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Mulheres policiais em Portugal no século XX: a profecia não realizada*

Policewomen in Portugal in the Twentieth Century: an Unfulfilled Prophecy

Resumo

O texto procura demonstrar os impasses da integração de mulheres em uma das principais instituições policiais portuguesas, a Polícia de Segurança Pública (PSP), propondo uma leitura socio-histórica desse processo. Dados de pesquisas mostram que ainda que aliada a uma imagem plural da instituição policial, com campanhas de rebranding pela feminização da força, o investimento no recrutamento feminino foi uma profecia não inteiramente realizada pela instituição e governos democráticos. Se num primeiro momento, as mulheres policiais são associadas a tarefas específicas e de apoio, mais tarde são vistas como dispensáveis no policiamento da violência doméstica. Argumento que a orientação feminizante da instituição e do Estado, aliando a modernidade da força ao recrutamento feminino, teve neste caso o efeito indireto de responsabilizar as próprias mulheres por uma política inconclusiva.

Portugal século XX; Polícia Urbana; Mulheres Polícia; Marketing Policial; Carreiras Profissionais; Demografias profissionais

Abstract

This article examines the main impasses to the integration of women into one of Portugal’s main police institutions, the Public Security Police (PSP),using a socio-historical reading. Research data shows that although allied to the pluralization of the institutional image, presented in rebranding campaigns to indicate the police force’s feminization, investment in female recruitment was a prophecy that was not completely realized by police institutions and democratic governments. While at first police women were associated with specific and support tasks, they were later seen as dispensable in policing domestic violence. I argue that the sexist orientation of the institution and the state, which combined the idea of modernity of the force with female recruitment, indirectly held women responsible for an inconclusive policy.

Portugal twentieth century; Urban Police; Policewomen; Policing Marketing; Professional Careers; Professional Demographics

Uma das primeiras discussões associadas à fase histórica da polícia democrática em Portugal foi a inclusão de mulheres nas suas forças. Na verdade, essa abertura já fora testada durante um curto período no final do Estado Novo (que durou entre 1933-1974) quando se integrou a primeira escola de alistados femininos em 1972 (Cordeiro; Durão; Leandro, 2003DURÃO, Susana; LEANDRO, Alexandra. Mulheres na Polícia: visibilidades sociais e simbólicas. In: CORDEIRO, Graça I.; BAPTISTA, Luís V.; COSTA, António F. (ed.). Etnografias Urbanas. Oeiras, Celta Editora, 2003, pp.77-91.). Embora esse fosse um marco simbólico, a discussão mais abrangente de como pluralizar a Polícia, recrutando mais “elementos femininos”, só teria consequências a partir da década de 1980. Este texto argumenta que vincular a democratização e abertura da polícia ao recrutamento “feminino” acaba por responsabilizar as “mulheres” por mudanças institucionais, refletindo uma essencialização simplista dual entre masculino/feminino.

Como têm evidenciado diversas pesquisas, em momentos decisivos de mudanças na política de justiça criminal, como foi a introdução da Lei Maria da Penha no Brasil e a institucionalização das Delegacias da Mulher, criou-se transversamente a ideia de que bastaria recrutar delegadas e inspetoras para garantir um bom atendimento ou solucionar problemas muito mais complexos presentes nos aparatos de estado que ficariam por questionar (Debert; Gregori; Piscitelli, 2006; Debert; Gregori, 2008DEBERT, Guita Grin; GREGORI, Maria Filomena. Violência e Gênero. Novas propostas, velhos dilemas. RBCS, v. 23 (66), fevereiro, 2008, pp.165-185.).O texto segue essencialmente essa crítica e evidencia, para o caso português, como esse investimento no recrutamento feminino se tratou de uma profecia não realizada – nem mesmo naquele que seria o eixo preferencial de atribuição de responsabilidade ao “bom trabalho feminino”: no atendimento e policiamento da violência doméstica.

A partir da análise demográfica da presença de homens e mulheres nos quadros da polícia entre 1997 e 2006 (período para o qual existem registros oficiais), fica claro que o avanço do número de mulheres na força se manteve estavelmente baixo. Apesar do rebranding institucional apresentar o “elemento feminino” como o grande fator de mudança democrática na imagem e cultura da instituição, como também será detalhado neste texto, a presença das mulheres na força não chega a ser sociologicamente significativa. É preciso contextualizar historicamente o anseio de ter mais mulheres nas polícias.

A Polícia de Segurança Pública (PSP) é uma das principais e maiores instituições policiais portuguesa, dedicando-se ao policiamento de áreas urbanas e metropolitanas. O maior corpo policial é constituído pela Guarda Nacional Republicana (GNR), uma gendarmerie especificamente voltada para regiões rurais, também respondendo ao Ministério da Administração Interna. Apesar de terem uma história institucional longa, o percurso destas forças em democracia é relativamente recente. Depois da chamada “Revolução dos Cravos”, ocorrida na histórica data de 25 de Abril de 1974, que celebrou o fim de quase 60 anos do regime autoritário encabeçado primeiro por Salazar e depois por Caetano, houve um esforço legal, profissional, administrativo e operacional de reforma destas forças. A década de 1980, sobretudo a segunda metade, introduziu diversas modificações, impostas por uma nova Constituição da República Portuguesa aprovada em Abril de 1976, decretando o princípio da universalidade de direitos. Muitas das alterações na legislação subsequentes, incluindo a Lei de Segurança Interna(1985),só adquiriram uma forma completa na PSP com a Lei orgânica nº 5/99 e toda uma série de mudanças adjacentes, incluindo um novo estatuto de pessoal. Desse modo, foi sendo erguida uma arquitetura assente num garantismo legal e uma certa conscientização dos direitos humanos formulados em leis e pactos internacionais, marcados pela adesão do país à União Europeia em 1986.

No passado de regime autoritário, estas forças não se confundiam imediatamente com as polícias políticas do regime, como era a PIDE-PVDE (cf. Ribeiro, 1995RIBEIRO, Maria da Conceição. A Polícia Política no Estado Novo. 1926-1945. Lisboa, Editorial Estampa, 1995.; Mateus, 2004MATEUS, Dalila Cabrita. A PIDE/DGS na Guerra Colonial: 1961-1974. Lisboa, Terramar, 2004.; Pimentel, 2007PIMENTEL, Irene Flunser. A História da PIDE. Lisboa, Círculo de Leitores, 2007.). Não se conheceram afastamentos compulsivos de agentes ou oficiais de policiais no momento revolucionário. Pairava no ar, todavia, a ameaça de uma imagem de continuidade institucional das forças da ordem. Havia a necessidade de interrupção da associação destas a um regime político consensualmente rejeitado na nova conjuntura democrática. Em poucas palavras, as lideranças políticas e policiais desejavam afastar do imaginário dos portugueses a imagem de policiais violentos, truculentos ou, simplesmente, despreparados para Portugal na modernidade europeia (Durão, 2008DURÃO, Susana. Patrulha e Proximidade. Uma Etnografia da Polícia em Lisboa. Coimbra/São Paulo, ed. Almedina, 2008.; Frois, 2013FROIS, Catarina. Peripheral Vision: Politics, Technology, and Surveillance. Londres, Berghahn Books, 2013.). Foi ficando cada vez mais claro que ter guardas femininas seria benéfico para a PSP. A partir de finais dos anos 1980 gera-se assim um entendimento de Estado, pautado pela receptividade social, de que as mulheres seriam elementos transformadores da instituição policial, uma instituição engendrada em atributos de masculinidade. Todavia, a fraca evolução do recrutamento “feminino” não substantivou a mudança anunciada pela instituição e os governos. Isso é mais claro à medida que descemos na hierarquia policial, onde menos mulheres se integram à força.

1.Mulheres polícia: uma história de hesitações[1]

Embora a produção literária sobre história e sociologia policial seja quase omissa em Portugal, hoje é possível traçar uma síntese histórica de um processo recente, gradual e instável, de inclusão de mulheres na PSP.2 2 Para este artigo foi consultada a revista Polícia Portuguesa (1933-1974). Foram também analisadas legislação e fontes primárias não publicadas, mais especificamente dois dossiês intitulados “Carreira Policial Feminina”, que conservam documentação variada relativa ao processo de recrutamento de mulheres nos anos 1980 (aproximadamente 1350 páginas). Localizei esta fonte estratégica e administrativa no gabinete de estudos e planeamento da Direção Nacional da PSP em 2001. Agradeço às autoridades a permissão para aceder a esta informação. Foram também incluídas reflexões acerca de depoimentos diretos de vários oficiais da PSP, com especial enfoque na entrevista realizada ao comandante geral da PSP envolvido no processo de abertura à contratação de mulheres. Estas entrevistas foram realizadas no período que vai de 2002-2013, ao abrigo dos projetos: “Women in Police Stations: Violent crime and gender relationships” (FCT, PIHM/VG/0131/2008); “Police Forces, Organization and Changes: Etnhography on Socio-Professional Identities” (POCTI/ANT/47227/2002), o projeto de dissertação de doutoramento “Patrulha e Proximidade: uma Etnografia da Polícia em Lisboa” (Durão, 2008) e a pesquisa em curso “Unveiling police(men) histories. Urban policing in Portugal, 1860-1960”(PTDC/HIS-HIS/115531/2009). Agradeço o gentil financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia em Portugal. Desde os anos 1930 até ao princípio dos anos 1970, o reduzido número de elementos policiais femininos existentes na PSP (menos de 20) exerciam exclusivamente funções de assistência e de vigilância de mulheres e crianças. Entre 1954 e 1980 as mulheres não passavam de “guardas de 2ª classe”, aquele que constituía até finais do século XX (quando o posto passou a designar-se “agente”) o primeiro degrau da carreira policial. Era assim inviabilizada a possibilidade de progressão na carreira para as mulheres. Esta posição institucional foi claramente assumida e fixada no “Estatuto do Pessoal” de 1953.

Em 1972 foi criado o primeiro curso de formação para “grupos de alistados femininos” e em 1974 reaberto um outro curso, com 70 guardas em cada ano. No período subsequente, até 1980, é interrompido o processo de inclusão de mulheres na polícia. O recrutamento de mulheres nesses anos visou, fundamentalmente, preencher alguns quadros administrativos e libertar os elementos masculinos para funções policiais. Determinou-se ser necessário fazer face a algumas carências de pessoal, resultantes em parte da partida de homens para a guerra nas colónias. As poucas mulheres a quem foram distribuídas tarefas de policiamento e patrulhamento estavam colocadas nas áreas do trânsito e na vigilância de mulheres e crianças, exclusivamente em regime diurno. Na revista Polícia Portuguesa, a guarda L. escrevia, por detrás de seu anonimato:

Muitos perguntam, aonde estão as mulheres polícias? Têm razão para o fazer. Percorre-se Lisboa a qualquer hora e quase não se vê nenhuma. Somos um mito e não uma realidade (1972:10).

Sem fugir a uma tendência comum na generalidade das polícias do norte da Europa que nos anos 1970, contudo, começavam a conceber a paridade, as mulheres eram encaradas como uma espécie de “assistentes sociais fardadas”. Em 1980, ainda se falava da “admissão de agentes de ambos os sexos, numa quase igualdade de circunstâncias e para missões idênticas, salvaguardando apenas os aspectos decorrentes da condição feminina” (Decreto-Lei n.º 134/80, 19 de maio, grifo nosso). Estabelece-se então uma “carreira policial feminina” com vista ao aumento do quadro de efetivos femininos, mas refletindo ainda a desigualdade e a separação entre carreiras de homens e de mulheres (mesmo quando a Constituição Portuguesa previa direitos igualitários desde 1976).

Quando entrevistei um dos responsáveis pelo retomar do processo definitivo de entrada das mulheres na polícia, comandante da PSP nos anos decisivos de 1979 e 1980, este resumiu:

As razões [do recrutamento feminino] eram as seguintes: rejuvenescer o quadro já existente, criar disponibilidade de pessoal para serviços que podiam ser mais adequados a mulheres, por exemplo, problemas de apalpações, problemas de contato com individualidades estrangeiras com senhoras. Isto criava funções próprias que deviam ser adequadas às mulheres e libertava [novamente] o pessoal masculino para a ação operacional de rua (General Lopes Alves, 27/09/2001).3 3 Entre 2001 e 2005, em diversos projetos, realizei 50 entrevistas repartidas entre polícias em formação no ISCPSI, oficiais superiores (maioritariamente a exercer funções na Direção Nacional da PSP), responsáveis pelo Comando e Divisões de Lisboa, chefias intermédias e agentes. Entre 2005 e 1012 as primeiras seriam complementadas com mais de 60 entrevistas a polícias em unidades operacionais de esquadra.

Em 1980 abriram 300 vagas para mulheres no curso de alistados na Escola Prática de Polícia, segundo o entrevistado. O impressionante número de 13000 candidatas desse ano revelava que para muitas mulheres a polícia começava a perspectivar-se como um projeto de vida. Esta nova abertura da PSP às guardas revelou existir de fato uma clivagem entre os elementos masculinos e femininos. Ainda de acordo com o mesmo general:

Quando se iniciou este recrutamento, o pessoal feminino da polícia que estava já em funções, fez uma exposição ao Comando Geral em que diziam que queriam ser tratadas como os homens, que não queriam estar só no trânsito, nem só nos serviços administrativos. E a certa altura também os homens levantaram problemas. Diziam que pelo fato de admitir 300 mulheres se tiravam vagas no quadro deles... Mas criaram-se vagas e havia exatamente um quadro só para vagas femininas (General Lopes Alves, 27/09/2001).

Recorde-se que o problema do quadro de “carreira policial feminina” residia no fato de evidenciar restrições objetivas às mulheres no acesso a postos e diversificação de funções. Por exemplo, a 29 de Outubro de 1980, surge um documento “reciclagem do pessoal feminino (guardas) em 1981”4 4 O documento é identificado pelo Despacho nº 27/80/CG. . O documento prevê o início de instrução preparatória de cerca de 300 alistadas em 1981. Nele se refere, pela primeira vez, novas tarefas preferenciais. Além das que em geral estão contempladas (proteção de crianças, guarda de calabouços de mulheres, etc.) designa-se: a segurança de altas entidades, segurança de aeroportos, luta antidroga, patrulhamento nas esquadras.

Ao mesmo tempo, a competição masculina por uma certa exclusividade fazia-se sentir. Em 1982 surge uma disputa nas seções de trânsito. Há um ofício dirigido ao Comando-Geral da PSP sobre “serviço de agentes femininos – piquetes”, denunciando que “os agentes femininos” começam a ter cada vez mais acesso a tarefas e horários noturnos “reivindicados pelos seus colegas masculinos”5 5 Proc. 808.02.10. GE. 251/82, refª V/ ofício nº 01.337. . O Comando cede à pressão, voltando a retirar funções a essas guardas no trânsito.

No artº 5 publicado a 25 de maio de 1983 (em Diário da República nº 120) prevê-se a admissão aos concursos de promoção de pessoal feminino, sendo as normas de admissão idênticas às do pessoal masculino. Em 1985 é finalmente criado o estatuto de igualdade entre todos os polícias, em boa medida devido a pressões internas das guardas desde 1980. Tinham uma prioridade: integrar o quadro geral dos polícias da PSP. Nessa altura seria criada a Escola Superior de Polícia (atual ISCPSI) centrada no treino de oficiais, com um estatuto à parte, renovando as chefias e substituindo os militares na PSP. Embora num primeiro curso sem cadetes femininas, elas iriam paulatinamente entrando na PSP “por cima”.

Embora ainda instável, estava aberto um caminho irreversível das mulheres na polícia portuguesa. Em 1985 deixaram finalmente de existir dois quadros policiais diferenciados por sexo. Alargou-se o leque de funções a desempenhar por mulheres na polícia. “Até então as mulheres eram dirigidas para funções ‘de agulha e dedal’. E só efetivamente em 1989 começou a existir maior paridade nas carreiras”, como me disse um subcomissário, chefe de Divisão na Direção Nacional, em entrevista realizada em 16/03/2001. Depois desse período, nos dossiês consultados deixam de existir registos escritos de tensões por parte das mulheres na polícia.

A diferenciação seria, porém, salientada. Quando analisei a documentação dos dossiês “Carreira Policial Feminina” compreendi as várias etapas para a inclusão de mulheres que preocupavam as chefias. Primeiro, a organização adequava-se às guardas, criando novas instalações, infraestruturas, convencendo os elementos masculinos a perder o monopólio. Em simultâneo, foram criados regulamentos específicos para as mulheres com o efeito de uniformizar a sua imagem e dar um exemplo moral. Por sua vez, seria necessário adaptar esse elemento estranho à organização policial. Tudo indica que a anatomia feminina foi realçada durante vários anos da década de 1980. O plano de uniforme distinguia as profissionais face aos colegas, mesmo quando exerciam funções operacionais. As guardas usavam chapéu, camisa, saia justa abaixo do joelho, collants, sapatos de salto.

No conjunto da documentação sobressai um detalhado relatório oficial intitulado “Recomendações para as guardas femininas em serviço”, com 27 páginas. A aparência do corpo feminino é ali apresentada como um mapa que irá ser minuciosamente escrutinado de norte a sul. Uma lista sintetiza normativas para a apresentação de si. Esta seria afixada em locais de frequência dos polícias em várias instâncias da corporação: esquadras, divisões e comandos e nos espaços de formação (a Escola Prática de Polícia e a Escola Superior de Polícia). A maior parte do extenso texto dirige-se às guardas e fornece indicações estéticas, mas também higiénicas sobre a manutenção da aparência feminina. É proibido o uso de perfumes; acessórios; fumar ou mastigar chiclete. O cabelo, “se tingido, deverá ser de uma outra cor natural e discreta (a critério do respectivo comando poderão ser recusadas certas tonalidades julgadas vistosas)”. “Pintura sim, mas sem exageros, sem exotismos, com sobriedade e discreta feminilidade”. O tom é pedagógico: “A vossa beleza é antes de tudo um trabalho pessoal. (…) Uma maquilhagem dos olhos muito carregada pode vulgarizar a mulher que a faz, um baton cor de sangue dá um aspecto pavoroso, um fundo amarelo transforma o rosto numa máscara”.

Duas questões podem ser evidenciadas neste processo histórico que já em um momento democrático visa controlar e regulamentar a carreira e corpo femininos. Várias pesquisas no Brasil têm chegado a conclusões semelhantes, mostrando como as angústias acerca da carreira policial feminina são relacionadas à fronteiras e aparelhamentos de gênero na instituição (Andrade, 2012; Nadai, 2012NADAI, Larissa. Descrever crimes, decifrar convenções narrativas: uma etnografia entre documentos oficiais da Delegacia de Defesa da Mulher de Campinas em casos de estupro e atentado violento ao pudor, Dissertação (Mestrado em Antropologia Social), UNICAMP, Campinas, SP, 2012.; Santana de Sousa, 2014SANTANA DE SOUSA, Marcos. “Sou policial, mas sou mulher”: Gênero e representações sociais na Polícia Militar de São Paulo. Tese (Doutorado em Ciências Sociais), UNICAMP, Campinas, SP, 2014.). Por um lado, o problema e dificuldade da inclusão feminina coloca-se desde cedo na base da hierarquia policial, entre as guardas. Por outro lado, seria necessário treinar estas profissionais, mas conservando a sua feminilidade. Isso servia para as evidenciar no corpo policial e criar uma nova da imagem da PSP em uma sociedade democrática emergente, “prestigiando não só a corporação como a mulher portuguesa”. Porém, a afirmação das profissionais teria de ser discreta e quase neutra6 6 É sabido que as organizações policiais modernas tendem a manter a discrição (cf. Punch, 1983). Todavia, nesse caso, a discrição dos comportamentos exigidos às guardas diz respeito a aspectos íntimos e do plano subjectivo, o que ultrapassa em larga medida o exercício de uma profissão, mesmo que uniformizada. Aliás, nenhuma ligação é feita no texto entre as directivas impostas e a sua articulação com a vida operacional. Isso leva a crer que estarmos perante constrangimentos de ordem moral que só lateralmente afectam a actividade profissional. . Como se verá, o pejo na aparência estendeu-se e manteve-se durante décadas. Foram caindo em desuso as apertadas prescrições normativas, mas mantida a tíbia representação feminina na força e, mais ainda, entre operacionais.

2. Mulheres polícia: um presente de avanços lentos

De cada vez que se procurou integrar mulheres nas forças policiais, apareceu como inevitável uma justificação técnico-profissional baseada na “natureza” do gênero. Os líderes nestas instituições consideravam existir funções mais apropriadas ao género feminino: conseguindo difundir uma melhor aparência no trânsito; poder efetuar revistas corporais, atendimento e acompanhamento de mulheres; lidar com crianças e jovens.

Nos anos 1990, um dos principais criadores dos critérios de recrutamento discutia a inclusão feminina com base na atribuição de um estatuto e funções distintas.

(…) O sexo é de facto, hoje em dia, um problema que levanta sérias dificuldades aos Comandos hierárquicos da PSP assim como à própria mulher, enquanto agente de autoridade, ou simplesmente candidata a tal, na medida em que não está ainda consignado o direito à diferença, direito este que terá de encontrar a sua expressão na criação de um quadro feminino, com funções ajustadas e adequadas à sua condição anátomo-fisiológica e psicossociológica de Mulher (Begonha, 1992BEGONHA, Mário B. Papel da motricidade humana na definição do perfil sociológico do oficial de polícia. Lisboa, Escola Superior de Polícia, 1992., pp.10-11).

A atribuição de funções específicas a mulheres não seria particular do contexto português e nem da polícia enquanto instituição. É comum a associação das figuras femininas ao cuidado do outro, sobretudo em tempos de crise (Lima, 2016). Mas um mesmo processo de atribuição de funções de assistencialismo a policiais femininas aconteceu pelo mundo afora no momento em que foi preciso abrir o “último bastião masculino da sociedade civil” (McLaughlin & Muncie, 1996:77), como é sistematicamente evidenciado na literatura sobre culturas e ethos policiais.7 7 Sobre o tema ver: Banton (1964, 1973); Bayley (2006); Bittner (2003); Chan (2005); Monjardet (1994, 1996); Reiner (1985); Reuss-Ianni & Ianni (1983); Skolnick (2005); Waddington (2005); Westmarland (2008). Também Santana de Sousa, que estudou as mulheres na Polícia Militar de São Paulo, identifica o “zoneamento” que marca as distinções funções para mulheres e homens (Santana de Sousa, 2014). Tal como defendem Maria Gabriela Lugones (2012)LUGONES, Maria Gabriela. Obrando en autos, obrando en vidas: formas y fórmulas de protección judicial em los tribunales prevencionales de menores de Córdoba, Argentina, a comienzos del siglo XXI. Rio de Janeiro, E-papers/LACED/Museu Nacional, 2012. e Adriana Vianna (1999, 20VIANNA, Adriana. O mal que se adivinha: polícia e menoridade no Rio de Janeiro. Museu Nacional/UFRJ, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1999., 2002VIANNA, Adriana. Os limites da menoridade: responsabilidade, tutela e família em julgamento. Tese (Doutorado em Antropologia), Museu Nacional/UFRJ, Rio de Janeiro, 2002., 2014), as instituições de Estado têm gênero e aos dois grupos homens/mulheres são atribuídos comportamentos e relações de gênero - feminilidades e masculinidades - que engendram a edificação da instituição policial, bem como outras instituições de estado como são as assistências sociais e os conselhos tutelares.

Assim começou a dirigir-se a atenção para a necessidade de ter mulheres no atendimento para lidar com vítimas em sofrimento, criando nessa instituição um aparato de “madramento”, como explicita Lugones (2012)LUGONES, Maria Gabriela. Obrando en autos, obrando en vidas: formas y fórmulas de protección judicial em los tribunales prevencionales de menores de Córdoba, Argentina, a comienzos del siglo XXI. Rio de Janeiro, E-papers/LACED/Museu Nacional, 2012.. O fazer especializado das agentes policiais feminina é referido, quando não pejorativamente pelo menos ironicamente, como “trabalho de mulher, não de polícia”, como defendem Larissa Nadai (2012)NADAI, Larissa. Descrever crimes, decifrar convenções narrativas: uma etnografia entre documentos oficiais da Delegacia de Defesa da Mulher de Campinas em casos de estupro e atentado violento ao pudor, Dissertação (Mestrado em Antropologia Social), UNICAMP, Campinas, SP, 2012. e Fabiana Andrade (2012). A estas agentes corresponderia a ação “sensível” de prestar socorro aos mais fracos (mulheres e crianças). Este socorro feminino seria baseado numa sutil solidariedade de gênero ou de mãe que, sendo discreta, não atrapalhasse a pretensa neutralidade da avaliação policial, mas que não ferisse a cena do auxílio com a possível insensibilidade machista (Durão, 2008DURÃO, Susana. Patrulha e Proximidade. Uma Etnografia da Polícia em Lisboa. Coimbra/São Paulo, ed. Almedina, 2008.).

Verifiquei que, com o correr dos anos, este debate foi perdendo espaço na PSP, deixando de se atribuir, pelo menos formalmente, tarefas especiais a mulheres. Embora tal fosse benéfico para os níveis mais qualificados da profissão e abrisse às mulheres em categorias oficiais uma porta de oportunidades, o mesmo não poderia ser dito para as agentes colocadas na base da hierarquia policial. Sendo sempre muito minoritárias, além de subalternizadas, estas agentes acabaram por ser consideradas dispensáveis no trabalho de patrulha e no atendimento policial. A patrulha manteve-se como aptidão genérica que qualquer elemento policial, não especializado, pode desempenhar. Ou seja, a indefinição de funções entre os polícias de base em geral e a não-atribuição de funções específicas a partir de possíveis recortes de género, acabaria por beneficiar indiretamente o status quo masculino. Isso porque se tornou política e organizacionalmente injustificável a necessidade da presença mais efetiva de mulheres para a condução da prática técnico-policial.

A presença feminina nas forças de segurança começou a merecer maior tolerância a partir da década de 1990, inclusive em manifestações públicas de ministros da administração interna. Em simultâneo, a ausência de um debate sobre o que traria a maior participação feminina ao policiamento foi sendo dispensada. Foi difundida uma noção administrativa dos agentes como estando todos igualmente preparados para lidar com toda e qualquer ocorrência policial. O exemplo mais notório foi o da criminalização da violência doméstica (nos anos 2000). Este não teve como consequência uma maior participação e protagonismo social das agentes femininas.

Tudo isso alicerçou a ideia de que bastaria promover uma imagem de polícia pluralmente constituída por homens e mulheres, mas sem dilatar a representatividade estatística do “segundo sexo”. Criou-se, assim, um cenário propício para a disjunção entre a representação cultural das mulheres na instituição e a sua (não) inclusão social mais efetiva na força. Ou seja, desde meados dos anos 1980, começou a acenar-se publicamente, através de imagens, campanhas e de uma remodelação de marketing e rebranding policiais, a ideia de uma polícia urbana paritária. Ou seja, os holofotes públicos foram colocados na promoção da imagem de uma instituição democrática e plural, em boa parte porque incluindo mulheres. As mulheres foram úteis como representação cultural da instituição, apesar de pouco representadas socialmente.

A revisão histórica dos recrutamentos femininos na PSP dos anos 80 revela uma segunda grande hesitação. A tensão estava entre criar uma carreira e um enquadramento formal específicos para mulheres ou incluí-las na carreira policial genérica. Nos anos 1990 a opção pela não distinção vingaria. A história social e a constituição portuguesa seriam desfavoráveis à distinção entre carreira feminina e masculina. Mas tudo indica que a distinção entre homens e mulheres na força viria a ressurgir, ao longo das décadas seguintes, de modo mais subterrâneo e avesso a uma expressão pública. Só assim se justifica o fraco incremento estatístico do recrutamento feminino, em geral, e o ainda mais reduzido número de mulheres agentes, na patrulha e no atendimento aos cidadãos.

3.Violência Doméstica: onde estariam as agentes femininas?

Quando a legislação contra a violência doméstica em Portugal começou a adensar e o estatuto da vítima ganhou o principal protagonismo – com a necessidade de priorizar a proteção de Estado a mulheres, em geral mais atingidas --rapidamente se percebeu que o efetivo feminino não tinha abrangência para lidar com esse tipo de crime e vitimação. A notória ausência de agentes femininas nas esquadras da capital do país, Lisboa, foi testemunhada enquanto eu realizava o trabalho de campo nos anos de 2004 e 2005, no âmbito da tese de doutorado em antropologia (Durão, 2008DURÃO, Susana. Patrulha e Proximidade. Uma Etnografia da Polícia em Lisboa. Coimbra/São Paulo, ed. Almedina, 2008.). Em algumas esquadras conheci vários grupos de trabalho onde não existiam mulheres; só homens. Visitei várias esquadras onde o número de agentes era diminuto ou nulo. Eu sabia que o número total de agentes na PSP pouco ultrapassava os 6%. Mas não deixava de me espantar que à medida que nos aproximávamos do policiamento nas ruas, na patrulha, as agentes fossem desaparecendo para vir a reaparecer já nos serviços internos das esquadras e em outras unidades policiais de maior dimensão. Elas ocupavam os serviços administrativos e estavam no apoio à gestão direta, próximo a comandantes. Em alguns serviços de secretariado encontrei frequentemente várias mulheres, com a categoria de agente ou chefe, que teriam sido retiradas de funções operacionais.8 8 As esquadras são unidades de policiamento implementadas na malha urbana em Portugal. Como tal, são as organizações mais próximas dos cidadãos. Para garantir um funcionamento ininterrupto (as 24 horas do dia), elas albergam os designados grupos que trabalham em regime de turnos. Cada grupo é responsável, durante o período em que está de serviço, pela patrulha de áreas circundantes da esquadra, uma área que é administrativamente definida e que tem um tamanho variável. Um grupo (geralmente de 5 a 10 agentes) é chefiado por um elemento que fica “à banca”, no atendimento, na sede da esquadra. Geralmente esse é da categoria de chefe. O número total dos grupos é de cinco, permitindo que cada se organize em turnos de seis horas. Para fazer essa patrulha ou se usam automóveis ou, simplesmente, se faz vigilância a pé. Tal como Marcos Santana, verifiquei como a noção do trabalho feminino era permanentemente afirmada como complementar e de apoio administrativo, interno, doméstico, ao trabalho operacional, tendencialmente masculino, público. Fica a dúvida se a tentativa das mulheres se afirmarem feminizando seus corpos e estéticas não é mais um meio de se fazer incluir nesse mundo muito masculinizado do que mera representação de si (Durão, 2008DURÃO, Susana. Patrulha e Proximidade. Uma Etnografia da Polícia em Lisboa. Coimbra/São Paulo, ed. Almedina, 2008., 2016; Santana de Sousa, 2014SANTANA DE SOUSA, Marcos. “Sou policial, mas sou mulher”: Gênero e representações sociais na Polícia Militar de São Paulo. Tese (Doutorado em Ciências Sociais), UNICAMP, Campinas, SP, 2014., 2016SANTANA DE SOUSA, Marcos. As ilusões do espelho: gênero e identidade na Polícia Militar de São Paulo, O público e o privado, (28), Julho/Dezembro, 2016, pp.111-131.).

Procurei uma justificação para uma tal disparidade. Uma vez que o número de agentes femininas era já de si tão reduzido, intrigava a fraca presença destas no trabalho de patrulha e a sua concentração, desproporcionalmente elevada face aos agentes masculinos, nos serviços administrativos. Porque não estariam elas onde os cidadãos as pudessem contatar, nos serviços da patrulha ou nas “equipas da proximidade”?9 9 Estas equipas foram criadas, de modo capilar nas esquadras, a partir dos anos 2000 com o que veio a chamar-se Programa Integrado de Policiamento de Proximidade. A “proximidade” foi primeiro uma diretiva governamental do Ministério da Administração, mas mais tarde, desde 2006, reforçado como programa da Direção Nacional da PSP. Embora não tenha chegado a constituir uma reforma organizacional completa, o programa introduziu melhorias na especialização e pessoalização do policiamento e do atendimento direto oferecido aos cidadãos (cf. Oliveira, 2003, 20, 2006; Durão, 2008, 20, 2011a, 2012). Embora houvesse a preocupação de integrar as poucas agentes existentes nas esquadras no trabalho da “proximidade” – em equipas destinadas a trabalhar com comunidades escolares, idosos e vítimas de violência doméstica – estas continuavam a estar praticamente ausentes nos restantes grupos de trabalho e nos turnos permanentes das esquadras.

Desse modo, não foram necessários muitos meses de trabalho de campo para entender como em casos de violência doméstica e até mesmo de violência sexual contra mulheres, não só era raro estarem envolvidas agentes femininas como nas esquadras não se tornava explícito o direito das vítimas a serem atendidas por uma mulher, como acontece em muitos países. Alguns chefes trocaram impressões comigo: “Como garantir esse direito se na PSP não há agentes femininas em número suficiente? Temos de lidar com situações de emergência”.

A razão estava na ausência de uma política de recrutamento de agentes femininas, mas não apenas. Era perceptível a prática, intersticial e relativamente discreta, de “proteção” das mulheres, afastando-as, de vários modos, do trabalho policial de patrulha. Ou seja, havia um entendimento transversal de que quando casadas e, sobretudo, depois de se tornarem mães, estas poderiam (e em muitos casos considerava-se que deviam) ser poupadas ao desgaste do regime de turnos e à convivência tentadora com companheiros do sexo oposto. A ideia de que as mulheres eram o suporte dos seus lares e famílias era tão persistente que chegava a convencer as agentes mais resilientes e “amantes” do trabalho policial de rua. A esse propósito lembro-me da agente Magda (nome fictício) que conheci em 2004 num grupo da patrulha e reencontrei em 2012 num serviço administrativo de uma divisão de comando de esquadras. Tinha sacrificado uma carreira na investigação criminal porque se tornara mãe e era ela quem tinha de assegurar os horários da filha e a manutenção da casa. O marido prosseguira com esse sonho, partilhado por ambos, e estava agora numa divisão da investigação criminal.

Existem várias modalidades de horários no trabalho policial e desde logo em uma esquadra. O regime rotativo de turnos de 6 horas, o regime diurno de turnos (manhã e tarde) dos serviços da proximidade (8 horas) e o regime de horário administrativo das 9h-17 horas. Os “bons horários” são muito disputados pela generalidade dos agentes e não foi pouco comum observar agentes masculinos competirem com as colegas por essas oportunidades. Em Portugal, muitos agentes preferem a calma dos bastidores ao “apelo das ruas” e em poucos anos apresentam-se fatigados e desmotivados com o trabalho nas esquadras (Durão, 2008DURÃO, Susana. Patrulha e Proximidade. Uma Etnografia da Polícia em Lisboa. Coimbra/São Paulo, ed. Almedina, 2008.). Todavia, mesmo não sendo sempre a opção das agentes femininas, estas eram mais frequentemente levadas a enveredar por uma trajetória administrativa que, regra geral, vinha associada a um apelativo horário de trabalho. Poucas conseguiam escapar ao que descreviam como “convites” dos superiores. A competência na escrita do expediente e a demonstração de capacidade de gestão de problemas com o pessoal transformava-as frequentemente em parceiras do trabalho administrativo de comandantes e líderes.

Um outro caso que conheci de perto foi o da agente Cátia (nome fictício). Esta trabalhava numa equipa do programa de apoio à vítima. Tal como tantas outras com quem estive, acabaria por ser inevitavelmente resgatada para um serviço de apoio ao comando na mesma esquadra, passando a trabalhar não nas ruas, mas na administração dos processos de pessoal (faltas, pedidos, folgas, etc.) e na gestão local das notificações judiciais atribuídas à unidade. O passo derradeiro foi a sua gravidez. Conseguiu patrulhar até aos 6 meses de gestação, quando o seu ventre se tornou proeminente e se viu obrigada a adquirir um uniforme considerado impróprio para a rua. Não seria mais autorizada pelos chefes, pois o risco dobrava, justificavam, além da visualização pública da sua situação gestante afetar a imagem da força. A questão foi que assim que ficou retida na esquadra as suas competências administrativas foram “descobertas” e com um filho nos braços, com duplo consentimento, ela não voltaria à patrulha. Ela não voltaria ao regime de turnos e nem ao atendimento de cidadãos e vítimas. Muitas biografias de agentes femininas que entrevistei tinham mais ou menos a sequência descrita.

Em 2000 a legislação em torno da Violência Doméstica foi modificada (com a Lei n.º 7/2000, de 27 de Maio), na sequência de uma discussão pública que envolveu ativamente políticos, técnicos, associações de mulheres e outras associações cívicas militantes. Esse tipo de violência passou a ser definida como crime público, ou seja, com intervenção policial e encaminhamento de processo judicial mesmo sem a anuência ou intencionalidade da vítima. Em 2007, a prevenção, a repressão e a redução dos crimes de violência doméstica foram definidos como objetivos específicos e prioritários.10 10 Em 2007, a prevenção, a repressão e a redução dos crimes de violência doméstica são definidos como objetivos específicos e prioritários pela política criminal para 2007-2009. Desde então têm sido criados diversos planos estratégicos, a partir de entidades de governo (Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, 2008, 2012). Desde então, o código penal português define o crime de violência doméstica no art.º 152.º da Lei n.º 59/2007 como: “1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais: a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge; b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação; c) O progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou d) A pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite. Esse crime é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”. Assim, em 2009, foi criada legislação que prevê indemnização às vítimas de crimes violentos e de violência doméstica, e é estabelecido o regime jurídico aplicável à sua prevenção, à proteção e assistência das mesmas vítimas. Esta ficou conhecida como a Lei do “Estatuto da Vítima” (Lei n.º 112/2009 de 16 de Setembro).11 11 Ao contrário do que aconteceu noutros países, como a vizinha Espanha e o Brasil, em Portugal não foram criadas unidades de atendimento a mulheres ou qualquer política organizacional mais dirigida a estas, mesmo se as estatísticas evidenciam que esse se mantém um crime de género (ou estruturalmente de género, como definem os espanhóis).

Na referida lei o foco são as relações conjugais e violências familiares, não tanto conflitos de género ou violências sobre mulheres. Ou seja, ao contrário do que ocorreu até aos anos 1990, todas as mudanças ocorridas foram pensadas sem precisar uma correlação direta com o recrutamento de agentes femininas para lidar com esse tipo de crime e com vítimas ou pessoas vulnerabilizadas. Ainda assim, foi possível conhecer casos singulares, unidades de polícia, onde se reconhecia o sucesso do trabalho policial junto das vítimas. Invariavelmente esses casos envolviam agentes femininas com algum nível de especialização, experiência profissional e uma flexibilização organizacional no contato com os envolvidos e o Ministério Público.

O que verifiquei na prática foi que a queixa pela falta de mulheres na polícia mudou de lugar. Ela já não surgia das agentes e da clara inconcretude do marketing institucional, mas era manifestada por elementos masculinos. O que encontrei frequentemente durante o trabalho de campo foi a afirmação de vulnerabilidade dos próprios agentes masculinos face ao policiamento da violência doméstica. Muitos não se consideravam preparados para lidar com esse tipo de crime, e não tanto por reservas morais ou porque se identificariam com os agressores. Consideravam-se genericamente impotentes, sentindo falta de apoio da instituição, mas também de amparo de mulheres na polícia que os pudessem ajudar.

Apesar de em tese tudo contribuir para um aumento do poder de intervenção policial, um dos principais achados em um projeto que coordenei foi a apresentação de uma gramática de impotências policiais, transversalmente partilhada por agentes e vítimas (Durão, 2013a, 2013b).12 12 O projeto Women in Police Stations: Violent crime and gender(FCT PIHM/VG/0131/2008) foi financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia em Portugal, ao abrigo de protocolo estabelecido com a Secretaria de Estado da Igualdade, na área científica da Violência de Género. O projeto decorreu entre Setembro de 2009 e Fevereiro de 2012, no âmbito das atividades científicas do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, e foi executado com a colaboração de Pedro Moura Ferreira (sociólogo do ICS/UL, Lisboa) e de Marcio Darck (mestrando em criminologia na FDUP, Porto). Embora feito um esforço político, social e legal de “combate” à violência doméstica, esse não foi acompanhado por uma reforma organizacional e modus operandi do policiamento de esquadra. Ao mesmo tempo, o policiamento desse tipo de ocorrência, ao contrário de outros, imagina-se como extensão subalterna e sem autonomia do judiciário. Ou seja, toda a atenção policial é colocada no registro burocrático que é orientado para a criminalização do ato, num processo a ser promovido pelo Ministério Público.

Ao se definir mais como fase do trabalho administrativo -- de “participação” burocrática dos delitos testemunhados – do que como trabalho operacional, a maioria dos agentes de esquadra não considerava ter muito a fazer no que concerne às vítimas. Pedia-se aos policiais para socorrer as vítimas e orientá-las a receber o seu estatuto legal garantido. Mas esses sentiam-se impotentes e com ampla dificuldade em exercer esse papel, muitos atribuindo à falta de agentes femininos uma das razões da sua insatisfação profissional. A primeira fase de atendimento policial, que em geral tem lugar nas esquadras, e que só posteriormente seguirá para as instâncias de investigação criminal, seria mais desenvolvida no plano da obrigação burocrática do que como forma de lidar com os direitos das vítimas. Foi desse modo que dos seus meandros, indiretamente, e sem o apelo político externo à polícia, ecoou a falta de efetivo feminino para lidar com as novas vítimas e com seus direitos.

4.Demográficas

Como veremos na seção seguinte, nas campanhas de restauração da imagem policial o foco institucional voltou-se indiscutivelmente para a mulher polícia em funções de patrulha e de aproximação aos cidadãos. Todavia, como se verá nesta seção, a feminização da PSP – se é que podemos falar em feminização nesse caso – seguiu um curso imprevisto.13 13 Feminização é o ato efeito de feminizar. Pressupõe-se que tal deriva do movimento de entrada de mulheres nas forças policiais, mas uma entrada que produz uma “diferença” no conjunto e não que se dilui nele. O aumento de mulheres na força foi titubeante. Quando em análise a distribuição destas profissionais pelas subcategorias, verifica-se que em dados relativos, percentualmente, a presença das mulheres tem sido ainda menor nas funções de base do que nas de topo. Ambas as questões merecem reflexão a partir daqui. Selecionei uma coorte de anos para comparar: 1997, 2000, 2006, 2011.14 14 A justificação para a análise dos dados recuar apenas até 1997 baseia-se no facto dos documentos que permitem fazer esta pesquisa – os Balanços Sociais da organização – começarem a ficar disponíveis ao público nessa data. A informação relativa às décadas anteriores, embora requerida, não nos foi facultada.

Quadro n. 1 Distribuição dos efetivos das Forças de Segurança da PSP por sexo, em funções policiais (por ano)

Homens Mulheres Totais (H /M)
N % N % n %
1997 17457 93,4 1229 6,6 18686 100
2000 19498 93,2 1432 6,8 20930 100
2006 20333 93,2 2221 10,9 22554 100
2011 20407 90,55 2129 9,45 22536 100

Analisando o quadro verifica-se que chegados aos anos 1990 houve uma afirmação pela entrada de mulheres na PSP, correspondendo a 6,6% do conjunto em 1997. Uns anos depois dar-se-ia uma estabilização desse aumento (correspondendo a 6,8% do total em 2000). Um movimento de aumento volta a acontecer mais tarde, num intervalo maior de anos. Em 2006 a percentagem de mulheres volta a crescer (passando estas a 10,9% no conjunto), mas anos depois o número de mulheres recua novamente para 9,45% em 2011. O aumento da presença feminina é pouco significativo relativo ao número de anos analisados – uma vez que, como se verá, o recrutamento mais amplo seria plenamente divulgado como política institucional. É nesse sentido que uso a noção de recrutamento feminino hesitante, um processo que revela incerteza quanto ao efetivo ensejo de recrutar mais mulheres na polícia.

Há um outro dado a reter desta análise. Os balanços sociais apresentam o conjunto do efetivo com “funções policiais” e o conjunto com funções “não policiais”. A presença de mulheres nas funções não policiais é tradicionalmente muito maior, embora não seja possível ter acesso à quantificação desse dado.15 15 Nesse caso não é possível rastrear a diferença por género. Todavia, há um dado que permite identificar a disparidade. Nos balanços sociais surgem registadas as horas extraordinárias por género – 21 vezes mais do que os homens. As horas extraordinárias são pagas sobretudo a quem realiza trabalho administrativo, ou seja, onde provavelmente se inclui grande número das mulheres contratadas na organização. Nos documentos é dito ser “perceptível uma ligeira tendência para a percentagem de elementos femininos aumentar entre o pessoal com funções policiais e o inverso se verificar entre o pessoal com funções não policiais” (cf. Balanço social de 2006:15). Porém, a análise comparativa que apresentei para o intervalo relativo de anos evidencia que a referida evolução não é contínua. Ou seja, não há necessariamente evolução. Assim sendo, a representação feminina no total dos efetivos é ainda muito tímida se tivermos em conta que em 2011 se passaram quase quarenta anos sobre o fim da ditadura portuguesa e mais de 30 anos sobre o momento em que começaram a ser abertas as portas da PSP às mulheres. Além disso, a transição de muitas agentes e chefes de funções operacionais para administrativas, como em cima descrevi, apontam que muitas dessas funções não policiais deverão ser hoje desempenhadas exatamente por polícias.

Foram entabuladas tentativas de aumento do efetivo feminino à entrada de 2000, mas aparentemente sem grande sucesso. Estas tentativas justificariam a frustração na falta de motivação das jovens mulheres em aderir à força. O caso mais divulgado na transição do século, em 2000, foi a campanha “Verão Azul”, destinada a apresentar as atividades do policiamento a jovens mulheres à saída da escolarização obrigatória (12º ano). Esperava-se estimulá-las a concorrer a ambas as forças, PSP e GNR. Esse foi um dos poucos momentos em que o governo se deixou penetrar por uma feminista ativista, Teresa Rosmaninho que, entretanto, encabeçou propostas de ampliação organizacional do atendimento a vítimas de violência doméstica, criando o Programa INOVAR. Com o correr do tempo, pouco mais seria feito politicamente para alterar o status quo e avançar mais afirmativamente no recrutamento feminino, quer pelas lideranças quer pelos governos que passaram pelo Ministério da Administração Interna. A transformação progressiva desta força numa polícia mais paritária ficaria assim comprometida nos anos vindouros. Enquanto se discutia e se reclamava publicamente maior equidade feminina na representação parlamentar (33,3%), preocupação idêntica não chegaria à PSP e a outras burocracias de Estado.

Aliado a esse processo de aumento contido de todo o efetivo feminino paira um outro silêncio. Não se discutem os efeitos da fraca representação das mulheres exatamente onde elas surgem celebradas em todas as campanhas midiáticas e de branding oficial: o policiamento de rua, isso é, as patrulhas e as esquadras. A entrada de mulheres nas polícias em Portugal foi atípica quando comparada com outras polícias do mundo.16 16 Consultar as obras de Bloch (1974); Sichel (1978); Duhnill (1989); Martín Fernández (1994) e Soares & Musumeci (2005).

Embora em muito menor número, a PSP repetiria a experiência francesa: o aumento de mulheres deu-se “por cima”. Geneviève Pruvost (2009)PRUVOST, Geneviève. A profession in process: The atypical rise of women to the high rank of Police “Commissaire” in France. Sociologie du Travail (51), 2009, pp.34-48. analisa um percurso idêntico de oficiais com o estatuto de comissárias a exercer funções de liderança. Esta defende tratar-se de uma “transgressão consentida”, pois inverte a pirâmide tradicional da feminização em profissões masculinizadas. Na Polícia Nacional francesa o trabalho de policiamento executivo considera-se mais apropriado às mulheres do que o policiamento de rua e os perigos que esconde; o comando de homens mais respeitado do que o trabalho lado a lado com os pares; a competência individualizada e até o protagonismo singular são mais autorizados do que a participação ativa nas rotinas coletivas do esprit de corps (Pruvost, 2003PRUVOST, Geneviève. La feminization de la force publique, une uniformization discrete?. In: BARRIL, Claudia (org). Le public en action, usages et limites de la notion en sciences sociales. Paris, L’Harmatan, 2003, pp.72-90.). Segundo a autora, isso faz com que o número de mulheres em tarefas operacionais se mantenha historicamente reduzido, revelando que os processos de dominação masculina apenas se tornaram mais subtis.17 17 Pruvost aprofundou o caso das carreiras de mulheres oficiais na Polícia Nacional Francesa. Esta revelou um imenso esforço de concentração na carreira, mostrando como a feminização da instituição policial só se deu na condição das mulheres se parecerem cada vez mais com os homens (Pruvost, 2007). O que mostrei antes, à semelhança do que conclui a autora, é que esse processo se fez à custa da negação do acesso à “caserna” masculina. Ao observar o quadro 2 verifica-se o recuo da representatividade feminina.

Quadro n. 2
Distribuição dos efetivos das Forças de Segurança da PSP por sexo por categoria profissional

É preciso dizer que em termos numéricos, as mulheres agentes e chefes são sempre mais. Porém, em termos percentuais, tendo por referência a sua percentagem relativamente aos homens na mesma categoria, o esquema se inverte. As mulheres estão mais representadas nas categorias de oficiais. Ainda assim, não se verifica uma evolução no seio da categoria de oficiais de 2006 para 2011, evidenciando que a hesitação no recrutamento feminino não se restringe apenas às categorias menos elevadas da organização.

Existem várias razões para que as mulheres começassem a ganhar mais expressão nas categorias de oficial em Portugal. A história de modernização democrática da PSP deu-se também a partir da criação de uma escola superior para a formação dos seus quadros de oficiais, o atual Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna (ISCPSI). Esse instituto arejou o conceito de academia de polícia que tinha por base um modelo tradicionalmente inspirado pelos militares. Foi impresso aos cursos superiores de oficiais um caráter universitário, ainda que mantendo uma orientação de formação moral e cívica (Paymal, 2011PAYMAL, François. La mise en place Du concept de formation integral e dans l'univers de lécole supérieure de Police portuguaise: o instituto superior de ciências policiais e segurança interna. Revista de Educação, Revista do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, v. XVIII (2), 2011, pp.85-110.). Esse instituto teria o projeto de, em anos, preparar as novas lideranças, agora oriundas do mundo civil e já não das forças armadas, invertendo o que acontecia no anterior regime de Estado.

Recentemente, tendo aderido ao processo de equivalência de cursos na Europa, possibilitados pelo conhecido “Acordo de Bolonha”, o curso do ISCPSI conquistou a equiparação a Mestrado. No recrutamento para esse instituto acabaria por ter mais peso a formação escolar dos candidatos, o que veio a beneficiar indiretamente as mulheres. Embora, comparativamente, as jovens sejam uma minoria nos cursos superiores de oficiais que anualmente se realizam, estas vão ganhando presença e peso nas carreiras. À medida que vai sendo conhecida essa possibilidade – a carreira feminina nas fileiras oficiais – mais e mais mulheres concorrem. Todavia, a grande maioria, sem preparação física regular, acaba não resistindo à principal peneira do processo de recrutamento que são as provas eliminatórias de aptidão físico-desportiva. Até 1996 as provas conservaram os mesmos critérios de exigência para homens e mulheres, sendo posteriormente adequadas (Durão, 2003DURÃO, Susana.“Muchas se quedan por el camino”. Hombres y mujeres a la entrada de la policía. Zainak– Las Culturas de la Ciudad, San Sebastian (2), 2003, pp.977-995., 2004DURÃO, Susana. Quando as Mulheres Concorrem e Entram na Polícia: a Óptica Etnográfica. Etnográfica -- Antropologia e Organizações, CRIA-ISCTE-IUL, VIII (1), 2004, pp.57-78.).18 18 Embora seja muito inconstante e imprevisível, até há poucos anos a percentagem de reprovação de mulheres nas provas situava-se acima dos 80%. Pelo contrário, os candidatos masculinos ficavam aptos de 50 a 80%, dependendo do ano.

Ao longo das décadas de 1990 e 2000, o ISCPSI foi conquistando uma certa autonomia em relação às lideranças da PSP e do MAI, a partir do prestígio e variação do seu currículo académico. Assim, esse instituto foi conseguindo manter aberto um número permanente de vagas anuais para o seu curso de oficiais (numa média de 50 alunos/ano). Isso permite-lhe gerir um processo de recrutamento sem estar constrangido às temporalidades de decisão e regulamentação política da contratação de agentes e chefes intermédios dirigida pelo MAI.O mesmo não acontece para o recrutamento de agentes e sua formação de um ano na Escola Prática de Polícia. Os governos decidem quando e que quantidade de agentes vão admitir, quando e quantos irão promover, designando os calendários de abertura de cursos de acordo com o orçamento e concertação coletiva com dirigentes e sindicatos.

Assim, na mesma linha da análise de Pruvost (2009)PRUVOST, Geneviève. A profession in process: The atypical rise of women to the high rank of Police “Commissaire” in France. Sociologie du Travail (51), 2009, pp.34-48. em França, podemos dizer que em Portugal os governos consecutivos têm tido importância central na definição das polícias de estado, nomeadamente através dos programas de governo. As instituições não criam sozinhas as suas próprias regras. Ou seja, as políticas de recrutamento não se baseiam apenas em critérios ou anseios organizacionais. Mas tudo indica que a flexibilidade e relativa autonomia conquistada pelo ISCPSI acaba por beneficiar as mulheres. Estas, por alcançarem bons resultados escolares, disputam mais facilmente lugares com os colegas pois os critérios de recrutamento se elevam ao nível académico.

Seja por influência familiar ou redes de amigos, o dado mais fundamental é que a incursão na PSP surge frequentemente associada a dois movimentos intrinsecamente ligados, por vezes disjuntivos, nesse meio: a mobilidade social e geográfica (Durão, 2011b). Para oficiais, sobretudo quando oriundos da vida civil e sem vínculo prévio à FCT (em geral sempre acima dos 70% em todos os cursos), o interesse pela Polícia surge associado à possibilidade de ter uma carreira promissora e superior na administração pública. Aliada à carreira surge o acesso à oportunidade de se experimentar a vida adulta através de uma experiência urbana que se realiza por intermédio de uma situação profissional estável -- um ambiente de mobilidade institucionalmente salvaguardado. Esses foram aspetos muito destacados nas entrevistas que fiz a jovens mulheres cadetes, em diversos anos de frequência do curso de oficiais. Segue um excerto da entrevista à aspirante Bela, quando esta se encontrava preparada, para se lançar nas lides profissionais, invariavelmente por onde todos começam: o comando de esquadra. Chegava ao fim dos cinco anos consecutivos do ISCPSI, com equiparação a mestrado.

SD – Como ocorreu a ideia de concorrer à PSP?

B. – Eu já andava no 9º ano e ouvia falar da Escola Superior de Polícia [atual ISCPSI]. Não fazia ideia do que era, claro. Quando cheguei o fim do 12º ano concorri para aqui e para outras universidades. Por sorte entrei aqui.

SD – Não pensou ir para a Guarda Nacional Republicana?

B. – Não. Na GNR não me atraía aquele regime mais militar.

SD -- E porquê o Instituto e não a Escola Prática de Polícia [para agentes]?

B. – Queria tirar um curso superior. Estudamos até ao 12º e depois queremos ir mais longe. Por ser mais humilde, a minha mãe e o meu pai sempre me incentivaram a estudar para tirar um curso. Era sempre esse o sonho deles. Já que não tiveram a oportunidade ao menos que os filhos deles tivessem. Vinha lá da “santa terrinha” e vim para aqui, para Lisboa, um mundo completamente diferente, é claro (risos). No início estava sempre na expectativa, desconhecia tudo, na cidade e na Polícia. Depois adaptei-me bem. [Bela, aspirante, natural de Felgueiras (Porto), 25 anos de idade].

5.Branding policial: positivação da mulher e da instituição

O lugar elusivo das agentes policiais na PSP, que tracei até aqui, não tem correspondência com a imagem pública, positiva, presente e paritária que delas é divulgada. Não existe correspondência entre imagens das agentes femininas operacionais, a mais divulgada pela instituição, e a sua efetiva participação nesse tipo de policiamento. Nesse contexto estamos longe de formas de representação estereotipada ou de uma afirmação pública de imagens de diferenciação negativa. Não se observa a circulação de imagens que possam ridicularizar ou masculinizar as mulheres na polícia, algo que foi analisado para a polícia britânica da década de 1980 e 1990 (Young, 1993YOUNG, Malcolm. Dress and Modes of Adress: Structural Forms for Policewomen. In: BARNES, Ruth; EICHER, Joanne B. (org.). Dress and Gender. Making and Meaning. Oxford e Nova Iorque, Berg, 1993, pp.266-285.). Seja em imagens institucionais, campanhas, na mídia ou em redes sociais, é sublinhado publicamente o estatuto de paridade e de reconhecimento profissional das agentes femininas. O recuo à sua presença é mais subtil. Já antes tive a oportunidade de revelar esse dado ao analisar um conjunto selecionado de publicações em jornais nacionais sobre mulheres na polícia na viragem do século XX para o século XXI (cf. Durão; Leandro, 2003DURÃO, Susana; LEANDRO, Alexandra. Mulheres na Polícia: visibilidades sociais e simbólicas. In: CORDEIRO, Graça I.; BAPTISTA, Luís V.; COSTA, António F. (ed.). Etnografias Urbanas. Oeiras, Celta Editora, 2003, pp.77-91.).

Façamos um pouco de semiologia histórica da organização. As imagens que hoje circulam, relativas aos anos 1980, em meios de comunicação social e redes sociais, mostram quase sempre as agentes femininas em atividades que envolvem crianças ou outras mulheres. A Fig. 1 é uma boa ilustração dessa preocupação. A fotografia celebra a boa intenção histórica da PSP ao enveredar pelo início do recrutamento feminino. Ou seja, as agentes permitem justificar uma certa arqueologia histórica à instituição, no caso quando o objetivo é recuar apenas aos anos de reconstrução democrática do país, desta e de outras instituições de governo.

Fig. 1
Agente feminina em transporte escolar, 1982.

Desde os anos 1990 e sobretudo 2000, a figura feminina começa a surgir associada à promoção planeada da instituição, numa tentativa de criar um novo branding policial. Nesse contexto de mudanças fundamentais da organização vários estilos se conjugam. Pode surgir a reificação de um estilo de “seriedade” institucional, associado a campanhas de promoção da imagem de paridade de géneros. Em geral aproveita-se para dar a ver a mulher-polícia no Dia Mundial da Mulher. Todos os anos, no dia 8 de março, surgem matérias na imprensa e na TV onde se apresenta publicamente um almoço cerimonial promovido pelo Ministro da Administração Interna, convidando representantes femininas da PSP. Nesse contexto, elas surgem inevitavelmente com uniforme de gala feminino. É comum que em paralelo surjam campanhas midiáticas que transmitem uma ideia de confiança das e nas novas agentes da autoridade [Fig. 2].

Fig. 2
Campanha de promoção da imagem pública da PSP, 2000.

Nas campanhas também se incluem elementos femininos a desempenhar a rotina do policiamento [Fig.3]. É repetida uma frase em vários momentos, aludindo a imagens de diferentes agentes em situações variadas. A frase é: “Consigo desde 1867, todos os dias!”. Todas as imagens mostram polícias simpáticos e afetivos, mesmo em fotografias de agentes das unidades especiais que atuam em situações de confronto e desordem coletiva. O ano de 1867 é a data definida para celebrar a génese da PSP, na altura denominada Polícia Civil. A data representa o marco da transformação das Intendências do Reino em instituições mais controladas pelos governos locais e do reino (Gonçalves, 2007GONÇALVES, Gonçalo Rocha. A Construção de uma polícia urbana, Lisboa 1890-1940. Lisboa, Dissertação (Mestrado em Sociologia), ISCTE-IUL, Lisboa, Portugal, 2007.).

Fig. 3
Campanha de promoção da imagem pública da PSP, 2000.

É de salientar como na apresentação mais recente, que no site é promovida, através de imagens rotativas, com elementos e contextos diferentes da PSP, o header com a fotografia mais antiga desta campanha remete de novo para o período dos primeiros anos de recrutamento de mulheres, o início de 1980. Nesses anos as agentes foram chamadas a exercer funções de regulação do trânsito automóvel nas cidades [Fig.4]. Fica claro como para a instituição a presença das mulheres é considerada e divulgada como marco histórico da sua modernização e garante da transição democrática da organização. Ou seja, é sublinhada a ideia de que as mulheres fazem parte integral da história da PSP. Nesta escolha iconográfica não se converte a tradição e a modernidade em momentos contrastantes. Do ponto de vista das mulheres na Polícia ambas coincidem, temporalmente, na transição do regime autoritário para a democracia, a segunda metade da década de 1970.

Fig. 4
Campanha de promoção da imagem pública da PSP, 2000.

Em simultâneo, é muito frequente promover, nas campanhas da PSP, um estilo de apresentação ilustrativo dos polícias. Esse não necessariamente se dirige apenas a públicos infanto-juvenis, embora essa seja uma preocupação constante da polícia. Promove-se a ideia de uma aproximação lúdica e fácil, quase primária, entre os cidadãos e os profissionais da ordem. Em muitos casos é instaurada a imagem da “dupla”, inseparável e complementar, do agente masculino e da agente feminina. Esta imagem chega a ser confundida com a noção de casal, quando não de generalidade, evocando sobretudo a pura simetria visual da representação dos dois sexos, como se pode depreender das Fig. 5 e 6. A paridade nas representações culturais entre agentes masculinos e femininos assume aqui o seu corolário.

Fig. 5
Campanha de promoção da imagem pública da PSP nas escolas, 2013.

Fig. 6
Campanha de promoção da imagem pública da PSP nas escolas, 2010.

Um estilo mais realista e sem grande produção visual pontua os blogues de agentes e mesmo o site oficial da PSP. As Fig. 7 e Fig.8 são imagens que pretendem divulgar como as agentes femininas integram e incorporam com naturalidade a patrulha e o trabalho de aproximação aos cidadãos. Estas fotografias apresentam as polícias femininas no seu habitat, em ambiente e rotina de trabalho, evidenciando sempre a postura simpática e a atitude disponível. É nesse estilo de representação que começam a ser visualizadas imagens de interação entre as agentes e cidadãos ou cidadãs comuns. Jamais são evocadas imagens de agentes femininas em situações de desordem pública ou na resolução de conflitos, mas sim em funções e tarefas do policiamento de proximidade e atendimento pacificados.

Fig. 7
Campanha de promoção da imagem pública da PSP, 2010.

Fig.8
Agentes masculino e feminina na entrada de uma esquadra de polícia de bairro da PSP.

Por fim, as mulheres polícia são apresentadas e representadas num estilo períodista, jornalístico e metafórico, como é o exemplo da Fig. 9. O olhar do memento, particularista e irónico, surge e ressurge sistematicamente nas fotografias de profissionais da imprensa escrita. Em geral, quando o tema é a presença das mulheres numa força masculinizante, o tom é celebratório. A matéria, que é ilustrada com a foto, refere: “Há já uma mulher polícia por cada dez elementos da PSP” (Agencia Lusa, 07.07.2011) -- assumindo o fato simplesmente como positivo. A aproximação entre jornalistas e fontes oficiais da PSP ganha nova expressão em democracia e à medida que são criados veículos oficiais, como os gabinetes de comunicação e relações públicas da Direção Nacional (reorganização que teve lugar em 1999). Cria-se um ambiente cada vez mais propício à realização de notícias e campanhas de promoção da imagem da força policial.

Fig. 9
Cerimônia pública do Dia da Polícia de Segurança Pública em 2005,alusivo à fundação, em 2 de julho de 1867

Em geral as visões estereótipadas são analisadas em seus contornos negativos. Um exemplo é o dos guardas, quando apresentam conteúdos simbólicos das categorias sociais que edificam o sistema prisional, nomeadamente quando consideram a categoria de homem preso com base em atributos estereótipados de gênero, perigosidade e criminalidade (Frois, Osuna, Lima, 2019:13). O que aqui demonstrei é como a positivação estereotipada, como base em atributos de gênero das policiais, pode ter efeitos contrários aos que promove, pois não se traduz numa expressiva presença de mulheres nas forças.

Conclusões

Este texto pretendeu demonstrar como o processo de incorporação de mulheres às forças policiais portuguesas se realizou a partir de uma disjunção entre o propósito institucional explícito e a efetividade dessa inclusão, tanto do ponto de vista demográfico quanto do ponto de vista das funções desempenhadas pelas mulheres policiais. Através da exposição comentada da legislação, análise de material midiático sobre a feminização da força, produzido pelas instituições policiais, e a realização de entrevistas feitas com mulheres policiais, pretendi salientar como as representações culturais das mulheres na polícia podem estar tão distantes das experiências sociais e institucionais vividas.

A partir do final dos anos 1980, após a abertura do país ao regime democrático e a adesão à União Europeia, governos e oficiais de polícia precisaram construir a imagem de uma força inclusiva, aberta ao recrutamento feminino. Acreditava-se que isso não só se evidenciava como imperativo democrático, como ajudava a afastar o imaginário indesejado de violência e truculência policial em uma nova ordem política. Com esse imaginário, promovido por campanhas de conscientização em vários anos, foi atribuído às “mulheres-polícias” ou “agentes femininas”, uma certa responsabilidade pela concretização do policiamento moderno, mais democrático, profissionalizado, flexível e negociante.

Se num primeiro momento a “natureza” da mulher era identificada com tarefas assistencialistas e mais tipicamente femininas, a certa altura, a aceitação das mulheres em um meio policial muito masculinizado remeteu para segundo plano a necessidade de atribuição de tarefas e especificidades femininas. Isso se deveu, em grande medida, à sua escassez na força e, em particular, nas ruas. Mas a indefinição de tarefas provocou porventura um efeito secundário: uma certa indiferença à presença das agentes femininas no conjunto do efetivo policial, sobretudo no policiamento mais genérico das esquadras de polícia. As agentes e chefes começaram assim a ser facilmente reorientadas para lugares administrativos onde os seus superiores, e elas mesmas, consideravam estar mais bem adaptadas. Desse modo, grande parte das mulheres seria mantida nos bastidores do policiamento e não em funções de relação direta com o público, algo que não aconteceu ou acontece exclusivamente em Portugal. Foi assim sendo criado um lugar indefinido para as agentes nas práticas do policiamento e um cenário de disjunção entre a sua presença efetiva e a promoção da imagem institucional de uma polícia democrática e aberta à diversidade. Mas quando chegou à força a necessidade de intervir e policiar a violência doméstica nos anos 2000, agentes masculinos identificaram, paradoxalmente, a falta de elementos femininos. Sentindo-se impotentes para lidar com a complexidade do fenômeno, lamentaram a escassa presença de um efetivo feminino. Nessa altura, seria negada às policiais a possibilidade de participar na potencial pedagogia prática, através da qual se altera o próprio padrão de percepção da violência exercida sobre mulheres, tal como foi descrito em pesquisas sobre Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher no Rio de Janeiro (Enne; Vianna; Carrara, 2002).

Dados de 1997 a 2006 demonstram que o recrutamento feminino se manteve relativamente baixo e estabilizado, sobretudo nos primeiros escalões da profissão. É nas categorias de oficial da polícia, com base em formação académica, que as mulheres na polícia recuperam alguma visibilidade. Mas esta promoção não resolve o problema, antes o adia. A profecia de mais mulheres para compor uma polícia democrática e plural, como o texto demonstra, não se realizaria. A participação efetiva das mulheres no policiamento, sobretudo no primeiro atendimento e resposta a chamadas dos cidadãos, foi e segue sendo limitada devido ao número reduzido de agentes. Vimos que durante esses anos, circularam imagens onde a mulher polícia surge como elo forte e democratizador da imagem de uma força não violenta, por oposição a um passado recente autoritário. Apesar dessas campanhas educativas de rebranding policial – isso é, de apoio a uma mudança da política pela orientação sexista colocada na mudança – a feminização da força, em sentido sociológico, não se deu na forma como foi anunciada.

Argumento, por fim, que esta orientação sexista para a efetivação de mudanças nas instituições policiais e do estado é problemática em várias dimensões. Em primeiro lugar, o gênero não se resume à oposição homem e mulher. Como a teoria crítica feminista de gênero tem robustamente evidenciado, toda a tentativa de identificar características homogêneas em cada um desses blocos cai facilmente numa artificialidade e inconsistência sociológica e histórica (Butler, 2006BUTLER, Judith. Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity. Londres e Nova Iorque, Routledge, 2006 [1990].; Scott, 2018SCOTT, Joan, Gender and the Politics of History. Nova Iorque, Columbia University Press, 2018 [1988].). Em segundo lugar, quando falamos das instituições do estado, devemos lembrar que estas são produtoras de poderosas classificações e, entre estas, classificações de gênero (Lugones, 2012LUGONES, Maria Gabriela. Obrando en autos, obrando en vidas: formas y fórmulas de protección judicial em los tribunales prevencionales de menores de Córdoba, Argentina, a comienzos del siglo XXI. Rio de Janeiro, E-papers/LACED/Museu Nacional, 2012.; Vianna, 2014). Não há ingenuidade ou bondade quando se reclama o papel simbólico das mulheres na polícia sem a elas atribuir o protagonismo social correspondente. Em terceiro lugar, atribuir às mulheres especificidades no trabalho policial significa subestimar a atuação de carácter propriamente profissional e acreditar que estas desempenham trabalho de mulher, apesar de serem policiais (Lugones, 2012LUGONES, Maria Gabriela. Obrando en autos, obrando en vidas: formas y fórmulas de protección judicial em los tribunales prevencionales de menores de Córdoba, Argentina, a comienzos del siglo XXI. Rio de Janeiro, E-papers/LACED/Museu Nacional, 2012.; Vianna, 2014). No limite, acreditar que ter mulheres, ou mais mulheres, nas corporações policiais – feminizar a força, como é dito - seria suficiente para estas instituições se tornarem mais abertas e democráticas, é um exercício de naturalização e anulação da sua dimensão política. Mas não apenas; é também, como defendi, uma profecia não realizável. Não só porque a mudança institucional e as políticas do policiamento são impossíveis de justificar com base nesse pressuposto sexista. Existe uma outra razão: o reduzido número de agentes femininas em meios povoados por homens só permite, exatamente, a manutenção de imagens-propaganda do trabalho de mulheres policiais que seriam pretensamente “sólidas mulheres”. E desse modo, a instituição se protege.

Esse é o quarto fator crítico – o fator demográfico - que em geral não é pensado em articulação com a ordem da classificação sexista das instituições. O recrutamento insuficiente ou a estagnação do número efetivo do recrutamento de mulheres tem, por mais paradoxal que possa parecer, efeitos favoráveis às instituições. Esta naturalização é institucionalmente politizada. Do mesmo modo que “elas” são promovidas como eixo da mudança, a falha geral que possa ser atribuída ao garante de valores como o policiamento democrático e flexível, pode mais facilmente recair sobre as próprias mulheres e não sobre as políticas institucionais e o próprio estado. Desse modo, “elas” representam um todo, as “mulheres policiais”, que é, no fim, politicamente reduzido.

Por tudo isso julguei ser necessário identificar e descodificar a subrepresentação de mulheres na polícia ao longo de pelo menos três décadas. Espero que no final deste texto fique claro que argumentar a relação causal entre o aumento do recrutamento feminino e a efetivação de mudanças democráticas tem o efeito de responsabilizar as mulheres e desresponsabilizar o estado por uma profecia que esse não chega sequer a realizar. Trata-se assim de explicar como esse jogo pretensamente feminizador favorece a instituição e reflete pressões para a não efetiva mudança prometida, sempre adiando o crescimento da presença feminina em instituições masculinizadas. É dessas hesitações, desajustes e impasses sócio-históricos que este artigo fala.

Agradecimentos

Gostaria de agradecer a leitura atenta e cuidada dos ou das pareceristas ad hoc deste artigo que me ajudaram a melhorar, sobretudo na qualidade da argumentação proposta.

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  • 1
    Quando feitas citações de documentação oficial, a grafia das palavras será mantida tal como aparece nas normativas portuguesas.
  • 2
    Para este artigo foi consultada a revista Polícia Portuguesa (1933-1974). Foram também analisadas legislação e fontes primárias não publicadas, mais especificamente dois dossiês intitulados “Carreira Policial Feminina”, que conservam documentação variada relativa ao processo de recrutamento de mulheres nos anos 1980 (aproximadamente 1350 páginas). Localizei esta fonte estratégica e administrativa no gabinete de estudos e planeamento da Direção Nacional da PSP em 2001. Agradeço às autoridades a permissão para aceder a esta informação. Foram também incluídas reflexões acerca de depoimentos diretos de vários oficiais da PSP, com especial enfoque na entrevista realizada ao comandante geral da PSP envolvido no processo de abertura à contratação de mulheres. Estas entrevistas foram realizadas no período que vai de 2002-2013, ao abrigo dos projetos: “Women in Police Stations: Violent crime and gender relationships” (FCT, PIHM/VG/0131/2008); “Police Forces, Organization and Changes: Etnhography on Socio-Professional Identities” (POCTI/ANT/47227/2002), o projeto de dissertação de doutoramento “Patrulha e Proximidade: uma Etnografia da Polícia em Lisboa” (Durão, 2008DURÃO, Susana. Patrulha e Proximidade. Uma Etnografia da Polícia em Lisboa. Coimbra/São Paulo, ed. Almedina, 2008.) e a pesquisa em curso “Unveiling police(men) histories. Urban policing in Portugal, 1860-1960”(PTDC/HIS-HIS/115531/2009). Agradeço o gentil financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia em Portugal.
  • 3
    Entre 2001 e 2005, em diversos projetos, realizei 50 entrevistas repartidas entre polícias em formação no ISCPSI, oficiais superiores (maioritariamente a exercer funções na Direção Nacional da PSP), responsáveis pelo Comando e Divisões de Lisboa, chefias intermédias e agentes. Entre 2005 e 1012 as primeiras seriam complementadas com mais de 60 entrevistas a polícias em unidades operacionais de esquadra.
  • 4
    O documento é identificado pelo Despacho nº 27/80/CG.
  • 5
    Proc. 808.02.10. GE. 251/82, refª V/ ofício nº 01.337.
  • 6
    É sabido que as organizações policiais modernas tendem a manter a discrição (cf. Punch, 1983). Todavia, nesse caso, a discrição dos comportamentos exigidos às guardas diz respeito a aspectos íntimos e do plano subjectivo, o que ultrapassa em larga medida o exercício de uma profissão, mesmo que uniformizada. Aliás, nenhuma ligação é feita no texto entre as directivas impostas e a sua articulação com a vida operacional. Isso leva a crer que estarmos perante constrangimentos de ordem moral que só lateralmente afectam a actividade profissional.
  • 7
    Sobre o tema ver: Banton (1964BANTON, Michael. The Policeman in the Community. Londres, Tavistock, 1964., 1973BANTON, Michael. Police Community Relations. Londres e Glasgow, Collins, 1973.); Bayley (2006)BAYLEY, David. Padrões de policiamento. São Paulo, Edusp, 2006.; Bittner (2003)BITTNER, Egon. A insignia partida: Reuss-Ianni e a cultura do policiamento. In: BITTNER, Egon. Aspectos do Trabalho Policial. São Paulo, Edusp, 2003, pp.345-354 [1990].; Chan (2005)CHAN, Janet. Police Culture. In: NEWBURN, Tim (org.). Policing. Key readings. London & New York, Willan Publishing, 2005, pp.338-363.; Monjardet (1994MONJARDET, Dominique. La Culture Professionnelle des policies. Revue Française de Sociologie, 35 (3), 1994, pp.393-411., 1996MONJARDET, Dominique. Ce Que Fait la Police. Sociologie de la Force Publique. Paris, Éditions La Découverte, 1996.); Reiner (1985)REINER, Robert. The Politics of the Police. Sussex, Wheatsheaf Books & Harvest Press, 1985.; Reuss-Ianni & Ianni (1983); Skolnick (2005)SKOLNICK, Jerome. A sketch of the policeman’s ‘working personality’. In: NEWBURN, Tim (ed.). Policing. Key readings. Londres e Nova Iorque, Willan Publishing, 2005, pp.264-279.; Waddington (2005)WADDINGTON, P.A.J. Police (canteen) sub-culture: an appreciation. In: NEWBURN, Tim (ed.).Policing. Key readings. Londres e Nova Iorque, Willan Publishing, 2005, pp.364-386.; Westmarland (2008)WESTMARLAND, Louise. Police Cultures. In: NEWBURN, Tim (ed.). Hanbook of Policing. Londres e Nova Iorque, Willan Publishing, 2008, pp.253-280..
  • 8
    As esquadras são unidades de policiamento implementadas na malha urbana em Portugal. Como tal, são as organizações mais próximas dos cidadãos. Para garantir um funcionamento ininterrupto (as 24 horas do dia), elas albergam os designados grupos que trabalham em regime de turnos. Cada grupo é responsável, durante o período em que está de serviço, pela patrulha de áreas circundantes da esquadra, uma área que é administrativamente definida e que tem um tamanho variável. Um grupo (geralmente de 5 a 10 agentes) é chefiado por um elemento que fica “à banca”, no atendimento, na sede da esquadra. Geralmente esse é da categoria de chefe. O número total dos grupos é de cinco, permitindo que cada se organize em turnos de seis horas. Para fazer essa patrulha ou se usam automóveis ou, simplesmente, se faz vigilância a pé.
  • 9
    Estas equipas foram criadas, de modo capilar nas esquadras, a partir dos anos 2000 com o que veio a chamar-se Programa Integrado de Policiamento de Proximidade. A “proximidade” foi primeiro uma diretiva governamental do Ministério da Administração, mas mais tarde, desde 2006, reforçado como programa da Direção Nacional da PSP. Embora não tenha chegado a constituir uma reforma organizacional completa, o programa introduziu melhorias na especialização e pessoalização do policiamento e do atendimento direto oferecido aos cidadãos (cf. Oliveira, 2003, 20OLIVEIRA, José F. Os modelos de policiamento e as políticas de segurança. A emergência do policiamento de proximidade. In: MOZZICAFREDO, J.; GOMES, J. S.; BATISTA, João (org.). Ética e Administração. Como Modernizar os Serviços Públicos? Oeiras, Celta Editora, 2003., 2006OLIVEIRA, José F. As Políticas de Segurança e os Modelos de Policiamento. A emergência do policiamento de proximidade. Coimbra/São Paulo, Almedina, 2006.; Durão, 2008, 20DURÃO, Susana. Patrulha e Proximidade. Uma Etnografia da Polícia em Lisboa. Coimbra/São Paulo, ed. Almedina, 2008., 2011a, 2012DURÃO, Susana. Policiamento de proximidade em Portugal: limites de uma metáfora mobilizadora. In: DURÃO, Susana; DARCK, Marcio (org.). Polícia, Segurança e Ordem Pública. Perspectivas portuguesas e brasileiras. Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2012, pp.101-134.).
  • 10
    Em 2007, a prevenção, a repressão e a redução dos crimes de violência doméstica são definidos como objetivos específicos e prioritários pela política criminal para 2007-2009. Desde então têm sido criados diversos planos estratégicos, a partir de entidades de governo (Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, 2008, 2012).
  • 11
    Ao contrário do que aconteceu noutros países, como a vizinha Espanha e o Brasil, em Portugal não foram criadas unidades de atendimento a mulheres ou qualquer política organizacional mais dirigida a estas, mesmo se as estatísticas evidenciam que esse se mantém um crime de género (ou estruturalmente de género, como definem os espanhóis).
  • 12
    O projeto Women in Police Stations: Violent crime and gender(FCT PIHM/VG/0131/2008) foi financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia em Portugal, ao abrigo de protocolo estabelecido com a Secretaria de Estado da Igualdade, na área científica da Violência de Género. O projeto decorreu entre Setembro de 2009 e Fevereiro de 2012, no âmbito das atividades científicas do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, e foi executado com a colaboração de Pedro Moura Ferreira (sociólogo do ICS/UL, Lisboa) e de Marcio Darck (mestrando em criminologia na FDUP, Porto).
  • 13
    Feminização é o ato efeito de feminizar. Pressupõe-se que tal deriva do movimento de entrada de mulheres nas forças policiais, mas uma entrada que produz uma “diferença” no conjunto e não que se dilui nele.
  • 14
    A justificação para a análise dos dados recuar apenas até 1997 baseia-se no facto dos documentos que permitem fazer esta pesquisa – os Balanços Sociais da organização – começarem a ficar disponíveis ao público nessa data. A informação relativa às décadas anteriores, embora requerida, não nos foi facultada.
  • 15
    Nesse caso não é possível rastrear a diferença por género. Todavia, há um dado que permite identificar a disparidade. Nos balanços sociais surgem registadas as horas extraordinárias por género – 21 vezes mais do que os homens. As horas extraordinárias são pagas sobretudo a quem realiza trabalho administrativo, ou seja, onde provavelmente se inclui grande número das mulheres contratadas na organização.
  • 16
    Consultar as obras de Bloch (1974)BLOCH, Peter. Policewomen on Patrol. Washington DC, Police Foundation, 1974.; Sichel (1978)SICHEL, Joyce L. Women on Patrol. Washington, DC, USA, Dept. of Justice, 1978.; Duhnill (1989)DUHNILL, Christina (org.). The Boys in Blue. Women’s Challenge to the Police. London, Virago Press, 1989.; Martín Fernández (1994)MARTÍN FERNÁNDEZ, Manuel. Mujeres Policía. Madrid, Centro de Investigaciones Sociológicas, Siglo XXI de España Editores, 1994. e Soares & Musumeci (2005)SOARES, Barbara M.; MUSUMECI, Leonarda. Mulheres policiais. Presença feminina na Polícia Militar do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2005..
  • 17
    Pruvost aprofundou o caso das carreiras de mulheres oficiais na Polícia Nacional Francesa. Esta revelou um imenso esforço de concentração na carreira, mostrando como a feminização da instituição policial só se deu na condição das mulheres se parecerem cada vez mais com os homens (Pruvost, 2007). O que mostrei antes, à semelhança do que conclui a autora, é que esse processo se fez à custa da negação do acesso à “caserna” masculina.
  • 18
    Embora seja muito inconstante e imprevisível, até há poucos anos a percentagem de reprovação de mulheres nas provas situava-se acima dos 80%. Pelo contrário, os candidatos masculinos ficavam aptos de 50 a 80%, dependendo do ano.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    19 Jul 2019
  • Aceito
    29 Jul 2020
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