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Radiação gama sobre a micobiota de ração avícola e Aspergillus spp.

Gamma radiation on the mycoflora of poultry feed and Aspergillus species

Resumos

O objetivo deste experimento foi investigar o efeito da radiação gama sobre a micobiota natural de ingredientes e ração avícola e seu impacto sobre espécies de Aspergillus spp. Para tanto, fubá, farelo de soja e ração foram expostos a uma fonte de césio-137 nas doses 0; 3,5; 8 e 15kGy. Amostras de milho, inoculadas com suspensão de conídios de Aspergillus spp., foram irradiadas com doses de 0 a 8kGy. Observou-se redução das contagens com o aumento da dose, obtendo-se eliminação da micobiota com 8kGy. Uma maior radiossensibilidade de leveduras foi observada em comparação a fungos filamentosos, e aqueles que resistiram à dose de 3,5kGy pertenciam, em sua maioria, aos gêneros Cladosporium spp., Curvularia spp., Fusarium spp. e Aspergillus spp. As espécies A. flavus e A. parasiticus mostraram-se mais radiorresistentes que as demais avaliadas. Redução na conidiogênese e presença de estruturas de resistência foram detectadas logo após a irradiação. Constatou-se também que, após repiques em meios nutritivos, os isolados irradiados recuperaram a taxa de crescimento normal. Verificou-se ainda que o estresse metabólico induzido pela irradiação promoveu aumento na produção de aflatoxina B1 e ocratoxina A.

irradiação; milho; fungo; micotoxina


This experiment investigated the effects of gamma radiation on the mycoflora of natural ingredients and poultry feed, and its impact on species of Aspergillus spp. Corn meal, soybean meal, feed and maize (inoculated with spore suspension of Aspergillus spp.) were irradiated with 0, 3.5, 8 and 15kGy by exposure to a 137Cs source. Increasing radiation doses led to lower counts so elimination of mycoflora was observed at 8kGy. In addition, filamentous fungi exhibited a greater resistance to radiation than yeasts and those that withstood 3.5kGy were mostly Cladosporium spp., Curvularia spp., Fusarium spp. or Aspergillus spp. A. flavus and A. parasiticus have been found to be the most resistant among the species studied. Post-irradiation reduction in the spore production as well as presence of resistance structures have been observed. When such altered colonies were isolated and grown on nutritional media again, they recovered their normal growth pattern. In addition, a significant increase in the production of aflatoxin B1 and ochratoxin A was found, probably due to metabolic stress caused by irradiation.

irradiation; corn; fungi; mycotoxin


ARTIGOS CIENTÍFICOS

MICROBIOLOGIA

Radiação gama sobre a micobiota de ração avícola e Aspergillus spp.

Gamma radiation on the mycoflora of poultry feed and Aspergillus species

Jéssika Mara Martins RibeiroI,1 1 Autor para correspondência. ; Lilia Renée CavaglieriII; Hélio de Carvalho VitalIII; César Daniel KrugerIV; Carlos Alberto da Rocha RosaIV

ICentro Federal de Educação Tecnológica de Rio Verde (CEFET-RV), 75901-700, Rio Verde, GO, Brasil. E-mail: jessikarj@yahoo.com.br

IIDepartamento de Microbiologia, Universidad Nacional de Río Cuarto (UNRC), Río Cuarto, Córdoba, Argentina

IIICentro Tecnológico do Exército, DDQBN, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IVDepartamento de Microbiologia e Imunologia Veterinária, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Seropédica, RJ, Brasil

RESUMO

O objetivo deste experimento foi investigar o efeito da radiação gama sobre a micobiota natural de ingredientes e ração avícola e seu impacto sobre espécies de Aspergillus spp. Para tanto, fubá, farelo de soja e ração foram expostos a uma fonte de césio-137 nas doses 0; 3,5; 8 e 15kGy. Amostras de milho, inoculadas com suspensão de conídios de Aspergillus spp., foram irradiadas com doses de 0 a 8kGy. Observou-se redução das contagens com o aumento da dose, obtendo-se eliminação da micobiota com 8kGy. Uma maior radiossensibilidade de leveduras foi observada em comparação a fungos filamentosos, e aqueles que resistiram à dose de 3,5kGy pertenciam, em sua maioria, aos gêneros Cladosporium spp., Curvularia spp., Fusarium spp. e Aspergillus spp. As espécies A. flavus e A. parasiticus mostraram-se mais radiorresistentes que as demais avaliadas. Redução na conidiogênese e presença de estruturas de resistência foram detectadas logo após a irradiação. Constatou-se também que, após repiques em meios nutritivos, os isolados irradiados recuperaram a taxa de crescimento normal. Verificou-se ainda que o estresse metabólico induzido pela irradiação promoveu aumento na produção de aflatoxina B1 e ocratoxina A.

Palavras-chave: irradiação, milho, fungo, micotoxina.

ABSTRACT

This experiment investigated the effects of gamma radiation on the mycoflora of natural ingredients and poultry feed, and its impact on species of Aspergillus spp. Corn meal, soybean meal, feed and maize (inoculated with spore suspension of Aspergillus spp.) were irradiated with 0, 3.5, 8 and 15kGy by exposure to a 137Cs source. Increasing radiation doses led to lower counts so elimination of mycoflora was observed at 8kGy. In addition, filamentous fungi exhibited a greater resistance to radiation than yeasts and those that withstood 3.5kGy were mostly Cladosporium spp., Curvularia spp., Fusarium spp. or Aspergillus spp. A. flavus and A. parasiticus have been found to be the most resistant among the species studied. Post-irradiation reduction in the spore production as well as presence of resistance structures have been observed. When such altered colonies were isolated and grown on nutritional media again, they recovered their normal growth pattern. In addition, a significant increase in the production of aflatoxin B1 and ochratoxin A was found, probably due to metabolic stress caused by irradiation.

Key words: irradiation, corn, fungi, mycotoxin.

INTRODUÇÃO

O crescimento fúngico reduz o valor nutricional e a digestibilidade do alimento. Ademais, os fungos podem ocasionar danos diretos à saúde dos animais por meio de casos de intoxicação, chamados de micotoxicose, que podem se apresentar de forma aguda, subaguda ou, mais comumente, crônica (FIGUEIRA et al., 2003).

A micobiota e a contaminação de rações avícolas por micotoxinas vêm sendo estudadas no Brasil. Níveis altos de contagem fúngica foram observados por ROSA et al. (2006) ao avaliarem matérias-primas e rações avícolas procedentes do Estado do Rio de Janeiro. A maioria das amostras analisadas por esses pesquisadores excedeu o limite para qualidade higiênica, estabelecido em 1 x 104ufc g-1 (GMP, 2005). Esses mesmos autores encontraram o gênero Aspergillus spp. como o mais freqüente, sendo A. flavus a espécie prevalente. Em outro estudo, Penicillium spp. foi encontrado como o mais prevalente seguido por Aspergillus, e A. flavus foi isolado a partir de 25% das amostras analisadas. Além disso, 64,5% das amostras continham níveis de aflatoxina B1 (AFB1) que variaram de 1,2 a 17,5µg kg-1 (OLIVEIRA et al., 2006). FRAGA et al. (2007) verificaram uma contaminação fúngica na ração de 4 x 103 a 3,2 x 104ufc g-1. No entanto, 100% das amostras estavam contaminadas com ocratoxina A (OTA) (98,2±22,3µg kg-1) e aflatoxinas (65,3±18,7µg kg-1).

Com base na literatura disponível pode-se dizer que o melhor método para controlar a contaminação por micotoxinas em alimentos é prevenir o crescimento de fungos (SANTURIO, 2000). Métodos de controle adotados em ração incluem a verificação da qualidade da matéria-prima e o uso dos processos de peletização (FRAGA et al., 2007). O emprego da irradiação em ingredientes e rações avícolas foi inicialmente proposto em função de sua capacidade em tornar esses materiais livres de Salmonella sp., importante patógeno para os animais e para o homem (ICGFI, 1995). O tratamento por irradiação, além de eliminar ou reduzir o número de patógenos presentes na ração, tem por objetivo melhorar a qualidade higiênica por redução de agentes deteriorantes, especialmente fungos, e eliminar insetos em estágio de reprodução (ICGFI, 1995). CHEN et al. (2000), ao analisarem o uso da irradiação com cobalto-60 em rações para animais SPF ('Specific Pathogen Free'), verificaram que a dose 8kGy foi eficiente em eliminar os microrganismos e não ocasionou alterações na composição nutricional. Em experimento com farinha de carne irradiada com doses de até 50kGy, adicionada à ração para frangos de corte, AL-MASRI (2003) não encontrou efeitos negativos sobre os valores da energia metabolizável da dieta e tão pouco sobre os aspectos biológicos dos órgãos digestivos.

A irradiação tem sido utilizada no Brasil para reduzir ou eliminar a microbiota de diferentes substratos, tais como milho (AQUINO et al., 2005); livros e documentos antigos (SILVA et al., 2006); amendoim (PRADO et al., 2006) e guaraná em pó usado como estimulante (AQUINO et al., 2007). No entanto, é escassa a informação acerca dos efeitos da irradiação sobre a micobiota natural de ração avícola e são necessários mais estudos sobre os efeitos desse tratamento físico sobre fungos toxígenos do gênero Aspergillus spp. Dessa forma, o presente trabalho objetivou avaliar a influência da irradiação sobre a micobiota natural de ingredientes e ração avícola e estudar as possíveis alterações morfológicas e de produção de micotoxinas em cepas de referência do gênero Aspergillus spp.

MATERIAL E MÉTODOS

Amostras de fubá, farelo de soja e ração, com 15kg cada, foram coletadas diretamente da linha de produção de uma granja avícola no Município de Avelar, Rio de Janeiro (RJ). Foram realizadas duas coletas, as quais geraram dois processos de irradiação. As amostras foram levadas ao laboratório e conservadas a 4°C, até o momento das análises. A avaliação da atividade de água (Aa) foi realizada por meio do equipamento AquaLab®, modelo CX 2. Subamostras de 500g foram acondicionadas e seladas em sacos de polietileno, submetidas a quatro doses de radiação gama (0; 3,5; 8 e 15kGy) em triplicata. O irradiador pertence ao tipo cavidade blindada, cuja atividade de sua fonte de césio-137 é de 56kCi (2 x 1015 desintegrações segundo-1) e gera uma taxa de dose máxima 2,0kGy h-1. A incerteza total nas doses foi de ±8%, levando em consideração a distribuição da taxa de dose e a alocação das amostras na gaveta do irradiador. Passados sete dias da irradiação, a micobiota foi avaliada segundo metodologia de diluição seriada em placas (PITT & HOCKING, 1997), sendo expressa por unidades formadoras de colônia por grama de amostra (ufc g-1). Foram utilizados os meios de cultivo: dichloran rosa de bengala cloranfenicol (DRBC) para contagem geral; agar dichloran com 18% de glicerol (DG18) como meio seletivo para fungos xerofílicos e agar dichloran cloranfenicol peptona (DCPA) para isolamento de Fusarium spp. As placas foram incubadas a 28°C por cinco a sete dias em estufa BOD Ética.

Os gêneros fúngicos isolados foram identificados por meio das chaves taxonômicas propostas por KLICH (2002) para o gênero Aspergillus spp., PITT & HOCKING (1997) para Penicillium spp. e NELSON et al. (1983) para Fusarium spp.

O efeito da irradiação sobre Aspergillus spp. foi avaliado com o uso das cepas de referência: A. niger (ATCC 1004), A. ochraceus (NRRL 3174), A. flavus (NRRL 5520), A. parasiticus (NRRL 2999) e A. carbonarius (UFPE 1546), submetidas à irradiação em milho picado degerminado, com granulometria média de 2mm. O milho foi hidratado com água destilada e armazenado por 24 horas a 4°C, submetido à homogeneização periódica para a uniformização da Aa a 0,98. Frascos Erlenmeyer com capacidade de 125mL, contendo 50g de milho cada, foram autoclavados a 121°C por 20 minutos para garantir eliminação da microbiota inicial e depois foram inoculados com 100µL (104 a 105ufc mL-1) de uma suspensão em salina das cepas. Após a incubação feita por cinco dias a 28°C, foram aplicadas 10 doses de radiação gama (2,0; 3,5; 4,0; 4,5; 5,0; 5,5; 6,0; 6,5; 7,0 e 8,0kGy) mais o controle 0kGy para cada uma das cepas de referência, em triplicata. Um dia após a irradiação, o milho foi submetido à contagem fúngica por diluição seriada e plaqueamento direto de acordo com PITT & HOCKING (1997).

Os fungos sobreviventes à irradiação tiveram sua morfologia comparada com as cepas não irradiadas de acordo com a chave taxonômica de KLICH (2002). O perfil toxígeno foi avaliado por crescimento de cada cepa (controle e irradiada) em 20mL de caldo extrato de levedura sacarose (YES) a 30°C durante 10 dias, sob ausência de luz. O cultivo foi filtrado por meio de papel de filtro Whatman n° 1, e a extração de AFB1 e OTA foi realizada ao mesclar 1mL de cultivo com 1mL de clorofórmio e centrifugar a 4000rpm, durante 10min. A fase clorofórmica foi transferida para um tubo Eppendorf limpo, seca com nitrogênio e conservada a 4°C até o momento de análise. Para AFB1 suspendeu-se o extrato seco com 200µL de clorofórmio e realizou-se a cromatografia em camada delgada (CCD) com fase móvel composta por clorofórmio: acetona (9:1 v/v). Foram usadas cromatofolhas de sílica gel 60 de 20 x 20cm com 0,2mm de espessura (Merck). Foi feita a leitura em cromatovisor com lâmpada UV de 365nm. Para OTA, foi utilizada cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE) em cromatógrafo Hewlett Packard, Serie 1100. O extrato seco foi suspenso em 200µL de fase móvel (acetonitrila: água: ácido acético, 57: 41: 2 v/v/v). As separações foram desenvolvidas em coluna de fase reversa C18 (150 x 4,6mm, 5µm de tamanho de partícula; Phenomenex, Luna), conectada a uma pré-coluna Supelguard LC-ABZ (20 x 4,6mm, 5µm de tamanho de partícula, Supelco). O fluxo da fase móvel foi de 1mL min-1. Os comprimentos das ondas de excitação e emissão usados foram de: 330 e 460nm, respectivamente. O limite de detecção da técnica é de 1ng g-1.

Os dados de contagem de unidades formadoras de colônias por grama (ufc g-1) foram transformados a log10 (x + 1) para obter homogeneidade de variância. As médias dos tratamentos foram comparadas usando o teste de mínima diferença significativa de Fisher (LSD). A análise foi conduzida por meio do software estatístico SAS (SAS Institute, Cary, NC).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os valores encontrados de Aa para as amostras de fubá, farelo de soja e ração avícola foram: 0,676±0,002 e 0,697±0,002; 0,625±0,002 e 0,651±0,001; 0,659±0,002 e 0,754±0,002, respectivamente, para a primeira e a segunda coleta. Esses valores estão dentro da faixa esperada para os substratos. A ração apresentou um valor mais alto na segunda coleta, por ter sido obtida do silo que alimenta diretamente o comedouro das aves, enquanto que a primeira coleta foi retirada da fábrica, assim como as demais amostras.

As contagens médias da micobiota das amostras não irradiadas, avaliadas em meio DRBC, são próximas ao limite estipulado para a qualidade higiênica que é de 1 x 104ufc g-1 (GMP, 2005). Os valores encontrados neste trabalho são inferiores aos valores observados por ROSA et al. (2006), os quais, ao avaliarem rações avícolas no Estado do Rio de Janeiro entre os anos de 1998 e 2000, encontraram níveis superiores a 1 x 105ufc g-1 em grande parte das amostras. Entretanto, níveis moderados de contaminação fúngica da ordem de 103ufc g-1 foram observados por OLIVEIRA et al. (2006), ao estudarem a micobiota de rações avícolas também provenientes do Rio de Janeiro, cujas amostras avaliadas foram coletadas em 2003. O nível de contaminação pode variar em função das condições climáticas do período de coleta e também da grande influência das condições de processamento do alimento. Percebe-se, após vários estudos desenvolvidos com rações avícolas dessa região (OLIVEIRA et al., 2006; ROSA et al., 2006; FRAGA, et al., 2007), que as fábricas têm melhorado seu controle de qualidade, o qual reflete em uma diminuição da contaminação fúngica.

Em relação à diversidade encontrada na micobiota, a partir das amostras de farelo de soja, foram isolados os gêneros Aspergillus spp. (A. flavus, A. candidus, A. clavatus, A. fumigatus, A niger var. niger, A. restrictus, A. versicolor), Cladosporium spp., Eurotium spp. (E. amstelodami), Fusarium spp. (F. verticillioides), Penicillium spp. e fungos da ordem Mucorales (Mucor spp.). Nas amostras de fubá, houve predominância de isolados do gênero Fusarium spp., com destaque para F. verticillioides, seguido por isolados de F. solani. Também foram isolados Aspergillus spp. (A. flavus, A. candidus, A. melleus), Eurotium spp., Penicillium spp. (P. rugulosum, P. viridicatum) e Cladosporium spp. A avaliação da ração mostrou o crescimento de Aspergillus spp. (A. ochraceus, A. terreus, A. tamari, A. flavus, A. niger, A. versicolor, A. flavipes, A. fumigatus), Eurotium spp. (E. amstelodami), Penicillium spp. (P. janthinellum, P. verruculosum, P. funiculosum, P. citrinum, P. purpurogenum), Curvularia spp., Cladosporium spp., Fusarium spp., este último com predominância de F. verticillioides. Muitas das espécies fúngicas isoladas estão associadas com a redução da qualidade da ração e são potenciais produtoras de micotoxinas. O isolamento dessas espécies a partir de rações animais tem sido realizado por outros pesquisadores (ROSA et al., 2006).

Fubá, farelo de soja e ração avícola foram submetidos ao processo físico de descontaminação por exposição à radiação gama. Nas tabelas 1 e 2, é demonstrado o efeito de doses de radiação sobre a contagem das amostras a partir da primeira e da segunda coleta, respectivamente. Observa-se que a inativação da micobiota foi intensificada com o aumento da dose e que 8kGy foi eficiente em eliminar a micobiota contaminante dos substratos.

O decréscimo na contagem com o aumento da dose também foi observado por REFAI et al. (1996) ao avaliarem o efeito sobre A. ochraceus, previamente inoculado (106ufc g-1) em ração. Nesse caso, o fungo foi completamente inibido a 4kGy. No entanto, dose de 10kGy foi necessária para eliminar completamente a contaminação fúngica do guaraná em pó (AQUINO et al., 2007).

Em relação à classificação e ao estado morfológico dos fungos sobreviventes à irradiação, o farelo de soja submetido a 3,5kGy apresentou o crescimento de Aspergillus com clestotécios, Cladosporium sp. e Fusarium spp. Clestotécios produzidos por Aspergillus são estruturas resistentes, onde esporos sexuais (ascosporos) são formados, e favorecem a sobrevivência fúngica em condições ambientais extremas (DURAN et al., 2007). O mesmo substrato irradiado com 8kGy apresentou crescimento de Cladosporium spp., Curvularia spp. e Fusarium spp.; porém, após feito o repique deste último para a identificação da espécie, houve apenas a formação de micélio estéril, ou seja, sem a presença de estruturas reprodutivas que servissem para identificação. O fubá, quando submetido a 3,5kGy, permitiu o crescimento de fungos dos gêneros Aspergillus spp., Eurotium spp. e Penicillium spp. No entanto, ao serem repicados para identificação da espécie, esses fungos evidenciaram o crescimento apenas de micélio estéril. Em relação à ração, com 3,5kGy, houve o crescimento de Cladosporium spp. e Fusarium verticillioides. AZIZ et al. (2007) verificaram que Fusarium spp. foi inibido a 4kGy em cevada e 6kGy em trigo e milho. No presente trabalho, foi observado o crescimento de Fusarium spp. a partir de farelo de soja irradiado até 8kGy, apesar deste não ser capaz de produzir conídios, ao menos após o primeiro repique posterior ao isolamento.

Diferenças na radiossensibilidade entre gêneros fúngicos são discutidas na literatura. BLANK & CORRIGAN (1995) verificaram que os esporos de Alternaria spp., Curvularia spp. e Cladosporium spp. foram pelo menos três vezes mais resistentes à irradiação, quando comparados aos gêneros Aspergillus spp. e Penicillium spp. A resposta diferencial desses fungos pode ser em função da presença de macroconídeo de parede espessa, o qual pode conferir proteção. MAITY et al. (2004), ao irradiar sementes, verificaram que Aspergillus submetido a 4kGy não sobreviveu, enquanto Alternaria persistiu.

Uma redução significativa da micobiota de guaraná (em pó e em grão) foi alcançada com a dose 5kGy, mas essa dose permitiu o reisolamento de Cladosporium e Rhizopus a partir de 20% das amostras e Penicillium de 10% (AQUINO et al., 2007). Fungos altamente radiorresistentes foram observados por SILVA et al (2006), os quais descrevem a dose 16kGy como necessária para inativar diferentes espécies fúngicas isoladas de documentos e livros antigos, previamente submetidos a tratamento químico. Dentre os fungos mais resistentes, relatam o gênero Cladosporium spp.

A dose 3,5kGy proporcionou significativa redução da contagem fúngica nos ingredientes e na ração avícola. No entanto, essa dose permite uma micobiota residual, e é preciso conhecer o comportamento desses fungos sobreviventes. A irradiação sobre Aspergillus spp foi avaliada em milho, cujas contagens são mostradas na tabela 3. Observa-se que houve significativa diminuição com a dose 2kGy e completa inibição a partir de 4kGy.

Aspergillus flavus e A. parasiticus mostraram-se os mais radiorresistentes. Essa diferença na radiossensibilidade entre espécies de Aspergillus também foi observada por BORGES (2004) ao submeter grãos de milho, amendoim, trigo e arroz à irradiação. Essa pesquisadora descreve A. parasiticus como a mais radiorresistente das espécies estudadas, com D50 e D0 de 3,1kGy e 4,7kGy, respectivamente.

A partir dos fungos irradiados, obtidos por diluição seriada, observou-se o crescimento de colônias com micélio estéril. O fato de a cepa irradiada não realizar conidiogênese em meio de cultivo, de acordo com GRIFFIN (1994), pode significar a ocorrência de mutante, cuja produção de conídios é afetada por não aquisição de competência para tal ou por não desenvolver nem ao menos os conidióforos. Em contrapartida, ao realizar posterior plaqueamento direto do milho sobre DG18, houve crescimento para as amostras submetidas a doses de até 5,5kGy. O crescimento de Aspergillus spp. endógeno é relatado por FARIAS et. al. (2000), os quais obtiveram vários isolados a partir de grãos de milho aparentemente sadios. Crescimento fúngico em grãos de amendoim submetidos à irradiação foi observado por PRADO et al., (2006) para dose até 5kGy, a qual proporcionou redução na percentagem de infecção de 82% para 17,3% dos grãos e nenhuma contaminação foi encontrada com 10kGy.

Variações morfológicas foram observadas entre cepas controle e irradiadas, tais como cor e textura das colônias, redução da conidiogênese e presença de estruturas de resistência, como os esclerócios. Porém, foi observado que, ao submeter os fungos irradiados a repiques sucessivos em meios de cultura, estes tendem a retomar características morfológicas muito próximas ao padrão não irradiado. Os nutrientes disponíveis no meio, associados às condições adequadas de temperatura, favorecem o crescimento dos fungos.

Na análise do perfil toxígeno, Aspergillus parasiticus (NRRL 2999) controle e dois isolados irradiados com 2,5kGy produziram respectivamente: 8,5815 g ml-1, 51,724 g mL-1 e 68,6406 g mL-1 de AFB1. Para a cepa A. flavus (NRRL 5520) controle, não foi detectada a produção de aflatoxinas, enquanto a mesma cepa após 4kGy produziu 0,8 g mL-1 de AFB1. A. niger (ATCC 1004) controle produziu 5,344ng ml-1 de OTA, o isolado submetido a 2kGy de radiação gama obtido por diluição seriada produziu 1,7ng mL-1, enquanto outro representante também submetido a 2kGy, porém isolado a partir de plaqueamento direto do milho, produziu 38,72ng mL-1 de OTA. A. ochraceus (NRRL 3174) controle produziu 51,108µg mL-1 de OTA, mas esta não foi produzida por isolado obtido por diluição seriada do milho após 2kGy, enquanto outro isolado obtido por plaqueamento direto do milho após 3,5kGy, produziu 101,472µg ml-1 de OTA.

GUNTERUS et al. (2007) observaram que o acúmulo de aflatoxina aumentou com a redução do inoculo fúngico em amendoim. FERREIRA-CASTRO et al. (2007) também atribuem o aumento observado na produção de fumonisina por Fusarium verticillioides, após irradiação com 2kGy em milho, ao menor tamanho do inóculo. Entretanto, esses autores encontraram uma menor produção de fumonisina após a dose 5kGy, que ainda apresentou uma contagem residual. No presente trabalho, foi verificado que cepas irradiadas e isoladas por diluição do milho mostram-se menos produtoras que o padrão ou mesmo não produzem toxina, enquanto o aumento do potencial toxígeno foi observado em cepas isoladas por plaqueamento direto do milho.

Observou-se que cepas irradiadas, após um primeiro isolamento, apresentam crescimento mais lento e características morfológicas que as diferem do padrão não irradiado. Porém, ao serem submetidas a repiques sucessivos em meios de cultivo nutritivos e em condições ótimas de temperatura, passam a apresentar morfologia muito próxima ao padrão. As alterações induzidas pela irradiação, quando não suficientes para ocasionar a morte do fungo, podem ser superadas se fornecidos nutrientes e condições adequadas de crescimento. Esses achados sugerem que cepas fúngicas sobreviventes ao processo de irradiação podem voltar a se desenvolver, deteriorando o substrato, desde que sejam fornecidas condições adequadas para seu crescimento.

CONCLUSÕES

A redução na contagem fúngica é intensificada com o aumento da dose de radiação gama, e a micobiota natural de ingredientes e ração avícola é eliminada com 8kGy. Há variação na radiossensibilidade entre gêneros e espécies fúngicas. A. parasiticus e A. flavus são mais radiorresistentes que as demais espécies avaliadas. Doses médias de radiação gama (2 a 4kGy) promovem alterações morfológicas e aumento de produção de micotoxina.

Recebido para publicação 10.07.08

Aprovado em 01.12.08

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  • 1
    Autor para correspondência.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2009

    Histórico

    • Aceito
      01 Dez 2008
    • Recebido
      10 Jul 2008
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