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Marcadores séricos do metabolismo ósseo no hipertireoidismo felino

Serum markers of bone metabolism in feline hyperthyroidism

Resumos

Os efeitos do hipertireoidismo experimental (150mg kg-1 d-1 42d-1 de levotiroxina) sobre os marcadores do metabolismo ósseo foi estudado em 14 gatos sem raça definida, nove fêmeas e cinco machos, não-castrados, com idade entre um e três anos. As variáveis estudadas foram tiroxina total (T4), tiroxina livre (FT4) e o telopeptídeo carboxiterminal do colágeno tipo I (ICTP) mensurados por radioimunoensaio, a osteocalcina (OC) foi mensurada por ensaio radioimunométrico e a densidade mineral óssea (DMO) foi mensurada pela técnica da densitometria óptica. As concentrações séricas da OC apresentaram diferença significativa (P<0,05) entre si, nos quatro tempos [T0 (imediatamente antes da levotiroxina sódica), T1 (14d), T2 (28d), T3 (42d)]. Já o ICTP, um marcador específico da reabsorção óssea, não apresentou diferença significativa entre os tempos. A DMO apresentou diminuição significativa (P<0,05) aos 14 dias (T1) em relação ao momento inicial. Provavelmente o remodelamento ósseo foi provocado pelo estado hipertireóideo, visto que a OC e o ICTP apresentaram excelente correlação positiva com a TT4 e um pouco inferior com a FT4. A FT4 não apresentou correlação positiva com o ICTP, excetuando-se aos 28 dias (T2). Observou-se baixa correlação, em todos os momentos, entre os marcadores do metabolismo ósseo e a densidade mineral óssea realizada pela técnica de densitometria óptica. Conclui-se que o excesso dos hormônios tireoidianos em gatos provocou aumento do remodelamento ósseo, visto que ocorreu alta correlação entre estes hormônios e os marcadores do metabolismo ósseo. Conclui-se também que a tireotoxicose não foi suficiente para elevar os níveis séricos do ICTP, sugerindo que, nos estágios precoces, não há predomínio da atividade osteoclástica. O hipertireoidismo provocou diminuição da DMO óssea, porém, a OC e o ICTP apresentaram baixa correlação com esta variável.

hipertireoidismo; marcadores do metabolismo ósseo; gatos


The effect of experimental hyperthyroidism (150mg kg-1 d-1 42d-1 levothyroxine) on markers of bone metabolism was studied in fourteen shorthair intact cats, nine females and five males, from 1 to 3 years of age. Total thyroxine (T4), free thyroxine (FT4), carboxi-terminal telopeptides of collagen type I (ICTP) (measured by radioimmunoassay), osteocalcin (OC) (measured by immunoradiometric assay) and bone mineral density (DMO) (measured by the optic densitometria) were evaluated. Serum concentrations of OC were significantly different (P<0.05) between all four moments (before the induction, 14, 28 and 42 days). The DMO presented significant difference (P<0.05) at the 14 days in comparison to the initial moment. Bone remodeling was probably caused by the hyperthyroid state, since both OC and ICTP presented strong positive correlation with TT4 and a little lowerth FT4. The FT4 concentrations did not present positive correlation with ICTP, except at 28 days. Correlation between markers of bone metabolism and the bone mineral density was low in all the moments. High correlation was observed between thyroid hormones and markers of bone metabolism. In conclusion, this excess of thyroid hormones in cats may cause an increase of bone remodeling. Moreover, thyrotoxicosis in this study was not enough to raise the serum levels of ICTP, suggesting no predominance of osteoblastic activity in these early stages. The experimental hyperthyroidism was also associated to the reduction of bone DMO, however OC and ICTP levels demonstrated low correlation with this variable.

hyperthyroidism; bone metabolism markers; cats


ARTIGOS CIENTÍFICOS

PATOLOGIA

Marcadores séricos do metabolismo ósseo no hipertireoidismo felino

Serum markers of bone metabolism in feline hyperthyroidism

Mauro José Lahm CardosoI,1 1 Autor para correspondência. ; Fabiano Séllos CostaII; Lucy Marie Ribeiro MunizIII; Maíra MelussiIV; Maria Aparecida ValërioV

IDepartamento de Patologia Geral, Faculdades Luiz Meneghel (FALM), Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), Hospital Veterinário, CP 261, 86360-000, Bandeirantes, PR, Brasil. E-mail: maurolahm@hotmail.com

IIDepartamento de Medicina Veterinária, Centro de Ciências Agrárias (CCA), Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Alegre, ES, Brasil

IIIDepartamento de Reprodução e Radiologia Veterinária, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ), Universidade Estadual Paulista (UNESP), Botucatu, SP, Brasil

IVCurso de Medicina Veterinária, FALM, UENP, Bandeirantes, PR, Brasil

VDepartamento de Engenharia e Desenvolvimento Agrário (DEDAG), FALM, UENP, Bandeirantes, PR, Brasil

RESUMO

Os efeitos do hipertireoidismo experimental (150mg kg-1 d-1 42d-1 de levotiroxina) sobre os marcadores do metabolismo ósseo foi estudado em 14 gatos sem raça definida, nove fêmeas e cinco machos, não-castrados, com idade entre um e três anos. As variáveis estudadas foram tiroxina total (T4), tiroxina livre (FT4) e o telopeptídeo carboxiterminal do colágeno tipo I (ICTP) mensurados por radioimunoensaio, a osteocalcina (OC) foi mensurada por ensaio radioimunométrico e a densidade mineral óssea (DMO) foi mensurada pela técnica da densitometria óptica. As concentrações séricas da OC apresentaram diferença significativa (P<0,05) entre si, nos quatro tempos [T0 (imediatamente antes da levotiroxina sódica), T1 (14d), T2 (28d), T3 (42d)]. Já o ICTP, um marcador específico da reabsorção óssea, não apresentou diferença significativa entre os tempos. A DMO apresentou diminuição significativa (P<0,05) aos 14 dias (T1) em relação ao momento inicial. Provavelmente o remodelamento ósseo foi provocado pelo estado hipertireóideo, visto que a OC e o ICTP apresentaram excelente correlação positiva com a TT4 e um pouco inferior com a FT4. A FT4 não apresentou correlação positiva com o ICTP, excetuando-se aos 28 dias (T2). Observou-se baixa correlação, em todos os momentos, entre os marcadores do metabolismo ósseo e a densidade mineral óssea realizada pela técnica de densitometria óptica. Conclui-se que o excesso dos hormônios tireoidianos em gatos provocou aumento do remodelamento ósseo, visto que ocorreu alta correlação entre estes hormônios e os marcadores do metabolismo ósseo. Conclui-se também que a tireotoxicose não foi suficiente para elevar os níveis séricos do ICTP, sugerindo que, nos estágios precoces, não há predomínio da atividade osteoclástica. O hipertireoidismo provocou diminuição da DMO óssea, porém, a OC e o ICTP apresentaram baixa correlação com esta variável.

Palavras-chave: hipertireoidismo, marcadores do metabolismo ósseo, gatos.

ABSTRACT

The effect of experimental hyperthyroidism (150mg kg-1 d-1 42d-1 levothyroxine) on markers of bone metabolism was studied in fourteen shorthair intact cats, nine females and five males, from 1 to 3 years of age. Total thyroxine (T4), free thyroxine (FT4), carboxi-terminal telopeptides of collagen type I (ICTP) (measured by radioimmunoassay), osteocalcin (OC) (measured by immunoradiometric assay) and bone mineral density (DMO) (measured by the optic densitometria) were evaluated. Serum concentrations of OC were significantly different (P<0.05) between all four moments (before the induction, 14, 28 and 42 days). The DMO presented significant difference (P<0.05) at the 14 days in comparison to the initial moment. Bone remodeling was probably caused by the hyperthyroid state, since both OC and ICTP presented strong positive correlation with TT4 and a little lowerth FT4. The FT4 concentrations did not present positive correlation with ICTP, except at 28 days. Correlation between markers of bone metabolism and the bone mineral density was low in all the moments. High correlation was observed between thyroid hormones and markers of bone metabolism. In conclusion, this excess of thyroid hormones in cats may cause an increase of bone remodeling. Moreover, thyrotoxicosis in this study was not enough to raise the serum levels of ICTP, suggesting no predominance of osteoblastic activity in these early stages. The experimental hyperthyroidism was also associated to the reduction of bone DMO, however OC and ICTP levels demonstrated low correlation with this variable.

Key words: hyperthyroidism, bone metabolism markers, cats.

INTRODUÇÃO

O hipertireoidismo é uma causa bem conhecida de alteração do metabolismo ósseo, caracterizado por aumento na atividade osteoblástica e osteoclástica, com predomínio da reabsorção óssea, resultando em diminuição na massa óssea (MOSEKILDE et al., 1990; GARNERO et al., 1994). Portanto, o uso dos marcadores do metabolismo ósseo pode ser particularmente interessante nas investigações das alterações ósseas associadas com doença da tireóide.

Os marcadores bioquímicos da remodelação óssea podem ser divididos em marcadores de formação e marcadores de reabsorção óssea (DELMAS et al., 1993). O objetivo da mensuração dos marcadores do metabolismo ósseo é a correlação de suas concentrações séricas ou urinárias com a atividade dos osteoblastos (formação) e osteoclastos (reabsorção) (ALLEN, 2003). São métodos simples, sensíveis e acurados de reconhecimento da progressão de doenças metabólicas ósseas ou da resposta à terapia com drogas. Os marcadores do metabolismo ósseo quantificam em tempo real a atividade de formação ou reabsorção das células ósseas (COLEMAN, 2002).

Os marcadores bioquímicos da renovação óssea são enzimas sintetizadas por osteoblastos e osteoclastos ou compostos orgânicos liberados durante a síntese e reabsorção da matriz óssea (SEIBEL, 2000).

Os marcadores da formação óssea são detectados somente no soro e os marcadores de reabsorção óssea podem ser detectados no soro ou na urina (ALLEN, 2003). Os marcadores da formação óssea são a osteocalcina (OC), a fosfatase alcalina total (FAT), a fosfatase alcalina óssea (FAO), o peptídeo carboxiterminal do procolágeno tipo I (PICP) e o peptídeo aminoterminal do procolágeno tipo I (PINP). Enquanto que os marcadores de reabsorção óssea são a fosfatase ácida tartarato resistente (TRAP), o telopeptídeo carboxiterminal do colágeno tipo I (ICTP ou CTX), a piridinolina (U-PYD), a deoxipiridinolina (U-DPD), a hidroxiprolina (U-HYP), a porção aminoterminal do procolágeno I (U-NTX) e a porção carboxiterminal do procolágeno I (U-CTX) (DELMAS, 2001).

Existem trabalhos em humanos (DELMAS et al., 1993), em bovinos (LIESEGANG et al., 2000; HOLTENIUS & EKELUND, 2005), em cães (PHILIPOV et al, 1995; ALLEN et al., 1998; 2000), em eqüinos (PRICE et al., 1995; 2001), em gatos (DELAURIER et al., 2004), em ovinos (JOHNSON et al., 1997), em ratos (CHAVASSIEUX et al., 2001) e em suínos (WEILER et al., 1995), correlacionando os marcadores do metabolismo ósseo com diversas doenças que provocam alterações ósseas e com a densitometria mineral óssea (REMES et al., 2004). Há também trabalhos que mensuraram os marcadores do metabolismo ósseo em gatos com hipertireoidismo (ARCHER & TAYLOR, 1996; FOSTER & THODAY, 2000).

A determinação da densidade mineral óssea é um fator fundamental para a definição do quadro de desmineralização, servindo também para o estabelecimento de protocolo terapêutico e monitoramento dos pacientes acometidos, podendo dessa forma prevenir a ocorrência de fraturas patológicas (SCHARLA et al., 1999). Diferentes técnicas densitométricas são descritas na medicina veterinária e humana, visando proporcionar precisão nos dados e boas condições de trabalho. Inúmeros relatos demonstram que a técnica de densitometria óptica em imagens radiográficas é útil na avaliação da densidade mineral óssea, pois se apresenta com alta precisão, tendo uma importância destacada (VULCANO et al., 1998; RAHAL et al., 2002; COSTA et al., 2006).

A densitometria mineral óssea em relação à radiografia simples, além de detectar a osteopenia, possui a vantagem de melhorar a identificação e a quantificação das alterações regionais ou sistêmicas na densidade mineral óssea (ALLEN et al., 2000), porém, poucos centros veterinários utilizam este meio diagnóstico na prática clínica. Um dos inconvenientes da densitometria óssea é a incapacidade de distinguir se a alteração na densidade mineral óssea (DMO) foi provocada por efeitos da formação ou da reabsorção óssea. Já os marcadores do metabolismo ósseo são específicos para a formação ou reabsorção óssea (ALLEN et al., 2003).

O objetivo deste estudo foi avaliar a relação entre os marcadores bioquímicos da formação e da reabsorção óssea e a densitometria mineral óssea em gatos com hipertireoidismo experimental.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram utilizados 14 gatos sem raça definida, nove fêmeas e cinco machos, não-castrados, com idade entre um e três anos. Os gatos foram alojados em gaiolas individuais de ferro esmaltado, alimentados com ração seca comercial e água à vontade. Os animais foram vacinados, vermifugados e estavam livres de ectoparasitas. Após 15 dias de adaptação, iniciou-se o período experimental. A tireotoxicose foi induzida pela administração oral, de comprimidos, de levotiroxina sódica (150mg kg-1 d-1 42d-1).

Os animais foram avaliados em quatro tempos: T0 (imediatamente antes da levotiroxina sódica), T1 (14d), T2 (28d) e T3 (42d), correspondente à fase de administração da levotiroxina sódica. As colheitas de sangue para obtenção do soro foram realizadas entre 9 e 10 horas da manhã, cerca de três a quatro horas após a administração da levotiroxina sódica.

As amostras de sangue foram colhidas da veia jugular dentro de tubos contendo gel ativador de coágulo (Tubo Vacutainer® SST, Becton Dckinson, Plymounth, UK). Os tubos foram centrifugados a 2000g por 10 minutos até uma hora pós-colheita. Após a separação do soro, as amostras foram aliquotadas em cinco frascos de 1,2mL e congeladas em freezer a -70°C até o momento da realização dos testes.

A mensuração das concentrações séricas da TT4, FT4 e ICTP foi realizada pela técnica de radioimunoensaio (RIE) em fase sólida, utilizando kit comercial (Coat-Count Total T4 e Coat-Count Free T4, DPC, Los Angeles, USA). Enquanto a mensuração da osteocalcina foi realizada utilizando um kit comercial para o teste imunoradiométrico (RIMA) (Osteocalcina, DSL, Texas, USA). Os protocolos recomendados pelos fabricantes para a realização das mensurações da TT4, FT4, ICTP e OC não foram alterados. Todas as amostras foram mensuradas em duplicata e as concentrações foram calculadas pela média da mensuração das duas amostras. As amostras em duplicata com coeficiente de variação maior que 15% foram excluídas da análise deste estudo. Os kits de TT4, FT4, ICTP e OC conservaram a capacidade de detecção nas amostras dos felinos e todos os valores estavam dentro da margem de detecção dos kits, sem a necessidade de diluição das amostras.

A média, o desvio padrão e o coeficiente de variação (CV) da mensuração em duplicata das amostras foram usados para a determinação da precisão intra-ensaio dos hormônios e dos marcadores do metabolismo ósseo séricos. Para a determinação da precisão foram feitos, pool (n=16) de cada momento. Cada pool foi testado seis vezes dentro do mesmo teste. A média, o desvio padrão e o CV foram determinados para cada pool e a média do CV dos momentos foi definido como a precisão interensaio dos hormônios e dos marcadores do metabolismo ósseo séricos.

A avaliação da densidade mineral óssea (DMO) da extremidade distal do rádio direito foi realizada pela técnica de densitometria óptica em imagens radiográficas, conforme descrito na literatura (RAHAL et al., 2002), nos quatro tempos. Para melhor análise seqüencial dos valores densitométricos, padronizou-se a seleção da região da metáfise localizada 5mm acima da cicatriz epifisária. Para cada momento e animal, foram feitas três radiografias, e realizadas três leituras densitométricas em cada radiografia, totalizando nove valores de densidade mineral óssea. O valor densitométrico final, para cada animal nos diferentes momentos, foi obtido por meio do cálculo da média dos nove valores.

A análise estatística das variáveis ao longo dos diferentes tempos foi realizada considerando-se a técnica de análise de variância para medidas repetidas, o teste de Fisher e o teste de Tukey. Para a interpretação das letras, deve-se considerar que duas médias seguidas pelo menos de uma mesma letra não diferem ao nível de 5% de significância. Para o estudo da correlação entre as variáveis em cada um dos momentos, utilizou-se o coeficiente de correlação linear de Pearson.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As colheitas de sangue para obtenção do soro foram realizadas entre 9 e 10 horas da manhã, cerca de três a quatro horas após a administração da levotiroxina sódica, período no qual ocorre o pico de concentração da tiroxina em gatos (HAYS et al., 1992). Além disso, o meio da manhã é o horário mais adequado para a colheita de sangue para a mensuração dos marcadores do metabolismo ósseo, pois é nesse período que ocorre o menor efeito sob a secreção.

Houve aumento das concentrações séricas de TT4, FT4 e da OC a partir do T2 (14 d) (Tabela 1). Foi observada diferença significativa (P<0,05) na concentração de TT4 entre o T0 e os demais tempos e entre T1 e T3, mas não houve diferença significativa entre T1 e T2 e entre T2 e T3. As concentrações séricas de FT4 e OC apresentaram diferença significativa entre todos os tempos (P<0,05).

Aumento significativo da OC no hipertireoidismo felino foi descrito em gatos com hipertireoidismo espontâneo por ARCHER & TAYLOR (1996). Os referidos autores verificaram que a OC variou de 0 a 1,7ng mL-1, valores bem superiores aos obtidos nesta pesquisa. Valores altos obtidos em animais com hipertireoidismo espontâneo podem refletir a cronicidade do processo.

O aumento da osteocalcina ao longo da tireotoxicose sugere que esta condição promove remodelamento ósseo, pois se sabe que a osteocalcina é uma proteína sintetizada pelo osso, sendo considerada um marcador específico da atividade dos osteoblastos e do remodelamento ósseo (THIEDE et al., 1994).

A concentração sérica de ICTP apresentou variação ampla entre os indivíduos nos quatro tempos, sem diferença significativa entre os tempos (Tabela 1). Estes resultados diferem dos resultados descritos em humanos, em que ocorre aumento tanto dos marcadores da formação como da reabsorção óssea (GARNERO et al., 1994; JÓDAR et al., 1997) e diminuição da massa óssea (RAISZ, 1999). Aparentemente o período experimental não foi suficiente para fazer com que os efeitos da reabsorção fossem superiores ao da formação, mesmo tendo havido diminuição da DMO, sugerindo que, nos estágios precoces, não há predomínio da atividade osteoclástica. Esperava-se que houvesse um aumento marcante do ICTP (GARNERO et al. 1994), pois este marcador reflete a atividade dos osteoclastos e o excesso dos hormônios tireoidianos exerce um efeito direto maior sobre a reabsorção óssea, embora existam trabalhos que não descrevem o predomínio da atividade osteoclástica e, portanto, dos marcadores de reabsorção óssea (MARCOCCI et al., 1994).

No hipertireoidismo as atividades osteoblásticas e osteoclásticas estão aumentadas, com predomínio da reabsorção óssea vista por meio do aumento dos marcadores bioquímicos do metabolismo ósseo (GARNERO et al., 1994) e da diminuição da massa óssea, determinada pela densitometria mineral óssea, técnica rápida, acurada e reproduzível para avaliar a DMO (VULCANO et al., 1998; COSTA et al., 2006). Os resultados deste estudo diferem, pois não foi observado aumento significativo do ICTP, mas sim da OC. Para compreender a razão pela qual esses resultados foram obtidos, é preciso que sejam realizados mais estudos em gatos com hipertireoidismo crônico e estudos dos marcadores do metabolismo ósseo em gatos hígidos. Apesar da ausência de diferença significativa nos valores de ICTP entre os tempos, observou-se aumento constante nos valores séricos. Este achado sugere que períodos maiores de observação levariam ao aumento significativo do ICTP e à correlação positiva com a DMO.

Neste estudo houve uma diminuição significativa na DMO em T1 em comparação com T0 e um decréscimo gradual dos valores médios da densidade mineral óssea nos demais momentos. Só existe uma descrição da diminuição da DMO em gatos com hipertireoidismo (COSTA et al., 2006), sendo que achados semelhantes foram obtidos neste estudo. A redução significativa da DMO também foi descrita em humanos com hipertireoidismo (JÓDAR et al., 1997; KUMEDA et al., 2000), indicando perda da massa óssea (RAISZ, 1999). Este fato também foi descrito em ratos submetidos a um curto período de tireotoxicose (KUNG & NG, 1994).

É possível que o remodelamento ósseo tenha sido ocasionado pelo estado hipertireóideo, tendo em vista que a OC e o ICTP apresentaram alta correlação positiva com a TT4 e um pouco menor com a FT4 (Tabela 2). A FT4 não apresentou correlação positiva com o ICTP, exceto em T2. Não foi observada correlação entre T4 e OC em um estudo realizado com 36 gatos com hipertireoidismo (ARCHER & TAYLOR, 1996), porém, a correlação entre os marcadores do metabolismo ósseo e os hormônios tireoidianos foi descrita em humanos hipertireóideos (JÓDAR et al., 1997). Isso ocorre principalmente com o ICTP, que já foi sugerido como bom marcador indireto da avaliação do status da glândula tireóide. No presente estudo, a correlação da ICTP com a TT4 foi alta, mas, inferior à apresentada pela OC.

A osteocalcina em humanos com hipertireoidismo se correlaciona positivamente com o grau da hiperatividade da tireóide e negativamente com as alterações na densidade mineral óssea (LEE et al., 1990). Neste estudo a osteocalcina correlacionou-se com os hormônios tireoidianos, apesar da correlação negativa com a DMO em todos os tempos. Provavelmente, a correlação negativa com a osteocalcina seja um efeito da cronicidade do hipertireoidismo, sendo necessário o acompanhamento dos animais por um longo período.

Observou-se baixa correlação entre os marcadores do metabolismo ósseo e a densidade mineral óssea realizada pela técnica de densitometria óptica (Tabela 2). Resultado semelhante foi descrito em pacientes recebendo doses supressivas de levotiroxina, ou seja, capazes de provocar hipertireoidismo subclínico (MARCOCCI et al., 1994). É importante salientar que a densitometria mineral ósseo é uma técnica padrão-ouro de avaliação da atividade das células ósseas (DELAURIER et al., 2004), contudo, ela reflete somente uma fotografia do balanço ósseo em algum momento específico, enquanto que os marcadores do metabolismo ósseo refletem a atividade de formação e reabsorção em tempo real (ALLEN et al., 2000; ALLEN, 2003). Estes resultados sugerem que as mensurações da OC e do ICTP devem ser utilizadas com cautela no acompanhamento do hipertireoidismo felino, por terem apresentado baixa correlação com a DMO.

Como existem semelhanças nas alterações do tecido ósseo na tireotoxicose de origem exógena e endógena em humanos, conforme descrito em mulheres submetidas a uma reposição hormonal excessiva (KUNG & NG, 1994), acredita-se que o mesmo possa ocorrer em gatos. Possivelmente, a perda de massa óssea observada neste estudo também ocorrerá de forma semelhante no hipertireoidismo felino de origem endógena. Em humanos, o hipertireoidismo é mais um fator de risco de osteoporose (JÓDAR et al., 1997), visto que os hormônios tireoidianos proporcionam uma maior fragilidade do osso, aumentando o risco de fraturas patológicas decorrentes da osteoporose (SCHARLA et al, 1999). Nos gatos utilizados nesta pesquisa, esse fator agravante não ocorreu durante o período experimental. Isso também pode ser conseqüência do curto tempo de hipertireoidismo nos gatos estudados, já que o período de remodelamento ósseo, em paciente humano sadio, requer mais de seis meses (MARCOCCI et al., 1994), sendo provável que o mesmo ocorra em felinos. Porém, para confirmação desta hipótese, devem ser realizados estudos histomorfométricos.

CONCLUSÃO

Conclui-se que o excesso dos hormônios tireoidianos em gatos provoca aumento do remodelamento ósseo devido à alta correlação entre esses hormônios e os marcadores do metabolismo ósseo. Conclui-se também que a tireotoxicose não é suficiente para elevar os níveis séricos do ICTP, sugerindo que, nos estágios precoces, não há predomínio da atividade osteoclástica.

O hipertireoidismo provoca diminuição da DMO óssea, porém, a OC e o ICTP apresentam baixa correlação com esta variável, indicando que o uso isolado dos marcadores do metabolismo ósseo deve ser feito com cautela na avaliação da perda de massa óssea em gatos com hipertireoidismo.

COMITÊ DE ÉTICA E BIOSSEGURANÇA

O trabalho foi aprovado pela Câmara de Ética em Experimentação Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, UNESP, Botucatu, SP, protocolo no 63/2002-CEEA, no dia 10 de dezembro de 2002, e está de acordo com os princípios éticos na experimentação animal (COBEA).

AGRADECIMENTO

A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pela concessão de auxílio à pesquisa.

Recebido para publicação 12.07.07

Aprovado em 14.11.07

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    Autor para correspondência.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Jun 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2008

    Histórico

    • Aceito
      14 Nov 2007
    • Recebido
      12 Jul 2007
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