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Os comentários realizados por Reichenheim, Amarante e Abelha abrem possibilidades de discussão de vários aspectos tocados tangencialmente no artigo "Situação de crianças e adolescentes brasileiros em relação à saúde mental e à violência". Alguns deles serão destacados a seguir, especialmente por serem vivenciados como dificuldades e impasses enfrentados pelos pesquisadores do Centro Latino Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (CLAVES) que estudam e convivem com crianças e adolescentes em situação de violência nas duas últimas décadas.

O reconhecimento do quão pouco ainda sabemos sobre as violências e as formas como elas atingem crianças e adolescentes é aspecto essencial a ser assumido pelos profissionais que atuam em prol da garantia dos direitos das crianças e adolescentes. Os estudos apontados e desenvolvidos por Reichenheim indicam inovadoras propostas para se reconhecer problemas de saúde física e mental em vítimas de violência ainda em fase de crescimento e desenvolvimento. Os estudos científicos na área da violência mostram desenvolvimento significativo, seja em relação ao crescimento do número de estudos a partir da década de 1990 ou a riqueza de metodologias e novos enfoques que surgem a cada dia1. Todavia, conforme apontado por Reichenheim, ainda há muito que avançar, em diferentes frentes de investigação, especialmente no que se refere à capacidade de utilizarmos metodologias que dêem conta da elevada complexidade do tema abordado.

Reiteramos o fato de que ainda temos muito que caminhar para conseguirmos reconhecer as possíveis conexões entre distintas formas de violência, a exemplo da violência urbana e familiar. Também cabe refletirmos mais sobre as interconexões da violência institucional com a saúde infanto-juvenil; esta severa forma de violência está presente em instituições como escolas, abrigos, serviços de saúde e, principalmente nas instituições que acolhem jovens em conflito com a lei2,.

Também é importante ampliarmos o foco da atenção para a criança em situação de violência e não apenas nela como vítima direta. É, por exemplo, grande o sofrimento da criança que testemunha seus pais se agredindo ou se insultando, podendo ocasionar sintomas de depressão, elevação do estresse e dificuldades relacionais. Conclusões mais precisas sobre os efeitos de testemunhar ou de sofrer diretamente as distintas formas de violência ainda estão por surgir, abrangendo aspectos culturais, psicológicos e relacionais na complexa relação da violência com a saúde.

Como apontado por Abelha, dificuldades dos profissionais de saúde, educação e afins no reconhecimento da violência é um aspecto desafiador no contexto nacional. A notificação da violência contra crianças e adolescentes é uma importante ferramenta de proteção e prevenção e é um dever dos profissionais que atendem à faixa etária notificar os casos de maus-tratos. Todavia, ainda são muitos os empecilhos existentes. Pires et al.3 apontam como barreiras mencionadas por pediatras de Porto Alegre, relacionadas à notificação de maus-tratos, o temor de sanções legais, a desconfiança nos órgãos de proteção a crianças e adolescentes e a falta de treinamento específico para tal procedimento. Mesmo diante destas dificuldades, 78,8% (63 pediatras de um total de 92) da amostra já tinham notificado casos dessa natureza aos órgãos de proteção. A notificação é uma questão complexa que envolve vários fatores, mas que deve ser estimulada entre os profissionais. Investimentos também devem ser feitos na rede de atenção às vítimas de violência. Por outro lado, notificar não significa deixar de acompanhar as crianças/adolescentes e suas famílias. Há que se continuar o atendimento e compartilhar o atendimento com a rede de proteção. Como se vê, são muitas as dificuldades hoje existentes, embora muito êxito já se observe, frente à quase inexistência de ações de notificação/atenção disponibilizadas na década de 1980, quando o CLAVES iniciou seu trabalho na área da violência e saúde.

Outro aspecto muito importante abordado por Amarante é a pressuposição de que pesquisas epidemiológicas podem induzir comportamentos considerados patológicos ou mesmo reforçar estigmas contra pessoas com comportamentos fora da média socialmente considerada normal (poder compartilhado com o diagnóstico psiquiátrico, por exemplo, o déficit de atenção/hiperatividade, muito em moda atualmente). Esta é uma questão efetivamente importante tanto para pesquisadores quanto para os profissionais que diretamente atendem crianças e adolescentes e esteve sempre presente nas discussões do grupo de pesquisa do Claves.

Não vamos aqui discutir critérios de normalidade nem o papel da intermediação cultural que demarca limites entre o que é normal e patológico. Tampouco nos furtamos a reconhecer que apresentar de forma mais ampla e aprofundada o problema dos sintomas depressivos e agressivos em crianças pode estimular em algumas pessoas o surgimento de mais rótulos.

Corremos este risco, pois acompanhamos crianças e adolescentes que são rotuladas pela escola ou pela família como problemáticas, violentas ou delinqüentes - quando têm algum transtorno relacionado à agressividade; ou sonsas e paradas - quando ostentam sintomas depressivos ou ansiosos. Muitas vezes, em nossa prática de pesquisa, ao nos apresentarmos aos diretores da escola para pedir autorização para uma pesquisa, imediatamente somos solicitados a "atender" tal ou tal criança, já rotulada apenas pelo comportamento que apresenta na escola.

A preocupação com a não estigmatização por problemas emocionais e comportamentais é fundamental, mas não nos pode isentar de ajudar crianças e adolescentes que não conseguem se relacionar com amigos, vão mal na escola, não conseguem dormir, choram e estão tristes ou vivem se metendo em agressões. Essas crianças comumente crescem e se tornam adultas sem cuidado com a saúde mental, seja em suas famílias, nas escolas e mesmo nos serviços de atenção básica e nos CAPSi.

Uma dentre muitas outras crianças exemplifica essa situação. Rosa tem 11 anos, ainda está na primeira série do curso fundamental e participa de um estudo com escolares de São Gonçalo4. Problemas graves de relacionamento familiar e tristeza marcam a vida dessa criança, fonte de grande preocupação para sua mãe: tudo entristece ela, ela é estranha. Se não tiver um biscoito pra ela vir pro colégio, ela fica triste; se ela não tiver um real pra trazer para o colega, ela já fica triste. Ela é assim, se preocupa com as coisas, se preocupa com o colégio, se preocupa com tudo dentro de casa. Tudo entristece ela, ela é uma pessoa assim. Eu acho que ela precisa de uma psicóloga, que ela de vez em quando fica no mundo da lua. A tristeza e o desânimo contínuos dessa criança ao longo dos anos é notada por seus professores e família, notando-se a ausência do acompanhamento de saúde mental para lidar com suas dificuldades, que vão seguindo-a ao longo do seu ciclo de desenvolvimento. A ausência de um cuidado com a saúde integral dessa criança precisa ter como norte a preservação da vida, da alegria e do bem-estar infantil, tentando recuperar a infância como um momento de base e plenitude da vida.

Um último comentário diz respeito às diferentes nomenclaturas empregadas para descrever agravos à saúde mental infantil, tais como: problemas de saúde mental, transtornos, distúrbios, problemas de comportamento. A literatura científica nacional apresenta uma grande diversidade na descrição dos transtornos psicopatológicos infantis, com algumas distinções entre os termos mais utilizados em psicologia e psiquiatria. Problemas de comportamento4,5, problemas de saúde mental6-9, distúrbios comportamentais10 são utilizados, muitas vezes, para descrever quadros sintomatológicos semelhantes. Mais esforço se faz necessário para padronizar a linguagem e definições dos termos da área no país.

Acreditamos que vale a pena colocar o tema da saúde mental infanto-juvenil na pauta constante da discussão em saúde, incluindo a temática da violência – ou das violências – em sua raiz, propiciando, assim, maior tomada de consciência por parte dos profissionais que lidam com crianças e adolescentes e da sociedade brasileira em geral sobre o problema.

  • 1. Assis SG, Constantino P. Violência contra a criança e o adolescente: o grande investimento da comunidade científica na década de 90. In: Minayo MCS, Souza ER, organizadoras. Violência sob o olhar da saúde. A infrapolítica da contemporaneidade brasileira Rio de Janeiro: Fiocruz; 2003. p. 163-198.
  • 2. Assis SG. Traçando caminhos numa sociedade violenta. A vida de jovens infratores e seus irmãos não infratores Rio de Janeiro: Fiocruz; 1999.
  • 3. Pires JM, Goldani MZ, Vieira EM, Nava TR, Feldens L, Castilhos K, Simas V, Franzon NS. Barreiras, para a notificação pelo pediatra, de maus-tratos infantis. Rev. Bras. Saúde Mater. Infant. 2005; 5(1):103-108.
  • 4. Assis SG, Avanci JQ, Pesce RP, Oliveira RVC, Furtado LX. A violência familiar produzindo reversos: problemas de comportamento em crianças escolares [relatório de pesquisa]. Rio de Janeiro: Claves/Fiocruz; 2007.
  • 5. Ferreira MCT. Ambiente familiar e problemas de comportamento apresentados por crianças com baixo desempenho escolar. Psicologia Reflexão e Crítica 2002; 15(1):35-44.
  • 6. Vitolo YLC, Fleitlich-Bilyk B, Goodman B, Bordin IAS. Crenças e atitudes educativas dos pais e problemas de saúde mental em escolares. Rev. Saúde Pública 2005: 39(5):716-724.
  • 7
    Oficina de trabalho para discussão do Plano Nacional de Inclusão das Ações de Saúde Mental na Atenção Básica. 2001. Disponível em: http://portal. saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/oficinas.pdf
  • 8. Barros MGSM. Estudo de prevalência de problemas de saúde mental em adolescentes de 11 a 16 anos na cidade de Barretos [dissertação]. São Paulo (SP): Universidade Presbiteriana Mackenzie; 2005.
  • 9. Avanci JQ, Assis SG, Oliveira RVC, Ferreira RM, Pesce RP. Fatores associados aos problemas de saúde mental em adolescentes. Psicologia: Teoria e Pesquisa 2007; 23(3):287-294.
  • 10. Silvares ESM. Invertendo o caminho tradicional do atendimento psicológico numa clínica-escola brasileira. Estudos de Psicologia 2000; 5(1):149-180.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Fev 2009
  • Data do Fascículo
    Abr 2009
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