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Investigação de Campylobacter fetus e Tritrichomonas foetus na mucosa prepucial de touros da região do Médio Paraíba, RJ

Campylobacter fetus and Tritrichomonas foetus investigation in prepucial mucous of bulls from Médio Paraíba/RJ region, Brazil

Resumos

Trinta e nove touros provenientes de propriedades de pecuária leiteira (n=9) e de pecuária de corte (n=30), situadas na região do Médio Paraíba, Rio de Janeiro (RJ), foram investigados para a presença de Campylobacter fetus e Tritrichomonas foetus. Para a pesquisa de Campylobacter, amostras de esmegma foram coletadas e submetidas à técnica de cultivo e isolamento e amostras de lavado prepucial ao teste de Imunofluorescência Direta (IFD). Para a pesquisa de Tritrichomonas, foi utilizada a técnica de exame direto a partir de lavado prepucial. Foi observada a presença de C. fetus em 14 amostras (35,9 %), por meio da IFD, e o isolamento de C. fetus, subespécie venerealis, foi obtido a partir de quatro amostras (10,3%). T. foetus não foi identificado nas amostras investigadas. A alta freqüência de C. fetus observada nos animais investigados sugere a presença da campilobacteriose na região do Médio Paraíba, em rebanhos com problemas reprodutivos.

Campylobacter fetus; Tritrichomonas foetus; mucosa prepucial; touros


Thirty nine breeding bulls from dairy farms (n=9) and beef farms (n=30) located in Médio Paraíba region at Rio de Janeiro - Brazil state were investigated for the presence of Campylobacter fetus and Tritrichomonas foetus. For Campylobacter investigation, smegma samples were examined by culture and prepucial washings were examined by direct immunofluorescence technique (DIF). The prepucial washings were also examined for Tritrichomonas foetus presence by direct examination. C. fetus was identified in 14 samples (35.9 %) by DIF technique and C. fetus subspecies venerealis was isolated from four samples (10.3%). T. foetus was not detected in bull samples. The high frequency of C. fetus observed in bull samples suggests the occurrence of Campylobacteriosis among herds which have reproductive problems at the Médio Paraíba region.

Campylobacter fetus; Tritrichomonas foetus; prepucial mucous; bulls


NOTA

MICROBIOLOGIA

Investigação de Campylobacter fetus e Tritrichomonas foetus na mucosa prepucial de touros da região do Médio Paraíba, RJ

Campylobacter fetus and Tritrichomonas foetus investigation in prepucial mucous of bulls from Médio Paraíba/RJ region, Brazil

Flávio Soares da RochaI; Vera Lúcia Teixeira de JesusII; Helenita Marques TorresIII; Marcos José Pereira GomesIV; Márcio José de FigueiredoIII; Elmiro Rosendo do NascimentoIII; Teresinha FerreiraIII; Maria Helena Cosendey de AquinoIII,1 1 Autor para correspondência.

IPrograma de Pós-graduação em Ciências Veterinárias, Faculdade de Veterinária, Universidade Federal Fluminense(UFF), Niterói, RJ, Brasil

IIInstituto de Zootecnia, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Seropédica, RJ, Brasil

IIIDepartamento de Saúde Coletiva Veterinária e Saúde Pública, Faculdade de Veterinária, UFF, Niterói, RJ, Brasil. Endereço para correspondência: Rua Vital Brazil Filho, 64, 24230-340, Niterói, RJ, Brasil. E-mail: maryhel@uol.com.br

IVLaboratório de Bacteriologia da Faculdade de Veterinária (LABACVET), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil

RESUMO

Trinta e nove touros provenientes de propriedades de pecuária leiteira (n=9) e de pecuária de corte (n=30), situadas na região do Médio Paraíba, Rio de Janeiro (RJ), foram investigados para a presença de Campylobacter fetus e Tritrichomonas foetus. Para a pesquisa de Campylobacter, amostras de esmegma foram coletadas e submetidas à técnica de cultivo e isolamento e amostras de lavado prepucial ao teste de Imunofluorescência Direta (IFD). Para a pesquisa de Tritrichomonas, foi utilizada a técnica de exame direto a partir de lavado prepucial. Foi observada a presença de C. fetus em 14 amostras (35,9 %), por meio da IFD, e o isolamento de C. fetus, subespécie venerealis, foi obtido a partir de quatro amostras (10,3%). T. foetus não foi identificado nas amostras investigadas. A alta freqüência de C. fetus observada nos animais investigados sugere a presença da campilobacteriose na região do Médio Paraíba, em rebanhos com problemas reprodutivos.

Palavras-chave:Campylobacter fetus, Tritrichomonas foetus, mucosa prepucial, touros.

ABSTRACT

Thirty nine breeding bulls from dairy farms (n=9) and beef farms (n=30) located in Médio Paraíba region at Rio de Janeiro - Brazil state were investigated for the presence of Campylobacter fetus and Tritrichomonas foetus. For Campylobacter investigation, smegma samples were examined by culture and prepucial washings were examined by direct immunofluorescence technique (DIF). The prepucial washings were also examined for Tritrichomonas foetus presence by direct examination. C. fetus was identified in 14 samples (35.9 %) by DIF technique and C. fetus subspecies venerealis was isolated from four samples (10.3%). T. foetus was not detected in bull samples. The high frequency of C. fetus observed in bull samples suggests the occurrence of Campylobacteriosis among herds which have reproductive problems at the Médio Paraíba region.

Key words:Campylobacter fetus, Tritrichomonas foetus, prepucial mucous, bulls.

A presença de Campylobacter fetus, subespécie venerealis e Tritrichomonas foetus, agentes causadores da campilobacteriose e tricomonose, tem sido relatada em rebanhos bovinos de diferentes regiões do Brasil (JESUS et al., 1999; PELLEGRIN et al., 1999). Dependendo da área estudada, a elevada prevalência dessas doenças se constitui em um dos principais fatores sanitários que interferem nos índices reprodutivos do rebanho bovino. Alguns fatores de risco são considerados importantes para a disseminação dessas doenças, tal como a utilização de manejo reprodutivo com monta natural, o uso de touros com idade superior a cinco anos no rebanho e a utilização de touro de repasse em propriedades que utilizam a inseminação artificial (PELLEGRIN, 1999).

A região do Médio Paraíba, situada no Sul do Estado do Rio de Janeiro, compreende os Municípios de Resende, Itatiaia, Quatis e Porto Real e, embora possua significativa expressão na pecuária do Estado, seus índices de reprodução bovina são considerados insatisfatórios em decorrência de problemas reprodutivos relatados por técnicos que assistem às propriedades. O objetivo deste trabalho foi investigar a ocorrência de Campylobacter fetus e Tritrichomonas foetus na mucosa prepucial de touros, em nove propriedades da região do Médio Paraíba, Rio de Janeiro (RJ).

Durante o período de janeiro a setembro de 2004, foram coletadas amostras de esmegma e lavado prepucial de 39 touros, com faixa etária entre 30 meses a cinco anos de idade, provenientes de três propriedades de pecuária de corte e seis propriedades de pecuária de leite, distribuídas entre quatro municípios da região do Médio Paraíba, RJ, que apresentavam histórico de problemas reprodutivos, tais como altas taxas de retorno ao cio, abortos e aumento do intervalo entre partos.

Para a pesquisa de C. fetus, subsp. venerealis, amostras de esmegma prepucial foram coletadas por meio de aspiração com seringa acoplada à pipeta de infusão uterina, diluídas em meio de transporte de Lander (LEITE et al., 1995) e processadas no mesmo dia para cultivo e isolamento. Após um período de incubação de 72 horas a 37°C, foi realizada a filtração de parte do material em filtro "Swiny" (MILLIPORE), contendo membrana filtrante de 0,65µ. Alíquotas do material filtrado e não-filtrado foram semeadas em placas de agar Columbia (DIFCO), adicionado de 10% de sangue de cavalo e suplemento seletivo para Campylobacter (MERCK), e incubadas em jarras Gaspack, em microaerofilia (Anaerocult C-MERCK) a 37°C, por 72 horas. A identificação das colônias suspeitas foi baseada nas características morfológicas e tintoriais e nos seguintes testes bioquímicos e de crescimento (ON et al., 1996; OIE, 2008): produção de catalase e oxidase; produção de gás sulfídrico (H2S) em meio contendo cisteína; produção de ácido e H2S em Agar Tríplice Açúcar e Ferro (TSI); crescimento a 25°C e 42°C em microaerofilia; crescimento a 25°C em aerobiose; crescimento em presença de glicina a 1%; crescimento em presença de 3,5% de sal; utilização da glicose a 1%; redução do nitrato a nitrito; redução do selenito; sensibilidade ao ácido nalidíxico e à cefalotina. Para a realização da Imunofluorescência Direta (IFD), foram coletadas amostras de lavado prepucial após injeção de 50mL de solução de PBS (pH 7,2), utilizando-se pipeta de infusão uterina. Os lavados foram fixados em lâminas com acetona e congelados a -20°C. As amostras foram processadas segundo a técnica descrita por MELLICK et al. (1965) e WINTER et al. (1967), utilizando-se soro antiC. fetus, subsp. venerealis, preparado em coelho com a amostra C. fetus, subsp. venerealis NCTC 10354, e conjugado com fluoresceína. Salina tamponada fosfatada (PBS) e C. fetus subsp. venerealis NCTC 10354 foram usados como controle negativo e positivo, respectivamente. Para a pesquisa de T. foetus, amostras do lavado prepucial foram diluídas em meio de transporte Lactopep (LOPES, 1990) e enviadas para identificação por meio de exame direto em microscópio óptico. Os resultados obtidos por meio das técnicas utilizadas foram analisados estatisticamente pelo Teste de Fisher e pelo cálculo do coeficiente Kappa (PEREIRA, 1995).

Das 39 amostras de esmegma prepucial processadas para isolamento, quatro foram positivas (10,3%) para C. fetus, subsp. venerealis, e, em 14 amostras (35,9%), foi observada a presença do C. fetus pela técnica de Imunofluorescência Direta (Tabela 1). Ao considerar os resultados da IFD, a frequência observada neste estudo (35,9%) assemelha-se à observada por JESUS et al. (1999) (39,1%) em touros dos Estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Em todas as amostras negativas para IFD, não foi obtido isolamento, enquanto, nas quatro amostras positivas para o isolamento, foi observada IFD positiva, restando 10 amostras positivas na IFD e negativas no isolamento (Tabela 1). Pelo Teste de Fisher, a diferença observada entre os resultados obtidos nos dois testes foi estatisticamente significativa (P<0,05) e a proporção de concordância entre eles foi considerada baixa pelo teste de Kappa (K=0,33). Para se obter sucesso no isolamento, é necessário transportar rapidamente o material para o laboratório, uma vez que o Campylobacter apresenta baixa taxa de sobrevivência fora do hospedeiro, sendo necessário o uso de meios de transporte, o que nem sempre mantém o organismo viável. O teste de IFD apresenta boa sensibilidade, estimada em 92,59%, e especificidade, estimada em 88,88% (FIGUEIREDO et al., 2002), sendo considerado um teste adequado para identificação de rebanhos suspeitos de estarem mantendo a Campilobacteriose Genital Bovina (CGB) (PELLEGRIN, 2003). Por outro lado, a IFD possui como desvantagem a impossibilidade de distinguir entre as duas subespécies de C. fetus, além da ocorrência de resultados falso-negativos devido ao limitado número de bactérias na amostra, que deve ser de no mínimo 100 bactérias/ml de lavado prepucial (FIGUEIREDO et al., 2002). Segundo Schulze et al. (2006), os testes fenotípicos tradicionais, para caracterização de subespécies de C. fetus, são indispensáveis. Entretanto, a reação em cadeia da polimerase se constitui em uma técnica valiosa para a confirmação desses resultados, podendo também ser utilizada para detecção direta de C. fetus em amostras clínicas (McMILLEN et al., 2006).

A análise estatística pelo teste de Fisher não revelou associação entre a positividade dos touros para C. fetus e o tipo de atividade pecuária e faixa etária (p>0,05), embora tenha sido observada uma maior proporção de positivos entre os animais acima de 48 meses de idade. Segundo PELLEGRIN (2003), um dos fatores de risco importantes para a disseminação do C. fetus, subsp venerealis, é o uso de touros com idade superior a quatro anos no rebanho, o que é justificado por apresentarem maior número e desenvolvimento das criptas prepuciais. Quando consideramos a situação de repasse dos touros, apenas sete animais dos 39 investigados eram utilizados como touro de repasse, entretanto dois desses animais foram positivos no isolamento e IFD, além de um touro positivo, em ambos os testes, que era compartilhado com propriedades vizinhas, mostrando a importância na disseminação e perpetuação da CGB, nos rebanhos investigados. Como as propriedades investigadas não empregavam a inseminação artificial (IA) exclusivamente, a utilização do touro de repasse pode se constituir em importante fator de risco para a disseminação da CGB, anulando os benefícios da IA, uma importante medida de erradicação da CGB.

T. foetus não foi detectado nas amostras investigadas. Embora possíveis falhas na coleta e no transporte do material e ausência de repouso sexual prévio possam ter influenciado esse resultado, estudos, em rebanhos bovinos da região Sudeste, revelam uma baixa prevalência desse agente. NASCIMENTO et al. (2005), ao pesquisarem T. foetus em amostras de muco vaginal de animais com problemas reprodutivos, não identificaram a presença desse parasita por meio do exame direto, enquanto JESUS et al. (1999), em um estudo envolvendo 939 propriedades da região Sudeste, com histórico de problemas reprodutivos, relataram a ocorrência de T. foetus em 10,01% das propriedades e em apenas 2,36% dos animais.

Os resultados deste estudo confirmam a presença da infecção por C. fetus, subsp. venerealis, em rebanhos bovinos da região do Médio Paraíba, RJ. Assim, recomenda-se a inclusão da pesquisa dessa infecção na rotina de diagnóstico laboratorial, para prevenção e controle de rebanhos com baixo índice reprodutivo.

COMITÊ DE ÉTICA E BIOSSEGURANÇA

Os estudos foram realizados de acordo com as normas do Código de Ética Profissional do Médico Veterinário e do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA).

Recebido para publicação 16.09.08

Aprovado em 27.01.09

  • FIGUEIREDO, J.F. et al. Evaluation of direct fluorescent antibody test for the diagnosis of bovine genital Campylobacteriosis. Revista Latinoamericana de Microbiologia, v.44, n.3, p.118 - 123, 2002.
  • JESUS, V.L. et al. Campilobacteriose Genital Bovina: ocorrência nos estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Revista Brasileira de Ciência Veterinária, v.6, n.3, p.133-136, 1999.
  • LEITE, R.C. et al. Técnica modificada para lavado prepucial de touros, para exame de tricomonose e ou campilobacteriose. Revista Brasileira de Reprodução Animal, v.19, p.434, 1995.
  • LOPES, L.M.S. A utilização de um meio à base de peptona e leite para transporte e cultivo de Tritrichomonas foetus 1990. 60f. Tese (Mestrado em Medicina Veterinária) -Curso de Pós-graduação em Medicina Veterinária, Universidade Federal Fluminense.
  • McMILLEN, L. et al. Comparison of culture and a Novel 5' Taq nuclease assay for direct detection of Campylobacter fetus subsp. venerealis in clinical specimens from cattle. Journal of Clinical Microbiology, v.44, n.3, p.938-945, 2006.
  • MELLICK, P.W. et al. Diagnosis of vibriosis in the bull by the use of the fluorescent antibody technique. C ornell Veterinary, v.55, p.280-294, 1965.
  • NASCIMENTO, M.G.F. et al. Envolvimento de micoplasmas em vacas com distúrbios reprodutivos. Acta Scientiae Veterinaria, v.33, p.195-199, 2005.
  • OIE - OFFICE INTERNATIONAL DES EPIZOTIES. Manual of diagnostic tests and vaccines for terrestrial animals Capturado em 24 nov. 2008. On line. Disponível na Internet: http://www.oie.int/eng/normes/mmanual/A_00070.htm
  • ON, S.L.W. et al. A probability matrix for identification of Campylobacters, helicobacters and allied taxa. Journal of Applied Microbiology, v.81, p.425-432, 1996.
  • PELLEGRIN, A.O. et al. Prevalência da Campilobacteriose genital bovina em touros nelore do Pantanal Mato-Grossense. Comunicado Técnico Embrapa CPAP, v.23, p.1-8, 1999.
  • PELLEGRIN, A.O. et al. Imunofluorescência direta: um teste sensível e específico para o diagnóstico da campilobacteriose genital em touros Corumbá: Embrapa Pantanal, 2003. 38p. (Circular Técnica, 44).
  • PEREIRA, M.G. Epidemiologia, teoria e prática Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1995. 596p.
  • SCHULZE F. et al. Identification of Campylobacter fetus subspecies by phenotypic differentiation and PCR. Journal of Clinical Microbiology, v.44, n.6, p.2019-2024, 2006.
  • WINTER, A.J. et al. A comparison of immunofluorescence and cultural techniques for demonstration of Vibrio fetus Journal of the American Veterinary Medical Association, v.150, p.498-502, 1967.
  • 1
    Autor para correspondência.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Maio 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2009

    Histórico

    • Recebido
      16 Set 2008
    • Aceito
      27 Jan 2009
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