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Os donos do morro: uma avaliação exploratória do impacto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro

Borges, D; Ribeiro, E; Cano, I. . Os donos do morro: uma avaliação exploratória do impacto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro. São Paulo, Rio de Janeiro: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, LAV/UERJ; 2012.

Borges D, Ribeiro E, Cano I, organizadores. Os donos do morro: uma avaliação exploratória do impacto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro. São Paulo, Rio de Janeiro: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, LAV/UERJ; 2012.

Este livro apresenta uma avaliação das UPP do Rio de Janeiro, realizada em 2012, com o fito de responder por meio de técnicas quantitativas e qualitativas, qual foi o impacto inicial desta experiência de segurança pública nos índices de criminalidade e como afetou as relações entre a polícia e a comunidade.

O texto está composto por 10 capítulos, entre os quais se analisam quantitativamente os dados relativos aos crimes no interior e no entorno das comunidades, no período compreendido entre janeiro de 2006 a junho de 2011, tendo como fonte os registros da Polícia Civil. Foram ainda analisados os registros de ocorrências feitos pelas UPP entre janeiro de 2011 e maio de 2012. Em termos qualitativos, a partir de entrevistas semiestruturadas, o estudo abordou as percepções dos moradores das comunidades sobre a segurança; o impacto econômico e social nos projetos, serviços e empregos com a chegada das UPP nestas localidades; o associativismo e a participação social, e a integração destas áreas com a cidade. Também os policiais das UPP foram entrevistados com relação ao que pensam sobre o projeto, o policiamento que é feito nessas unidades e sobre a sua relação com os moradores.

Entre os achados os autores concluem que o projeto das UPP “é vertical, de cima para baixo, e de fora para dentro das comunidades, que não possuem muita influência na sua concepção e na sua aplicação.” E ainda acrescentam que no momento da pesquisa o projeto apresentava “forte seletividade geográfica abrangendo, sobretudo a Zona Sul, o Centro e a Tijuca em torno do Maracanã... (e que) deixam em segundo plano as áreas mais violentas da Região Metropolitana...” Para eles, trata-se, portanto, de um projeto contra o narcotráfico e não contra as milícias.

Por um lado, o estudo identificou alguns benefícios, que variaram em cada comunidade, como obras de infraestrutura, oferta de formação e de emprego, crescimento da atividade econômica, que são apontados como pontos positivos do Projeto. Por outro lado, também foram percebidos aspectos negativos quanto à formalização de serviços, antes irregulares, que incrementou os custos dos mesmos; aumentou o preço dos imóveis e dos aluguéis, dificultando a permanência dos moradores nestes locais.

Em termos de impacto das UPP na criminalidade dentro das comunidades, os dados mostram notável redução da violência letal, sobretudo de mortes em intervenções policiais, e aumento de crimes não letais contra a pessoa e crimes não violentos contra a propriedade, seja devido à diminuição do subregistro, seja pelo incremento real dessas ocorrências de menor porte pela ausência do controle autoritário pelo tráfico. Apontam também que o tráfico permanece nestas áreas, mas sem a ostentação do armamento pesado e sem o controle territorial. Para eles, com as UPP o foco da ação policial sai das drogas e passa para as armas e a violência. No entorno das comunidades o georreferenciamento mostrou que num raio de até 1.500 metros caíram as mortes e os roubos e aumentaram os registros de furtos e crimes violentos não letais.

A percepção dos moradores sobre as UPP e sobre as relações com os policiais varia entre as comunidades. Eles valorizam o fim dos tiroteios e do domínio do tráfico, além da maior liberdade de ir e vir, mas sentem-se inseguros quanto à continuidade do projeto. Sua avaliação mais geral parece ter um peso maior da melhora efetiva da qualidade de vida, o que parece ter ocorrido apenas em alguns locais. Entre os policiais há uma percepção de que nas UPP eles perdem o poder e o respeito quando se comparam aos que estão nos batalhões, e sentem que há um maior controle social das comunidades sobre a polícia local. De modo geral, as relações entre moradores e policiais ainda pareceu permeada pela desconfiança, sobretudo entre os jovens.

A função reguladora exercida pela polícia no interior das comunidades é motivo de conflitos, e se, por vezes, é assumida com autoritarismo, ela também adota feições paternalistas, sendo, em ambos os casos, imperativo dosar os limites necessários para cada uma dessas posições.

Os autores destacam que o projeto parece ter alcançado os objetivos centrais de reduzir a violência letal e desbaratar o controle territorial dos grupos criminosos. Entretanto, o custo para a disseminação do Projeto para todo o território é elevado e gera dúvidas quanto a sua sustentabilidade.

Finalmente, recomendam a inclusão da letalidade como critério de seleção de novas UPP, a padronização operativa e doutrinária; a formação e a valorização dos policiais das UPP; a legitimação do projeto de pacificação dentro da Polícia Militar; a reconsideração do modelo de combate às drogas dentro das UPP; o aprofundamento do componente comunitário das UPP; a promoção de mecanismos comunitários de decisão para os conflitos internos, e a promoção da participação política e relegitimação das estruturas de representação comunitária.

Portanto, desde 2009, quando a primeira UPP foi implantada, no Morro Santa Marta, até o ano de 2012, quando o estudo foi concluído, muita coisa aconteceu. Contudo, os próprios autores destacam que em 2014, ano em que o livro foi publicado, a credibilidade das UPP já se encontrava em processo de sérios questionamentos, devido a ocorrências emblemáticas que levaram a dúvidas e críticas sobre a sustentabilidade e legitimidade desta iniciativa. O próprio lançamento deste livro em um evento na Universidade do Estado do Rio de Janeiro gerou protestos que resultaram no seu adiamento.

Independentemente da posição contrária ou a favor do projeto avaliado, este livro é do interesse de todos aqueles que lidam e estudam as questões de segurança pública no país e buscam de uma forma ou de outra, um fazer polícia calcado em projetos mais participativos e menos centralizadores; mais preventivos e menos bélicos; mais inclusivos e menos estigmatizantes.

Publication Dates

  • Publication in this collection
    Dec 2015
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