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Anestesia do pirarucu por aspersão da benzocaína diretamente nas brânquias

Anesthesia in pirarucu by benzocaine sprays in the gills

Resumos

O pirarucu (Arapaima gigas) é um peixe que pode atingir mais de 2m e 100kg. No entanto, por ser um animal de grande porte, o risco de acidentes é bastante elevado durante o manejo. Logo, anestésicos são essenciais para segurança no trabalho. Nesse contexto, estudou-se a possibilidade do uso da benzocaína aspergida diretamente nas brânquias do pirarucu, para indução à anestesia do peixe pulmonado da Amazônia sem riscos de afogamento. Foram testadas as concentrações de 25, 50 e 75mg L-1 em indivíduos adultos (55,1±7,0kg e 1,80±0,1m) e as concentrações de 50 e 100mg L-1 em juvenis (6,0±0,6kg e 87,2±5,6cm). Os resultados mostram viabilidade do uso da benzocaína aspergida diretamente nas brânquias do pirarucu em concentrações de 50 a 100mg L-1, proporcionando anestesia com ausência de movimentação por aproximadamente 2min, tempo suficiente para procedimentos rápidos, como biometria, injeções, marcação, coleta de raspados de muco na superfície do corpo e brânquias. Mortalidade de animais não foi observada mesmo um mês após os testes.

Arapaima gigas; anestésicos; manejo


Pirarucu (Arapaima gigas) is a fish that may achieve more than 2m and 100kg. Thus handling of this fish may impose risks to workers. In this way, anesthetics are imperative for safety at work, but usual anesthetics baths are not feasible for pirarucu because of the fish size and the species pulmonary respiration. Pirarucu may die drowned if submersed as the other fishes in anesthetics baths. Therefore, this work tested the possible use of benzocaine directly sprinkled in the gills of pirarucu. In the first experiment, benzocaine solutions in concentrations of 25, 50 and 75mg L-1 were tested for adult fish (55.1±7.0kg e 1.80±0.1m). In the second one, the anesthetic in concentrations of 50 and 100mg L-1 were tested for juveniles (6.0±0.6kg e 87.2±5.6cm). Benzocaine sprinkled directly in the gills of pirarucu showed to be an efficient anesthetic both for juveniles and adult fish. It was observed absence of movements during 2min, time enough for most handling procedures. No mortality occurred even one month after experiments.

Arapaima gigas; anesthetics; handling


Anestesia do pirarucu por aspersão da benzocaína diretamente nas brânquias

Anesthesia in pirarucu by benzocaine sprays in the gills

Alexandre HonczarykI; Luís Antônio Kioshi Aoki InoueII,1 1 Autor para correspondência.

IInstituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Manaus, AM, Brasil

IIEmpresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa Amazônia Ocidental, Rod. AM 10, km 29, Zona Rural, 69010-970, Manaus, AM, Brasil. E-mail: luis.inoue@cpaa.embrapa.br

RESUMO

O pirarucu (Arapaima gigas) é um peixe que pode atingir mais de 2m e 100kg. No entanto, por ser um animal de grande porte, o risco de acidentes é bastante elevado durante o manejo. Logo, anestésicos são essenciais para segurança no trabalho. Nesse contexto, estudou-se a possibilidade do uso da benzocaína aspergida diretamente nas brânquias do pirarucu, para indução à anestesia do peixe pulmonado da Amazônia sem riscos de afogamento. Foram testadas as concentrações de 25, 50 e 75mg L-1 em indivíduos adultos (55,1±7,0kg e 1,80±0,1m) e as concentrações de 50 e 100mg L-1 em juvenis (6,0±0,6kg e 87,2±5,6cm). Os resultados mostram viabilidade do uso da benzocaína aspergida diretamente nas brânquias do pirarucu em concentrações de 50 a 100mg L-1, proporcionando anestesia com ausência de movimentação por aproximadamente 2min, tempo suficiente para procedimentos rápidos, como biometria, injeções, marcação, coleta de raspados de muco na superfície do corpo e brânquias. Mortalidade de animais não foi observada mesmo um mês após os testes.

Palavras-chave:Arapaima gigas, anestésicos, manejo.

ABSTRACT

Pirarucu (Arapaima gigas) is a fish that may achieve more than 2m and 100kg. Thus handling of this fish may impose risks to workers. In this way, anesthetics are imperative for safety at work, but usual anesthetics baths are not feasible for pirarucu because of the fish size and the species pulmonary respiration. Pirarucu may die drowned if submersed as the other fishes in anesthetics baths. Therefore, this work tested the possible use of benzocaine directly sprinkled in the gills of pirarucu. In the first experiment, benzocaine solutions in concentrations of 25, 50 and 75mg L-1 were tested for adult fish (55.1±7.0kg e 1.80±0.1m). In the second one, the anesthetic in concentrations of 50 and 100mg L-1 were tested for juveniles (6.0±0.6kg e 87.2±5.6cm). Benzocaine sprinkled directly in the gills of pirarucu showed to be an efficient anesthetic both for juveniles and adult fish. It was observed absence of movements during 2min, time enough for most handling procedures. No mortality occurred even one month after experiments.

Key words:Arapaima gigas, anesthetics, handling.

O pirarucu é um peixe que pode atingir mais de 2m e 100kg. Em condições de cativeiro, apresenta crescimento por volta de 10kg por ano (IMBIRIBA, 2001; GANDRA et al., 2007). Entretanto, por ser um animal de grande porte, o manejo da espécie em condições de piscicultura envolve riscos de acidentes, sendo relatados, no campo, casos de fortes golpes em pessoas realizando procedimentos, tais como biometria, marcação, coleta de sangue, raspados de muco, injeções etc. Logo, o uso de anestésicos é necessário para segurança no trabalho e alguma redução de estresse desses peixes durante o manejo. Porém, a anestesia em pirarucu não pode ser feita como nas outras espécies de peixes por meio de banhos em soluções anestésicas, pois o pirarucu pode morrer por afogamento. Soluções de eugenol, aplicadas por aspersão diretamente nas brânquias do pirarucu, foram utilizadas com sucesso na anestesia sem risco de afogamento do peixe pulmonado (HONCZARYK & INOUE, 2009). No entanto, a busca por mais produtos é ainda necessária, a fim de aperfeiçoar os métodos de anestesia na espécie. Nessa perspectiva, a benzocaína foi testada neste trabalho por ser o anestésico mais utilizado na piscicultura amazônica, pois é um produto barato e de fácil aquisição (GOMES et al., 2001). Em adição, a benzocaina comprovadamente é um anestésico sem ação mutagênica (GONTIJO et al., 2003), além de ser eliminada do tecido muscular comestível em peixes pela corrente sanguínea em torno de 24h após o seu uso (ALLEN, 1988; MEINERTZ et al., 1996).

O anestésico foi previamente diluído em etanol na proporção de 1:20. Da solução alcoólica (50mg mL-1), foram preparadas as concentrações de 25, 50, 75 e 100mg L-1. Essas preparações eram mantidas em recipiente fechado e em ambiente fresco e escuro até o momento do uso, quando cada garrafa foi aberta e acoplado um borrifador manual de uso em jardinagem. Um único borrifador foi utilizado para todos os peixes, mantendo-se sempre a mesma abertura do bico aspersor. O teste foi feito sempre das concentrações mais baixas para as mais elevadas, retirando-se totalmente o líquido remanescente do tratamento anterior da tubulação de sucção.

No primeiro experimento, foram aplicadas, em 16 exemplares adultos (55,1±7,0kg e 1,80±0,1m), as concentrações de 25mg L-1 (cinco peixes), 50mg L-1 (cinco peixes) e 75mg L-1 (seis peixes). Os peixes foram individualmente capturados dos viveiros por rede de arrasto e colocados em uma maca de lona lisa e resistente. Nessas condições, a anestesia foi feita borrifando-se a solução aquosa de benzocaína na respectiva concentração sobre as brânquias até a saturação aparente das lamelas, quando o excesso de líquido escorria para fora da cavidade opercular. Registrou-se, no primeiro estudo, o tempo em que os animais ficavam completamente parados, sem movimentação alguma após a aplicação do anestésico, enquanto ainda foram pesados e medidos. Em seguida, eram cuidadosamente retornados aos viveiros de origem, e a sobrevivência observada por um mês.

Num segundo experimento, seis indivíduos jovens (6,0±0,6kg e 87,2±5,6cm) foram submetidos às concentrações de 50 e 100mg L-1 (três peixes cada). Os animais estavam previamente separados em um viveiro, sendo transferidos no dia do teste para uma piscina circular de 3m de diâmetro com aproximadamente 2000L de água. Cada peixe foi individualmente retirado da piscina, anestesiado como no experimento anterior e colocado em cima de um colchão fino e molhado para serem evitadas lesões. Registrou-se o tempo para a perda de equilíbrio (tombo lateral, já que juvenis de pirarucu não anestesiados apoiam abdômen no chão fora d'água) e o tempo em que permaneciam sem se movimentar. Quando o animal iniciava algum pequeno movimento, fazia-se uma segunda aplicação do anestésico na mesma concentração, o que induzia imediata ausência de movimentação do animal. Cada peixe foi pesado e medido sob anestesia, registrando-se também o tempo necessário para a biometria. Em seguida, o peixe era transferido para outra piscina de fibra de vidro com aproximadamente 2000L (20cm de altura) de água sem anestésico, para recuperação do animal com baixo risco de afogamento. Para tal, jogava-se água limpa nas brânquias, com a boca do peixe fora da água, até o retorno da capacidade da manutenção do equilíbrio na coluna d'água, quando era então liberado para livre natação. Após a soltura, registrou-se o tempo para a primeira tomada de ar voluntária. No dia seguinte ao experimento, os animais foram retornados ao viveiro de origem, e observou-se a sobrevivência por um mês.

No primeiro experimento, embora os dados não tenham apresentado distribuição normal, o aumento da dose do anestésico aumentou a duração do período sem movimentação, com diferenças significativas entre as concentrações de 25 e 75mg L-1 (Figura 1; P=0,02, teste de Kruskal-Wallis). No segundo estudo, a maior concentração de benzocaína (100mg L-1) aumentou o tempo da primeira ausência de movimentação dos juvenis (Tabela 1; P=0,0006, teste t). Uma segunda aplicação do anestésico logo após o início de qualquer movimentação proporcionou imediatamente um estágio de anestesia com ausência de qualquer movimentação dos juvenis em ambas as concentrações, 50 e 100mg L-1, proporcionando segurança para a realização da biometria do pirarucu. Esse procedimento teve duração de aproximadamente 2min, tempo suficiente também para outras práticas de manejo de curta duração, tais como injeções, marcações, coleta de muco, etc. (MARKING & MEYER, 1985).


Trabalhos que relatam a anestesia em peixes pulmonados e de grande porte são escassos. Embora tenha brânquias rudimentares, o pirarucu apresentou neste estudo e no de HONCZARYK & INOUE (2009) comportamento parecido ao observado em outros peixes tropicais, mas de menor porte e respiração branquial, quando submetidos a banhos em soluções de benzocaína em concentrações semelhantes às concentrações que foram utilizadas no pirarucu, no que se refere ao tempo de indução e à recuperação à anestesia (GOMES et al., 2001; INOUE et al., 2002; GIMBO et al., 2008). Entretanto, mais estudos são ainda necessários acerca das respostas metabólicas do pirarucu aos anestésicos aplicados diretamente nas brânquias, pois esses produtos não necessariamente reduzem o estresse em peixes durante o manejo, podendo até causar danos irreversíveis aos animais se as concentrações e/ou o tempo de exposição aos anestésicos são excessivos (IWAMA & ACKERMAN, 1994).

A liberação do pirarucu na água após alguma prática de manejo deve ser cautelosa, certificando-se que o animal está apto a manter o equilíbrio na coluna d'água, sem risco de afundar e engolir água excessivamente. Relata-se no campo morte de pirarucus adultos por uma única tragada de água, quando liberados diretamente nos viveiros após manuseio muito intenso (HONCZARYK & INOUE, 2009). Aqui, no entanto, os peixes fizeram a primeira tomada de ar voluntária em aproximadamente 2min após devolvidos à água (Tabela 1), o que sustenta a adequação da prática anestésica realizada. Além disso, não houve morte de animais mesmo um mês após os procedimentos experimentais, reforçando que o manejo não foi excessivamente traumático. Assim, a aspersão da benzocaína nas brânquias do pirarucu é eficiente para a indução à anestesia para a realização de procedimentos de curta duração.

AGRADECIMENTOS

FINEP (Projeto Desenvolvimento de Pesquisa em Processos e Produtos Agropecuários Aplicados ao Agronegócio Familiar, FAPEAM/CPAA/DESPA), CNPQ (471263/07-9) e Embrapa (MP 02.07.01.017.00.04).

Recebido para publicação 07.04.09

Aprovado em 08.09.09

  • ALLEN, J. Residues of benzocaine in rainbow trout, largemouth bass, and fish meal. Progressive Fish-culturist, v.50, p.59-60, 1988.
  • GANDRA, A. et al. Pirarucu growth under different feeding regimes. Aquaculture International, v.15, p.91-96, 2007. Disponível em: <http:www.springerlink.com/content/l7003m7164762883/fulltext.html>. Acesso em: 08 set. 2009. doi: 10.1007/s10499-006-9064-z.
  • GOMES, L.C. et al. Efficacy of benzocaine as anesthetic in juvenile tambaqui (Colossoma macropomum). Journal of World Aquaculture Society, v.32, n.4, p.426-431, 2001.
  • GONTIJO, A. et al. Anesthesia of fish with benzocaína does not interfere with comet assays results. Mutation Research, v.534, p.165-172, 2003.
  • GIMBO, R.Y. et al. Diferentes concentrações de benzocaína na indução anestésica do lambari-do-rabo-amarelo (Astyanax altiparanae). Revista Brasileira Saúde Produção Animal, v.9, n.2, p.350-357, 2008. Disponível em: <http://www3.rbspa.ufba.br/index.php/rbspa/article/view/1036/618>. Acesso em: 08 set. 2009.
  • HONCZARYK, A.; INOUE, L.A.K.A. Anestesia do pirarucu por aspersão diretamente nas brânquias do eugenol em solução aquosa. Ciência Rural, v.39, n.2, p.577-579, 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cr/v39n2/a84cr672.pdf>. Acesso em: 08 set. 2009. doi: 10.1590/S0103-84782008005000084.
  • IMBIRIBA, E.P. Potencial da criação de pirarucu, Arapaima gigas, em cativeiro. Acta Amazonica, v.31, n.2, p.299-316, 2001.
  • INOUE, L.A.K.A. et al. Benzocaína como anestésicos para juvenis de matrinxã (Brycon amazonicus). Boletim Técnico do Cepta, v.15, p.23-30, 2002.
  • IWAMA, G.; ACKERMAN, A. Anaesthetics. In. HOCHACHKA, P.; MOMMSEN, T. (Eds.) Analytical Techniques in Biochemistry and molecular biology of fishes Amsterdam: Elsevier Science, 1994. v.3, Cap.1, p.1-15.
  • MARKING, L.L.; MEYER, F.P. Are better anesthetics needed in fisheries? Fisheries, v.10, p.2-5, 1985.
  • MEINERTZ, J. et al. Pharmacokinetic of benzocaine in rainbow trout (Oncorhynchus mykiss) after intraarterial dosing. Aquaculture, v.148, p.39-48, 1996.
  • 1
    Autor para correspondência.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Nov 2009
    • Data do Fascículo
      Fev 2010

    Histórico

    • Aceito
      08 Set 2009
    • Recebido
      07 Abr 2009
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