Resumo
Este estudo analisa a associação das violências contra a mulher durante a gestação segundo as características socioeconômicas e comportamentais do parceiro íntimo. Trata-se de um estudo transversal analítico em uma maternidade de um município do Espírito Santo com 327 puérperas, onde foram coletados dados sobre as características do parceiro íntimo. O instrumento da Organização Mundial da Saúde foi utilizado para rastrear a violência por parceiro íntimo na gestação. Foram obtidas as associações pela regressão de Poisson bruta e ajustada. Puérperas cujos parceiros consumiam bebida alcoólica, não eram os pais biológicos da criança e se recusavam a usar preservativo tiveram maior prevalência de violência psicológica na gestação. A violência física se associou às puérperas cujos parceiros não trabalhavam e se recusavam a usar preservativo. Puérperas com parceiros que se recusavam a usar preservativo tiveram prevalência nove vezes maior de sofrer violência sexual na gestação. Desse modo, o pré-natal se apresenta como um momento oportuno para abordar os parceiros quanto ao cuidado em saúde e enfrentamento à violência. É necessário ampliar o acolhimento dos homens pelos serviços de saúde para intervir nos fatores que favorecem a violência na gestação.
Palavras-chave: Violência por parceiro íntimo; Violência contra a mulher; Maus-tratos conjugais; Masculinidade; Gravidez
Abstract
This study analyzes the association between violence against women during pregnancy and intimate partner socioeconomic and behavioral characteristics. We conducted an analytical cross-sectional study with 327 postpartum women admitted to a maternity hospital in a city in Espírito Santo, Brazil using a questionnaire to collect data on intimate partner socioeconomic and behavioral characteristics. Intimate partner violence was assessed using questions based on the World Health Organisation instrument “Violence against Women (WHO VAW STUDY)”. Associations were tested using crude and adjusted Poisson regression. The prevalence of psychological violence during pregnancy was higher among women whose partners consumed alcohol, refused to use condoms, and were not the infant’s biological father. Physical violence was associated with women whose partners did not work and refused to use condoms. The prevalence of sexual violence during pregnancy was more than nine times higher among women with partners who refused to use condoms. The findings demonstrate that antenatal care is an opportune time to approach partners about health care and address violence. It is necessary to promote the utilization of health services by men in order to address risk factors for violence during pregnancy.
Key words: Intimate partner violence; Violence against women; Spouse abuse; Masculinity; Pregnancy
Introdução
A Organização Mundial da Saúde (OMS), em seu Relatório mundial sobre violência e saúde, caracterizou a violência por parceiro íntimo (VPI) como violência de gênero baseada em qualquer comportamento que cause danos mentais, físicos ou sexuais àqueles que fazem parte da relação, incluindo abuso psicológico, agressão física, coerção e/ou relações sexuais forçadas e comportamento controlador¹.
Estudos internacionais e nacionais sobre violência entre parceiros íntimos evidenciam que as mulheres são, com maior frequência, vítimas de agressão e vivenciam formas mais graves de violência quando comparadas aos homens2,3. Dados dos Estados Unidos evidenciam que 36,0% das norte-americanas vivenciaram violência pelo parceiro na vida3. No Brasil, em pesquisa realizada em 15 capitais e no Distrito Federal, a prevalência da violência psicológica variou de 61,7%, em Campo Grande, a 85,6%, em Belo Horizonte, enquanto a violência física variou de 13,2%, em João Pessoa, a 34,7%, em Belém4. Em Vitória, verificou-se as prevalências de VPI ao longo da vida de 57,6% para psicológica, 39,3% para física e 18,0% para sexual5.
Dessa forma, torna-se importante investigar a assimetria de gênero nas relações, pois ainda que transformações sociais tenham ocorrido ao longo do tempo, é possível observar a reprodução das iniquidades nas relações íntimas6. Tradicionalmente, existe um modelo hegemônico sobre masculinidade que se refere a ideias de domínio, virilidade, força e poder, características que se contrapõem àquelas de feminilidade, como fragilidade e submissão. Essas características fazem parte da construção social da identidade masculina, delimitando as condutas esperadas e legitimadas socialmente, a exemplo do comportamento violento7,8.
No que se refere ao parceiro como perpetrador de violência contra a mulher, verificam-se características associadas à ocorrência de atos violentos. Mulheres cujos parceiros não têm ocupação, apresentam menor escolaridade, consomem bebida alcoólica e são controladores sofrem violência com maior frequência9. Outros fatores tidos como precipitadores de violência são ciúmes, suspeita de infidelidade, recusa de relação sexual pela mulher, divergência na educação dos filhos, assim como também, uma paternidade não planejada8,10.
É importante destacar que a violência é uma realidade na vida das mulheres, manifestando-se em qualquer fase da vida, inclusive durante a gestação. Não há consenso na literatura científica quanto a se a gestação atua como fator de risco ou proteção à violência. Silva et al.11 observaram que há uma sobreposição das tipologias de violência, cerca de 11,0% das mulheres sofreram violência psicológica, física e sexual na gestação. Outra característica se refere ao percentual semelhante de violência antes e durante a gravidez, porém durante a gestação há um aumento expressivo da violência psicológica e redução da física. Também há casos incidentes, ou seja, que têm início na gravidez; a incidência foi de 9,7%.
Quando se trata de VPI na gravidez, os riscos são ainda maiores, pois interfere diretamente na saúde do binômio mãe-filho. Estudos evidenciam que gestantes que sofrem VPI têm chances maiores de desenvolver sintomas depressivos e transtornos de estresse pós-traumático, interromper precocemente a amamentação exclusiva e sofrer aborto espontâneo12-14. Também ocorrem repercussões para o recém-nascido, tais como: prematuridade, baixo peso ao nascer e óbito fetal e neonatal15.
Considerando a complexidade e os impactos da violência contra a mulher, inclusive quando ocorre na gravidez, somado ao fato de os homens serem os principais agressores na condição de parceiros íntimos, o presente estudo teve como objetivo analisar a associação das violências contra a mulher durante a gestação segundo as características socioeconômicas e comportamentais do parceiro íntimo.
Metodologia
Realizou-se um estudo epidemiológico transversal e analítico, de agosto a outubro de 2017, com puérperas internadas em uma maternidade pública do munícipio de Cariacica, no Espírito Santo.
A população elegível para a pesquisa foi composta por puérperas internadas na referida maternidade, com no mínimo 24h de pós-parto e de feto vivo (> 500 gramas) que tivessem tido parceiro íntimo durante a gestação. Considerou-se como parceiro íntimo o companheiro ou ex-companheiro, independentemente do vínculo formal, e namorados, desde que mantendo relações sexuais.
Calculou-se a amostra levando em consideração a prevalência de 20% de violência praticada pelo parceiro íntimo na gestação16, estimando-se 5% de erro amostral, com intervalo de confiança de 95%, acrescidos de 10,0% de perda e 30,0% para fatores de confusão. Dessa forma, a amostra foi constituída por 327 puérperas.
Utilizou-se questionário próprio, padronizado para a coleta de dados com questões fechadas, sendo angariadas informações sobre as características socioeconômicas (idade, raça/cor, escolaridade, trabalho remunerado) e comportamentais do parceiro íntimo (consumo de bebida alcoólica, fumo, uso de drogas, ser ciumento, controlador e recusar-se a usar preservativo), bem como a variável de ser pai do recém-nascido. As variáveis parceiro/controlador e parceiro/ciumento foram aferidas mediante as seguintes perguntas: “Você o considera ciumento?” e “Você o considera controlador?”, e respondida de forma dicotômica.
Para obter as variáveis dependentes violência psicológica, física e sexual durante a gestação, foi usado o instrumento da OMS intitulado: “World Health Organization Violence Against Women (WHO VAW STUDY)”. Caracteriza-se como violência física as agressões físicas ou o uso de objetos para produzir lesões; como violência psicológica, os comportamentos ameaçadores, as humilhações e os insultos; e como violência sexual, as relações sexuais por meio da força física ou ameaças e atos considerados humilhantes. Em caso de resposta afirmativa para alguma das questões, caracterizava-se a vitimização de acordo com a tipologia da violência17.
As puérperas internadas elegíveis eram abordadas e questionadas sobre o interesse em participar da pesquisa. Estando de acordo, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) era assinado, com uma via entregue à puérpera, enquanto outra ficava com a entrevistadora para posterior arquivamento. No caso de mães menores de idade, um dos pais ou pessoa responsável assinava o TCLE. Após esse procedimento, as entrevistas ocorreram de forma individual em local privativo, conduzidas por entrevistadoras devidamente treinadas e que realizaram o estudo piloto no mês anterior à coleta de dados nessa mesma maternidade. No treinamento, enfatizaram-se as orientações sobre os aspectos éticos, assim como a aplicação adequada do questionário.
Os dados foram registrados no software Microsoft Excel, versão 2010, por digitador previamente treinado. Nesse momento também ocorreu a adequação de possíveis inconsistências. Posteriormente, os dados foram analisados por meio do programa STATA 13. Na análise descritiva, foram apresentadas as frequências brutas, relativas e o intervalo de confiança de 95%. Para identificar a distribuição das violências durante a gestação segundo as características socioeconômicas e comportamentais do parceiro, realizou-se o teste qui-quadrado de Pearson ou exato de Fisher. No entanto, para examinar a associação entre os desfechos e as exposições, foi realizada a análise multivariada por meio da regressão de Poisson. As variáveis com p-valor < 0,20 foram incluídas no modelo e a permanência ocorreu quando p-valor < 0,05. Os resultados foram obtidos por meio da razão de prevalência bruta e ajustada com seus respectivos IC95%.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, parecer número 2.149.430.
Resultados
Do total da amostra estudada, nota-se que a maioria das puérperas declararam que os parceiros tinham idade até 40 anos (89,3%), eram pardos (44,8%), tinham nove anos ou mais de escolaridade (60,5%), sendo que 23,8% não tinham trabalho remunerado. No que se refere às características comportamentais, observa-se que cerca de 56,0% não consumiam bebida alcoólica e 89,6% não faziam uso de drogas. Mais da metade dos parceiros era considerada ciumenta (51,4%), enquanto 36,1% eram considerados controladores. Observa-se também que 27,2% se recusaram a usar preservativo e 95,7% dos parceiros atuais eram pais dos recém-nascidos (Tabela 1).
Com relação à análise bivariada apresentada na Tabela 2, observa-se maior ocorrência de violência psicológica, física e sexual durante a gestação em mulheres cujos parceiros se recusavam a usar preservativo. A prevalências de violência psicológica e física foi maior em mulheres cujos parceiros não tinham trabalho remunerado. Ao passo que a vivência de violência psicológica foi mais frequente em puérperas com parceiros que consumiam bebida alcoólica, considerados controladores e que não eram pais do recém-nascido (p < 0,05).
Após o ajuste para possíveis variáveis de confusão, verifica-se que a prevalência de violência psicológica foi multiplicada por 1,72 em mulheres cujos parceiros consumiam bebida alcoólica (RP: 1,72; IC95%: 1,05-2,83). Observa-se, ainda, que mulheres com parceiros que se recusavam a usar preservativo vivenciaram prevalência de violência psicológica 1,77 vez maior (RP: 1,77; IC95%: 1,10-2,86) (Tabela 3).
Verifica-se, na Tabela 4, maior prevalência de violência física durante a gestação em mulheres cujos parceiros não tinham trabalho remunerado (RP: 2,70; IC95%: 1,27-5,72) e que se recusavam a usar preservativo (RP: 2,22; IC95%: 1,04-4,71).
Segundo a Tabela 5, a violência sexual durante a gestação foi 9,36 vezes maior em mulheres cujos parceiros se recusavam a usar preservativos (RP: 9,36; IC95%: 1,97-44,31).
Discussão
No presente estudo, observou-se que mulheres cujos parceiros consomem bebida alcoólica, não trabalham, se recusam a usar preservativo e não eram pais do recém-nascido apresentaram maior prevalência de violência durante a gestação. Contudo, as variáveis raça/cor, uso de droga ilícita, parceiro/ciumento e/ou controlador não se mantiveram associadas após análise multivariada ajustada.
Nas diferentes fases da vida, encontram-se relatos de violência pelas mulheres, todavia, a ocorrência do agravo na gravidez é um fator preocupante, pois pode acarretar danos à saúde do binômio mãe-filho11. Diante de mudanças na rotina, sentimentos ambivalentes e ainda a possibilidade de uma gestação contra o desejo do casal, esse período é marcado por intensas transformações, podendo levar à proximidade ou ao afastamento18. Evidencia-se, entre mulheres vítimas de violência, que o não desejo da gravidez pelo parceiro foi um fator desencadeador de conflitos conjugais e violência7.
Nesta pesquisa, o consumo de bebida alcoólica multiplicou por 1,72 a prevalência de violência psicológica na gestação, resultado semelhante ao encontrado por outros autores19,20. Em estudo realizado em Campinas, São Paulo, com gestantes usuárias da atenção primária, observou-se que o consumo de bebida alcoólica duas ou mais vezes por semana aumenta em mais de duas vezes a violência psicológica, física e/ou sexual na gestação19. Pesquisa com os dados do I Levantamento Nacional sobre Padrões de Consumo de Álcool no Brasil evidenciou que os homens relataram o uso de álcool quatro vezes maior durante a ocorrência de VPI21.
A associação entre a ingestão de bebidas alcoólicas e a violência por parceiro íntimo é, portanto, reconhecida9,22,23. O consumo de álcool pode influenciar no aumento da tensão entre o casal, interferindo no agravamento e na intensidade das agressões. Dessa forma, a ingestão etílica pelo parceiro pode agir como um fator que externa uma personalidade impulsiva e agressiva, predispondo à violência22,23. Contudo, sabe-se que a violência é um fenômeno complexo e multifatorial, não sendo apenas o álcool fator explicativo para o agravo1.
Outra característica que esteve associada à maior prevalência de violência física na gestação foi o parceiro não possuir trabalho remunerado, semelhante a resultado encontrado em Maringá, no Paraná, onde a violência física na gestação foi mais frequente em mulheres com parceiros desempregados no período estudado24. Pesquisa com 1.379 gestantes, em Campinas, São Paulo, verificou maior chance de violência física/sexual na gravidez em mulheres com parceiros desempregados19. Estudo conduzido com usuárias das unidades básicas de Vitória, Espírito Santo, observou que a violência física praticada pelo parceiro foi 111% mais prevalente em mulheres com parceiros que não tinham trabalho remunerado9.
As normas sociais que estabelecem os papéis de gênero propiciam ao homem o título de provedor financeiro e material no âmbito doméstico. Ao não ter um emprego ou uma fonte de renda, perpetram ameaças e agressões físicas como forma de dominação e poder sobre a mulher e a família8,10,25. Em relatos de homens em processo criminal por violência contra parceiro íntimo, nota-se que a provisão e a manutenção do lar são caracterizadas como atividades masculinas, não devendo as mulheres exercer atividades laborais remuneradas. Assim, o fato de homens que não trabalham se relacionarem com mulheres que possuem emprego, por exemplo, pode implicar o aumento da chance de episódios de violências, incluindo a física8,20.
Além disso, com a gestação, aumenta o número de membros da família. Para homens que perpetram violência contra as mulheres, esse pode ser um fator que ameaça a sua masculinidade, quando se vê impossibilitado de desempenhar a função de parceiro/provedor e pai nos moldes estabelecidos socialmente. A deficiência de políticas públicas que garantam condições favoráveis às mulheres e aos casais para o desempenho responsável e seguro da paternidade e maternidade também atua como fator agravante do problema26.
Foi observado que mulheres cujos parceiros se recusavam a usar preservativo apresentaram maior prevalência tanto de violência psicológica como física e sexual. Schraiber et al.27 encontraram chances 62% maiores de violência na gestação em mulheres com parceiros que se recusaram alguma vez a usar preservativo. Tal fato também foi observado em estudo com usuárias do serviço de saúde em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, em que mulheres com parceiros que se recusavam a usar preservativo sofreram com maior frequência violência física28.
Em uma relação íntima, o sexo é visto como obrigatório por homens e mulheres, uma vez que há o predomínio do desejo do parceiro nas relações sexuais, dificultando a negociação do sexo, do uso de preservativo e dos métodos contraceptivos pelas mulheres. No entanto, essas condutas impactam na ocorrência de gravidez indesejada. As mulheres com menor controle sobre a sua saúde sexual e reprodutiva, com o poder de decisão nas mãos do parceiro, vivenciam um ambiente de privação, sendo impedidas de decidir o que é melhor para si26,28,29.
Estudo com profissionais de saúde evidenciou que por vezes gestantes chegam aos consultórios acompanhadas de seus parceiros com dúvidas e preocupação excessiva sobre as relações sexuais no período da gravidez, podendo ser um fator que sinaliza a dificuldade de negociação do sexo e até mesmo a ocorrência de violência sexual na gravidez26. Outro ponto importante a ser discutido é que os homens tendem a negligenciar com maior frequência o cuidado em saúde, sendo visto como algo referente ao universo feminino, acarretando práticas de cuidados deficientes, o que expõe a si mesmos e às suas parceiras a uma série de situações de risco30.
No presente estudo foi observada prevalência 2,87 vezes maior de violência psicológica na gestação em puérperas com parceiros que não eram pais biológicos da criança. Pesquisa em duas maternidades públicas evidenciou que puérperas com filhos de outros relacionamentos tiveram chances 3,4 vezes maior (IC95% = 1,3-9,2) de sofrer violência física na gestação24. Ter filhos oriundos de relacionamentos anteriores pode ser um desencadeador de desentendimentos entre o casal, pois gera inseguranças e receio de envolvimento com o ex-companheiro. Achados de uma pesquisa com homens autores de violência do Grupo Reflexivo para Homens revelam que alguns não aceitam a convivência dos filhos de relacionamentos conjugais anteriores10.
Após o ajuste para os possíveis fatores de confusão, as variáveis parceiro/controlador e/ou ciumento não se mantiveram associadas à violência durante a gestação. Contudo, estudos evidenciam forte associação entre violência pelo parceiro e comportamento controlador9,31. Gestantes com parceiros com comportamento agressivo tiveram 2,8 (IC95%=1,7-4,6) vezes mais chances de vivenciar o agravo na gestação31. Em Vitória, Espírito Santo, mulheres com parceiro/controlador tiveram a prevalência de violência multiplicada por 1,96 (IC95% = 1,50-2,62)9. Cabe pontuar que mulheres vítimas de violência têm dificuldade de identificar a vivência da violência pelo parceiro e por vezes confundem os comportamentos controladores e de ciúmes com amor e cuidado32,33.
Caracteriza-se como comportamento controlador o domínio e a vigilância constantes, coibição na forma de se expressar e de se relacionar e reprovação do uso de roupas consideradas inadequadas pelo homem8. Quaisquer que sejam os comportamentos de controle dos parceiros, resultam no distanciamento de seu convívio familiar ou de amigos, pessoas que eventualmente poderiam vir a ajudá-las32. Embora naturalizadas, as atitudes controladoras são formas de violação do direito de ir e vir e da dignidade da mulher, prejudicando seu bem-estar e qualidade de vida8.
Há também outro elemento desencadeador da violência: o ciúme. Seja motivado pela socialização da parceira com amigos e familiares ou pela desconfiança de infidelidade, percebem-se questões de gênero envolvidas que perpetuam a ideia de posse entre os parceiros34. O ciúme pode ser entendido como uma das formas para entender a masculinidade tradicional, por legitimar a violência quando há uma inobservância das atribuições de gênero preestabelecidas25.
Os resultados do presente estudo devem ser interpretados sob o entendimento de algumas limitações. Um ponto se refere ao fato de a coleta de dados ter ocorrido no puerpério, momento em que as mulheres se encontram vulneráveis, por isso a prevalência de violência pode ser subestimada. O fato de as características do parceiro serem respondidas pelas puérperas estiveram sujeitas à percepção das participantes. Por último, a população do estudo foi composta por mulheres internadas em uma maternidade pública, por isso a interpretação dos resultados deve ser feita com cautela, não sendo possível generalizar os dados para a população geral de puérperas.
Conclusão
Em síntese, evidenciou-se neste estudo a associação da VPI na gestação com características socioeconômicas e comportamentais do parceiro íntimo.
Dessa forma, vale considerar que os fatores que determinam a ocorrência e a permanência na relação de violência correspondem a uma dinâmica social complexa, com a qual os serviços devem interagir. Os resultados demonstram a necessidade de ampliar a busca e o acolhimento dos homens nos serviços de saúde para intervir sobre fatores sociais e comportamentais que favorecem a violência na gestação. No que diz respeito ao período gravídico-puerperal, cabe destacar que a presença do parceiro desde o pré-natal é fundamental, uma vez que é um momento oportuno para abordar os parceiros das gestantes quanto aos cuidados em saúde e ofertar atendimento.
Quando se trata do parceiro agressor, observa-se a urgência de discutir sua abordagem no setor saúde, bem como a construção de ações efetivas e multissetoriais, que possibilitem desenvolver um trabalho com estratégias para a mudança de conduta dentro das relações familiares e sociais. Sendo assim, a compreensão da VPI na gestação pelos serviços e profissionais de saúde permite a adoção de estratégias para a prevenção e enfrentamento da violência, tanto por meio de ações individuais como coletivas. Cabe ainda a reflexão de que, para mudar as atitudes e comportamentos dos indivíduos, é necessário que o trabalho seja desenvolvido em redes para assegurar direitos e atendimento adequado.
Agradecimento
À fonte de financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo - FAPES (Edital FAPES/CNPq 04/2017. Processo 80641393/2017).
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
04 Maio 2022 -
Data do Fascículo
Maio 2022
Histórico
-
Recebido
01 Dez 2020 -
Aceito
15 Jun 2021 -
Publicado
17 Jun 2021