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Culture and meaning in health service research: a practical field guide

RESENHAS BOOK REVIEWS

Ivani Bursztyn

Faculdade de Medicina, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro

Sobo EJ. Culture and meaning in health service research: a practical field guide. Walnut Creek, California: Left Coast Press; 2009.

Encontrei o livro de Elisa J. Sobo quando fazia uma busca genérica de títulos vinculados à temática da investigação em sistemas e serviços de saúde (ISSS), com ênfase em metodologias. Digo genérica porque nos últimos anos a produção neste tema tem crescido, mas também diversificado, definindo, aos poucos subtemas específicos.

A investigação em sistemas e serviços de saúde ganha força, na década de 1970, quando alguns pesquisadores começam a se indagar: afinal, para que está servindo o cuidado de saúde? Que resultados estão sendo produzidos em quem os recebe? Que impacto estão produzindo na população? Situada a meio caminho entre a pesquisa clínica e a saúde pública, o espectro de questões envolvidas apresentava, desde então, um grande desafio metodológico, pois era necessário abarcar dimensões tão díspares como a política, a econômica, a social, a clínica, a tecnológica, a cultural e outras. A articulação, sem fraturas, de abordagens quantitativas e qualitativas é essencial para a articulação, sem fraturas, de tanta diversidade. O extraordinário desenvolvimento da tecnologia de informação veio facilitar o trabalho dos investigadores. Num cenário inundado com dados e informações de saúde atualizados e de boa qualidade, a medicina baseada em evidências prosperou, trazendo importante contribuição ao processo de tomada de decisão. Entretanto, essa fartura de dados e facilidade de acesso a programas de informática pode exercer uma sedução sobre os investigadores, levando a que muitos desistam de elucubrar para além dos limites do que já se encontra preestabelecido nos pacotes de análise, e para isto acabam abrindo mão das dimensões ou aspectos que não se encaixam nos modelos. Com esta preocupação inquietante, reagi com muita simpatia ao título do livro de Sobo: Culture and meaning in health service research: a practical field guide.

Elisa J. Sobo é antropóloga sociocultural, especializada em saúde, doença e medicina. Suas áreas de interesse incluem biomedicina e outras culturas médicas, questões organizacionais em saúde, comunicação médico-paciente, disparidades e competência cultural nos cuidados de saúde, o estigma de saúde e de identidade, a percepção de risco, saúde reprodutiva e sexual, saúde infantil, nutrição, métodos qualitativos (incluindo os métodos de avaliação etnográfica e rápida). Além de professora no Departamento de Antropologia, ela pertence ao corpo docente da Escola de Saúde Pública da Universidade Estadual de San Diego (SDSU) e da Medicina na Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD), sendo membro do corpo docente do programa comum (SDSU/UCSD) de doutoramento em Saúde Global1. Tendo exercido suas atividades dividindo-se entre o ambiente acadêmico e o de prestação de assistência, mais do que apresentar métodos, Sobo nos brinda com a discussão das interfaces e possibilidades entre antropologia/saúde e antropologia/ISSS. O livro está organizado em cinco partes e 15 capítulos.

A primeira parte, intitulada "The value of meaning" ("O valor do sentido"), está dividida nos capítulos "The journey ahead" ("A jornada à frente") e "Why Focus on stories?" ("Por que focar em histórias?"). Aqui, a autora deixa claro que sua concepção de pesquisa antropológica em saúde não se restringe a estudos que advoguem os direitos, o acesso e participação de grupos vulneráveis ou minoritários no sistema de saúde. Trata-se, antes, de introduzir a abordagem etnográfica para ajudar a ver e entender os fenômenos relacionados à efetividade do cuidado, assumindo que um sistema deriva das relações dinâmicas entre suas partes, e os sistemas humanos como adaptativos e complexos, dos quais se pode esperar comportamentos criativos e surpreendentes.

A segunda parte, intitulada "The lay of the land" ("O assentamento do terreno"), está dividida nos capítluos "Medical anthropology: an agenda" ("Antropologia médica: uma agenda"), "Anthropology in and of health services" ("Antropologia nos e dos serviços de saúde"); "Health services: an insider's guide" ("Serviços de saúde: um guia de um integrante"); "The culture concept, cultural competence and the dangers of Anthro Lite" ("O conceito de cultura, competência cultural e os perigos do Anthro Lite"). Aqui, a autora recorre a um inventário da antropologia médica e da investigação em serviços de saúde (ISS), identificando, criticamente, as várias formas em que estas duas perspectivas interagem, tanto para o bem como para o mal. A proposta é criar bases para o desenvolvimento da ISS antropologicamente esclarecida (anthropologically informed), evitando armadilhas conceituais.

A terceira parte, intitulada "Methodological theory and practice" ("Teoria e prática metodológicas") está divida nos capítulos "Doing 'science' - and other systematic things" ("Fazendo 'ciência' - e outras coisas sistemáticas"), "Epistemology and evidence: how do we know what we know?" ("Epistemologia e evidência: como sabemos o que sabemos?"), "Realities of research: where and how Begin" ("Realidades da pesquisa: onde e como começar"). Aqui a autora discute as bases conceituais e epistemológicas dos métodos da antropologia. Uma grande contribuição é a rejeição da divisão quali-quanti, demonstrando que muitos dos conceitos associados com o positivismo como representado no modelo hipotético-dedutivo de ciência podem e são utilizados, hoje, na investigação antropologicamente esclarecida2.

A quarta parte, intitulada "Specific methods" ("Métodos específicos"), está dividida nos capítulos "Refocusing focus group data collection and analysis" ("Refocalizando a coleta e análise da dados por grupo focal"); "Making the most of one-time interviews" ("Tirando o máximo das entrevistas pontuais"); "Collecting data as care happens, or: the importance of being there" ("Coletando dados enquanto o cuidado se processa, ou: a importância de estar lá"); "Making rapid improvements" ("Fazendo melhoras rápidas"). As diversas técnicas utilizadas na abordagem antropológica são apresentadas, finalmente, após toda a discussão mais conceitual das possibilidades entre antropologia e ISS. A apresentação está consubstanciada na ampla experiência da autora em sua utilização, o que possibilita uma reflexão crítica de grande proveito para o leitor.

A quinta parte, intitulada "Power dynamics: the politics of research" ("Dinâmica do poder: a política de investigação"), está divida nos capítulos "Institutional and other sociocultural challenges to doing good work" ("Desafio institucional e outros socioculturais para realizar um bom trabalho") e "Framing our message: telling stories, making action" ("Enquadrando nossa mensagem: contando histórias, fazendo ação"). Aqui a autora finaliza com alguns conselhos práticos àqueles interessados em obter o necessário apoio ao desenvolvimento de suas pesquisas com base antropológica.

O livro, apesar de se apresentar como um guia prático, traz uma importante e bem urdida discussão sobre o campo da ISS e suas interações com a antropologia, que ocupa mais da metade das 318 páginas. O trabalho é contemporâneo e de extremo valor, tanto para pesquisadores da área acadêmica quanto para aqueles envolvidos com a melhoria da qualidade dos serviços.

  • 1. San Diego State University. About Elisa (E.J.) Sobo. [acessado 2011 fev. 4]. Disponível em: www-rohan.sdsu.edu/~esobo
  • 2. Sobo EJ. Culture and meaning in health service research: a practical field guide. Walnut Creek, California: Left Coast Press; 2009.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jun 2011
  • Data do Fascículo
    Jun 2011
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