Acessibilidade / Reportar erro

Brucelose canina: relato de caso

Canine brucellosis: a case report

Resumos

Relata-se a ocorrência de casos de brucelose em animais de um canil da cidade de Uruguaiana, Rio Grande do Sul. Devido a registros de aborto nesta criação, suspeitou-se desta enfermidade. O isolamento da Brucella canis foi realizado através da cultura de materiais obtidos dos fetos abortados, placenta e neonatos. O teste sorológico de imunodifusão em gel de ágar demonstrou que 72,7% (8/11) dos animais deste canil haviam se infectado com esta bactéria. Neste relato são descritos e discutidos os dados clínicos e sorológicos, assim como o isolamento da Brucella canis.

Brucella canis; sorologia; isolamento; epidemiologia


The ocurrence of canine brucellosis is described in a kennel from Uruguaiana city. Due to abortion registered at the kennel the suspected disease was brucellosis. The isolation of Bucella canis was realized by culturing the material collected from aborted fetuses, placenta and neonatos. The agar gel immunodiffusion test was used for sorological evaluation and showed that 72.7% (8/11) of the dogs were infected wifh the bactéria. The authors describe also the clinical signs, serological findings and also the isolation of the Brucella canis.

Brucella canis; sorology; isolation; epidemiology


BRUCELOSE CANINA: RELATO DE CASO

CANINE BRUCELLOSIS: A CASE REPORT

Agueda Castagna de Vargas1 1 Médico Veterinário, MsC., Professor Assistente do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva, Universidade Federal de Santa Maria (ÜFSM) - 97119-900 - Santa Maria, RS, Brasil. Fax (055)2262347. Email: AGUEDA@SUPER.UFSM.BR. Autor para correspondência. Andrea Lazzari2 1 Médico Veterinário, MsC., Professor Assistente do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva, Universidade Federal de Santa Maria (ÜFSM) - 97119-900 - Santa Maria, RS, Brasil. Fax (055)2262347. Email: AGUEDA@SUPER.UFSM.BR. Autor para correspondência. Valéria Dutra2 1 Médico Veterinário, MsC., Professor Assistente do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva, Universidade Federal de Santa Maria (ÜFSM) - 97119-900 - Santa Maria, RS, Brasil. Fax (055)2262347. Email: AGUEDA@SUPER.UFSM.BR. Autor para correspondência. Fernando Poester3 1 Médico Veterinário, MsC., Professor Assistente do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva, Universidade Federal de Santa Maria (ÜFSM) - 97119-900 - Santa Maria, RS, Brasil. Fax (055)2262347. Email: AGUEDA@SUPER.UFSM.BR. Autor para correspondência.

RESUMO

Relata-se a ocorrência de casos de brucelose em animais de um canil da cidade de Uruguaiana, Rio Grande do Sul. Devido a registros de aborto nesta criação, suspeitou-se desta enfermidade. O isolamento da Brucella canis foi realizado através da cultura de materiais obtidos dos fetos abortados, placenta e neonatos. O teste sorológico de imunodifusão em gel de ágar demonstrou que 72,7% (8/11) dos animais deste canil haviam se infectado com esta bactéria. Neste relato são descritos e discutidos os dados clínicos e sorológicos, assim como o isolamento da Brucella canis.

Palavras-chave: Brucella canis, sorologia, isolamento, epidemiologia.

SUMMARY

The ocurrence of canine brucellosis is described in a kennel from Uruguaiana city. Due to abortion registered at the kennel the suspected disease was brucellosis. The isolation of Bucella canis was realized by culturing the material collected from aborted fetuses, placenta and neonatos. The agar gel immunodiffusion test was used for sorological evaluation and showed that 72.7% (8/11) of the dogs were infected wifh the bactéria. The authors describe also the clinical signs, serological findings and also the isolation of the Brucella canis.

Key Words: Brucella canis, sorology, isolation, epidemiology.

INTRODUÇÃO

A brucelose canina é uma doença bacteriana causada pela Brucella canis, um cocobacilo gram negativo aeróbico (K.ERWIN et al, 1992). Este agente causa uma bacteremia de extensa duração, desenvolvendo algumas alterações reprodutivas (MOORE et al., 1970). A mais freqüente manifestação da doença nas fêmeas é a falha reprodutiva ou o aborto entre o 45°-55° dias de gestação (KRAKOWKA, 1977). No macho, está associada à epididimite, dermatite do escroto, atrofia testicular e infertilidade (HUBBERT & GUPTA, 1980).

A transmissão ocorre no período de acasalamento ou como resultado do contato com tecido fetal abortado e descarga vaginal. A Brucella canis pode ficar alojada na próstata e epidídimo de machos infectados e ser eliminada intermitentemente no fluído seminal, mesmo após a bacteremia ter cessado (KERWIN et al., 1992). Outras formas de transmissão são a congênita e por aerosóis (CURRIER et al., 1982).

A infecção de cães por Brucella canis tem sido encontrada em praticamente todos os países. A prevalência é variável segundo a região e o método diagnóstico empregado (ACHA & SZYFRES, 1989). Alguns levantamentos sorológicos revelaram percentuais de 1 a 6% de prevalência nos Estados Unidos, 25% no Peru (GREENE & GEORGE, 1984) e 11,8% em cães de rua do México (FLORES-CASTRO et al., 1977). Na região do planalto catarinense, Brasil, SCHLEMPER & VAZ (1990) encontraram uma prevalência de 6% de cães soropositivos na zona urbana e 3% na zona rural. GERMANO et al (1987), em levantamento soro-epidemiológico na cidade de Campinas, Brasil, detectou 5,4% de cães infectados. No município de Pelotas, Brasil, NETO et al (1992) verificaram 22,7% de prevalência entre caninos e 7,1% entre humanos. Na espécie humana, os registros demonstram que a maioria dos casos de infecção estão associados à laboratoristas e à indivíduos que trabalham em canis.

RELATO DO CASO

Materiais de duas fêmeas da raça Poodle Toy, tais como placenta, fetos abortados e neonatos foram enviados ao laboratório de bacteriologia do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva da Universidade Federal de Santa Maria. As referidas amostras foram remetidas pelos proprietários de um canil da cidade de Uruguaiana, Rio Grande do Sul. Oportunamente foram enviadas amostras de soro sanguíneo para realização de teste sorológico.

Foram semeados, placenta e fígado dos fetos abortados, pulmão, fígado e conteúdo estomacal dos neonatos em ágar sangue ovino à 8% e ágar Mãe Conkey. As placas foram incubadas em microaerofilia à 37°C por 96 horas. A classificação do gênero e espécie da bactéria isolada, foi realizada mediante as características morfológicas, tintoriais e bioquímicas da cultura (BISPING & AMTSEBERG, 1988; CÁRTER & COLE, 1990). A técnica de inundação da placa com cristal violeta, descrita pelo CENTRO PANAMERICANO DE ZOONOSIS (1971), foi utilizada para a caracterização de colônias rugosas do gênero Brucella. Foram utilizados soros monoespecíficos para determinar o aglutinógeno predominante (A, M ou R) da bactéria isolada. Esta técnica foi executada segundo descrição feita por ALTON et al. (1976). Fragmentos de fígado, pulmão e baço dos neonatos foram também submetidos à exames virológico e histopatológico.

O soro sanguíneo de onze animais foram submetidos ao teste sorológico de imunodifusão em gel de ágar (IDGA). Para realização do teste foram utilizados antígenos de Brucella ovis e soro controle de carneiro hiperimunizado, segundo técnica descrita pelo CENTRO PANAMERICANO DE ZOONOSIS (1976).

RESULTADOS

O canil era composto por doze animais, seis da raça Poodie Toy e seis da raça Yorkshire Terrier. Das cinco fêmeas da raça Poodie Toy, quatro abortaram entre o 42° e 45° dias de gestação. A outra fêmea desta raça manteve a gestação até o final, porém, dois dos seus cinco filhotes sobreviveram poucas horas.

A cultura em ágar sangue, após 96 horas de incubação mostrou crescimento puro de colônias pequenas cinza-esbranquiçadas, não hemolíticas. O agente foi isolado de placenta, fetos abortados e neonatos. Em ágar Mãe Conkey não foi verificado crescimento. A coloração de gram dos cultivos obtidos, revelou presença de cocobacilos gram negativos. O organismo isolado foi positivo para os testes de oxidase, redução de nitrato e hidrólise rápida da uréia (10 minutos). Nos testes de citrato, Voges Proskauer e vermelho de metila a reação foi negativa, não ocorrendo produção de H2S e utilização da glicose. A bactéria isolada foi positiva à técnica de aglutinação com soro monoespecífíco R e negativa frente aos soros A e M. Inundando-se a placa com solução de cristal violeta as colônias coraram-se, demonstrando estarem sob à forma rugosa. Com base nestes resultados a bactéria foi classificada como Brucella canis. A análise virológica demonstrou-se negativa.

Nas seções de tecidos observados por exame histopatológico, não foram detectadas alterações significativas. O estudo foi prejudicado pelas alterações pós-morte e por artefatos de congelamento.

Das onze amostras de soro sanguíneo analisadas, oito (72,7%) foram positivas ao teste de IDGA, sendo cinco fêmeas e um macho da raça Poodle Toy e duas fêmeas da raça Yorkshire Terrier.

DISCUSSÃO

O canil do presente relato, apresentou um percentual de soropositividade ao teste de IDGA de 72,7% (8/11). POESTER et al. (1994), também na cidade de Uruguaiana, Brasil, encontraram 7,4% de cães reagentes, demonstrando como GREENE & GEORGE (1984), que esta infecção ocorre com maior freqüência e com alta prevalência em cães criados confinados.

Os animais deste relato eram originários de vários Estados (RS, RJ, SP e PR). Não foi possível realizar o rastreamento destes, mas a diversidade de origens pode ter propiciado a entrada de um animal infectado no estabelecimento. MOORE et al (1970) salientam, que a disseminação da brucelose canina está associada à movimentação de cães de uma região à outra. Outra provável forma de entrada pode ter sido o macho reprodutor, que freqüentemente era usado para cobrir fêmeas de outras propriedades, possibilitando seu contágio, e a disseminação em seu canil de origem.

O macho da raça Poodle Toy apresentou resultado positivo ao teste sorológico de IDGA. Todas as cinco fêmeas da mesma raça foram positivas ao teste, sendo que três destas abortaram entre o 42° e 45° dias de gestação. Duas fêmeas da raça Yorkshire Temer, apesar de não entrarem em contato com o macho infectado, foram positivas ao teste de IDGA. É importante salientar que estas fêmeas estiveram em contato com as reprodutoras da raça Poodle Toy. Neste caso, como já descrito por MOORE et al (1970) a transmissão pode ter ocorrido pelas descargas vaginais, envolturas fetais e fetos abortados das fêmeas infectadas. Em uma das fêmeas do canil, coberta por este macho, não ocorreu aborto. O parto foi à termo, porém dois dos seus cinco filhotes sobreviveram poucas horas. Segundo GRENE & GEORGE (1984), apesar de evidenciar-se a necrose das vilosidades coriônicas, o mecanismo do aborto é incerto. Sabe-se que o crescimento intracelular da Brucella canis não está confinado aos monócitos sanguíneos, podendo alcançar muitos tecidos durante a bacteremia. Na maioria das vezes a grande proliferação bacteriana ocorre nos linfonodos e baço, nas gestantes no útero e na placenta.

De um dos neonatos foi isolada a Brucella canis do conteúdo estomacal. Este acontecimento retraía uma transmissão congênita, já relatada em alguns trabalhos (MOORE et al., 1970; CURRIER et al., 1982). ACHA & SZYFRES (1989), descrevem que os animais que sobrevivem podem ser bacterêmicos, havendo neste caso um grande risco de transmissão à outros animais e a pessoas em contato com os infectados. No entanto, esta bacteremia não foi pesquisada no presente caso.

A brucelose canina possui um caráter zoonótico. Casos de infecção humana adquiridos acidentalmente em laboratórios e naturalmente em indivíduos que trabalham em canis foram registrados (ACHA & SZYFRES, 1989). Até o ano de 1983, havia trinta casos humanos documentados no mundo (Young apud MATEU-DE-ANTÔNIO & MARTIN, 1995). Esta característica zoonótica e a ineficiência dos tratamentos foi amplamente esclarecida aos proprietários. Baseado nestes fatos e levando em conta a alta prevalência (72,7%) o proprietário optou pelo sacrifício dos animais positivos.

O presente relato descreve a ocorrência de brucelose em um canil de animais registrados, tendo o objetivo de alertar médicos veterinários e proprietários sobre a importância e o risco da mesma para a saúde pública.

2 Médico Veterinário, aluno do Curso de Pós-graduação (área de Medicina Veterinária Preventiva) da UFSM.

3 Médico Veterinário, MsC., Pesquisador do Centro de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor FEPAGRO - Eldorado do Sul, RS.

Recebido para publicação em 12.03.96. Aprovado em 24.04.96.

  • ACHA, P.N., SZYFRES, B. Zoonoses y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales 2. ed. Washington: Organizacion Panamericana de la salud, 1989. cap. 1: Bacteriosis: p. 3-213.
  • ALTON, G.G., JONES, L.H., PIETZ, D.E. Las técnicas de laboratório en la brucelosis 2 ed. Ginebra: Organização Mundial de Saúde, 1976. 175 p.
  • BISPING, W., AMTSBERG, G. Color atlas for the diagnosis of bacterial pathogens in animals Berlin: Paul Parey Scientific Publisher, 1988. 339 p.
  • CARTER, G.R., COLE, J.R. Diagnostic Procedures in Veterinary Bacteriology an Mycology 5. ed. San Diego: Academic Press, 1990. 620 p.
  • CENTRO PANAMERICANO DE ZOONOSIS. Elaboracion y normalizacion de antigenos para las pruebas de sero-aglutinacion de la brucelosis. Buenos Aires: Oficina sanitária Panamericana, 1971. 22 p. Nota técnica, 03.
  • CENTRO PANAMERICANO DE ZOONOSIS. Técnica de difusion en gel de agar para el diagnóstico de la epididimitis de los carneros. Buenos Aires: Oficina sanitária Panamericana, 1976. 15 p. Nota técnica, 20.
  • CURRIER, R.W., RAITHEL, W.F., MARTIN, R.J., et al. Canine brucellosis. J Am Vet Med Assoc, v. 180, n. 2, p. 132-133, 1982.
  • FLORES-CASTRO, R., SUAREZ, F., RAMIREZ-PFEIFFER, C., et al Canine brucellosis: bacteriological and serological investigation of naturally infected dogs in Mexico city. J Clin Microb, v. 6, p. 591-597, 1977.
  • GERMANO, P.M.L., VASCONCELLOS, S.A., ISHIZUKA, M.M., et al Prevalência de infecção por Brucella canis em cães da cidade de Campinas - SP., Brasil. Rev Fac Med Vet Zootec Univ. S. Paulo, v. 24, n. 1, p. 27-34, 1987.
  • GREENE, C.E., GEORGE, L.W. Clinical microbiology and infections diseases of the dog and cat.: W.B. Saunders, 1984. cap. 40: Canine Brucellosis: p. 646-662.
  • HUBBERT, N.L., BECH-NIELSEN, S., BARTA, O. Canine brucellosis: Comparison of clinical manifestations with serologic test results. J Am Vet Med Assoc, v. 177, n. 2, p. 168-171, 1980.
  • KERWIN, S.C., LEWIS, D.D., HRIBERNIK, T.N., et al. Diskospondylitis associated with Brucella canis infection in dogs: 14 cases (1980-1991). J Am Vet Med Assoc, v. 201, n. 8, p. 1253-1257, 1992.
  • KRAKOWKA, S. Transplacentally acquired microbial and parasitic diseases of dogs. J Am Vet Med Assoc, v. 171, n. 8, p. 750-753, 1977.
  • MATEU-DE-ANTONIO, E.M., MARTIN, M. In vitro efficacy of several antimicrobial combinations against Brucella canis and Brucella melitensis strains isolated from dogs. Vet Microb, v. 45, p. 1-10, 1995.
  • MOORE, J.A., GUPTA, B.N. Epizootiology, diagnosis, and control of Brucella canis J Am Vet Med Assoc, v. 156, n. 12, p. 1737-1740, 1970.
  • NETO, M.N., DAURESE, F.W., SANTOS, A.F., et al. Prevalência de humanos e caninos reatores à Brucella rugosa no município de Pelotas, RS. In: XI CONGRESSO ESTADUAL DE MEDICINA VETERINÁRIA, 1992. Gramado, RS. Anais... Gramado, Sociedade de Veterinária do RS, 1995, 150 p. p. 92.
  • POESTER, F.P., BONNETTI, M.V., CORREA, G.B, et al Brucelose canina no município de Uruguaiana, RS. In: XII CONGRESSO ESTADUAL DE MEDICINA VETERINÁRIA, 1994. Porto Alegre, RS. Anais... Porto Alegre, Sociedade de Veterinária do RS, 1994, 160 p. p. 97.
  • SCHLEMPER, S.R., VAZ, A.K. Inquérito sorológico para brucelose canina por Brucella canis na região do planalto catarinense. Brasil. Rev Bras Med Vet, v. 12, p. 8-12. 1990.
  • 1
    Médico Veterinário, MsC., Professor Assistente do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva, Universidade Federal de Santa Maria (ÜFSM) - 97119-900 - Santa Maria, RS, Brasil. Fax (055)2262347. Email:
    AGUEDA@SUPER.UFSM.BR. Autor para correspondência.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Out 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 1996

    Histórico

    • Recebido
      12 Mar 1996
    • Aceito
      24 Abr 1996
    Universidade Federal de Santa Maria Universidade Federal de Santa Maria, Centro de Ciências Rurais , 97105-900 Santa Maria RS Brazil , Tel.: +55 55 3220-8698 , Fax: +55 55 3220-8695 - Santa Maria - RS - Brazil
    E-mail: cienciarural@mail.ufsm.br