, nº2 1993, pp. 348-364 [https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/16068 - acesso em 10 jan 2017].
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:352).

Todavia, certas mulheres, preocupadas com a distorção de suas demandas e com a institucionalização das peculiaridades "radicais, criativas e revolucionárias" no feminismo, rejeitaram qualquer envolvimento com os órgãos estatais. Thereza Santos, primeira mulher negra a participar do CECF de São Paulo, "(...) desconfiava que [o] Conselho, e outros que vieram no rastro, seriam 'paredes', ou seja, serviriam para 'aparar' para o governo as reivindicações dos movimentos populares" (Santos T., 2008Santos, Thereza. Malunga Thereza Santos. A história de vida de uma guerreira. São Carlos, Editora EdUFSCar, 2008.:90). Outras militantes temiam que o CECF servisse como um simples recurso para valorizar a reputação do governo diante da opinião pública e da comunidade internacional.

Nesse contexto de divergências políticas e ideológicas ocorre então uma ruptura no movimento de mulheres "(...) tendo de um lado as que ingressaram na estrutura do poder público e, de outro, as que ficaram fora do aparelho estatal, seguindo uma opção pessoal, coletiva ou partidária" (Santos Y., 2006Santos, Yumi Garcia dos. A implementação dos órgãos governamentais de gênero no Brasil e o papel do movimento feminista: o caso do Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo. cadernos pagu (27), Campinas, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2006, pp.401-426 [http://www.scielo.br/pdf/cpa/n27/32149.pdf - acesso em 10 jan 2017].
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:418). Assim, as eleições diretas para os governos estaduais, em 1982, foram marcadas por essa divisão das organizações femininas que já vinham sofrendo com a deterioração dos seus vínculos e compromissos, em razão das discórdias manifestadas nos congressos de mulheres ocorridos em 1980 e 1981. Posteriormente, em 1983, o CECF foi uma das causas da cisão dos grupos paulistas entre as que defendiam a proposta e as que eram contra, sendo que estas últimas enfatizavam a noção de independência do movimento de mulheres em relação ao Estado (Vargas; Schumaher, 1993Vargas, Elisabeth; Schumaher, Maria Aparecida. Lugar no Governo: álibi ou conquista? Revista Estudos Feministas, ano1, nº2 1993, pp. 348-364 [https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/16068 - acesso em 10 jan 2017].
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).

Aliás, vale ressaltar que as feministas responsáveis pela constituição do CECF aspiravam à composição de uma entidade pluralista e suprapartidária. No entanto, esse órgão apresentou uma posição partidária e uma conquista das feministas que integravam o PMDB. Nas eleições de 1982, foram as mulheres associadas à candidatura de André Franco Montoro (PMDB) que sugeriram a formação de um organismo específico encarregado da proposição, supervisão e defesa de políticas públicas referentes à mulher. Depois da reforma partidária de 1979, que encerrou com o bipartidarismo, as feministas que apoiavam o partido de oposição (MDB) se dividiram entre o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) e o PT (Partido dos Trabalhadores). Logo após essa separação, foram as mulheres vinculadas ao primeiro grupo político que elaboraram, em 1982, uma plataforma agrupando as reivindicações feministas, e iniciaram, a partir desse momento, o projeto de criação do CECF de São Paulo ligado ao Poder Executivo, enquanto a maioria das mulheres do PT e de outros grupos de esquerda se recusavam a se inserir no aparelho de Estado. Segundo Ana Vicentini,

o grito de alerta dado por alguns setores se fundava (...) na dificuldade que o movimento sentia ante o inevitável diálogo a ser estabelecido com os órgãos governamentais e na recusa quase pueril de alguns setores em ver no Estado um possível interlocutor (Vicentini, 2008Vicentini, Ana. Vislumbrando novos espaços: Anotações para um debate feminista. In: Costa, Ana Alice Alcantara; Sardenberg, Cecília Maria B. (org.) O Feminismo no Brasil: Reflexões Teóricas e Perspectivas. Salvador, NEIM/UFBA, 2008, pp.227-235.Edna Roland. Entrevista concedida à Tauana Olívia Gomes Silva. Guarulhos, Brasil, 04/11/2014.:227).

No período de redemocratização, o tema participar ou não das instituições políticas foi, dessa forma, uma das principais interrogações dos movimentos feministas e do movimento de mulheres (não feministas). O dilema central foi a autonomia do movimento em relação ao Estado, considerando a complexidade em refletir a execução de políticas públicas segundo uma perspectiva feminista dentro de um Estado patriarcal, autoritário, enfim, um legado da ditadura. Como realizar uma atividade em seu seio sem reproduzir e/ou se manter "refém" das práticas da classe dominante que o regime político representa?

No entanto, era importante para várias feministas que o Estado reconhecesse a condição subalterna e a discriminação relativa à mulher. O que essas militantes aspiravam era criar um espaço específico para a mulher no aparato estatal e, ao mesmo tempo, conservar uma autonomia em relação a ele (Soares, 1998Soares, Vera. Muitas faces do feminismo no Brasil. In: Borba, Ângela; Faria, Nalu; Godinho, Tatau (ed.) Mulher e Política - Gênero e feminismo no Partido dos Trabalhadores. São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 1998, pp.33-55.). "O Conselho é nosso?" (Pitanguy, 2008Pitanguy, Jacqueline. Feminismo e Estado: A experiência do CNDM. In: Costa, Ana Alice Alcantara; Sardenberg, Cecília Maria B. (org.) O Feminismo no Brasil: Reflexões Teóricas e Perspectivas. Salvador, NEIM/UFBA, 2008, pp.111-139.:116) era uma das indagações das mulheres que participaram da sua criação durante o governo Montoro.

Além disso, durante a criação do primeiro órgão de políticas públicas para a mulher houve também um debate sobre como manter uma relação com o movimento autônomo de mulheres. O CECF não poderia simbolizar o movimento social, já que o movimento deveria representar a si mesmo. A estrutura do poder público foi composta por mulheres vinculadas ao movimento social, contudo, não se esperava que fossem atribuídas a elas funções para substituir as organizações femininas. O deslocamento de várias feministas para um aparelho estatal provocou uma considerável mudança na situação dos movimentos, que dali para a frente precisariam fortalecer sua independência e autonomia, e sendo assim, suas propostas e reivindicações, fosse qual fosse o governo (Pitanguy, 2008Pitanguy, Jacqueline. Feminismo e Estado: A experiência do CNDM. In: Costa, Ana Alice Alcantara; Sardenberg, Cecília Maria B. (org.) O Feminismo no Brasil: Reflexões Teóricas e Perspectivas. Salvador, NEIM/UFBA, 2008, pp.111-139.).

Outro foco de tensão no momento da formação do CECF de São Paulo foi a ausência das mulheres negras na sua composição inicial, majoritariamente branca e de classe média. Apesar da importante presença das lésbicas na história do feminismo, suas questões específicas também não eram discutidas pelo conjunto dos movimentos feministas e de mulheres. Nesse sentido, nos anos 1980, as feministas tiveram que lidar diretamente com a pluralidade das reivindicações e formas de mobilização - mulheres homossexuais, negras, de baixa renda, residentes das periferias dos centros urbanos, das pequenas comunidades rurais e etc - que desde as décadas anteriores vinham se organizando nos diferentes espaços políticos. As múltiplas identidades das mulheres brasileiras tornavam o feminismo diverso e complexo.

O ingresso das mulheres negras no CECF: colaborações e conflitos

Logo no início, Marta Arruda, profissional da comunicação, empenhou-se na denúncia da inexistência de mulheres negras no primeiro órgão de políticas públicas para as mulheres. Eva Blay, primeira presidente do CECF de São Paulo, foi alvo de severas críticas por parte das militantes negras.

A omissão de um órgão governamental ao excluir outros sujeitos políticos que, mesmo abrigados sob o rótulo de mulher tinham demandas específicas não contempladas apenas pela perspectiva de gênero fez que um grupo de mulheres negras mudasse definitivamente o viés político do Conselho. A divulgação pública desse "esquecimento" se deu graças à exitosa atuação de Marta Arruda, radialista negra que apresentava, na época, um programa de expressiva audiência. Inconformada com a desconsideração política, ela fez do seu programa um canal de denúncia (Borges, 2009Borges, Rosane. Sueli Carneiro. São Paulo, Selo Negro, 2009.:66).

Segundo Thereza Santos, os conflitos entre as mulheres eclodiram no decorrer da campanha eleitoral de Montoro, ou seja, nos prelúdios da proposta de criação do CECF.

Começou a campanha de Montoro a Governador de São Paulo. As mulheres feministas organizadas buscavam a criação do Conselho da Mulher. Não havia espaço para a mulher negra. (...) Surgiram problemas entre as feministas e uma mulher negra [Marta Arruda] que usava a imprensa para reclamar da ausência da mulher negra na briga. (...) Um pequeno grupo de mulheres negras foi chamado pelas feministas para apagar o incêndio entre elas e a mulher negra. Deixei claro que, embora a mulher negra fosse malufista, não me colocaria contra ela publicamente (Santos T., 2008Santos, Thereza. Malunga Thereza Santos. A história de vida de uma guerreira. São Carlos, Editora EdUFSCar, 2008.:90).

Contudo, apesar dessa iniciativa para instaurar um primeiro diálogo entre as feministas e Marta Arruda, vale ressaltar que foi preciso efetuar várias críticas, questionamentos, queixas e exercer uma forte pressão durante quase um ano inteiro para que as mulheres negras pudessem se inserir nesse espaço governamental. Aliás, essa indiferença e o descaso perante as exigências das mulheres negras fizeram com que muitas militantes que outrora recusavam qualquer forma de colaboração com o aparelho estatal mudassem definitivamente de opinião e decidissem atuar no órgão de políticas públicas relativas à mulher. Thereza Santos e Vera Lúcia Freitas Saraiva, titular e suplente, tornaram-se conselheiras em 1984: "Fomos obrigadas a virar a mesa e deixamos claro que era inconcebível para nós que um Conselho de 32 conselheiras só tivesse duas negras (...)" (Santos T., 2008Santos, Thereza. Malunga Thereza Santos. A história de vida de uma guerreira. São Carlos, Editora EdUFSCar, 2008.:91).

Edna Roland, militante da Polop - organização marxista-leninista - durante a ditadura civil-militar, do Coletivo de Mulheres Negras de São Paulo, criado em 1984 e, posteriormente, do CECF, aponta a importância da figura de Thereza Santos para a representação das mulheres negras no interior do conselho paulista. Thereza havia conquistado um grande prestígio político devido à sua importante participação no Partido Comunista e no Teatro Experimental do Negro, além da sua ação nos movimentos independentistas africanos, nos anos 1970. Ademais, Marta Arruda era considerada uma militante de direita, e muitas mulheres negras que reivindicavam uma atuação direta no conselho provinham dos partidos de esquerda, engajados na luta contra o regime ditatorial.

Vera Lúcia Benedito, membro do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNU) já em 1978, e do Conselho Estadual de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra de São Paulo, em 1983, assim como Maria Lúcia da Silva, membro do Centro de Cultura e Arte Negra- CECAN a partir de 1976, também relatam com entusiasmo a história de vida de Thereza e sua contribuição para o ingresso das mulheres negras no CECF, em que as duas também atuaram durante os anos 1980.

(...) O que ela [Marta Arruda] estava fazendo era denunciando a ausência de representação de mulheres negras no Conselho. É aí que a gente vai atrás de Thereza Santos porque Thereza Santos era a pessoa de maior notoriedade na cidade (...). A gente foi atrás. Quem pode né? A gente precisava de um nome muito forte para (...) colocar no Conselho e ter uma representação que fosse uma representação de esquerda, uma pessoa mais do campo da gente. (...) Ela [Thereza Santos] foi o nome, o nome que podia emplacar e emplacou (entrevista em 04 nov. 2014).

Desde os anos 1970, várias temáticas e interrogações e, consequentemente, desavenças, estão inscritas no interior dos grupos feministas. Vargas e Schumaher (1993)Vargas, Elisabeth; Schumaher, Maria Aparecida. Lugar no Governo: álibi ou conquista? Revista Estudos Feministas, ano1, nº2 1993, pp. 348-364 [https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/16068 - acesso em 10 jan 2017].
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ressaltam algumas problemáticas enfatizadas nesse período: "Quais mulheres 'salvar'? Todas? As mais oprimidas? Seremos todas irmãs na luta pela igualdade?". Portanto, é plausível se perguntar quais mulheres, para as feministas dos anos 1970, faziam parte desses grupos mais desfavorecidos e, em qual medida esse feminismo inspirado no contexto europeu e focalizado principalmente no viés de classe seria capaz de abordar de maneira eficaz outras categorias de opressão? Por quais meios operaria a articulação das categorias de classe, gênero e raça e uma efetiva solidariedade entre os diversos grupos de mulheres, proporcionando, dessa forma, a irrupção e a permanência de um campo comum de ação e uma interação dentro da pluralidade?

Edna Roland acusa as integrantes do CECF de usar argumentos superficiais e incoerentes como justificativa para recusar a participação das mulheres negras. As idealizadoras do órgão governamental pretendiam legitimar essa exclusão afirmando que as mulheres negras não possuíam um histórico de militância feminista, do mesmo modo que não estavam organizadas politicamente e que seus protestos e imposições serviriam somente para dividir o movimento. Isto, pois, não havia nenhum interesse em valorizar as lutas das escravas nas rebeliões, quilombos e nos processos abolicionistas, ou sequer reconhecer certos movimentos sucedidos no século XX. Entre as várias organizações em que as mulheres negras atuaram diretamente como sujeitos políticos, podemos citar dois grupos históricos: a Associação das Empregadas Domésticas (1936) e o Conselho Nacional das Mulheres Negras (1950). Além disso, vale destacar que em momentos anteriores, principalmente na década de 1970, as feministas também foram vistas como agentes responsáveis pela fragmentação dos grupos de esquerdas. Essa qualificação foi utilizada por vários movimentos de oposição como estratégia para invalidar as demandas das mulheres. Tais discrepâncias eram nomeadas "lutas especificas" e "lutas gerais". Nesse sentido, o Coletivo de Mulheres Negras de São Paulo criado em 1984, um ano após a implantação do CECF, tinha como objetivo refutar as alegações segundo as quais as mulheres negras não atuavam diretamente no contexto político nacional.

Não existia em São Paulo nenhuma organização de mulheres negras. (...) Nós (...) entramos no processo, na luta pelo questionando da ausência de mulheres negras e aí as mulheres brancas falavam pra gente assim: "(...) Não houve discriminação, o problema é que vocês não estão organizadas". Nós falamos: "(...) Nós estamos organizadas sim!" Aí nós vamos criar rápido uma organização. (...) A gente cria o Coletivo de Mulheres Negras de São Paulo que teve como um primeiro objetivo atuar em relação ao Conselho (...). (...) Normalmente tinha esse confronto com as mulheres brancas que sempre acusavam as mulheres negras de serem desorganizadas ou de estarem rompendo a unidade do movimento feminista (entrevista em 04 nov. 2014).

O testemunho de Sueli Carneiro, integrante do Coletivo de Mulheres Negras de São Paulo e do CECF, vem reforçar as afirmações, segundo as quais as mulheres negras foram rejeitadas no interior do conselho desde o momento da sua implantação.

Claramente, a especificidade da situação das mulheres negras tinha sido diluída por força de uma abstração, a da mulher universal (...). Acossadas por esse sentimento, as mulheres negras reclamariam seu lugar. (...) O Coletivo tinha a missão de constituir uma instância política de mulheres negras, com a tarefa de questionar um órgão recém-criado, o Conselho Estadual da Condição Feminina (...) (Borges, 2009Borges, Rosane. Sueli Carneiro. São Paulo, Selo Negro, 2009.:66).

Segundo Sueli e Vera, o Coletivo de Mulheres Negras se empenhou em supervisionar e intervir nas ações do CECF e denunciar a ausência das mulheres negras e do viés racial, além de pleitear para que a instância governamental aceitasse aumentar o número de conselheiras e, a partir de então, abrir um verdadeiro espaço para as suas atuações. Para as militantes do Coletivo, também era necessário reforçar a mobilização das mulheres negras, visto que a organização deveria auxiliar o mandato das conselheiras e, progressivamente, conceber e implantar na esfera administrativa propostas relativas às exigências da mulher negra. Posteriormente, "esse organismo [coletivo] tornava-se, assim, referência importante para a institucionalização do problema da mulher negra no âmbito do Estado" (Borges, 2009Borges, Rosane. Sueli Carneiro. São Paulo, Selo Negro, 2009.:70).

Thereza Santos denuncia igualmente a desonestidade por parte das feministas ao utilizar argumentos inexatos e incoerentes para obstruir a integração das mulheres negras no CECF e, por isso, apesar da rejeição inicial, em participar de qualquer órgão governamental - posição frequentemente encontrada nos discursos das mulheres negras que provinham dos movimentos de esquerda -, Thereza e outras militantes decidiram atuar diretamente na estrutura estatal, principalmente após serem solicitadas para solucionar o conflito causado pelas denúncias de Marta Arruda.

As feministas queriam que resolvêssemos o problema para elas, mas não queriam nossa participação no Conselho, e nós resolvemos que iríamos participar. Reivindicamos nosso espaço, elas desenvolveram várias manobras para impedir nosso ingresso. Resolvemos criar uma entidade de mulheres para lutar de forma mais organizada, e, assim, surgiu o Coletivo de Mulheres Negras. Éramos cerca de 30 mulheres negras (...). As feministas não nos aceitavam e para nós não era nenhuma novidade, dado que elas nunca incorporaram a nossa questão e não tinham nenhum compromisso com a nossa causa (Santos T., 2008Santos, Thereza. Malunga Thereza Santos. A história de vida de uma guerreira. São Carlos, Editora EdUFSCar, 2008.:90).

Nesse contexto, inúmeras dificuldades continuaram a existir após o ingresso das mulheres negras no CECF. Thereza relata as hostilidades no momento da sua posse como conselheira, quando foi boicotada pelas outras integrantes do conselho. As conselheiras evitavam qualquer relação com as militantes negras eleitas e, além disso, aspiravam, através desse ato de absentismo, expor suas desaprovações em relação à nomeação de Thereza, bem como punir sua incorporação no seio do grupo e criar uma atmosfera de constrangimento para ela. Na sequência, Thereza retrata os conflitos que resultavam de cada posicionamento, requerimento ou objeção por parte dela e/ou da suplente.

Transformamos nossa posse, depois de meses de luta, em um ato de força para mostrar ao que viemos. Claro que fora a presidente do Conselho, que era obrigada a ir para nos dar posse, nenhuma outra conselheira apareceu. (...) Tivemos, a partir daí, de encarar outra luta. Elas não escondiam, de forma alguma, a discriminação e o racismo e recebiam sempre resposta à altura (Santos T., 2008Santos, Thereza. Malunga Thereza Santos. A história de vida de uma guerreira. São Carlos, Editora EdUFSCar, 2008.:91).

Sem demora, houve vários conflitos no que se refere à questão do controle de natalidade e da esterilização cirúrgica, julgado pelos movimentos negros e pelos grupos de mulheres negras como um projeto racista visando à redução e/ou a exterminação da população negra e parda.5 5 Classificados como "pardos", encontravam-se os índios, mulatos, caboclos, cafuzos, mamelucos, sararás, mestiços e etc.

Em 1982, Benedito Pio da Silva,6 6 Membro de um dos grupos de assessoria e participação (GAP) do governo de Paulo Maluf. almejando reduzir a miséria no país, defendeu a realização do controle de natalidade de determinados grupos populacionais por meio da esterilização cirúrgica (Damasco; Maio; Monteiro, 2012Damasco, Maria Santos; Maio, Marcos Chor; Monteiro, Simone. Feminismo negro: raça, identidade e saúde reprodutiva no Brasil (1975-1993). Revista Estudos Feministas 20(1), Florianópolis, 2012, pp.133-151 [http://www.scielo.br/pdf/ref/v20n1/a08v20n1.pdf - acesso em 10 jan 2017].
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). Segundo o texto do Grupo de Assessoria e Participação (GAP), a população branca brasileira já estava informada e compreendia a utilidade de controlar a natalidade, enquanto que a população negra e parda ainda não havia "se conscientizado" sobre esse tema e, nesse sentido poderia se tornar superior à população branca. Tornando-se a população negra e parda um agrupamento maior em número de indivíduos, eleitoralmente, poderia comandar a política brasileira e dominar todos os postos importantes (Pedro, 2003Pedro, Joana. A experiência com contraceptivos no Brasil: uma questão de geração. Revista Brasileira de História, vol. 23, nº45, São Paulo, 2003, pp.239-260 [http://www.scielo.br/pdf/rbh/v23n45/16527.pdf - acesso em 10 jan 2017].
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; CECF). Prosseguindo esse discurso governamental, o tema da saúde reprodutiva alcançou, nos anos 1980, um recorte racial que, em seguida, ganhou visibilidade e dinamismo nos movimentos feministas. Thereza narra como aconteceram essas discussões no interior do CECF após sua posse, em 1984:

Em uma reunião, começaram a discutir a questão de controle de natalidade, me inscrevi para falar e uma conselheira da diretoria falou baixo para a conselheira ao seu lado: "Vamos encerrar esta questão porque já vem a outra com problema de mulher negra". Respondi: "Meu nome não é outra, é Thereza Santos, e vou levantar, sim, o problema da mulher negra nesta questão. Porque quando vocês falam em controle de natalidade é sempre a partir dos pobres e nós somos a maioria deles (...)". (...) Deixei bem claro que (...) não era um problema delas, era nosso. E que não iria admitir qualquer proposta que não fosse levada à discussão para grupos de mulheres negras (Santos T., 2008Santos, Thereza. Malunga Thereza Santos. A história de vida de uma guerreira. São Carlos, Editora EdUFSCar, 2008.:91).

Edna Roland, formada em psicologia e integrante da Comissão de Saúde do CECF, também participou de maneira direta dos debates sobre a regulamentação da esterilização cirúrgica. Ela relata:

(...) Eu tive um foco de interesse, de atuação muito forte em cima da questão da esterilização cirúrgica (...). Teve um momento em que a Secretaria Estadual de Saúde começou a discutir (...) a possibilidade de regulamentação e, num primeiro momento, (...) houve uma recusa dessa questão da regulamentação da esterilização por todos os segmentos e todos os grupos de mulheres. Nós negras inclusive e todos os segmentos feministas da cidade foram contra a regulamentação da esterilização por razões diversas. (...) Isso é uma primeira fase, um primeiro momento, mas a coisa evolui (entrevista em 04 nov. 2014).

O argumento dos movimentos negros e de mulheres negras era baseado na ideia segundo a qual a esterilização cirúrgica seria um instrumento de controle populacional voltado, sobretudo, para a população negra. Efetivamente, a esterilização cirúrgica financiada pelo governo e por órgãos internacionais, desde a década de 1960, era bastante utilizada para evitar a gravidez (Pedro, 2003Pedro, Joana. A experiência com contraceptivos no Brasil: uma questão de geração. Revista Brasileira de História, vol. 23, nº45, São Paulo, 2003, pp.239-260 [http://www.scielo.br/pdf/rbh/v23n45/16527.pdf - acesso em 10 jan 2017].
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) e, além disso, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) apontou a predominância desse procedimento no Nordeste, região composta majoritariamente por negros e pardos (Damasco; Maio; Monteiro, 2012Damasco, Maria Santos; Maio, Marcos Chor; Monteiro, Simone. Feminismo negro: raça, identidade e saúde reprodutiva no Brasil (1975-1993). Revista Estudos Feministas 20(1), Florianópolis, 2012, pp.133-151 [http://www.scielo.br/pdf/ref/v20n1/a08v20n1.pdf - acesso em 10 jan 2017].
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). Esses dados, que também foram fundamentados conforme o critério da cor, resultaram, assim, na organização de campanhas em todo o território nacional contra a esterilização.

No entanto, nos anos seguintes, as conclusões da PNAD foram contestadas pelas militantes negras e pelos órgãos responsáveis por investigar a existência ou não de uma política estatal visando o controle de natalidade da população negra e parda. A partir desse momento, foi preciso então pensar na melhor maneira para se realizar a regulamentação da esterilização cirúrgica (Berquó, 1993Berquó, Elza. Brasil, um caso exemplar - anticoncepção e parto cirúrgicos - à espera de uma ação exemplar. Revista Estudos Feministas, 1(2), 1993, pp.366-381 [http://www.clam.org.br/bibliotecadigital/uploads/publicacoes/923_511_brasilumcasoexemplarelzaberquo.PDF - acesso em 10 jan 2017].
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). Segundo Edna,

(...) Nós temos que lidar com a seguinte realidade, as mulheres estão fazendo fila nas clínicas de esterilização (...). (...) Nós temos que ser contra a esterilização discriminada, a ausência de critérios, a falta de informação e de outras alternativas. Agora a proposta não é manter o código penal [que] considerava a esterilização como lesão corporal. (...) Isso não é possível, nós vamos simplesmente empurrar as mulheres pra clandestinidade. (...) Nós temos que trazer isso à luz, regulamentar e criar condições... (entrevista em 04 nov. 2014).

Paralelamente às discussões citadas acima, foi consolidado em agosto de 1985, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), entidade vinculada ao Ministério da Justiça. Esse órgão empreendeu ações no âmbito do combate à discriminação racial com o Programa Nacional da Mulher Negra, coordenado por Sueli Carneiro, a partir de 1987. Thereza Santos e Vera Lúcia Saraiva participaram em Brasília da posse da primeira presidenta do CNDM, Ruth Escobar, em 1985, momento no qual elas acusaram as conselheiras de São Paulo de não lhes direcionar nenhuma palavra ou cumprimento em razão de um pedido formatado alguns dias anteriores. O requerimento tratava de uma demanda para que mais duas mulheres negras pudessem entrar no CECF e que elas se tornassem titulares, o que acarretaria a perda de duas vagas para o primeiro grupo de conselheiras. Após vários conflitos e a redação de um relatório direcionado ao governador Montoro, o pedido foi atendido com uma resposta positiva, garantindo, assim, mais uma vitória para as mulheres negras (Santos T., 2008Santos, Thereza. Malunga Thereza Santos. A história de vida de uma guerreira. São Carlos, Editora EdUFSCar, 2008.).

No mesmo ano, o CECF fez uma coleção sobre "a década da mulher" e as mulheres negras sentiram a urgente necessidade de elaborar um documento específico sobre a situação da mulher negra no Brasil. Nesse período, Sueli Carneiro e Thereza Santos publicaram A mulher negra brasileira na década da mulher e Mulher Negra: Política governamental da mulher, ambos editados pelo CECF no ano de 1985. Ao relatar sobre essa importante década para as mulheres negras e as políticas públicas relativas às suas demandas, Sueli Carneiro conclui seu testemunho se referindo à ampliação da representação dessas mulheres com a criação, em maio de 1986, da Comissão para Assuntos da Mulher Negra - órgão composto por cerca de vinte membros, no interior do próprio CECF. Sueli foi então eleita conselheira e, logo após, tornou-se secretária-geral do CECF. Nessa fase, destaca-se a produção de textos, seminários, debates, a publicação de um dossiê sobre as mulheres negras e do Calendário das Mulheres Negras, em 1987 (Alberti; Pereira, 2007Alberti, Verena; Pereira, Amilcar. Histórias do movimento negro no Brasil- depoimentos ao CPDOC. Rio de Janeiro, Pallas, CPDOC-FGV, 2007.). O viés racial começa, enfim, a entrar na agenda das feministas.

O documento Mulher Negra: Dossiê sobre a discriminação racial foi publicado em 1986, pela Comissão da Mulher Negra do CECF, durante a presidência de Zuleika Alambert. Marly de Souza Corrêa foi a coordenadora e, entre as autoras do dossiê, são encontrados os nomes de Deise Benedito, Elza Maria da Silva, Ilma Fátima de Jesus, Maria Lúcia Silva, Maria Lúcia da Silva, Solimar Carneiro, Sonia Maria P. Nascimento, Sueli Carneiro e Vera Lúcia Benedito.

No documento são apontadas várias experiências cotidianas de racismo que resultam no

[...] confinamento de negros em geral e mulheres negras em particular, nos piores lugares da hierarquia social, tendo como consequência o privilegiamento do segmento social branco (Conselho , 1986:05).

Nele são debatidas questões sobre as diferenças entre as mulheres brancas e as mulheres negras, mortalidade infantil e materna, métodos contraceptivos, controle da natalidade, violência psíquica, doméstica e sexual, discursos e práticas pedagógicas nas escolas que são marcadas por uma ideologia sexista e racista. É abordada também a condição das mulheres negras no mercado de trabalho, no qual ocupam profissões menos qualificadas, principalmente atividades vinculadas aos serviços domésticos e, por isso, recebem salários inferiores e encaram condições precárias de emprego. Além disso, denuncia-se a instabilidade e o caráter servil dos empregos domésticos devido à ausência de direitos trabalhistas (piso salarial, descanso remunerado, jornada de trabalho regulamentada, etc)7 7 Desde 2012, a Emenda Constitucional 72, mais conhecida como a PEC das Domésticas (PEC 66/2012), garantiu aos trabalhadores domésticos direitos empregatícios: uma jornada de oito horas, hora extra, salário-maternidade, auxílio-doença, seguro desemprego, adicional noturno, pensão por morte, entre outros. ; as discriminações que as mulheres negras vivenciam cotidianamente no mercado de trabalho quando aspiram à ascensão social e ocupam cargos superiores, ou seja, praticam o trabalho intelectual ou assumem postos de chefias e lideranças; a rejeição e o repúdio dos quais são vítimas em todas as ocupações assalariadas que, mesmo não sendo bem remuneradas, são direcionadas ao atendimento ou ao contato direto com o público, pacientes e clientes, tais como as funções de secretária, recepcionista, vendedora, governanta, etc.

O texto condena a violência policial voltada para a população negra; a imagem distorcida segunda a qual "negro por definição e por natureza, é marginal" (Conselho..., 1986:19) e a mulher negra "só corpo, sem mente" (hooks, 1995hooks, Bell. Intelectuais Negras. Revista Estudos Feministas, ano3, nº2, 1995, pp.464-478 [https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/16465/15035 - acesso em 10 jan 2017].
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:469); o discurso que atribui à mulher negra dois papéis: "à mulata, um ser-corpo sexualizado, pronto para satisfazer os desejos sexuais de outros; e à negra, um corpo-trabalho" (Moreira, 2011Moreira, Nubia. Organização das Feministas Negras no Brasil. Vitória da Conquista, Edições UESB, Ciências Sociais-Sociologia, 2011.:26). Critica-se também a ideologia do branqueamento, o mito da "democracia racial" e as práticas e comentários corriqueiros que pretendem justificar atos de racismo como "uma simples brincadeira".

Ademais, esse dossiê se manifesta contra a conduta de funcionários (porteiros, seguranças, etc), gerentes e síndicos que interditam o acesso de negros a certos espaços ditos "sociais", uma vez que nesses locais - elevadores sociais, prédios, hotéis, piscinas, clubes, bares, casa de shows, etc -, esse segmento da população é frequentemente barrado e impedido de usufruir dos serviços e lazeres disponíveis. Vale ressaltar que na maioria das vezes o funcionário age sob as ordens dos gerentes e dos síndicos e que toda forma de desobediência é passível de demissão.

Por fim, as autoras propõem três alternativas de ação contra o racismo: reconhecer a situação, ou seja, perceber as diferentes formas pelas quais ele se manifesta no dia a dia e, consequentemente, as atitudes e emoções perante cada cenário; divulgar sistematicamente todos os atos de racismo ou discriminação de raça e cor; combater, sobretudo a partir da denúncia que é considerada uma prática suscetível de conscientizar o conjunto da sociedade e mobilizar os negros.

Outra importante ação realizada pelas mulheres negras do CECF ocorreu durante o centenário da abolição da escravidão em 1988, momento escolhido por elas para analisar a Lei Áurea, em qual medida houve sua efetiva execução e quais foram as suas consequências para a população negra. O projeto do Tribunal Winnie Mandela foi elaborado em colaboração com o CNDM e com a OAB.

Tribunal Winnie Mandela e o centenário da Abolição

No ano de 1987, Sueli Carneiro foi indicada para coordenar o Programa da Mulher Negra do CNDM, que estava sob a gestão de Jacqueline Pitanguy. Edna Roland foi então convidada para assumir a direção da Comissão de Mulheres Negras do CECF de São Paulo, que estava sob a presidência de Ida Maria. Em parceria com a OAB, que dispunha da OAB Mulher e da Comissão da Mulher Advogada, esses três órgãos desenvolveram o projeto do Tribunal Winnie Mandela visando agregar a temática das mulheres negras no repertório das atividades e manifestações previstas para o centenário da Abolição. Assim, ao mesmo tempo em que Sueli trabalhava no Conselho Nacional, Edna Roland e Maria Lúcia da Silva agiam no interior do Conselho Estadual em prol da realização do projeto do Tribunal e da campanha nacional de conscientização - Mulheres negras ainda lutam pela abolição dos preconceitos (Pimenta, 2010Pimenta, Fabrícia Faleiros. Políticas Feministas e os Feminismos na Política: O Conselho Nacional dos Direitos da Mulher 1985-2005. Tese (Doutorado em História), Universidade de Brasília, 2010.). Segundo as afirmações de Maria Lúcia, conselheira desde 1986, "(...) nós, dentro do Conselho da Condição Feminina atuávamos como movimento social e a gente preparou uma ação de denúncia. Nós estávamos dentro do Estado, denunciando o Estado" (entrevista em 07 ago. 2015).

Sueli Carneiro narra sua entrada no Conselho Nacional da Mulher Negra como coordenadora do Programa da Mulher Negra, bem como uma das organizadoras no âmbito nacional dos projetos voltados para o centenário da Abolição.

Então fui pra lá em 1987 e organizei tanto uma política para o Conselho tratar a questão da mulher negra, que passa por essas linhas que a gente já vinha desenvolvendo no Conselho da Condição Feminina de São Paulo, quanto também tratar a questão do centenário da Abolição em 1988, do ponto de vista das mulheres negras. Foi quando a gente construiu o Tribunal Winnie Mandela, que era a resposta, digamos, que nós resolvemos dar às comemorações governamentais para o centenário da Abolição (Verena; Pereira, 2007:253).

Esse julgamento simbólico da Lei Áurea, pela composição de um tribunal e de um júri simulado que se iniciaria no dia 13 de maio (data da abolição da escravidão) e se encerraria no dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, provocou várias reações negativas advindas das instâncias estatais. O Ministro da Justiça, Paulo Brossard, considerava inconcebível que o Estado brasileiro julgasse uma lei criada por ele mesmo. Além disso, o CNDM, representado por Jacqueline Pitanguy, exigiu uma autorização específica para o visto de Winnie Mandela que, imediatamente, gerou conflitos entre o órgão feminino, o Ministério da Justiça e o Ministério das Relações Internacionais. Winnie Mandela era uma das convidadas para compor o júri fictício e, nesse momento, devido às relações diplomáticas parciais entre o Brasil e a África do Sul, era preciso que o CNDM solicitasse uma permissão especial para sua vinda ao país. Jacqueline decidiu então ir até o Ministério das Relações Internacionais para fazer o pedido e, logo após o fim da sua reunião com o Secretário Geral, foi convocada por Paulo Brossard para apresentar explicações sobre a demanda do visto para Winnie Mandela, uma vez que se manifestar contra o racismo, nesse período, era considerado uma questão de segurança nacional. O CNDM foi, dessa forma, acusado de subversivo, pois pretendia introduzir "antagonismos raciais" que supostamente não existiam no país. Diante disso, Jacqueline foi impetrada por Paulo Brossard para colocar seu cargo à disposição, o que ela imediatamente recusou visto que sua posição de presidente tinha sido atribuída pelo Presidente da República, o único que poderia requerer sua demissão.

Por fim, o Ministério da Justiça se inquietava com a instauração e com a propagação de um discurso crítico no qual a população negra brasileira pudesse associar sua condição social, política e econômica à situação dos negros sul-africanos. Esse, na verdade, era um dos objetivos do Tribunal, que visava estabelecer uma relação entre esses dois países para denunciar a segregação dos negros brasileiros. Aliás, o nome atribuído ao projeto, "Winnie Mandela", pretendia fazer com que o Tribunal adquirisse um caráter internacional (Pimenta, 2010Pimenta, Fabrícia Faleiros. Políticas Feministas e os Feminismos na Política: O Conselho Nacional dos Direitos da Mulher 1985-2005. Tese (Doutorado em História), Universidade de Brasília, 2010.).

Conforme as narrações de Edna Roland, no interior do CECF de São Paulo houve também algumas manobras para impedir a realização do projeto proposto pelas mulheres negras conselheiras. Para Maria Lúcia havia uma ideia segundo a qual as militantes negras integrariam um Conselho dentro do Conselho. Além disso, as produções escritas e orais e os eventos por elas organizados, até mesmo o documento Mulher Negra - Dossiê sobre a discriminação racial -, contrariavam a grande maioria das feministas que se sentiam visadas nas críticas elaboradas pelas autoras (entrevista em 07 ago. 2015). Vera, assessora de imprensa do Conselho Feminino desde 1985 e do Conselho do Negro desde 1983, também realça essas contradições e discórdias entre os diferentes grupos que estruturavam o órgão de mulheres. De acordo com seu testemunho, as feministas se posicionavam de maneira maternalista, como se o lugar ocupado pelas negras no interior do CECF tivesse simplesmente sido concedido por sua benevolência. No entanto, consoante ao relato de Vera, as militantes negras sempre enfrentaram esses discursos depreciativos e se atribuíram o mérito das suas conquistas políticas e sociais (entrevista em 07 ago. 2015). Dessa forma, o Tribunal Winnie Mandela, assim como todas as outras manifestações elaboradas anteriormente pelas ativistas negras, foi constituído em um contexto de lutas por espaços políticos e visibilidades. Desde a criação do projeto até os últimos momentos das comemorações do centenário da Abolição, suas organizadoras tiveram que lidar com diversas oposições e obstáculos desenvolvidos tanto pelos órgãos governamentais quanto pelas próprias feministas.

A presidente Ida Maria, após a estreia do Tribunal em maio, pronunciou-se pelo fim do seu apoio ao evento e, como o CECF abandonou a proposta, Edna e Maria Lúcia foram transferidas para a OAB para continuar trabalhando. Para Maria Lúcia não existia nesse momento um ambiente favorável ao prosseguimento das atividades em prol do Tribunal (entrevista em 07 ago. 2015). Edna e Maria Lúcia, que tinham como objetivo mobilizar os diferentes movimentos de mulheres negras no território nacional para o ano do centenário, precisavam utilizar constantemente os materiais disponíveis no CECF, tais quais: telefones, salas de reuniões, etc. Além do Tribunal Winnie Mandela, as duas conselheiras contribuíam também para a organização do I Encontro Nacional de Mulheres Negras, que aconteceu no ano de 1988, em Valença, no Estado do Rio de Janeiro. Essa situação gerou um incômodo para Ida Maria que, a partir desse instante, começou a desarticular todos os vínculos que o conselho havia construído com o movimento de mulheres em geral. "(...) Na visão dela, não era papel do Conselho ficar fazendo esse tipo de interlocução com a sociedade civil, mobilizando o movimento. O papel do Conselho era formular e implementar políticas públicas de Estado" (Verena; Pereira, 2007:256).

Contudo, ainda segundo o depoimento de Edna Roland, Jacqueline Pitanguy contribuiu bastante para a execução do projeto "Winnie Mandela". Do mesmo modo, Maria Lúcia também confirmou o apoio político que Jacqueline atribuiu à Sueli Carneiro.

Definiu que esse era um projeto prioritário para o Conselho Nacional e que não poderia abrir mão de sua realização. Mas aceitou fazer algumas concessões para que o projeto pudesse prosseguir. O Tribunal iria de maio a novembro de 1988 e, na ideia original, concebida em conjunto com a OAB Mulher, pessoas seriam convidadas para trazer seus depoimentos sobre diferentes aspectos do problema do racismo, da discriminação racial (...). Com esse posicionamento do Ministério da Justiça, se mudou um pouco o enfoque: em vez de fazer audiências públicas para ouvir casos, queixas e registros de demandas, passou-se a ter uma série de seminários abordando, cada um, um tema diferente. Continuaria havendo o júri simulado, mas o processo dos depoimentos, da coisa viva e quente, isso foi eliminado para que o projeto pudesse ser aceito pelo Ministério da Justiça (Verena; Pereira, 2007:255).

Após os conflitos relatados anteriormente, bem como redes de solidariedade, o projeto do Tribunal Winnie Mandela com seu júri fictício se tornou realidade, e contou com a participação de Lélia Gonzalez, Benedita da Silva entre outros nomes importantes dos movimentos negros, movimentos feministas e movimentos de mulheres negras. Durante o evento houve conferências, debates, apresentações de estudos demográficos, trabalhos, imagens, etc. Os principais temas discutidos foram: educação, trabalho, saúde e violência. Houve também a publicação de um livro intitulado Tribunal Winnie Mandela: o que representou a Lei Áurea para os descendentes dos africanos no Brasil?, editado pelo CECF, em 1988. Por fim, após vários testemunhos, uma juíza concursada condenou a ineficiência da Lei Áurea e a incapacidade do Estado Brasileiro em atribuir direitos efetivos para a população negra. O Tribunal se encerrou com uma peça de teatro interpretada por Ruth de Souza, na qual a protagonista, mulher negra de 117 anos, e sua filha narravam suas histórias de vida.

Nos anos 1980, houve uma importante participação das conselheiras negras dos diversos conselhos da mulher e conselhos do negro que se generalizaram nos estados brasileiros. Assim, além do Coletivo de Mulheres Negras de São Paulo, da Comissão de Mulheres Negras do Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo e do Programa da Mulher Negra do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, também foram fundados o Geledés, o Fala Preta, o Nzinga Coletivo de Mulheres Negras do Rio de Janeiro, o Coletivo de Mulheres Negras da Baixada Santista, a Casa Dandara de Belo Horizonte, o Grupo Mãe Andresa do Centro de Cultura Negra do Maranhão, o Grupo de Mulheres Negras do Cedenpa - Centro de Defesa do Negro do Pará, os grupos de mulheres do Movimento Negro Unificado, as mulheres das comissões dos negros do PT, mulheres negras dos movimentos de favelas do Rio de Janeiro entre outros. Essas entidades, comissões ou grupos, autônomos ou institucionais, são frutos de atividades políticas na confluência do movimento negro e do movimento feminista. Esses grupos nasceram também de divergências internas e de disputas de espaço político, mas o importante aqui é que consolidaram a interseccionalidade como questão fundamental, tanto para um movimento como para o outro, e criaram um sujeito político: as mulheres negras.

Considerações finais

Durante o processo de abertura democrática, o tema participar ou não das instâncias governamentais era uma prioridade nos debates das militantes dos movimentos feministas e movimentos de mulheres, uma vez que no decorrer da ditadura civil-militar não era possível estabelecer nenhum diálogo com o Estado. Entre aquelas que consideravam importante atuar no interior da estrutura estatal, foi articulada uma série de medidas para favorecer a inclusão das mulheres. Assim, em 1983, foi criado o CECF São Paulo, primeiro órgão de políticas públicas para a mulher.

Na sua primeira fase, esse conselho foi composto unicamente por mulheres brancas. Essa exclusão dos diferentes grupos sociais, principalmente das mulheres negras, logo provocou uma reação e uma análise crítica por parte daquelas que vinham lutando contra a ditadura desde 1964. Dessa maneira, foi fundado o Coletivo de Mulheres Negras de São Paulo que tinha por objetivo monitorar e intervir nas atividades do órgão recém-criado. A intensa intercessão do coletivo acabou por abrir espaço para uma mulher negra participar como conselheira.

Mesmo após a inserção de Thereza Santos no conselho, os conflitos entre as conselheiras negras e brancas continuaram a existir, visto que o viés racial e o questionamento dos privilégios de cor não faziam parte das preocupações das últimas. Todavia, houve também diferentes redes de solidariedades por parte das feministas brancas que ajudaram as mulheres negras a realizar o projeto do Tribunal Winnie Mandela. Esse foi um momento muito importante de aprendizado para ambos os grupos, e a persistência das mulheres negras foi essencial para que diversos grupos feministas aos poucos se abrissem para a discussão da importância da questão racial na análise e nos movimentos de transformação social no Brasil.

Assim, depois de enfrentar vários obstáculos para conseguir se integrar e, em seguida, permanecer no CECF, as mulheres negras construíram um espaço político de articulação com os movimentos de mulheres negras, movimentos negros e movimentos feministas, além de trabalhar na publicação de livros, dossiês, artigos e organizar campanhas, manifestações, etc. voltadas para suas questões específicas. Sem hesitar, os movimentos de mulheres negras sempre procuraram compreender as formas silenciosas ou escancaradas pelas quais o racismo se manifesta, bem como conscientizar a população sobre a discriminação, combatê-la e denunciá-la. O CECF foi um instrumento importante para criar políticas públicas que favorecessem as mulheres negras a lutar contra o racismo onipresente na sociedade brasileira, e também serviu como um espaço de exposição e discussão das questões específicas das mulheres negras na medida em que foi instado a abrir espaço para a sua presença política.

Referências bibliográficas

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Entrevistas

  • Edna Roland. Entrevista concedida à Tauana Olívia Gomes Silva. Guarulhos, Brasil, 04/11/2014.
  • Maria Lúcia da Silva. Entrevista concedida à Tauana Olívia Gomes Silva. São Paulo, Brasil, 07/08/2015.
  • Vera Lúcia Benedito. Entrevista concedida à Tauana Olívia Gomes Silva. São Paulo, Brasil, 07/08/2015.
  • 1
    Esposa de Nelson Mandela, importante líder contra o apartheid na África do Sul.
  • 2
    A Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher (CEDAW) foi adotada pela Assembleia Geral da Organização as Nações Unidas (ONU) em 1979. Como país signatário, o Brasil comprometeu-se com essas medidas. Ver sobre isso, Prá (2014)Prá, Jussara Reis. Mulheres, direitos políticos, gênero e feminismo. Cadernos Pagu, 2014, n.43, pp.169-196. [http://www.scielo.br/pdf/cpa/n43/0104-8333-cpa-43-0169.pdf - acesso em 25/03/2018]
    http://www.scielo.br/pdf/cpa/n43/0104-83...
    .
  • 3
    Primeiro negro a se eleger deputado federal por São Paulo, em 1966.
  • 4
    Foram realizadas entrevistas orais com Edna Roland, Maria Lúcia da Silva e Vera Lúcia Benedito. Thereza Santos deixou um livro de cunho autobiográfico (Santos, 2008). Sueli Carneiro e Edna Roland deram também entrevistas publicadas em Alberti e Pereira (2007)Alberti, Verena; Pereira, Amilcar. Histórias do movimento negro no Brasil- depoimentos ao CPDOC. Rio de Janeiro, Pallas, CPDOC-FGV, 2007.. Há ainda a biografia de Sueli Carneiro (Borges, 2009Borges, Rosane. Sueli Carneiro. São Paulo, Selo Negro, 2009.).
  • 5
    Classificados como "pardos", encontravam-se os índios, mulatos, caboclos, cafuzos, mamelucos, sararás, mestiços e etc.
  • 6
    Membro de um dos grupos de assessoria e participação (GAP) do governo de Paulo Maluf.
  • 7
    Desde 2012, a Emenda Constitucional 72, mais conhecida como a PEC das Domésticas (PEC 66/2012), garantiu aos trabalhadores domésticos direitos empregatícios: uma jornada de oito horas, hora extra, salário-maternidade, auxílio-doença, seguro desemprego, adicional noturno, pensão por morte, entre outros.
  • *
    Gostaríamos de agradecer à equipe de pesquisa do Laboratório de Estudos de Gênero e História da UFSC pelo compartilhamento de dados e entrevistas no âmbito do projeto Gênero, Feminismos e Ditaduras no Cone Sul, ao CNPq e à CAPES, que apoiou a realização dos trabalhos, através do projeto "Mulheres de luta: feminismo e esquerdas no Brasil (1964-1985)".

Gostaríamos de agradecer à equipe de pesquisa do Laboratório de Estudos de Gênero e História da UFSC pelo compartilhamento de dados e entrevistas no âmbito do projeto Gênero, Feminismos e Ditaduras no Cone Sul, ao CNPq e à CAPES, que apoiou a realização dos trabalhos, através do projeto "Mulheres de luta: feminismo e esquerdas no Brasil (1964-1985)".

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    18 Mar 2017
  • Aceito
    21 Set 2018
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