Resumos
Diversos procedimentos cirúrgicos e diagnósticos podem ser realizados através da cirurgia torácica em eqüinos. Para tanto faz-se necessária a utilização da ventilação controlada mecânica (VCM) e a compreensão dos efeitos respiratórios deste tipo de ventilação durante a toracotomia. Foram utilizados seis eqüinos hígidos, sob anestesia com ventilação controlada, para a realização de acesso cirúrgico ao hemitórax direito com o objetivo de se avaliar, através da mensuração dos parâmetros fisiológicos, ventigrafia, pH e gases sangüíneos, a eficácia da ventilação controlada em otimizar a ventilação e a oxigenação e em prevenir a atelectasia pulmonar durante manipulações intratorácicas. Verificou-se diminuição dos valores da PaCO2 e aumento dos valores de pH durante a ventilação controlada, mesmo com o pneumotórax instalado. A pressão interpleural também apresentou aumento de seus valores durante a VCM. Concluiu-se que o uso da VCM, durante a prática da toracotomia, permite a padronização da freqüência respiratória com melhora da ventilação, e subseqüente normalização das alterações da pressão parcial de dióxido de carbono e pH, bem como mantém visualmente adequada a expansão pulmonar. A VCM promove aumento da pressão interpleural, enquanto o tórax permanece fechado.
ventilação controlada; ventigrafia; toracotomia; eqüino
Several surgical and diagnostic procedures can be performed on thoracic surgery in the equine. To carry out these procedures controlled mechanical ventilation (CMV) is necessary, as well as full understanding of the possible side effects of this type of ventilation. Six healthy equine were used under anesthesia wiith CMV to do right hemithorax approach. The goals were to evaluate efficiency of CMV in the improvement of ventilation and oxigenation as well as in the prevention of pulmonar atelectasis during intrathoracic manipulation. For such evaluation of physiologic parameters measurement, ventigraphy and blood gas analysis were performed. A decrese in PaCO2 and rise of pH values were observed, in despite of pneumothorax presence. Also the interpleural pressure showed elevated values during CMV. The use of CMV, during thoracotomy, allows padronization of respiratory rates with improvement of ventilation and for this, further normalization of alterations in PaCO2 and pH. As well as it allows visually adequate lung expansion. CMV promotes interpleural pressure elevation while the thoracic cavity remains closed.
controlled ventilation; ventigraphy; thoracotomy; equine
TORACOTOMIA EM EQÜINOS SOB ANESTESIA COM VENTILAÇÃO MECÂNICA CONTROLADA
EQUINE THORACOTOMY UNDER ANESTHESIA WITH CONTROLLED MECHANICAL VENTILATION (CMV)
Raquel Yvonne Arantes Baccarin1 José de Alvarenga2 Denise Tabachi Fantoni3 Luís Cláudio Lopes Correia da Silva4
RESUMO
Diversos procedimentos cirúrgicos e diagnósticos podem ser realizados através da cirurgia torácica em eqüinos. Para tanto faz-se necessária a utilização da ventilação controlada mecânica (VCM) e a compreensão dos efeitos respiratórios deste tipo de ventilação durante a toracotomia. Foram utilizados seis eqüinos hígidos, sob anestesia com ventilação controlada, para a realização de acesso cirúrgico ao hemitórax direito com o objetivo de se avaliar, através da mensuração dos parâmetros fisiológicos, ventigrafia, pH e gases sangüíneos, a eficácia da ventilação controlada em otimizar a ventilação e a oxigenação e em prevenir a atelectasia pulmonar durante manipulações intratorácicas. Verificou-se diminuição dos valores da PaCO2 e aumento dos valores de pH durante a ventilação controlada, mesmo com o pneumotórax instalado. A pressão interpleural também apresentou aumento de seus valores durante a VCM. Concluiu-se que o uso da VCM, durante a prática da toracotomia, permite a padronização da freqüência respiratória com melhora da ventilação, e subseqüente normalização das alterações da pressão parcial de dióxido de carbono e pH, bem como mantém visualmente adequada a expansão pulmonar. A VCM promove aumento da pressão interpleural, enquanto o tórax permanece fechado.
Palavras-chave: ventilação controlada, ventigrafia, toracotomia, eqüino.
SUMMARY
Several surgical and diagnostic procedures can be performed on thoracic surgery in the equine. To carry out these procedures controlled mechanical ventilation (CMV) is necessary, as well as full understanding of the possible side effects of this type of ventilation. Six healthy equine were used under anesthesia wiith CMV to do right hemithorax approach. The goals were to evaluate efficiency of CMV in the improvement of ventilation and oxigenation as well as in the prevention of pulmonar atelectasis during intrathoracic manipulation. For such evaluation of physiologic parameters measurement, ventigraphy and blood gas analysis were performed. A decrese in PaCO2 and rise of pH values were observed, in despite of pneumothorax presence. Also the interpleural pressure showed elevated values during CMV. The use of CMV, during thoracotomy, allows padronization of respiratory rates with improvement of ventilation and for this, further normalization of alterations in PaCO2 and pH. As well as it allows visually adequate lung expansion. CMV promotes interpleural pressure elevation while the thoracic cavity remains closed.
Key words: controlled ventilation, ventigraphy, thoracotomy, equine.
INTRODUÇÃO
O grande progresso da cirurgia torácica em animais domésticos, nos últimos anos ocorreu na medida em que foram sendo mais bem compreendidas as profundas e intensas alterações fisiológicas inerentes à abertura do tórax. O domínio deste conhecimento e o entendimento dos mecanismos envolvidos vieram possibilitar a realização mais segura dos procedimentos quanto a abertura do tórax.
Nos primórdios da especialidade, a barreira a ser transposta foi o acesso cirúrgico à cavidade torácica, uma vez que pneumotórax fatal podia se instalar. Este problema somente foi resolvido, em seres humanos, na primeira metade do século vigente, com o desenvolvimento da técnica de intubação traqueal e da ventilação mecânica com pressão positiva intermitente, sendo esta tecnologia rapidamente empregada nos animais.
A toracotomia em eqüinos é indicada como acesso cirúrgico para correção de hérnia diafragmática, feridas pefurantes de tórax, fratura de costelas, remoção de tumores torácicos (FOWLER, 1973), correção de anormalidades cardíacas e vasculares congênitas (BARTELS & VAUGHAN, 1969; PETRICK et al., 1978; MACKEY et al.,1986), correção de afecções gastrintestinais superiores, como obstrução ou estenose de porção torácica do esôfago (PEYTON et al., 1976; NIXON et al., 1983) e estenose de cárdia (PETERSON et al.,1972), como também na drenagem de abscesso pulmonar ou pleural (FERGUSON et al., 1970; COLAHAN & KNIGHT, 1979), ressuscitação cardíaca intratorácica (DE MOOR et al., 1972) e correção de pericardite constrictiva (HARDY et al., 1992). Entretanto, a maioria das toracotomias realizadas em eqüinos tem sido direcionada para a pesquisa da fisiologia cardíaca e pulmonar.
Com esta finalidade, instrumentos são implantados nos órgãos intratorácicos de eqüinos, através de diferentes técnicas anestésicas e cirúrgicas. A colocação destes instrumentos também pode quantificar efeitos coronários e miocárdicos de vários agentes farmacológicos. As reações fisiológicas e farmacofisiológicas decorrentes destes agentes fornecem informações essenciais para a utilização de novas drogas em eqüinos, bem como para propósitos comparativos, a fim de se compreender fenômenos cardiovasculares em seres humanos; pois, como afirmam GARNER & CONSTANTINESCU (1992), o sistema circulatório do eqüino fornece modelos válidos para elucidação de mecanismos responsáveis por moléstias coronarianas, miocárdicas e vasculares em seres humanos.
Novas opções de tratamento para pleurisia em eqüinos também estão sendo constantemente enfocadas, e entre elas, novas técnicas de toracotomia, seguida ou não de lobectomia pulmonar total ou parcial. No entanto, são raros os trabalhos que utilizaram a anestesia sob ventilação controlada mecânica, dando ênfase às alterações provocadas por ela, durante a prática de toracotomia em eqüinos.
Segundo STEFFEY (1990a) o anestésico inalatório mais comumente empregado, e de particular importância utilizado na manutenção da anestesia geral em eqüinos é o halotano. Este é um potente depressor cardiovascular, ou seja, diminui a pressão sanguínea arterial devido a diminuição dose-dependente no débito cardíaco, sendo depressor direto do miocárdio e diminuidor do volume sistólico. A freqüência cardíaca normalmente não se altera e as disritmias são incomuns durante a anestesia com halotano.
Os agentes anestésicos, incluso o halotano, promovem hipoventilação, desencadeando distúrbios do equilíbrio ácido-básico, além das alterações de volume minuto. Esta hipoventilação observada em animal sob ventilação espontânea, leva ao desenvolvimento de acidose, que se manifesta imediatamente após a indução da anestesia (BOOTH, 1992). A queda de pH arterial é diretamente proporcional ao aumento da pressão parcial de dióxido de carbono arterial (PaCO2 )(GRANDY, 1992). Assim sendo o a depressão ventilatória, levidenciada pelo aumento da PaCO2, é dose dependente ao halotano (STEFFEY, 1990a).
A adequada ventilação alveolar, ou seja, o volume de gás inspirado necessário para manter as pressões parciais de oxigênio e dióxido de carbono normais, é extremamente importante para a sobrevida do animal. A anestesia geral, bem como o posicionamento do animal, interferem com esta ventilação e troca gasosa levando a mudanças na PaCO2 e pressão parcial de oxigênio (PaO2). Devido à marcante depressão ventilatória provocada pela anestesia geral e posicionamento do animal, a ventilação mecânica deve ser usada para normalizar ou diminuir a PaCO2, a acidose respiratória e o esforço respiratório (STEFFEY, 1990b). NYMAN & HEDENSTIERNA (1989) observaram que a ventilação controlada mecanicamente, também promove aumento da PaO2, embora não significativo.
Nas toracotomias, onde a contingência da respiração controlada é fato patente, o brometo de pancurônio pode ser utilizado para promover o relaxamento muscular . A dose inicial de brometo de pancurônio utilizada em eqüinos varia de 0,01-0,15mg/kg, dependendo do relaxamento esperado. O relaxamento máximo ocorre aproximadamente 5 minutos após a aplicação intravenosa, e perdura por 30-40 minutos. Esta dose mostra-se adequada na maioria dos procedimentos cirúrgicos praticados no corpo e membros de eqüinos (HILDEBRAND, 1990).
Na última década, demonstrou-se que é possível detectar alterações da mecânica respiratória apenas pela mensuração da pressão interpleural (LEKEUX & ART, 1994). As variações de pressão interpleural dependentes de atividade respiratória podem ser determinadas pela punção direta do espaço pleural através da parede torácica, ou pela medição indireta das oscilações da pressão interpleural, através de cateter conectado à câmara de pressão em formato de balão, localizado na porção torácica do esôfago (DERKSEN & ROBINSON, 1980).
As oscilações da pressão interpleural entre a inspiração e a expiração são guiadas pelas mudanças na pressão alveolar, que são responsáveis pela entrada e saída de ar no trato respiratório (DERKSEN & ROBINSON, 1980). O parâmetro mais importante para a determinação de alterações da mecânica respiratória através da medição indireta é a diferença máxima de pressão interpleural, ou seja, a diferença entre a mais baixa pressão inspiratória e a mais alta pressão expiratória. Os eqüinos saudáveis apresentam normalmente valores entre 2 e 4cm de água, para a diferença máxima de pressão interpleural (DERKSEN & ROBINSON, 1980), sendo que estes valores podem sofrer importantes alterações durante a anestesia geral, devido ao posicionamento do animal, bem como com a implantação da ventilação controlada.
No contexto, os objetivos deste experimento foram: avaliar através de análise dos parâmetros fisiológicos, ventigrafía, gases sangüíneos e pH arterial, a eficácia da ventilação controlada para otimizar a ventilação e a oxigenação durante o ato cirúrgico, bem como para prevenir a atelectasia pulmonar durante manipulações intratorácicas em eqüinos.
MATERIAIS E MÉTODOS
Foram utilizados seis eqüinos, machos, de diferentes raças, com idade variando entre 05 e 20 anos, e peso corpóreo de 300 a 500kg, provenientes do Hospital Veterinário da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia - Universidade de São Paulo. Em todos os animais foi descartada, através de exame físico, ventigrafía, análise de pH e gases sangüíneos e hemograma, presença de afecções que pudessem causar alterações dos órgãos torácicos ou comprometessem os procedimentos anestésico e cirúrgico.
Após jejum alimentar de 12 horas e hídrico de duas horas, os animais foram tratados com romifidinaa na dose de 80 m.g/kg pela via intravenosa; decorridos 15 minutos administrou-se a associação de midazoiamb na dose de 0,15mg/kg e éter gliceril guaiacolc, 100mg/kg, diluído em 500ml de solução de glicose a 5%.
A indução anestésica foi obtida com aplicação de cloridrato de cetaminad na dose de 1,0mg/kg por via intravenosa. Ato contínuo, realizou-se a intubação orotraqueal. A manutenção da anestesia foi alcançada com halotanoe em 100% de oxigênio em circuito circular fechado, por aparelho de anestesia inalatória para grandes animaisf.
Os animais permaneceram sob respiração espontânea por período de 15 minutos, quando então receberam 0,06mg/kg de brometo de pancurôniog pela via intravenosa. Observada a parada respiratória os animais foram colocados sob ventilação controlada. O tempo inspiratório foi fixado em dois segundos, a freqüência respiratória entre 8 e 10 movimentos por minuto, com volume corrente de aproximadamente 10ml/kg, e pressão inspiratória entre 10-20 mmHg. A válvula de auto PEEP foi ajustada de tal forma a prevenir a presença de pressão positiva no final da expiração ou PEEP.
Realizou-se fluidoterapia com ringer lactato a 5ml/kg/h, solução eletrolítica balanceada, para se assegurar acesso venoso e principalmente para reposição de volemia no período trans-operatório.
A incisão da pele foi efetuada sobre a 6ª costela. Com o uso de bisturi incisou-se o músculo cutâneo do tronco, o músculo grande dorsal e a última camada muscular, antes de se atingir a referida costela, o músculo serrato ventral. Em seguida, realizou-se a incisão do periósteo na linha média da face lateral da 6ª costela e seu afastamento. A costela foi seccionada dorsal e ventralmente, removendo-se aproximadamente 25cm do arco costal. Após, incisou-se a pleura, juntamente com o periósteo, com tesoura cirúrgica.
Com a cavidade torácica aberta, prosseguiu-se a identificação e exploração dos órgãos torácicos visualizados. Concluída esta manobra, procedeu-se a toracorrafia. O primeiro plano de sutura incluiu a pleura parietal, periósteo e os músculos intercostais. Antes de se completar a sutura, promoveu-se inspiração forçada dos pulmões ao mesmo tempo em que era cerrado o último ponto da sutura, a fim de se restituir a pressão negativa intratorácica. Ato contínuo suturaram-se os músculos serrato ventral e grande dorsal separadamente, músculo cutâneo e tecido subcutâneo e pele.
Ao término do procedimento cirúrgico, foi realizado o "desmame" da ventilação controlada através da diminuição gradual da freqüência respiratória, com o intuito de obter aumento da PaCO2, estimulando o centro respiratório até o restabelecimento da ventilação espontânea.
Optou-se pela administração de associação de penicilinash pela via intramuscular na dose de 20.000UI/kg, a cada 24 horas durante sete dias, e fenilbutazonai i.v dosagem de 4,4mg/kg, a cada 12 horas durante três dias. O curativo da ferida cirúrgica teve início a partir de 48 horas, tendo sido realizado duas vezes ao dia, com iodo povidona, durante10 dias, e a retirada dos pontos de pele foi efetuada no 12° dia pós operatório.
No decorrer do experimento mensurou-se a freqüência cardíaca através da auscultação dos batimentos cardíacos em um minuto, no animal não anestesiado. Durante o decorrer da anestesia, a freqüência cardíaca foi avaliada periodicamente com a utilização do cardioscópioj.
A freqüência respiratória foi avaliada mediante a inspeção dos movimentos da parede torácica no animal não anestesiado e após a recuperação anestésica, e pelos movimentos do balão respiratório no tempo de um minuto durante a anestesia com ventilação espontânea. Após a instituição da ventilação controlada, foi padronizada a freqüência respiratória entre 8-10 movimentos por minuto.
A temperatura retal foi medida com o auxílio de termómetro clínico, e registrada durante todo procedimento anestésico.
Para obtenção dos valores de pH, PaCO2 e PaO2 foi realizada a coleta de sangue arterial através da cateterização da artéria facial com cateter intravenoso 22 G, que foi mantido acoplado ao monitor de pressão arterial invasivak. A análise das amostras foi realizada imediatamente após o término do procedimento anestésico, em analisador de pH e gases sangüíneos.
A mensuração da pressão interpleural foi obtida com o auxílio do aparelho de mensuração de pressão interpleural Ventigraphl. Para a determinação da diferença máxima de pressão interpleural, passou-se o papel de registro por gabarito de avaliação próprio do aparelho, medindo-se o desvio máximo do ponteiro durante 5 a 10 respirações durante uma fase de respiração regular e calma. Utilizou-se a escala correspondente ao grau de sensibilidade empregado durante o exame. A sensibilidade do aparelho foi padronizada para a posição 1, que mede alterações da pressão interpleural na ordem de 0cm a 70cm de água.
Os tempos de avaliação foram:
M1 (momento um / valor controle) - previamente à aplicação da medicação pré-anestésica.
M2 (momento dois) - 15 minutos após o início da anestesia inalatória.
M3 (momento três) - 15 minutos após o início da ventilação controlada.
M4 (momento quatro) - 15 minutos após a abertura do tórax.
M5 (momento cinco) - animal em posição quadrupedal imediatamente após a recuperação anestésica.
Os resultados obtidos foram confrontados estatisticamente por meio de prova paramétrica, utilizando-se, para isto, a análise de variância (ANOVA) seguida do teste de TUKEY-KRAMER. O grau de significância estabelecido foi de p<0,05.
RESULTADOS
O éter gliceril guaiacol associado ao midazolam, ambos precedidos da administração de romifidina como medicação pré anestésica, propiciou bom miorrelaxamento, levando o animal ao decúbito lateral de forma suave, isento de excitações. O cloridrato de quetamina permitiu facilmente a intubação orotraqueal, além de manter a indução anestésica por período suficiente a fim de que a manutenção, através do halotano, atingisse o 3° plano do 3° estágio segundo Guedel.
A utilização de 0,06mg/kg de brometo de pancurônio, pela via intravenosa, não promoveu bloqueio neuromuscular adequado em três animais. Após a pressão negativa intratorácica ser desfeita, a expansão pulmonar manteve-se visualmente adequada com a utilização da VCM, sem áreas de atelectasia pulmonar ou alterações de coloração. Durante o período pós-operatório imediato não foi observado em nenhum animal dispneia, ausência total de sons pulmonares ou hiperressonância à percussão torácica que pudesse caracterizar lesões pulmonares decorrentes do procedimento anestésico ou instalação de pneumotórax.
No que se refere à análise estatística houve aumento significativo da freqüência cardíaca no pós-operatório imediato, quando comparada com o valor controle. Verificou-se diminuição significativa da freqüência respiratória durante a respiração espontânea, que retomou aos parâmetros basais imediatamente após os animais readiquirirem a posição quadrupedal.
Houve diminuição estatisticamente significativa da temperatura retal nos momentos em que o halotano estava sendo administrado.
Em relação aos valores dos gases sangüíneos observou-se aumento estatisticamente significativo da PaO2 durante as ventilações espontânea e controlada. Após os animais readquirirem a posição quadrupedal estes valores diminuíram, porém não mostraram diferença estatisticamente significativa em relação ao valor controle. Verificou-se aumento estatisticamente significativo dos valores da PaCO2 durante a ventilação espontânea, bem como a diminuição significativa do valores de pH.
Quanto à avaliação da pressão interpleural, verificou-se incremento estatisticamente significativo dos valores durante a ventilação controlada, com o tórax aberto, e imediatamente após a recuperação anestésica.
A Tabela 1 demonstra os valores médios e desvios padrões dos parâmetros descritos acima, nos diferentes momentos.
DISCUSSÃO
A utilização de ventilação controlada mecânica tem sido amplamente difundida, com o intuito de se otimizar a ventilação e oxigenação durante a anestesia geral. Sabe-se que as alterações posturais, às quais o eqüino é submetido durante a anestesia, têm influência significativa sobre as alterações cardio-circulatórias e respiratórias observadas durante anestesia. Com exceção do óxido nitroso, todos os anestésicos inalatórios promovem depressão respiratória dose dependente. A depressão respiratória é caracterizada por diminuição da freqüência e amplitude respiratória, de forma a causar redução do volume minuto (STEFFEY, 1990a). O atual experimento, a utilização do halotano para manutenção da anestesia levou à depressão respiratória, constatada pela diminuição da freqüência respiratória no momento 2 (M2), 15 minutos após o início da anestesia inalatória.
Além das alterações de volume minuto, os agentes anestésicos promovem hipoventilação, desencadeando distúrbios do equilíbrio ácido-básico. Esta hipoventilação observada no animal sob ventilação espontânea leva ao desenvolvimento de acidose, que se manifesta imediatamente após a indução da anestesia (BOOTH, 1992). A queda de pH arterial é diretamente proporcional ao aumento da PaCO2 (GRANDY, 1992).
A queda do pH sangüíneo após a indução foi comprovada neste experimento ao se ter avaliado o pH arterial no momento 2 (M2), ou seja, 15 minutos após o inicio da anestesia inalatória, o que coincide com o aumento significativo da PaCO2 . Após a instalação da ventilação controlada mecânica (M3) e abertura do tórax, as alterações de PaCO2 e pH não foram consideradas significativas, logo, confirma-se que a ventilação controlada mecânica (VCM) normaliza a PaCO2 e a acidose respiratória, como foi relatado por STEFFEY (1990b), e as mantém normalizadas mesmo após a abertura do tórax.
Igualmente a NYMAN & HEDENSTIERNA (1989) que observaram aumento não significativo da PaO2 na utilização da VCM, no presente experimento não se verificou melhora na PaO2 durante a VCM, quando comparada à PaO2 obtida com o animal em decúbito e respirando espontaneamente mistura de halotano em 100% de oxigênio. Em relação ao valor da PaO2 obtida previamente à anestesia, os valores de PaO2 foram significativamente maiores em todos os momentos no período trans-anestésico, devendo-se este incremento ao fato de terem sido os animais anestesiados com mistura de halotano em 100% de oxigênio. Após os animais readquirirem a posição quadrupedal houve diminuição dos valores de PaO2 (67,3 ± 6,7), porém estatisticamente não significativa em relação ao valor controle (86,3 ± 11,4). Segundo MUIR (1991), durante a recuperação anestésica, valores de PaO2 inferiores a 60 mmHg em eqüinos respirando espontaneamente são freqüentes. Portanto, os valores de PaO2 encontrados no presente estudo, embora inferiores aos de um equino não submetido à anestesia geral e em posição quadrupedal, estão dentro do esperado para a recuperação anestésica nesta espécie animal. FANTONI et al. (1994) também obtiveram na recuperação anestésica valores de PaO2 semelhantes aos verificados neste estudo.
STEFFEY (1990b) afirmou que apesar da ventilação controlada normalizar a PaCO2 e acidose respiratória, ela pode causar importante depressão na função cardiovascular decorrente da diminuição do retomo venoso torácico e débito cardíaco, o que leva a redução substancial do transporte de oxigênio para os tecidos, em detrimento de qualquer melhora na oxigenação arterial provida pela VCM, sendo que esta diminuição do débito cardíaco é resultante do aumento da pressão pleural, que é proporcional ao aumento da pressão nas vias aéreas.
Nos animais deste experimento, verificou-se pressão interpleural de 3,1 ± 0,7 cm H2O enquanto em posição quadrupedal sem sedação. A pressão interpleural aumentou de maneira não significativa (6,2 2,5) no animal sob anestesia geral, em decúbito lateral, respirando espontaneamente (M2). Durante a ventilação mecânica controlada com a cavidade torácica fechada (M3) a pressão interpleural aumentou significativamente (8,0 1,5) em relação ao valor controle, voltando a padrões não significativos quando se realizou a abertura do tórax (4,2 1,3). Não obstante aumento da pressão interpleural, as repercussões hemodinâmicas provavelmente não foram profundas uma vez que não houve necessidade de se empregar agentes vasoativos para manutenção da função cardio-vascular.
Tanto o emprego da anestesia como de bloqueador neuromuscular durante o decúbito lateral faz com que a queda do mediastino e das vísceras abdominais seja acentuada sobre o pulmão inferior, acarretando em redução do volume pulmonar (FEREZ, 1996). A diminuição no volume pulmonar pode ser tão grande, e a pressão pleural pode tornar-se tão positiva (alterações no gradiente de pressão interpleural), que as passagens aéreas periféricas se fecham em regiões do pulmão inferior (ROBINSON, 1991). Com isso, o pulmão inferior é levado a trabalhar na faixa inferior da curva de complacência pulmonar, inadequada para a ventilação. Já o pulmão superior sofre compressões externas parciais do mediastino e do abdómen, trabalhando na faixa mediana de complacência pulmonar, adequada para a ventilação (FEREZ, 1996).
Segundo ROBINSON (1991) quando a complacência pulmonar diminui, maiores alterações na pressão interpleural são necessárias para criar o mesmo volume corrente. Entende-se que o trabalho realizado pelos músculos respiratórios levam a alterações de pressão interpleural (LEKEÜX; ART, 1994); logo, no caso da anestesia com respiração espontânea, o trabalho muscular necessário para manter o volume corrente adequado é aumentado, devido a fatores que impedem a expansão pulmonar e alveolar, aumentando-se as alterações na pressão interpleural, porém não é o suficiente para que estas alterações sejam significativas, nem mesmo para otimizar o volume corrente. Já com a anestesia com ventilação controlada mecânica, como neste estudo, onde o aparelho forneceu a pressão necessária para ventilação com volume corrente de 10ml/kg, freqüência respiratória de 10 movimentos/minuto e tempo inspiratório de dois segundos, esta pressão necessária imposta nas vias aéreas para manter o padrão respiratório ideal, alterou significativamente a pressão interpleural, pois apesar da área pulmonar ter sido menor, a pressão necessária nas vias aéreas para ventilá-la foi maior. Lembrando que as oscilações da pressão interpleural entre a inspiração e a expiração são guiadas pelas mudanças na pressão alveolar (DERKSEN; ROBINSON, 1980), entende-se que haverá aumento da pressão interpleural.
Com a abertura do tórax houve a anulação da pressão subatmosférica na cavidade torácica, sendo que as alterações de pressão interpleural registradas pelo ventígrafo foram decorrentes somente da pressão exercida pela expansão pulmonar sobre o esôfago. Ocorreu também aumento na complacência pulmonar, com ventilação ainda melhor do pulmão superior.
A pressão interpleural manteve-se significativamente aumentada após a recuperação anestésica (M5) em relação ao valor controle. Isto deveu-se provavelmente ao pneumotórax residual, o que ocasionou maior esforço muscular para uma adequada ventilação.
Acredita-se que não haja padrão ventilatório específico que promova valores ótimos de PaCO2 e PaO2 , respeitando as necessidades de troca gasosa, e que não leve a alguma depressão na função cardiovascular, devido ao aumento da pressão interpleural. Porém, acredita-se que a ventilação controlada com pressão positiva intermitente seja o único método eficaz de promover a hematose e consequentemente estabilidade hemodinâmica durante toracotomias.
Apesar de HILDEBRAND (l990) recomendar dose inicial de brometo de pancurônio variando entre 0,01 a 0,15 mg/kg p.v. e MACKEY et al. (1986) afirmarem que a dose de 0,1 mg/kg foi suficiente para a suspensão do movimento respiratório e contração muscular durante a toracotomia para correção do 4° arco aórtico persistente, não foi possível promover o relaxamento muscular completo para a implantação da ventilação controlada com a dose de 0,06 mg/kg. Acredita-se que doses mínimas de 0,1 mg/kg devam ser utilizadas com o intuito de instituir o bloqueio neuromuscular.
O aumento da freqüência cardíaca após a recuperação anestésica (M5) está relacionado ao esforço utilizado pelo animal para levantar e sensibilidade torácica. Nota-se que este parâmetro retoma a normalidade após 24 horas. A diminuição significativa da temperatura retal observada durante o procedimento anestésico é decorrente da diminuição da taxa metabólica corpórea, devido a depressão do Sistema Nervoso Central ocasionada pelos anestésicos gerais.
CONCLUSÕES
Considerando as observações ao longo do desenvolvimento deste trabalho experimental, pode-se concluir que: a associação das drogas anestésicas utilizadas no experimento confere boa qualidade à anestesia; o uso da ventilação mecânica controlada durante a prática da toracotomia permite a padronização da freqüência respiratória com melhora da ventilação, e subseqüente normalização das alterações da pressão parcial de dióxido de carbono e pH; não há melhora da pressão parcial de oxigênio após a instalação da ventilação mecânica controlada e após a pressão intratorácica ser desfeita, a ventilação mecânica controlada mantém visualmente adequada a expansão pulmonar, sem que sejam notadas áreas de atelectasia ou alterações de coloração; a ventilação mecânica controlada promove aumento da pressão interpleural, enquanto o tórax permanece fecliado.
FONTES DE AQUISIÇÃO
a - Sedivet - Boehringer Ingelheim
b - Dormonid - Produtos Roche Químicos e Farmacêuticos S. A.
c - Éter gliceril guaiacol - Henrifarma S.Ad - Vetamacol - Laboratórios König S.A. - Argentina
e - Halotano Hoescht - Hoescht AG - Alemanha
f- Mallard Medical - modelo 2800 LAAV
g - Pavulon - Organon
h - Pentabiótico Veterinário - Fontoura -Wyeth
i - Tomanol - Boehringer Ingelheim
j - Biomonitor 6 - Bese - São Paulo
k - Gasômetro ABL 330 - Radiometer/CopenHagen
l - Ventigraph - Boehringer Ingelheim
2 Professor Titular da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia - USP - São Paulo.
3 Professor Doutor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia - USP - São Paulo.
4 Aluno de Pós-graduação e Mestre pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia-USP e Professor da Faculdade de Medicina Veterinária, Fundação Otávio Bastos - São João da Boa Vista - São Paulo.
Recebido para publicação em 18.08.97. Aprovado em 05.11.97
Referências bibliográficas
- BARTELS, J.E., VAUGHAN, J.T. Persistent right aortic arch inthe horse. Journal of the American Veterinary Medical Association, v. 154, n. 4, p. 406-409, 1969.
- BOOTH, N.H. Anestésicos inalatórios. In: BOOTH, NH; Mc DONALD, L. E. Farmacologia e terapêutica em veterinária, Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1992, p. 143-167.
- DE MOOR, A, VERSCHOOTEN, F., DESMET, P., et al. Intrathoracic cardiac ressuscitation in the horse. Equine Veterinary Journal, v. 4, n. l, p. 31-33, 1972.
- DERKSEN, F.J, ROBINSON, N.E. Esophageal and intrapleural pressures in the healthy conscious pony. American Joumal of Veterinary Research, v. 41, n. 11, p. 1756-1761, 1980.
- COLAHAN, P.T., KNIGHT, H.D. Drainage of an intrathoracic abscess in a horse via thoracotomy. Journal of the American Veterinary Medical Association, v. 174, n. 11, p. 1231-1233, 1979.
- FANTONI, D.T., CORTOPASSI, S.R.G., SILVA, L.C.L.C. et al.. Evaluation of romifidine and thyamilal for anesthesia in horses. In: 5th INTERNATIONAL CONGRESS OF VETERINARY ANESTHESIA, 1994. Guelph, Canada. Proceedings..., 1994, p. 129.
- FEREZ, D. Anestesia para cirurgia torácica. In: ORTENZI, AV., TARDELLI, M.A Anestesiologia - SAESP São Paulo, Atheneu, 1996, p. 647-670.
- FERGUSON, H.R, BOYD, C.L, MORRIS, E.L. Surgical correction of a thoracic abscess in a colt. Joumal of the American Veterinary Medical Association, v. 156, n. 7, p. 868-869, 1970.
- FOWLER, M.E. Intrathoracic surgery in large animal. Journal of the American Veterinary Medical Association, v. 162, n. 11, p. 967-973, 1973.
- GARNER, H.E, CONSTANTINESCU. Heart. In: AUER, J.A. Equine surgery Philadelphia, Saunders, 1992, p. 508-517.
- GRANDY, J.L. Arterial blood PO2 and PCO2 in horses during eariy halothane-oxygen anaesthesia. Equine Veterinary Joumal, v. 19, n. 4, p. 314-318, 1992.
- HARDY, J., ROBERTSON, J.T., REED, S.M. Constrictive pericarditis in a mare: attempted treatment by partial pericardiectomy. Equine Veterinary Joumal, v. 24, n. 2, p. 151- 154,1992.
- HILDEBRAND, S.V. Muscle relaxants. In: WHITE II, N.A, MOORE, J.N. Current practice of equine surgery Philadelphia, Lippincott, 1990, p. 94-103.
- LEKEUX, P, ART, T. The respiratory system: anatomy, physiology, and adaptations to exercise and training. In: HODGSON, D.R.,ROSE, R.J. The athletic horse: principles and practice of equine sports medicine Philadelphia, Saunders, 1994, p. 79- 127.
- MACKEY, V.S., LARGE, S.M., BREZNOCK, E.M., et al. Surgical correction of a persistent right aortic arch in a foal. Veterinary Surgery, v. 15, n. 4, p. 325-328, 1986.
- MUIR, W.W. Complications. In: MUIR, W.W., HUBBELL, J.A.E. Equine anesthesia: monitoring and emergency therapy Hardcover, Mosby Year Book, 1991. p. 419-443.
- NIXON, A.J., AANES, W.A., NELSON, A.W, et al. Esophagomyotomy for relief of an intrathoracic esophageal stricture in a horse. Journal of the American Veterinary Medical Association, v. 183, n. 7, p. 794-796, 1983.
- NYMAN, G, HEDENSTIERNA, G. Ventilation-perfasion relationships in the anaesthesied horse. Equine Veterinary Journal, v. 21, n. 4, p. 274-281, 1989.
- PETERSON, F.B, DONAWICK, W.J., MERRITT, A.M, et al. Gastric stenosis in a horse. Journal of the American Veterinary Medical Association, v. 160, n. 3, p. 329-333, 1972.
- PETRICK, S.W., ROOS, C.J, NIEKERK, J. Persistent right aortic arch in a horse. Journal of the South African Veterinary Association, v. 49, n. 4, p. 355-358, 1978.
- PEYTON, L.C., HOFFER, R., CALAHAN, P. Intrathoracic surgery in the horse. Veterinary Medicine/Small Animal Clinician, v. 71,n. 9, p. 1190-1198, 1976.
- ROBINSON, N.E. The respiratory system. In: MUIR; W.W., HUBBELL, J.A.E. Equine anesthesia: monitoring and emergency therapy St. Louis: Mosby - Year Book, 1991, p. 7- 38. .2,
- STEFFEY, E.P. Inhalation anesthesia. In: WHITE II, N.A., MOORE, J. N. Current practice of equine surgery Philadelphia, Lippincott, 1990a, p.77-82.
- STEFFEY, E.P. Positive pressure ventilation. In: WHITE II, N.A., MOORE, J.N. Current practice of equine surgery Philadelphia, Lippincott, 1990b, p. 83-86.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
15 Out 2007 -
Data do Fascículo
Jun 1998
Histórico
-
Aceito
05 Nov 1997 -
Recebido
18 Ago 1997