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Planejamento comunicativo: prioridade para o Brasil e América Latina

Communicative planning: a priority to Brazil and Latin America

Antes de tudo, agradecemos a este grupo de debatedores, pela riqueza de suas contribuições ao aceitarem o convite ao diálogo aqui proposto que, acreditamos, apenas se inicia (ou continua) neste limitado mas importante espaço editorial.

Nosso artigo faz uma apertada síntese de contribuições ao tema da gestão e do planejamento de Saúde, a partir de um importante texto de Mehry, que buscamos atualizar sem consegui-lo em sua plenitude. Neste sentido, concordamos com os comentários desse autor: talvez seja o caso de tratar essas correntes como contribuições de autores individuais ou coletivos e, como buscamos marcar, não completamente convergentes. O texto deveria contemplar muito mais do que efetivamente foi contemplado e, pelo reduzido espaço editorial, cortamos as referências para 61, com perdas, com certeza. Aproveitamos resgatar um dos textos de Merhy1, no qual ele analisa os processos de reestruturação produtiva no trabalho em saúde, afirmando que, hoje, o território em disputa é o campo de ação do trabalho vivo em ato, na sua capacidade de imprimir novos arranjos tecnológicos e rumos para os atos produtivos em saúde. Diríamos que é também mas não só neste mesmo território, onde se expressa o mundo da vida dos atores em interação, sem esquecer sua articulação com o sistema, que se encontra o cenário para a construção e expressão da ação comunicativa. Saudamos o desejo deste autor de participar da construção do comum e de marcar as diferenças.

Cecilio aponta para uma crise do planejamento que deixa duas alternativas abertas: a afirmação da micropolítica da saúde, da subjetividade e da humanização do cuidado, e uma opção não desejável, que é a imposição do gerencialismo despolitizador. Nossa visão de um planejamento comunicativo se insere na perspectiva do envolvimento dos coletivos dos centros operadores, de um resgate das estratégias emergentes2 de microlugares organizacionais, numa articulação entre o operacional e o estratégico, em que o deliberado não pode ser uma definição isolada da cúpula organizacional, mas o reflexo de boas práticas comunicacionais, com participação ampla e um envolvimento responsabilizante. Esta perspectiva reforça essa primeira alternativa e, pelas suas características procedimentais, aponta claramente para a defesa do sistema político democrático, visto como condição de possibilidade de decisões tomadas com base na universalização de interesses. Daí ela ter um significado político profundo. Apenas ponderamos que, embora os microlugares sejam destacados como os espaços do diálogo do planejamento nos contextos duma organização profissional, há a necessidade da afirmação do deliberado a partir da perspectiva da totalidade da organização, sob pena de recairmos no incrementalismo e no continuísmo3. Reiteramos com o autor a necessidade do abraço macroorganizacional da política.

Em relação à segunda alternativa, pensamos que há elementos positivos na gestão pública por resultados, como, por exemplo, o contrato de gestão como possibilidade de um acordo solidário entre demanda e oferta, a busca de uma maior descentralização e autonomia, e de uma maior transparência definida pelo reforço da avaliação e do planejamento de metas. Porém, concordamos que pode haver resultados indesejados na aplicação de suas idéias, como a despolitização apontada. Na realidade, só alguns princípios dessa corrente têm sido implementados e o nível de realização das práticas contratuais ainda é insuficiente para se ter uma avaliação consistente de resultados. A crítica a uma despolitização poderia ser uma crítica a uma má aplicação, não às ideias. Essa crítica pode ser também feita a uma determinada forma de fazer política, pois supor que não tem havido politização na atuação das instituições encarregadas da saúde pública pode ser questionado.

De todo modo, o comentário de Cecilio aponta para uma relativização da metodologia gerencial como fator de mudança, sem menosprezála, enfatizando a necessidade da política. Junto com Ligia Bahia, diríamos, em apoio à intenção politizadora de Cecilio: não se trata de eliminar ou atenuar o poder e muito menos de retroceder às posições de intolerância ou condescendência com visões, interesses e valores discordantes e sim de constituir formas de poder compatíveis com o planejamento comunicativo e com a democracia política e social.

Paim nos brinda com uma análise arguta e crítica da evolução do planejamento e estabelece uma forte distinção entre racionalidade organizativo-gerencial e modelo de atenção, este pensado a partir da categoria trabalho, como tecnologia, com elementos técnicos particulares. Esta diferenciação lhe permite rejeitar a classificação feita. Contraargumentamos a favor da existência de um relacionamento entre o gerencial e a definição do modelo. O paradigma das redes esboçado pelo autor como uma alternativa de busca da integralidade é hoje um paradigma gerencial, considerado quase universal, e este não separa o gerencial-organizativo e o modelo de atenção. Parafraseando Matus, as acumulações organizativas objetivam coordenar as acumulações técnicas de produção e estão vinculadas. Por isso uma "escola" pode se preocupar com a metodologia e ao mesmo tempo sustentar proposições relativas ao modelo de atenção, segundo nossa visão das correntes. Concordamos, porém, que toda taxonomia é limitada e que o exposto sobre correntes ou modelos são apenas contribuições nem sempre articuláveis.

Paim expressa, ainda, dúvidas sobre a validade universal do planejamento comunicativo habermasiano. Tem razão quando sustenta que Habermas discerniu várias formas de racionalidade de ação, além da comunicativa. É no contexto do predomínio da razão estratégica sobre a razão comunicativa, fruto da colonização do mundo da vida pelo sistema, diagnóstico deste autor para as sociedades modernas4, que podemos perceber que a razão comunicativa não é a única forma de racionalidade. Mas, é possível sustentar que ela é superior e mais abrangente, pois a própria racionalidade estratégica depende da comunicação e a razão comunicativa é a única que articula todas as outras formas de racionalidade da ação, como a instrumental (relacionada ao mundo objetivo), a normativa (mundo social) e a expressiva (mundo subjetivo), através da linguagem e do horizonte de pré-interpretações que permite o entendimento aos participantes (mundo da vida).

É importante salientar que o mundo das normas expressa de maneira peculiar a aplicação da racionalidade comunicativa. Daí a importância atribuída por Habermas ao mundo do direito. Há na colocação de Paim, ainda, um provável problema de interpretação, qual seja, a de que a razão comunicativa dispensa a existência de um telos. Toda ação comunicativa une o entendimento à busca de fins. Por fim, a comunidade ideal de diálogo que a razão comunicativa pressupõe e que o autor relativiza se coaduna com a visão normativa das escolas de argumentação modernas, como a pragma-diáletica, definida como um enfoque de argumentação para a resolução de disputas e diferenças que elabora normas de uma boa comunicação, que permitem descobrir o uso falaz dos argumentos e operar como parâmetro de crítica5.

Assim, não se trata de aceitar a razão estratégica como inevitável, mas entender o discurso argumentativo habermasiano como uma atividade comunicativa sui generis, que pretende tematizar e enfrentar o conflito pela argumentação.

Há uma equivocada compreensão da teoria habermasiana ao se buscar eliminar os contextos estratégicos de ação em que são pertinentes. Numa cirurgia para salvar uma vida, por exemplo, o agir instrumental está presente e é necessário. Onde está o consenso? O consenso é prévio à ação, foi realizado pela discussão e produção de protocolos de ação acordados nas associações médicas e de outros profissionais para casos similares e a ação cirúrgica se dá em meio à préinterpretações normativas como é o caso da máxima "a prioridade é salvar a vida". Às costas desta ação instrumental necessária, como um horizonte de pré-interpretações, está o mundo da vida, a razão comunicativa que é a única capaz de articular os três mundos concomitantemente, como anteriormente referido. Por isso, é a única, na proposição de Habermas4, capaz de assumir o lugar do todo. A ação estratégica é limitada (não prescindível) e incapaz de assumir este lugar amplo, que é o que tem acontecido nas sociedades atuais, onde o sistema e o dinheiro têm assumido o lugar normativo que deve ser dado à ação comunicativa e que se busca resgatar com a crítica deste autor.

Em 1989, Habermas esteve no Rio e fazíamos a disciplina sobre este filósofo no IFICS com Flávio Siebeneichler. Durante a palestra, perguntaram se sua teoria poderia ser aplicada à América Latina, ao Brasil, ao que ele respondeu: "Depende de vocês, cidadãos brasileiros e latino-americanos. Do quanto estão dispostos a investir em competências comunicativas, o que inclui investir em educação".

O reconhecimento de situações de falsos consensos, de correlações de forças assimétricas, como lembram Bahia e Paim, é importante. Ser habermasiano não significa ser ingênuo. Habermas reconhece o sistema e o poder do dinheiro, mas é impossível para o homem viver o tempo todo em contextos estratégicos, o que levaria à loucura. Porém, nada nos é dado de graça, nem a história se faz sozinha, depende dos atores e do contexto histórico. A ação comunicativa inclui a militância pelo SUS e pela cidadania.

  • 1. Merhy EE. Saúde: a cartografia do trabalho vivo 3Ş ed. São Paulo: Hucitec; 2002.
  • 2. Mintzberg H. Ascensão e queda do planejamento estratégico Porto Alegre: Bookman; 2004.
  • 3. Crémadez M, Grateau F. Le management stratégique hospitalier . Paris: Intereditions; 1997.
  • 4. Habermas J. Teoria de la acción comunicativa Madrid: Taurus; 1987.
  • 5. Eemeren FHV, Grootensdorst R. Argumentación, comunicación y falacias Santiago: Editora Universidad Católica de Chile; 2002.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jul 2015
  • Data do Fascículo
    Ago 2010
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