Resumos
A ruptura do ligamento cruzado (LC) é uma enfermidade diagnosticada em grande parte dos cães com problemas articulares, sendo a causa mais comum de afecção articular degenerativa da articulação do joelho. Este trabalho objetivou avaliar clinicamente a ação da malha de polipropileno como único substituto do LC cranial e caudal de cães, ressaltando particularidades da técnica aqui proposta. Foram utilizados 20 cães, submetidos à desmotomia unilateral dos LC cranial e caudal. Vinte e um dias após a ruptura, todos foram tratados cirurgicamente pela técnica de redução aberta, com o implante de polipropileno substituindo apenas o LC cranial. A técnica proposta demonstrou rápida execução e pouca dissecação de tecidos moles, retorno precoce à deambulação, resistência adequada do implante sem associação de imobilização externa e ausência de reação articular até os 90 dias de pós-operatório.
Malha de polipropileno; articulação; ruptura; ligamento cruzado cranial
The ligament rupture (LC) is an illness diagnosed in most dogs with joint problems, and the most common cause of degenerative joint disease of the knee joint. This study aimed to evaluate clinically the action of a polypropylene mesh as the only substitute for cranial cruciate ligament and flow of dogs, highlighting features of the technique proposed here. It was used 20 dogs which underwent unilateral desmotomy cranial and caudal LC. Twenty-one days after the desmotomy, all were treated surgically by the technique of open reduction, with implantation of polypropylene replacing only the cranial LC. The proposed technique has shown rapid implementation and low soft tissue dissection, early return to ambulation, adequate strength of the implant without associated external immobilization and absence of articular reaction until 90 days after surgery.
polypropylene mesh; joint; break; cranial cruciate ligament
ARTIGOS CIENTÍFICOS
CLÍNICA E CIRURGIA
Implante sintético como estabilizador articular, após desmotomia dos ligamentos cruzados de cães proposição de técnica
Synthetic implant as a stabilizer link, after desmotomy of the cruciate ligaments in dogs - proposition technique
Daniel Curvello de Mendonça MüllerI,1; Ney Luiz PippiII; Paula Cristina BassoI; João Eduardo Wallau SchosslerII; Maurício Borges da RosaIII; Gabriele Maria Callegaro SerafiniIII
IPrograma de Pós-graduação em Medicina Veterinária, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Endereço para correspondência: Rua Acadêmico Rigoberto Duarte, 70, ap. 501, Bairro Nossa Senhora de Lourdes, 97060-030, Santa Maria, RS, Brasil. E-mail: cmdaniel@terra.com.br
IIDepartamento de Clínica de Pequenos Animais, UFSM, Santa Maria, RS, Brasil
IIICurso de Medicina Veterinária, UFSM, Santa Maria, RS, Brasil
RESUMO
A ruptura do ligamento cruzado (LC) é uma enfermidade diagnosticada em grande parte dos cães com problemas articulares, sendo a causa mais comum de afecção articular degenerativa da articulação do joelho. Este trabalho objetivou avaliar clinicamente a ação da malha de polipropileno como único substituto do LC cranial e caudal de cães, ressaltando particularidades da técnica aqui proposta. Foram utilizados 20 cães, submetidos à desmotomia unilateral dos LC cranial e caudal. Vinte e um dias após a ruptura, todos foram tratados cirurgicamente pela técnica de redução aberta, com o implante de polipropileno substituindo apenas o LC cranial. A técnica proposta demonstrou rápida execução e pouca dissecação de tecidos moles, retorno precoce à deambulação, resistência adequada do implante sem associação de imobilização externa e ausência de reação articular até os 90 dias de pós-operatório.
Palavras-chave: Malha de polipropileno, articulação, ruptura, ligamento cruzado cranial.
ABSTRACT
The ligament rupture (LC) is an illness diagnosed in most dogs with joint problems, and the most common cause of degenerative joint disease of the knee joint. This study aimed to evaluate clinically the action of a polypropylene mesh as the only substitute for cranial cruciate ligament and flow of dogs, highlighting features of the technique proposed here. It was used 20 dogs which underwent unilateral desmotomy cranial and caudal LC. Twenty-one days after the desmotomy, all were treated surgically by the technique of open reduction, with implantation of polypropylene replacing only the cranial LC. The proposed technique has shown rapid implementation and low soft tissue dissection, early return to ambulation, adequate strength of the implant without associated external immobilization and absence of articular reaction until 90 days after surgery.
Key words: polypropylene mesh, joint, break, cranial cruciate ligament.
INTRODUÇÃO
A ruptura do ligamento cruzado cranial (LCC) é uma das lesões mais comuns no membro pélvico, sendo uma importante causa de afecção articular degenerativa da articulação do joelho de cães (BRINKER et al., 1999). Estudos sugerem que cães jovens de raças mais ativas e os animais acima do peso (MULLER et al., 2008) podem ser predispostos à ruptura, porém o sexo não é um fator determinante (BENNETT & MAY, 1997).
O LCC, denominado pela posição relativa de sua inserção tibial, está sob alto risco quando forçado na hiperextensão da articulação. Sua ruptura permite a translação cranial da tíbia com relação ao fêmur (DYCE et al., 1997; BANWELL et al., 2005). Alguns pesquisadores afirmam que não há técnica cirúrgica que estacione o desenvolvimento ou a progressão da afecção articular degenerativa. Portanto, espera-se que ocorra menor acometimento com a estabilização cirúrgica, em comparação ao tratamento sem a intervenção (PIERMATTEI & FLO, 1999).
A reconstrução intra-articular consiste em substituir anatomicamente o ligamento cruzado cranial, sendo passado tecido autólogo, homólogo ou material sintético através de orifícios a trépano feitos previamente no fêmur e/ou na tíbia (FAUSTINO, 1996; IAMAGUTI et al., 1998; VASSEUR, 1998; HULSE & JOHNSON, 2002; FAUSTINO, 2003; SALBEGO et al., 2007). Um exame in vitro de vários métodos de reparação indicou que os métodos de reparo intra-articular resultam em movimentação articular mais normal do que os extra-articulares. Por isso, é o mais indicado para casos de lesão aguda do animal atleta (PIERMATTEI & FLO, 1999).
Os materiais sintéticos oferecem a conveniência da disponibilidade em condições simples de armazenamento, ausência da morbidade associada à coleta do enxerto e capacidade de planejar a prótese sob medida. Além de serem usados como enxertos, os materiais sintéticos podem ser usados associados aos enxertos biológicos, com o intuito de proteger ou fortificar (CAMARGO et al., 2001). HOTH et al. (1985) utilizaram enxerto autólogo associado a tiras de polipropileno nas correções intra-articulares de rupturas do ligamento cruzado cranial. Obtiveram melhores resultados quanto à frouxidão e aos sinais clínicos e radiográficos no grupo com polipropileno associado ao enxerto, quando comparado ao grupo em que se utilizou apenas enxerto. Condromalácia patelar foram observadas em ambos os grupos, mas nenhuma reação adversa ao implante sintético foi identificada.
O objetivo deste trabalho foi avaliar de forma clínica a ação da malha de polipropileno como único substituto do ligamento cruzado cranial e caudal de cães, ressaltando particularidades da técnica aqui proposta.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram utilizados 20 cães adultos, provenientes do Biotério Central da Universidade Federal de Santa Maria, com peso corporal médio de 7,73±2,57kg. Todos foram submetidos a exames radiográficos do membro pélvico direito, na busca de alterações pré-existentes. Os animais foram desverminados e passaram por um período de adaptação mínimo de 20 dias. Todos eles sofreram desmotomia dos ligamentos cruzados cranial e caudal, por meio de artrotomia do membro pélvico direito, 21 dias antes da correção cirúrgica.
Para tanto, após devidamente preparados para o procedimento cirúrgico, os animais receberam a medicação pré-anestésica, composta de maleato de acepromazina (0,05mg kg-1 via intramuscular [IM]) e citrato de fentanila (5µg kg-1 IM), seguida, após 15 minutos, de indução anestésica com propofol (4mg kg-1 via intravenosa [IV]) para aplicação da anestesia epidural. A analgesia transoperatória foi obtida pela ação da epidural de cloridrato de lidocaína 2% (0,125ml kg-1) associada a cloridrato de bupivacaína 0,5% (0,125ml kg-1).
Realizou-se a incisão lateral à patela, até abertura da cápsula articular. Deslocou-se a patela medialmente e, com a articulação sob flexão máxima, identificaram-se os ligamentos cruzados. Com o bisturi, foram seccionadas as duas bandas do LCC e o ligamento cruzado caudal (LCA), sem a remoção destes. A capsulorrafia se deu com padrão de sutura em Wolff, seguido de sutura contínua simples no tecido subcutâneo e Wolff na pele. Os fios utilizados foram mononáilon n° 3-0, ácido poliglicólico n° 3-0 e mononáilon n° 3-0, respectivamente.
Os cães receberam medicação anti-iflamatória composta de paracoxibe (0,2mg kg-1 IM) durante cinco dias. Foram separados em dois grupos, conforme o tempo de avaliação pós-operatória (PO), sendo os animais do grupo A avaliados macroscopicamente por artrotomia aos 50 dias PO, e os do grupo B, aos 90 dias.
A malha de polipropileno foi composta por quatro camadas, não permitindo evidência de bordas desfiadas ou abrasivas, conforme demonstrado na figura 1. Convencionou-se a largura final da malha de 0,5cm, suturada ao centro com fio de polipropileno n° 3-0. Como comprimento-padrão do implante, foram adotados 16cm, e esses implantes foram autoclavados e estocados pelo período máximo de 25 dias.
Vinte e um dias após a desmotomia, procedeu-se à correção cirúrgica. A medicação pré-anestésica constou de maleato de acepromazina (0,05mg kg-1 via IM) e citrato de fentanila (5µg kg-1 via IM), seguida, após 15 minutos, de indução anestésica com propofol (4mg kg-1 via IV). A manutenção da anestesia se deu com halotano vaporizado em circuito semiaberto com oxigênio. A analgesia transoperatória foi obtida pela ação da epidural de cloridrato de lidocaína 2% (0,125ml kg-1) associada a cloridrato de bupivacaína 0,5% (0,125ml kg-1), administrado após a indução anestésica. No período pós-operatório, a analgesia foi assegurada com cloridrato de tramadol (4mg kg-1 via IM) e paracoxibe (0,2mg kg-1 via IM) durante cinco dias. A oxacilina sódica (30mg kg-1 via IV) foi utilizada como profilaxia antimicrobiana, 30 minutos antes do procedimento cirúrgico.
A cirurgia consistiu de acesso lateral à articulação do joelho direito mediante incisão desde o terço distal do fêmur até a tuberosidade tibial, abertura da cápsula articular e luxação medial da patela (Figura 2A). Os resquícios dos ligamentos rompidos foram identificados, fixados com uma pinça Halsted e excisados com lâmina de bisturi. O tecido adiposo infrapatelar foi mantido íntegro. Perfurou-se o fêmur com broca de vídea número 3,5mm, no sentido médio-lateral da articulação, conforme demonstrado na Figura 2B. Depois de introduzido o implante ao longo desse túnel ósseo (Figura 2C), fixou-se a extremidade proximal do implante à epífise distal do fêmur, com uma cerclagem de fio de aço cirúrgico n° 2mm, fixando o material em dois momentos.
Ao fêmur, perfurou-se a epífise em seu ponto médio, e o fio de aço foi passado dobrado, deixando uma alça para a colocação do implante. As extremidades do fio, emergidas na cortical oposta, retornaram para serem fechadas sobre o implante, percorrendo uma dorsal e a outra ventral ao fêmur (Figura 2D).
A borda superior do implante foi dobrada e suturada ao restante da malha com dois pontos isolados de fio mononáilon, formando uma "alça" e acomodando o nó do fio de aço (Figura 3). A tíbia foi perfurada no sentido centro-medial, e a malha foi transpassada por esse orifício. Com o membro em extensão, a fixação se deu pela colocação de uma hemicerclagem de fio de aço, conforme figura 2D. Irrigou-se a articulação abundantemente com solução salina isotônica, antes da redução da luxação patelar. Procedeu-se à síntese da cápsula articular com fio mononáilon 3-0 em pontos de Wolff, enquanto o membro foi mantido em extensão. Após a capsulorrafia, o implante foi tencionado até sua extensão máxima para a posterior fixação à tíbia, com uma hemicerclagem no sentido proximal-distal, conforme demonstrado na figura 2D. A redução do espaço morto ocorreu com sutura contínua utilizando-se fio de ácido poliglicólico n° 3-0, e a pele foi suturada com fio mononáilon n° 3-0, em pontos de Wolff.
Este estudo baseou-se em avaliações clínica e radiográfica. A avaliação clínica constou de observação visual da locomoção, dor à manipulação do membro, presença de crepitação e teste de instabilidade articular com o animal anestesiado, todos conforme tabelas sugeridas por PENHA et al. (2007). A integridade do implante foi avaliada cirurgicamente por artrotomia do membro aos 50 e 90 dias de pós-operatório, conforme a distribuição dos grupos, quando também se coletou líquido sinovial para análise.
A avaliação radiográfica constou de duas projeções (cranio-caudal e latero-lateral) (Figura 4), nos momentos: antes da desmotomia (articulação sadia), antes da correção cirúrgica (21 após a desmotomia) e antes da avaliação macroscópica (máximo período da articulação íntegra antes da sua abertura). Avaliou-se o crescimento de qualquer estrutura intra-articular, sendo adotado o critério de grau: (0) sem alteração da superfície articular; (1) irregularidade da superfície articular; (2) saliência da superfície articular com leve projeção radiopaca; e (3) saliência da superfície articular com acentuada projeção radiopaca.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A técnica se mostrou de fácil execução, exigindo pouca dissecação da região operada e mínima utilização de instrumental especializado. Isso facilita a sua realização fora dos grandes centros cirúrgicos. O tempo médio de cirurgia foi de 55,8±8,34 minutos, o que permitiria que todo o procedimento fosse realizado sob ação da anestesia epidural, diminuindo os riscos e os custos anestésicos.
Optou-se pela desmotomia tanto do ligamento cranial, quanto do caudal, para avaliar a ação mecânica do implante de polipropileno como único estabilizador intra-articular do joelho. A correção foi realizada 21 dias após a ruptura, conforme preconiza SILVA & MUNIZ (1994). Esses autores informam que as cirurgias corretivas realizadas precocemente em suas rotinas foram as que apresentaram maior número de complicações pós-operatórias.
Quanto à técnica cirúrgica propriamente dita, pode-se destacar a forma de fixação do implante (Figura 4). No fêmur, o implante foi fixado duas vezes, sem que houvesse excesso de material. Além disso, o fato de a cerclagem ser fechada sobre o implante garantiu que, quando este fosse dobrado (Figura 3B), o nó do fio de aço permanecesse protegido, evitando lesões aos tecidos adjacentes. A dupla fixação ao fêmur permitiu ainda que o implante fosse tracionado, sem risco de ruptura, para ser fixado à tíbia com a hemicerclagem. O fato de a tíbia ser um osso triangular em sua diáfise proximal fez com que se evitasse a realização da cerclagem completa ao redor do osso, pois, além de instável nessa região, estrangularia uma grande porção muscular. Optou-se pela fixação em "U", sendo tracionado na porção medial do membro, acomodando-se o nó contra o osso. Não houve ruptura de nenhuma fixação, tanto no fêmur, quanto na tíbia, durante o período de avaliação radiográfica dos 20 animais operados (Figura 4).
Os problemas vinculados à utilização de enxertos nas técnicas intra-articulares ocorrem na fase de remodelamento, na qual o enxerto pode deformar ou afrouxar caso o pós-operatório não seja satisfatório (GAGLIARDO et al., 2004). Na busca de evitar complicações nesse período, alguns cirurgiões optam pela imobilização do membro operado. PENHA et al. (2007), após utilizarem fáscia lata autógena na correção do ligamento cruzado rompido, imobilizaram o membro no pós-operatório com muleta de Thomas modificada durante 14 dias, em todos os pacientes, e apenas um animal (7%) apresentou ruptura cinco semanas após o procedimento. SALBEGO et al. (2007), após substituírem o ligamento cruzado cranial de cães por segmento teno-ósseo homólogo conservado em glicerina a 98%, imobilizaram a articulação por quatro semanas, pelo método de transfixação percutânea (Ehmer-Kirschner). Essa imobilização garantiu a integridade de todos os implantes até o momento da biópsia, contudo resultou em um grau considerável de rigidez articular após a retirada do aparelho de fixação aos 30 dias de pós-operatório.
No experimento aqui relatado, não houve qualquer imobilização externa da articulação ao longo dos 90 dias de avaliação. Os animais foram mantidos em gaiolas individuais, contudo eram soltos todos juntos em solário, durante o dia, por duas vezes, sem qualquer restrição da movimentação. O fato de não se imobilizar a articulação facilita o cuidado pós-operatório, sendo preservada a função da articulação e evitadas aderências intra-articulares, permitindo que o próprio animal inicie o apoio do membro ao solo voluntariamente. Cabe ressaltar que a articulação livre favorece também o trabalho do fisioterapeuta, o qual oferece importante suporte adjuvante ao tratamento desses pacientes (VEIGA et al., 2007).
A média do tempo de retorno ao apoio do membro ao solo foi de 8,85±4,43 dias. Esse dado refere-se ao início da utilização do membro, considerando os diferentes graus de claudicação, incluindo o apoio apenas quando em estação. Tal dado torna-se de extrema importância, considerando que, segundo VEIGA et al. (2007), o trabalho de reabilitação deve priorizar a flexão e extensão articular para impedir a perda de amplitude do movimento. A utilização do membro ao caminhar é uma movimentação ativa e envolve movimentos de flexão e extensão, portanto, precocidade ao apoio é desejada e é sinônimo de reabilitação.
Dos 20 animais operados, dois (10%) apresentaram o implante rompido no momento da artrotomia, e um (5%) apresentou o implante parcialmente rompido. Considerando que esses resultados partiram da situação onde somente um único implante substituiu os dois ligamentos (cranial e caudal), acredita-se que, quando o material for empregado em associação ao ligamento caudal íntegro, apresentará uma estabilidade ainda maior. MENDENHALL et al. (1987) utilizaram prótese trançada de polipropileno em 17 cães e tiveram como resultado ruptura parcial ou total de todos os implantes até os 10 meses. Atribuíram à viscoelasticidade excessiva do dispositivo e à falha por fadiga o insucesso. Ainda assim, cabe ressaltar que o implante utilizado nesta pesquisa apresentou quatro camadas, sendo diferente do utilizado por MENDENHALL et al. (1987). Além disso, destaca-se que, neste experimento, um único implante intra-articular apresentou resultados clínicos altamente satisfatórios.
Pelo mesmo motivo, foi observado movimento de gaveta discreto no membro operado de 17 animais e moderado nos três que apresentaram alterações físicas do implante. Utilizou-se, para a aferição do movimento articular, a comparação com o membro contralateral (sadio). Considerando o membro sadio com movimentação ausente, dividiram-se os escores em: ausente (sem movimentação), discreto (discreta movimentação cranial da tíbia em relação ao fêmur) e moderado (movimentação acentuada da tíbia), semelhante à avaliação de PENHA et al. (2007). Considerando-se que, na ausência de ambos os ligamentos, a articulação apresenta-se acentuadamente instável, percebeu-se que um único implante foi capaz de restaurar a dinâmica articular, com exceção dos três animais que apresentaram comprometimento do implante.
A avaliação do líquido sinovial foi prejudicada pelo pequeno volume obtido. Das 20 amostras enviadas ao laboratório, 15 puderam ser avaliadas citologicamente. A contagem total de células nucleadas variou de 1000 a 4800, com média de 1500 células mL-1. Na avaliação citológica diferencial, foram visualizadas células mononucleares (macrófagos, monócitos, células mesoteliais, sinoviócitos, plasmócitos, linfócitos) e polimorfonucleares (neutrófilos, eosinófilos). Na contagem diferencial, uma amostra apresentou celularidade típica de doença inflamatória aguda, contendo 90% de neutrófilos segmentados. Entretanto, o restante das amostras manteve um padrão crônico, com celularidade mononuclear variando de 65 a 100%.
De acordo com a distribuição dos tipos celulares visualizados na análise citológica das amostras, verificou-se a ocorrência de doença crônica (degenerativa), devido à predominância de células mononucleares, principalmente linfócitos e macrófagos (JOHNSON & JOHNSON, 1993; WILKINS, 1993). Outro aspecto observado foi reatividade em células mesoteliais, linfócitos e macrófagos, indicando reação articular degenerativa. De acordo com BENNETT et al. (1988) e JOHNSON & JOHNSON (1993), os dados encontrados na análise do líquido sinovial são compatíveis com um processo degenerativo de natureza não inflamatória, provavelmente ocasionado pela instabilidade articular remanescente.
De 10 cães avaliados aos 50 dias após a cirurgia, um (10%) apresentava claudicação discreta durante a marcha, e um (10%) apresentava claudicação constante ao caminhar. Dos 10 cães avaliados aos 90 dias, apenas um (10%) apresentava claudicação discreta durante a marcha. Esses três animais com alteração da marcha nos momentos das respectivas avaliações foram os mesmos que romperam parcial ou totalmente o implante. Os demais não apresentaram claudicação, apoiando completamente o membro durante a atividade física ou em estação. Esses resultados superam o tempo médio para o retorno funcional do membro operado, que varia em torno de quatro meses (ELKINS, 1991; MOORE E READ, 1996).
As avaliações clínicas aconteceram antes da cirurgia e aos 50 dias (grupo A) ou 90 dias (grupo B) após a correção cirúrgica. Dezoito cães (90%) apresentaram ausência de dor, permitindo o exercício passivo de todos os movimentos fisiológicos da articulação sem apresentar relutância ao exame. Dois animais (10%) apresentaram dor discreta, permitindo que a articulação fosse manipulada, embora apresentassem sinais de desconforto articular, como voltar o focinho em direção ao avaliador durante o exame, sem vocalizar. Não se evidenciou qualquer sinal clínico de rejeição do implante utilizado, como produção acentuada de líquido sinovial, inflamação local ou perda da função articular.
Dez cães (50%) não apresentaram qualquer sinal de crepitação articular, seis (30%) apresentaram crepitação discreta (presença de crepitação durante os extremos de flexão e extensão passivas) e quatro animais, (20%) crepitação moderada (crepitação intermitente durante a flexão e extensão passivas), de acordo com avaliação de PENHA et al. (2007). Acredita-se que a razão pela qual foi observada a crepitação nos animais deste trabalho está no fato de existir algum grau de instabilidade articular, conforme CHIERICHETTI et al. (2001). Em dois pacientes com crepitação discreta, observou-se, ao estudo radiológico, leve irregularidade na superfície articular, podendo ser a causa da crepitação.
Dos animais avaliados, apenas dois (10%) apresentaram grau 1 de irregularidade sobre o orifício da tíbia, havendo sinais compatíveis com crepitação discreta (PENHA et al., 2007), sem ocorrência de dor ou claudicação do membro.
CONCLUSÃO
Conclui-se que a malha de polipropileno, na forma como foi utilizada, é um material que oferece resistência adequada, para estabilizar parcialmente a articulação do joelho, na ausência dos ligamentos cruzados cranial e caudal. A técnica proposta exigiu pouca dissecação dos tecidos moles e permitiu total estabilidade na fixação do implante sintético ao osso. Utilizar um único implante sintético para substituir ambos os ligamentos cruzados (cranial e caudal) devolve a estabilidade articular e a função fisiológica do membro, mas não impede a permanência de um grau leve de movimento de gaveta e consequentemente a progressão da DAD.
COMITÊ DE ÉTICA
Este estudo foi aprovado pelo Comitê em Ética em Pesquisa com animais da Universidade Federal de Santa Maria, sob o no 23081.003653/2008-59, e seguiu os princípios éticos do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA).
Recebido para publicação 21.10.09
Aprovado em 26.05.10
Devolvido pelo autor 23.06.10
CR- 2702
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
23 Jul 2010 -
Data do Fascículo
Jun 2010
Histórico
-
Recebido
21 Out 2009 -
Aceito
26 Maio 2010