Acessibilidade / Reportar erro

Nível de informação da população e utilização dos mecanismos institucionais de participação social em saúde em dois municipios do Nordeste do Brasil

Level of community information and use of mechanisms for social participation in health in two municipalities of Northeast Brazil

Resumos

A reforma do setor saúde no Brasil contempla como eixo fundamental a democratização dos serviços de saúde através do exercício do controle social sobre o sistema de saúde. Foram desenhados diversos mecanismos de participação nos serviços de saúde. No artigo analisam-se o nível de informação e a utilização pela população dos mecanismos de participação em saúde diretos: Conselhos Municipais de Saúde, Conferências de Saúde, Disque-Saúde e Ouvidoria de Saúde; e um indireto, a Superintendência de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon). Realizou-se um inquérito populacional, com questionário estruturado, em uma amostra de 1.590 usuários dos serviços de saúde, em dois municípios de Pernambuco. Cerca de metade da população entrevistada afirmava conhecer o Disque Saúde, a Caixa de Queixas e o CMS; os outros mecanismos diretos eram muito menos conhecidos. A maioria dos entrevistados afirmou conhecer o Procon (80%). A finalidade do mecanismo, exceto para o Procon, foi definida de forma vaga ou inexata. A taxa de utilização não superou 5%. Os resultados parecem indicar que houve avanço, embora o desafío continue sendo levar à prática as conquistas no plano legal, começando por melhorar a informação à população.

Políticas de participação social em saúde; Mecanismos de participação; Níveis de informação; Utilização de mecanismos de participação; Brasil; América Latina


A fundamental plank of the health sector reforms in Brazil is the democratization of health services by exercising social control upon the health system. A series of institutional mechanisms for social participation in the health services were designed. This paper analyses people's knowledge and experiences with institutional direct mechanisms (Municipal Health Council, Health Conferences, Disque Saúde and health ombudsman) and an indirect mechanism (PROCON). A questionnaire survey to a sample of 1590 health services users was carried out, in two municipalities of Pernambuco. Around half of the interviewed population declared themselves aware of the existence of Disque Saúde, suggestions boxes and the Municipal Health Council. The other direct mechanisms were less well known and the PROCON was known by the majority of the interviewees (80%). The functions of any mechanism, except for PROCON, were often inaccurately and vaguely defined. The take-up rate did not exceed 5%. These results seem to indicate that some progress was made, but the challenge of transforming legal gains into policy practices continues to remain, beginning with improving the provision of information to the population.

Social participation in health policies; Participation mechanisms; Information levels; Utilization of participation mechanisms; Brazil; Latin America


ARTIGO ARTICLE

Nível de informação da população e utilização dos mecanismos institucionais de participação social em saúde em dois municipios do Nordeste do Brasil

Level of community information and use of mechanisms for social participation in health in two municipalities of Northeast Brazil

María Luisa Vázquez I, II; Maria Rejane Ferreira da SilvaII, III; Eliane Siqueira Campos GonzalezIV; Alcides da Silva DinizV; Ana Paula Campos PereiraIV; Ida Cristina Leite VerasIV; Ilma Kruze Grande de ArrudaIV, V

IConsorci Hospitalari de Catalunya. Av. Tibidabo 21, 08022, Barcelona, Espanha. mlvazquez@chc.es

IIInstitute for Health Sector Development, Londres

IIIFaculdade de Enfermagem Nossa Senhora das Graças, Universidade de Pernambuco

IVInstituto Materno Infantil de Pernambuco

VUniversidade Federal de Pernambuco

RESUMO

A reforma do setor saúde no Brasil contempla como eixo fundamental a democratização dos serviços de saúde através do exercício do controle social sobre o sistema de saúde. Foram desenhados diversos mecanismos de participação nos serviços de saúde. No artigo analisam-se o nível de informação e a utilização pela população dos mecanismos de participação em saúde diretos: Conselhos Municipais de Saúde, Conferências de Saúde, Disque-Saúde e Ouvidoria de Saúde; e um indireto, a Superintendência de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon). Realizou-se um inquérito populacional, com questionário estruturado, em uma amostra de 1.590 usuários dos serviços de saúde, em dois municípios de Pernambuco. Cerca de metade da população entrevistada afirmava conhecer o Disque Saúde, a Caixa de Queixas e o CMS; os outros mecanismos diretos eram muito menos conhecidos. A maioria dos entrevistados afirmou conhecer o Procon (80%). A finalidade do mecanismo, exceto para o Procon, foi definida de forma vaga ou inexata. A taxa de utilização não superou 5%. Os resultados parecem indicar que houve avanço, embora o desafío continue sendo levar à prática as conquistas no plano legal, começando por melhorar a informação à população.

Palavras-chave: Políticas de participação social em saúde, Mecanismos de participação, Níveis de informação, Utilização de mecanismos de participação, Brasil, América Latina

ABSTRACT

A fundamental plank of the health sector reforms in Brazil is the democratization of health services by exercising social control upon the health system. A series of institutional mechanisms for social participation in the health services were designed. This paper analyses people's knowledge and experiences with institutional direct mechanisms (Municipal Health Council, Health Conferences, Disque Saúde and health ombudsman) and an indirect mechanism (PROCON). A questionnaire survey to a sample of 1590 health services users was carried out, in two municipalities of Pernambuco. Around half of the interviewed population declared themselves aware of the existence of Disque Saúde, suggestions boxes and the Municipal Health Council. The other direct mechanisms were less well known and the PROCON was known by the majority of the interviewees (80%). The functions of any mechanism, except for PROCON, were often inaccurately and vaguely defined. The take-up rate did not exceed 5%. These results seem to indicate that some progress was made, but the challenge of transforming legal gains into policy practices continues to remain, beginning with improving the provision of information to the population.

Key words: Social participation in health policies, Participation mechanisms, Information levels, Utilization of participation mechanisms, Brazil, Latin America

Introdução

As políticas que promovem a participação social em saúde evoluíram ao longo do tempo de acordo com as própias evoluções experimentadas nas concepções da saúde, os seus determinantes e o sistema de saúde. Embora tenham sido registradas experiências isoladas de participação da população em diversos projetos e programas de saúde pública desde finais do século 19, a participação comunitária aparece como questão central nas políticas de saúde desde os anos 70. É um dos principios da estratégia da Atenção Primária de Saúde (OMS, 1978), insere-se no locus da filosofía da promoção de saúde (OMS, 1986; 1988; 1989; 1995) e é uma das políticas introduzidas nas reformas dos sistemas de saúde no contexto da descentralização e democratização dos serviços de saúde (OMS 1996; Araújo, 1997; Celedón & Noé, 2000).

Diversos autores questionam a participação social promovida pelas instituições e analisam as dificuldades de caráter político, cultural e econômico que essa participação enfrenta (Valla, 1998a; Zakus & Lysack, 1998; Dias, 1998a; Stone, 1992; Woelk, 1992). Como qualquer outra política pública, para sua implantação, devem concorrer elementos políticos – redistribuição de poder e recursos –, elementos organizativos e elementos relativos à população (Vázquez et al., 2002a). Entre os elementos organizativos, a serem desenvolvidos pelas instuições, necessários para uma possível participação da sociedade nos serviços de saúde, se encontra a existência de "portas de entrada" ao sistema ou mecanismos institucionais por meio dos quais os cidadãos possam incorporar a sua opinião e atividade, de maneira coletiva ou individual, aos serviços de saúde, tais como os conselhos municipais ou sistemas de queixas e sugestões (González, 1996; Zakus & Lysack, 1998). Muitas das políticas de participação social introduzidas no contexto das reformas dos sistemas de saúde contemplam a criação destes mecanismos (Bennett, 1998). Outro elemento básico para a participação da população no sistema de saúde é o acesso à informação, como instrumento fundamental para a democratização dos serviços (Klein, 1984; Zakus & Lysack, 1998; Dias, 1998b). A população deve conhecer os seus direitos em saúde, os problemas e as suas causas, as possíveis intervenções, os serviços oferecidos e sua qualidade, assim como os mecanismos pelos quais pode interagir com o sistema. A informação (das instituições à população sobre os projetos ou programas) é considerada o nível mínimo de participação nas escalas que analisam o grau de participação da população (González, 1996; Arstein, 1969).

No Brasil, a participação da população é um dos eixos principais na estruturação do Sistema Único de Saúde (SUS) e está claramente definida dentro do marco legal da reforma do setor saúde (Constituição Federal, 1988; Leis 8.080 e 8.142, 1990; NOB's 1/91, 1/92 e 1/96). A Constituição Federal estabelece que é um direito e um dever de todo cidadão participar em todos os níveis de governo. Este novo marco legal recolhe uma concepção democrática da participação em saúde, significando a integração, em parceria com o Estado, dos diferentes setores da população na definição de políticas de saúde a serem implementadas, bem como no monitoramento de sua implementação, incluindo aspectos econômicos e financeiros.

Os textos legais contemplam a criação de diversos mecanismos institucionais de participação para que a população possa exercer um controle sobre o sistema de saúde. Além de revigorizar e criar mecanismos diretos de participação coletiva (Conselho de Saúde, Conferências de Saúde), promove o estabelecimento de mecanismos para a participação individual: disque-saúde, caixas de queixas e sugestões e ouvidoria de saúde (GTCOM/Abrasco 2002). Os conselhos de saúde são órgãos colegiados, de caráter permanente e deliberativo, constituídos em todas as esferas de governo, com participação paritária dos usuários, cujas finalidades são formular estratégias para operacionalização das políticas setoriais e controlar a execução das políticas e ações de saúde, inclusive nos seus aspectos econômicos e financeiros. Iniciadas em 1941, e revigorizadas a partir de 1986, as Conferências de saúde se constituem em fóruns de representação dos vários segmentos sociais, para avaliar a situação de saúde e propor as diretrizes para a formulação da política de saúde nos níveis de governo correspondentes. São convocadas a cada quatro anos e sempre com a participação paritária do usuário em relação ao conjunto dos demais segmentos. O disque-saúde se constitui em uma linha telefônica para prestar informações e receber denúncias relativas à saúde. As ouvidorias de saúde têm como finalidade receber as reclamações de qualquer cidadão, as denúncias de quaisquer violações de direitos individuais ou coletivos relativos à saúde, bem como qualquer ato de improbidade administrativa, praticados por servidores públicos, apurar a veracidade dos fatos e providenciar as medidas cabíveis.

Do mesmo modo, se contempla a divulgação de informações sobre os meios legais existentes para exigir o cumprimento das leis (Ministério Público, Superintendência de proteção e defesa do consumidor (Procon), Conselhos Profissionais) e os meios de comunicação de massa, como mecanismos indiretos de participação em saúde (GTCOM/Abrasco).

Apesar destes avanços, alguns estudos e relatórios oficiais registram a limitada participação da população, evidenciando o descompasso entre as conquistas obtidas no plano formal e a prática cotidiana dos serviços de saúde (Dias, 1998a; Cohn, 2000; Cotta et al. 2000; Ministério da Saúde, 2002a; Valla, 1998b). Para a análise da implementação de políticas em saúde, se devem levar em conta tanto elementos do contexto, conteúdo e processo, como relativos aos própios atores sociais envolvidos (Walt & Gilson, 1994). Embora diversos estudos analisem os fatores que influenciam os processos de participação social em saúde, parecem ser escassos os estudos destinados a avaliar os níveis de informação da população sobre os mecanismos institucionais de participação, como condição prévia para sua possível utilização, assim como a extensão da utilização destes mecanismos pela população em nível local. A maioria das publicações encontradas, em relação com o processo brasileiro, se concentra, fundamentalmente, na dinâmica dos conselhos de saúde (Pessoto et al., 2001; Abrantes-Pêgo, 1999; Wendhausen & Caponi 2002; Pedrosa, 1997). Além disto, são raras as pesquisas sobre participação social em saúde (Mosquera et al., 2001) que realizem estudos de base populacional.

À luz dessa revisão, desenhou-se uma pesquisa destinada a analisar diversos aspectos da implementação das políticas de participação social nos serviços de saúde, no contexto das atuais reformas do setor saúde no Brasil. As diferentes concepções sobre participação social em saúde, dos agentes principais e suas implicações para a implementação das políticas, foram analisadas e apresentadas em outros lugares (Vázquez et al. 2002b; 2003). Neste artigo se discutem os resultados referentes a um dos objetivos da pesquisa, definido como avaliar o conhecimento e experiências dos usuários com os mecanismos institucionais para a participação social nos serviços de saúde nas localidades estudadas. As análises procuram identificar a extensão da informação na população sobre seis dos mecanismos institucionais de participação social, assim como a frequência de sua utilização.

Metodologia

O desenho da pesquisa corresponde a um estudo descritivo transversal mediante inquérito domiciliar, no qual se procurou dimensionar o nível de informação dos usuários dos serviços de saúde sobre os mecanismos institucionais de participação em saúde e de sua utilização. Foram selecionados cinco mecanismos diretos, e um mecanismo indireto.

Área de estudo

O estudo foi realizado nos municípios do Cabo de Santo Agostinho, de caráter predominantemente rural, e Camaragibe, de caráter predominantemente urbano, integrantes da Região Metropolitana de Recife, Estado de Pernambuco, no Nordeste brasileiro. Os dois municípios foram selecionados de acordo com os seguintes critérios: nível máximo de descentralização do sistema de saúde; densidades demográficas contrastantes; implementação de reformas no setor saúde que incluem a implantação de mecanismos institucionais de participação social em saúde.

Método

Realizou-se um inquérito populacional, no período entre março e junho de 2000. Utilizou-se um questionário contendo perguntas abertas e fechadas sobre cinco mecanismos institucionais de participação direta nos serviços de saúde, Conselho Municipal de Saúde (CMS), Conferências de Saúde, caixa de queixas e sugestões, disque-saúde, ouvidoria de saúde, e um indireto, o Procon. Foram incluídas perguntas sobre o conhecimento da existência, utilização, finalidade e funcionamento dos mecanismos. Igualmente, foram incluídas perguntas sobre os mecanismos existentes nas unidades de saúde habitualmente utilizadas pelos entrevistados.

Amostra estudada

Calculou-se o tamanho da amostra com base na taxa de utilização dos mecanismos institucionais de participação nos serviços de saúde, estimado segundo os resultados obtidos do estudo piloto. Para uma população de 149.964 habitantes no Cabo e 118.968 em Camaragibe, estimou-se em 797 e 795, respectivamente, o número de indivíduos a serem incluídos no inquérito, admitindo-se um nível de confiança de 95%, uma precisão de 3% e uma taxa global de utilização de mecanismos de participação institucionais na ordem de 25%. A amostra foi selecionada de forma aleatória, mediante uma seleção sistemática dos domicílios. Calculou-se o intervalo amostral e sorteou-se o domicílio inicial do inquérito em cada setor censitário (IBGE) de domicílios. Finalmente, para garantir uma boa representação masculina, se fez uma amostragem por cota em cada bairro. Foram entrevistadas 1.590 pessoas, 801 no Cabo e 789 em Camaragibe (Tabela 1).

Qualidade dos dados e processamento da informação

O questionário foi testado em dois estudos piloto, antes de assumir a forma definitiva. Durante a realização do inquérito, todos os questionários eram revisados, procedendo-se à repetição de 20% das entrevistas (cerca de 318). Utilizou-se a técnica de dupla entrada para a digitação dos dados no programa Epi-info-6.0, em um banco provido de mecanismos de controle para verificação automática de incongruências. Relatórios de freqüências simples apoiaram as análises de consistência. As respostas às perguntas abertas foram agrupadas por critério de similitude de conteúdo e, posteriormente, codificadas. Foram realizadas análises univariada e bivariada utilizando-se o programa SPSSWIN, versão 8.0. As proporções foram comparadas utilizando-se o teste do x2 de Pearson, sendo adotado o nível de significância de 5% para rejeição da hipótese de nulidade.

Resultados

Características da população estudada

Ambos os municípios apresentam características semelhantes em relação à composição demográfica, níveis educacionais, ocupação e utilização de planos de saúde.

A proporção de mulheres entrevistadas foi superior à de homens, na cidade do Cabo (p= 0,001), embora semelhante à dos homens no município de Camaragibe (p=0,05) (Tabela 1). Considerando a população estudada como um todo, o percentual encontrado de mulheres foi de 54,2 (51,7-61,9); e de homens foi de 45,8 (95% IC 43,4-48.3).

Apesar de em ambos os municípios as mulheres apresentarem um melhor nível de escolaridade em todos os ciclos de estudo em relação aos homens, apenas em Camaragibe observou-se que esta diferença era estatisticamente significativa (x2 = 17,74; p<0,001). A taxa de analfabetismo entre as mulheres do município do Cabo foi de 18,6% e a dos homens foi de 19,6%. Em Camaragibe estas taxas foram respectivamente de 11,4% e de 17,4%. As taxas de analfabetismo foram 19,1% e 14,2%, respectivamente, no Cabo e em Camaragibe. Em todos os grupos de idade havia pessoas analfabetas. Aproximadamente 60% dos entrevistados dos dois municípios apresentaram nível de escolaridade, no máximo, até o ciclo fundamental completo.

Quanto à ocupação, a proporção geral de trabalhadores manuais não qualificados ou parcialmente qualificados foi de 49,9% no Cabo e 52,7% em Camaragibe. Vale ressaltar que a proporção de mulheres que realizavam atividades manuais não qualificadas foi de 66,7% no Cabo e de 70,7% em Camaragibe. A taxa de desemprego foi de, aproximadamente, 10,5% nos dois municípios. Os aposentados e pensionistas representavam, aproximadamente, 17,3% da amostra do Cabo e 14,9% da de Camaragibe, observando-se ainda, uma menor proporção de mulheres aposentadas ou pensionistas (3,0% no Cabo e 2,0% em Camaragibe), quando comparada àquela observada entre os homens (14,3% no Cabo (p<0,001) e 12,9% em Camaragibe (p<0,001).

Cerca do 15% dos entrevistados (15,8% no Cabo e 15,0% em Camaragibe) possuíam planos de saúde. Destes, 46,5% no Cabo e 51,3% em Camaragibe, pagavam planos de saúde com cobertura individual ou familiar, sendo que 31,5% no Cabo e 41,2% em Camaragibe possuíam cobertura por vínculo com empresa privada ou pública. Dos restantes, 22% no Cabo e 7,6% em Camaragibe, pagavam planos de saúde com uma limitada cobertura de assistência, como, por exemplo, plano odontológico ou de atenção à gestante.

Nível de informação e utilização dos mecanismos institucionais de participação em saúde

No inquérito, realizou-se um conjunto de perguntas para dimensionar o nível de informação, bem como a utilização pelos usuários dos mecanismos institucionais de participação, quais sejam: CMS, as Conferências de Saúde, as Caixas de queixas e sugestões, o Disque-saúde, as Ouvidorias de Saúde e o Procon.

Perguntou-se a todos os entrevistados se sabiam da existência de cada um dos mecanismos supramencionados. O disque-saúde e o Procon foram os mecanismos mais conhecidos, seguidos pelo CMS; enquanto os menos conhecidos foram as Conferências e a Ouvidoria de Saúde (Figura 1). À exceção da caixa de queixas e sugestões, todos os mecanismos eram mais conhecidos pelos entrevistados de Camaragibe, se bem que somente foram identificadas diferenças estatisticamente significativas entre as proporções dos que conheciam o Conselho de Saúde (c2= 14,13; p<0,001) e o Procon (c2= 3,74; p<0,05) (Figura 1). Deve-se ainda destacar que, em Camaragibe, a proporção de pessoas que conheciam o CMS superou àquela que conhecia a caixa de queixas e sugestões.


Questionou-se ainda se os entrevistados haviam utilizado esses mecanismos institucionais de participação. As taxas de utilização não superaram 5% para nenhum dos mecanismos. As maiores taxas, similares em ambas as localidades, foram as de utilização do Procon (4,0%), a caixa de queixas e sugestões (4,2%) e o disque saúde para os usuários de Camaragibe (Figura 2).


As perguntas complementares que permitiram aprofundar sobre o nível de conhecimento e a experiência do entrevistado, com cada um dos mecanismos de participação, foram feitas àqueles que afirmaram conhecer a sua existência.

Conselho Municipal de Saúde (CMS)

Dos entrevistados que afirmaram conhecer o CMS, cerca de 37,8% eram do Cabo de 47,1% de Camaragibe (Figura 1). Quando se perguntou para que servia este colegiado, as respostas foram pontuais e variadas; apenas 4,6% da amostra, de ambas as localidades, responderam de forma mais pertinente, se bem que as demais respostas tiveram um certo grau de acerto. Em torno de 16% das respostas eram de caráter genérico, como por exemplo, "melhorar os serviços de saúde" (Figura 3). Uma importante proporção de entrevistados, tanto no Cabo (60,4%) como em Camaragibe (50,4%), desconhecia a finalidade do CMS.


Apenas 3,2% dos entrevistados no Cabo e 9% em Camaragibe afirmaram que conheciam seu representante no CMS. Ainda assim, foram muito poucos os entrevistados que identificaram, com suposta coerência, o seu representante no CMS. Quanto à difusão das atuações do CMS, os resultados revelam uma limitação nas vias e no alcance de informações. Apenas 3,5% dos entrevistados no Cabo e 7,8% em Camaragibe receberam informações sobre a atuação do CMS. Em ambos os municípios, os entrevistados disseram que recebiam informações por panfletos, folhetos, mídia e, particularmente em Camaragibe, a metade deles, pelo jornal do município.

As experiências dos entrevistados com o CMS foram inexpressivas. Cerca de 1,0% do Cabo e 2,4% de Camaragibe assistiram a alguma das reuniões do CMS (Figura 2). Do mesmo modo, menos de 1% dos entrevistados do Cabo e 3,5% dos de Camaragibe participaram em eleições para a escolha de conselheiros municipais de saúde. Nas duas localidades, a maioria participou das reuniões do CMS para denunciar problemas que encontravam nos serviços de saúde e, em menor proporção, para se informar sobre a situação de saúde do município.

Conferências de Saúde

Os resultados do inquérito populacional revelaram que 10% da amostra do Cabo e 12% da de Camaragibe conheciam as conferências de saúde (Figura 1). Estes entrevistados, quando questionados sobre a finalidade destes encontros, apresentaram uma variedade de respostas gerais, alusivas ao debate em busca de soluções para os problemas dos serviços e do sistema de saúde, como também respostas referentes ao intercâmbio de informações em saúde. Aproximadamente 25% destes entrevistados, nos dois municípios, desconheciam a finalidade das conferências (Figura 4). Nas duas localidades, apenas cerca de 0,6% disse que havia participado de alguma conferência de saúde, nos últimos 5 anos (Figura 2).


Caixas de queixas e sugestões

No Cabo, 43,2% afirmaram conhecer a caixa de queixas e sugestões enquanto em Camaragibe esta proporção foi de 41,7% (Figura 1). Indagou-se a estes entrevistados qual era a sua opinião quanto ao encaminhamento dado pelos serviços de saúde às informações coletadas por este mecanismo. Em torno de 53,5% dos entrevistados de Camaragibe e 43,5% dos do Cabo opinaram que as unidades de saúde analisavam, respondiam e procuravam melhorar seus serviços com base nestas informações. Ao contrário, 42,5% dos entrevistados do Cabo e 33,7% dos de Camaragibe não acreditavam que as demandas apresentadas recebessem alguma atenção por parte dos serviços (Figura 5).


No que se refere às experiências com a caixa de queixas e sugestões, detectou-se que a taxa de utilização, em ambos os municípios, foi de aproximadamente 4% (Figura 2). As razões que levaram estes entrevistados a utilizá-la foram similares em ambas as localidades, tanto em proporção, como em conteúdo. Aproximadamente 30% utilizaram para reclamar sobre o atendimento (queixas do médico, falta de fichas, etc), enquanto quase 70% dos entrevistados se motivaram para elogiar ou dar sugestões sobre os serviços.

Disque-saúde

Destacou-se a expressiva proporção de indivíduos que afirmava conhecer o disque-saúde, representando 57,2% dos entrevistados do Cabo e 61,9% dos de Camaragibe (Figura 1). Foi questionado aos entrevistados para que servia este mecanismo; em ambos os municípios, em torno de 22% descreveram que este era um mecanismo de participação destinado a veicular informações e queixas. Uma boa proporção dos entrevistados, tanto no Cabo (39%), como em Camaragibe (50%), respondeu que o disque-saúde era um meio para facilitar o atendimento, como, por exemplo, "marcar consultas" ou "chamar a ambulância". A finalidade deste mecanismo não foi identificada por 38% dos entrevistados do Cabo e por 25,7% em Camaragibe (Figura 6). As experiências com o disque-saúde foram inexpressivas. No Cabo, apenas 1,5% dos entrevistados realizou alguma ligação e em Camaragibe 3,5% (Figura 2).


Ouvidoria de Saúde

De todos os mecanismos de participação estudados, a Ouvidoria de Saúde era o menos conhecido e foi lembrado por apenas 4,5% da amostra do Cabo e por 6% da de Camaragibe (Figura 1). Dos que sabiam da existência da Ouvidoria de Saúde, a maioria não sabia qual era a sua finalidade (81% no Cabo e 59% em Camaragibe). Os demais entrevistados responderam que a Ouvidoria servia para escutar e resolver problemas de saúde e do sistema de saúde, como também resolver problemas do atendimento e receber denúncias de abusos. Quanto às experiências com este mecanismo, apenas uma pessoa de Camaragibe afirmou que o havia utilizado nos últimos 5 anos (Figura 2).

Procon

Dentre todos os mecanismos institucionais estudados, o Procon era o mais conhecido e foi lembrado por 76,9% da amostra no Cabo e por 80,9% em Camaragibe (Figura 1). No que se refere a sua finalidade, as respostas apresentadas pelos entrevistados foram as mais pertinentes, ainda assim, nas duas localidades, cerca de 30% dos que o conheciam não sabiam para que servia. Em ambos os municípios, aproximadamente 24% dos entrevistados afirmaram que este órgão tem por objetivo defender o consumidor. As demais respostas se referiam a temas pontuais, se bem que relacionados com aspectos econômicos que envolviam a proteção do consumidor. A prestação de informações e defesa dos direitos, em geral, foram citadas por cerca de 7% no Cabo e 12,3% em Camaragibe. Nos dois municípios, foi inexpressiva a proporção de entrevistados que relacionou o Procon com a saúde (Figura 7).


Apesar de muito conhecido, apenas cerca de 4% dos entrevistados, de ambas as localidades, tiveram experiência com o Procon (Figura 2). Os motivos da procura foram vários e, geralmente, relacionados com problemas de ordem econômica. No que diz respeito às respostas às demandas, a maior parte dos entrevistados considerou positiva as respostas às suas queixas, 53% no Cabo e 72% em Camaragibe. Uma menor parcela de usuários, porém, ainda significativa, considerou negativo o retorno do Procon, 31,3% no Cabo e 10,3% em Camaragibe. Os demais entrevistados esperavam resposta no momento da entrevista.

Formas de participar na própria unidade de saúde

Procurou-se identificar que outros mecanismos de participação os usuários conheciam nos serviços de saúde. Para tanto, foi perguntado se existia, nas unidades de saúde que eles habitualmente utilizavam, um local ou pessoa responsável para receber as queixas e sugestões. Em ambos os municípios cerca de 24% dos entrevistados responderam que existia. Porém, 22,8% no Cabo e 29,7% em Camaragibe afirmaram que não existia, e, aproximadamente, a metade dos entrevistados não sabia se existia ou não (52,9% no Cabo e 45,8% em Camaragibe). Entre aqueles que afirmaram a existência de uma pessoa ou de um local para recepção de queixas e sugestões, a maioria (74,0% no Cabo; 81,7% em Camaragibe) referiu um servidor da unidade de saúde e um outro grupo (16,6% no Cabo e 8,4% em Camaragibe) afirmou que existia uma caixa de queixas e sugestões. Tanto no Cabo, como em Camaragibe, 4,6% dos entrevistados afirmaram que já haviam procurado o referido servidor. Em ambos os municípios, as principais razões da procura foram os problemas com a organização dos serviços e com a prestação da assistência à saúde. Concernente às respostas relativas às queixas, no Cabo, mais da metade considerou o resultado bom ou parcialmente bom, enquanto os demais disseram que não houve resposta ou desconheciam os resultados. Estes resultados ocorreram de forma inversa em Camaragibe.

Em relação ao sistema de saúde, de modo geral, perguntou-se a todos os entrevistados qual era a pessoa ou local que normalmente procuravam para prestação de queixas ou sugestões. Cerca de 35,5% no Cabo e 47,7% em Camaragibe indicaram algum trabalhador da unidade de saúde. Foram citadas outras instâncias, como, por exemplo, a prefeitura ou a secretaria de saúde, por 16,4% dos usuários do Cabo e por 8,7% dos de Camaragibe. Um terço das pessoas respondeu que "não procuravam ninguém e não tinham a quem procurar", tanto no Cabo (33,7%), como em Camaragibe (28,6%). Ao serem perguntados se já haviam procurado o local ou pessoa mencionados, a proporção de usuários do Cabo (9.4%) que responderam afirmativamente foi significativamente menor (p<0,05) do que entre os de Camaragibe (13,2%)

Discussão

A amostra pode ser considerada representativa da população dos municípios estudados, devido a sua natureza probabilística, assim como os resultados, uma vez que a estrutura demográfica encontrada em ambas as populações é similar à da população geral, onde existe uma concentração de pessoas nos estratos mais jovens e uma maior proporção de mulheres.

Os dados socioeconômicos são igualmente compatíveis com os procedentes de outras fontes. Indicadores socioeconômicos como escolaridade e ocupação revelam uma situação desfavorável nas duas comunidades, onde as proporções encontradas de analfabetismo foram superiores à taxa média de analfabetismo no Brasil, que atinge a cifra de 12,3%, em maiores de 10 anos (Ministério da Saúde, 2002b). A situação mais desfavorável foi observada no Cabo. Parece existir, porém, uma tendência de melhoria em ambos os municípios, uma vez que se observa uma redução deste índice, que, durante a década de 80, situava-se em torno de 30-40% (Ação Educativa, 2000). Acompanhando a tendência nacional, as mulheres apresentaram um perfil educacional discretamente melhor que o dos homens. Uma das possíveis explicações para esta diferenciação de gênero poderia ser a combinação da pobreza e do trabalho infantil, que, com mais freqüência, impelem o grupo de crianças e adolescentes do sexo masculino a contribuir com o sustento familiar, levando-os, muitas vezes, a desempenhar atividades incompatíveis com o horário escolar (Inep, 2002).

As duas populações apresentam um perfil laboral precário, com uma taxa de desemprego (10,5%) semelhante à registrada em nível nacional (9,8%). Refletindo a realidade brasileira, a inserção das mulheres no mercado de trabalho é mais desfavorável e o trabalho manual não qualificado é a ocupação mais freqüente deste grupo. Informações do Departamento Intersindical de Estudos Estatísticos corroboram estes resultados e indicam que, apesar do maior nível de instrução, em relação aos homens, as mulheres não exercem funções compatíveis com a sua formação, ocupando, em maior percentual, postos mais precários, além de perceberem menor remuneração (Dieese, 2000). Situação semelhante a outros paises (Artazcoz et al., 2003).

O alto percentual de entrevistas realizadas com pensionistas e aposentados parece coerente, pois é esperado que as pessoas que trabalham não estejam em casa nos horários em que foram realizadas as entrevistas. Espera-se, igualmente, que os grupos de idade mais avançada padeçam maior número de doenças, considerando que o critério de inclusão na amostra era ter utilizado os serviços de saúde nos últimos quatro meses. Também contribuiu para a elevação deste percentual o número de pessoas aposentadas com idade entre 43 e 48 anos. A maioria delas, trabalhadores pouco qualificados, que exerciam atividades "braçais", desgastantes e espoliativas, iniciadas na idade em que deveriam estar na escola. A diferença nas proporções de homens e mulheres aposentados pode ser resultante da desigual forma de inserção das mulheres no mercado laboral. Além da taxa superior de ocupação registrada entre os homens, este grupo ocupa também os postos de trabalho de melhor qualidade, os quais podem assegurar a relação de emprego formal. Desta forma, os homens têm maior garantia em termos de benefícios sociais resultantes da "carteira assinada", dentre eles, a aposentadoria.

De uma maneira geral, pode-se considerar que ainda é limitado o nível de informação da população estudada sobre os mecanismos institucionais de participação, quer seja individual ou coletivo. Embora ocorra certa difusão da existência dos diferentes mecanismos entre a população, uma proporção considerável dos entrevistados afirmou desconhecer os mecanismos institucionais diretos de participação. A grande maioria tinha conhecimento apenas do Procon, o mecanismo institucional indireto estudado. Do mesmo modo, em ambas as localidades, o objetivo de cada um dos mecanismos foi definido por ações pontuais ou expressões genéricas relacionadas com a atuação dos serviços de saúde, indicando um conhecimento limitado da população sobre os mecanismos de participação social. As causas deste baixo nível de informação são, provavelmente, múltiplas.

A existência do CMS era conhecida por quase metade da população estudada em Camaragibe e numa proporção um pouco menor no Cabo, embora apenas uma parte desses entrevistados soubesse explicar a sua finalidade. Muito menor ainda era a informação da população sobre as conferências de saúde. Estes são os dois principais mecanismos institucionais de participação social em saúde, estabelecidos com caráter de obrigatoriedade no marco legal federal. Sua existência e suas funções deveriam ser mais bem conhecidas pela população, uma vez que são os mecanismos em que deveria ter lugar a consulta ampliada à sociedade (Barros, 1994), sendo, portanto, essenciais na democratização dos serviços de saúde. Por um, lado este resultado indica uma difusão limitada das informações sobre a atuação dos CMS e conferências. Por outro lado, leva a questionar o papel dos conselheiros comunitários e dos participantes nas conferências, quanto a sua capacidade de recolher e expressar os interesses da sociedade que representam (Pessoto et al., 2001; Wendhausen e Caponi, 2002; Labra, 2002). Os conselheiros são os receptores das capacitações sobre os CMS e deveriam constituir-se em elos entre a comunidade e os serviços de saúde. Um elemento que pode estar influindo é a existência de uma ampla tradição de comportamentos autoritários, em todos os níveis de governo, que levam à concentração de informações e tomada de decisões na cúpula do poder, sem que exista, em verdade, um intercâmbio de informações e opiniões com a população, sendo restringida a participação dos conselheiros comunitários (Valla, 1998b; Silva & Labra, 2001).

O disque-saúde e o Procon, dois mecanismos institucionais de participação individual, foram os mais conhecidos pelos entrevistados. Isto poderia ser resultante das informações que aparecem com certa freqüência sobre estes mecanismos nos diversos meios de comunicação de massa (o número do disque-saúde, por exemplo, figura nos jornais, na seção de utilidade pública, junto com outros números de telefone de urgências), visto que também se identifica um alcance limitado do conhecimento em relação às suas características como mecanismo de participação em saúde. O disque-saúde funciona para a população entrevistada, principalmente, como um veículo de informações ou facilitador do atendimento. O Procon, apesar de o mais conhecido, é relacionado apenas como um serviço de caráter estritamente econômico e não por sua possível relação com os serviços de saúde. Por outro lado, é importante destacar que se o Procon é conhecido por seu papel econômico, isso se deve à relevância nacional conquistada com a difusão de informações acerca de sua atuação em causas relacionadas, principalmente, com o sistema financeiro habitacional. Foi a atuação do órgão, dando resposta aos problemas apresentados, o que contribuiu para que o serviço fosse divulgado na mídia e ganhasse a confiança e apoio da população (Fundação Procon São Paulo, 2001).

A apreciável proporção de entrevistados (42%) que conhecia as caixas de queixas e sugestões parece que está influenciada pela existência deste mecanismo em diversificados estabelecimentos, freqüentados habitualmente pela população, como por exemplo, os supermercados. Fato corroborado pela quantidade de respostas afirmativas em ambos os municípios, apesar de terem disponível este mecanismo de forma restrita nos postos e centros de saúde e também pelas respostas que indicavam outros motivos para havê-las utilizado, além dos relacionados com a saúde. É importante destacar, porém, o potencial deste mecanismo, visto que uma boa proporção dos entrevistados mostrava uma opinião positiva acerca do processamento das queixas, mas sem esquecer que para sua efetivação deveria estar inserido num sistema que permitisse aos serviços dar uma resposta (Calnan et al., 1998).

Em Camaragibe, o nível de informação sobre os mecanismos de participação em saúde foi consistentemente melhor do que em Cabo. As causas desta melhor difusão do conhecimento em Camaragibe necessitam de maior análise. Poderia ser resultante de uma possível diferença da atuação dos mecanismos de acordo com a forma de gestão dos serviços de saúde; de um processo de municipalização mais antigo (por exemplo, o CMS iniciou atividades em Camaragibe em 1992 e no Cabo em 1997); ou ainda de um melhor acesso à informação, por se tratar de uma população predominantemente urbana, mais próxima da capital.

Dentre os mecanismos institucionais de participação, as mais altas taxas de utilização correspondem ao Procon, às caixas de queixas e sugestões e não se referem ao âmbito da saúde. Estas cifras são inferiores àquelas encontradas no estudo realizado na Colômbia, onde o Serviço de Atenção ao Usuário dos serviços de saúde apresentou uma taxa de utilização de 8,6% (Mosquera et al., 2001). O percentual de participação, porém, é mais próximo ao estudo da Colômbia (aproximadamente 11%), quando se consideram as queixas diretas ao pessoal de saúde, nos centros ou em outras instâncias do sistema de saúde. A carência de parâmetros de comparação leva ao questionamento de qual seria o nível de utilização dos mecanismos de participação que poderia ser considerado aceitável ou desejável, levando-se em consideração os objetivos alcançáveis por meio de cada mecanismo. Nesse sentido, o estudo proporciona uma base de referência para futuras comparações.

A participação individual ou coletiva sempre pressupõe custos, tanto de tempo, como psicológicos. Nesse sentido os individuos podem decidir não participar, só atuarem se perceberem que têm a capacidade de influenciar nos resultados, que a sua presença é imprescindível, e que conseguirão benefícios (Klein, 1984). A utilização dos mecanismos de participação institucionais pode ser uma opção inadequada se a população não acredita que possa levar a mudanças (Valla, 1998b). A freqüência da queixa oral direta poderia indicar a necessidade de se implantarem mecanismos por meio dos quais seja possível uma interação direta usuário-pessoal de saúde, como, por exemplo, um serviço de atenção ao usuário, em que se possa obter uma resposta ao problema (Vázquez et al., 2003). A proporção não desprezível dos entrevistados que afirmou "não procurar ninguém" nos serviços de saúde, poderia indicar uma falta de confiança nos resultados, uma vez que, em ambos os municípios, registrou-se uma proporção considerável de pessoas que acredita que os serviços não tomam nenhuma providência com as demandas apresentadas por intermédio das caixas de queixas e sugestões. Analisando a experiência do Procon, é plausível esperar que a informação e confiança da população sobre estes mecanismos de participação melhorarão na medida em que os resultados de suas atuações sejam também conhecidos e respondam às necessidades da população.

Conclusão

Segundo Stone (1992), um grande problema na promoção da participação no contexto da atenção primária de saúde é que se trata de uma política imposta desde os níveis centrais e que enfrenta oposição dos distintos níveis do sistema, sendo, em grande parte percebido, como um imposição externa. No Brasil, as políticas de participação social são o resultado de anos de luta e pressões pela democratização do Estado (Pessoto et al., 2001; Silva & Labra, 2001). Estas políticas levaram a mudanças organizacionais com a criação de diversificadas portas de entrada individuais e coletivas para a participação da população no sistema de saúde. Os resultados deste estudo evidenciam, porém, que o desafio continua sendo melhorar a forma de pôr em prática as conquistas estabelecidas no plano legal (Bosi & Affonso, 1998).

Apenas uma parte da população conhece a existência dos mecanismos institucionais de participação coletivos e individuais e a informação se mantém em níveis superficiais. Do mesmo modo, só uma pequena proporção da população utiliza os mecanismos institucionais, situando a população estudada no patamar da informação (Arstein, 1969), ainda longe do almejado controle social. Estes resultados apontam a debilidade das estratégias de divulgação da existência dos mecanismos e de como funcionam os resultados de suas atuações e da informação de como participar. O individuo e a coletividade devem dispor da suficiente informação sobre a atuação dos serviços de saúde para determinar se, como, quando e com quem deve atuar. A informação é fundamental para o reconhecimento dos mecanismos como opção para a atuação junto aos serviços. Isto implica proporcionar um conjunto de ações que requerem a divulgação destes mecanismos, como também a apresentação de respostas às necessidades da população que reforçarão o conhecimento e a confiança nestes mecanismos.

Colaboradores

Todos os autores, exceto MRF Silva e APC Pereira, participaram no desenho da pesquisa. Exceto MRF Silva, os demais colaboraram no trabalho de campo para a coleta dos dados. ML Vázquez e MRF Silva levaram a cabo a pesquisa bibliográfica, a análise dos dados e lideraram a redação do artigo, que recebeu as contribuções dos autores restantes. ML Vázquez fez a coordenação e supervisão geral do trabalho.

Agradecimentos

O estudo foi realizado como colaboração entre o Institute for Health Sector Development (Reino Unido), Instituto Materno-Infantil de Pernambuco (IMIP), Universidade Federal de Pernambuco (Brasil), Escuela Andaluza de Salud Pública (España), Universidad del Valle (Colombia), com o apoio de Consorci Hospitalari de Catalunya e as Secretarias de Saúde dos Municípios de Cabo de Santo Agostinho e de Camagaribe. Agradecemos às pessoas entrevistadas em ambos os municípios, que aceitaram compartilhar com os pesquisadores suas opiniões e conceitos. À Comissão Européia Directorate General XII e Ministério da Saúde do Brasil, cujo apoio financeiro foi imprescindível para a realização do estudo.

Artigo apresentado em 15/01/2004

Aprovado em 21/07/2004

Versão final apresentada em 17/08/2004

  • Abrantes-Pêgo R 1999. Participación social en salud: Un estudio de caso en Brasil. Salud Publica Mexicana 41(6):466-474.
  • Ação Educativa 2000. InformAÇÃO em rede. Ação educativa – Assessoria, Pesquisa e Informação. Disponível em <http://www.acaoeducativa.org/IR25.pdf>. Acesso em 20 de junho de 2002.
  • Araújo JL Jr. 1997. Attempts to decentralise in recent Brazilian health policy: issues and problems, 1988-1994. International Journal of Health Services 27(1): 109-124.
  • Arstein SR 1969. A ladder of participation. American Institute of Planners Journal 35:216-224.
  • Artazcoz L, Cortès I, Benach J & Benavides FG 2003. Les desigualtats en salut laboral, pp. 253-282. In C Borrell & J Benach (coords.). Les desigualtats en la salut a Catalunya Editorial Mediterrània, Barcelona.
  • Barros E 1994. O controle social e o processo de descentralização dos serviços de saúde, pp. 29-37. In Incentivo à participação popular e controle social no SUS (Textos técnicos para conselheiros de saúde). Ministério da Saúde, Brasília.
  • Bennett S 1998. Reforming State capacity: the demands of health sector reform in developing countries Forum on Health Sector Reform. London School of Hygiene and Tropical Medicine, 21-24 April 1998 (mimeo).
  • Bosi MLM & Affonso KC 1998. Cidadania, participação e saúde: com a palavra, o usuário da rede pública de serviços. Cadernos de Saúde Pública 14(2):355-365.
  • Brasil 1991. Ministério da Saúde. Norma Operacional Básica. Inamps nş 1/91. Resolução nş 273/91. Diário Oficial da União Brasília, p. 14216-9, 18 de julho. Seção I.
  • Brasil 1992. Ministério da Saúde. Norma Operacional Básica – SUS nº 2/92, Portaria nº 234/92. Diário Oficial da União. Brasília. Seção I.
  • Brasil 1996. Ministério da Saúde. Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde. (NOB-SUS/96). Portaria nş 2203. Diário Oficial da União. Brasília. 6 de novembro. Seção I.
  • Calnan M, Halik J & Sabbat J 1998. Citizen participation and patient choice in health reform, pp. 325-338. In RB Saltman, J Figueras & C Sakellarides. Critical challenges for health care reform in Europe Open University Press, Buckinghan.
  • Celedón C & Noé M 2000. Reformas del sector de la salud y participación social. Revista Panamericana de Salud Pública/Pan American Journal of Public Health 8(1/2):99-104.
  • Cohn A 2000. Cidadania e formas de responsabilização do poder público e do setor privado pelo acesso, equidade, qualidade e humanização na atenção à saúde Disponível em <http:www.saude.gov.br/11cns/index_11 cns.htm>. Acesso em 4 de junho de 2001.
  • Cotta RMM, Suárez-Varela MM, Claver SF, Cotta-Filho JS & Llopis-González A 2000. Participación social y sistemas sanitarios en Brasil Vs España. Centro de Salud 8: 450-455.
  • Côrtes SMV 2002. Balanço de experiências de controle social, para além dos conselhos e conferências no Sistema Único de Saúde brasileiro: Construindo a possibilidade de participação dos usuários Disponível em <http:www.saude.gov.br/11cns/cns_balanco.htm>. Acesso em 4 de junho de 2001.
  • Dias JCP 1998a. Problemas e possibilidades de participação comunitária no controle das grandes endemias. Cadernos de Saúde Pública 14(supl. b2):19-37.
  • Dias RB 1998b. "Eu? Eu estou aí, compondo o mundo". Uma experiência de controle de endemia, pesquisa e participação popular vivida em Cansanção, Minas Gerais, Brasil. Cadernos de Saúde Pública 14(supl. 2):149-157.
  • Dieese – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. 8 de março de 2000 – Dia Internacional da Mulher. Disponível em <http://www.dieese.org.br/esp/mulher.htm>.
  • Fundação Procon São Paulo 2001. Breve histórico da proteção ao consumidor Disponível em <http://www. procon.sp.gov.br/institucionalhistorico.htm>. Acesso em 18 de março de 2002.
  • González RE 1996. Manual sobre participación y organización para la gestión local. Ediciones Foro Nacional Por Colombia, Cali.
  • GTCOM/Abrasco 2002. Políticas de comunicação para o SUS: Comunicação e controle Social. Disponível em <http://www.abrasco.org.br>. Acesso em 18 de março de 2002.
  • Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) 2002. Mulheres ganham dos homens em nível de Instrução Disponível em <http://www.inep.gov.br/imprensa/noticias/outras/news00_25.htm>. Acesso em 20 de junho de 2002.
  • Klein R 1984. The politics of participation, pp. 17-32. In R Maxwell & N Weaver. Public participation in health King Edward's Fund, London.
  • Labra ML 2002. Capital social y consejos de salud en Brasil. żUn círculo virtuoso? Cadernos de Saúde Pública 18(supl.):47-55.
  • Ministério da Saúde 2002a. 11ª Conferência Nacional de Saúde. Relatório Final. Disponível em <http://www. Datasus11conferencia/relatorios/proposiçoes.htm.gov.br/cns/>. Acesso em 8 de janeiro de 2002
  • Ministério da Saúde. 2002b. Informações demográficas e socioeconômicas. Disponível em <http://www.datasus.gov.br/>. Acesso em 20 de junho de 2002.
  • Mosquera M, Zapata Y, Lee K & Varela A 2001. Strengthening user participation through health sector reform in Colombia: a study of institutional change and social representation. Health Policy and Planning 16(2):52-60.
  • OMS Organización Mundial de la Salud 1978. Primary Health Care. Health for All series no. 1. World Health Organisation, Geneva.
  • OMS Organización Mundial de la Salud 1986. Ottawa Charter for Health Promotion. An international conference on health promotion. WHO/Health and Welfare Canada/Canadian Public Health Association. Ottawa, Canada.
  • OMS Organización Mundial de la Salud 1988. The Adelaide Recommendations, Healthy Public Policy. WHO/ Europe, Copenhagen.
  • OMS Organización Mundial de la Salud 1989. Call for Action. Promoting Health in Developing Countries. WHO, Geneva.
  • OMS Organización Mundial de la Salud 1995. Supportive environments for health statement WHO/HPR/HEP/ 95.3. Geneva.
  • OMS Organización Mundial de la Salud 1996. European Health Care Reforms. Analysis of Current Strategies. Summary. Copenhagen: WHO Regional Office for Europe.
  • Pedrosa JIS 1997. A construção do significado de controle social com conselheiros de saúde no Estado do Piauí, Brasil. Cadernos de Saúde Pública 13(4):741-748.
  • Pessoto UC, Nascimento PRD & Heimann LS 2001. A gestão semiplena e a participação popular na administração da saúde. Cadernos de Saúde Pública 17(1):89-97.
  • Silva IFD & Labra ME 2001. As instâncias colegiadas do SUS no Estado do Rio de Janeiro e o processo decisório. Cadernos de Saúde Pública 17:161-170.
  • Stone L 1992. Cultural influences in community participation in health. Social Science & Medicine 35(4): 409-417.
  • Valla VV 1998a. Participação popular e endemias: uma nova conjuntura. Cadernos de Saúde Pública 14(supl. 2):4-5.
  • Valla VV 1998b. Sobre participação popular: uma questão de perspectiva. Cadernos de Saúde Pública 14(supl. 2):7-18.
  • Walt G & Gilson L 1994. Reforming the health sector in developing countries: the central role of policy analysis. Health Policy and Planning 9(4):353-370.
  • Vázquez ML, Siqueira E, Kruse I & da Silva A 2002a. Los procesos de reforma y la participación social en salud en América Latina. Gaceta Sanitaria 16(1):30-38.
  • Vázquez ML, da Silva MRF, Siqueira E, Pereira AP, Diniz ADS, Leite I & Kruze I 2002b. Visión de los diferentes agentes sociales sobre la participación social en el sistema de salud en el Nordeste de Brasil. Una aproximación cualitativa. Revista Española de Salud Pública 76(5):585-594.
  • Vázquez ML, da Silva MRF, Siqueira E, Kruze I, Diniz ADS, Leite I & Pereira AP 2003. Participação social nos serviços de saúde: concepções dos usuários e líderes comunitários em dois municípios do Nordeste do Brasil. Cadernos de Saúde Pública 19(2):579-591.
  • Wendhausen A & Caponi S 2002. O diálogo e a participação em um conselho de saúde em Santa Catarina, Brasil. Cadernos de Saúde Pública 18(6):1621-1628.
  • Woelk GB 1992. Cultural and structural influences in the creation and participation in community health programmes. Social Science and Medicine 35(4):419-424.
  • Zakus D & Lysack C 1998. Revisiting community participation. Health Policy and Planning 13(1):1-12.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Mar 2006
  • Data do Fascículo
    Dez 2005

Histórico

  • Aceito
    17 Ago 2004
  • Revisado
    21 Jul 2004
  • Recebido
    15 Jan 2004
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Av. Brasil, 4036 - sala 700 Manguinhos, 21040-361 Rio de Janeiro RJ - Brazil, Tel.: +55 21 3882-9153 / 3882-9151 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cienciasaudecoletiva@fiocruz.br