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Czeresnia D, Maciel EMGS, Oviedo RAM. Os sentidos da saúde e da doença. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2013.

Czeresnia, D; Maciel, EMGS; Oviedo, RAM. Os sentidos da saúde e da doença. 2013. Fiocruz, Rio de Janeiro

Dina Czeresnia, médica, doutora em saúde pública e pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz); Elvira Maciel, médica, doutora em filosofia e pesquisadora da ENSP/Fiocruz; Rafael Oviedo, odontologista, mestre em educação, doutorando em saúde pública também pela ENSP/Fiocruz, são os autores da obra Os Sentidos da Saúde e da Doença.

Este livro apresenta um potencial de discussão e reflexão relevantes para o campo da Saúde na medida em que, por meio de uma linguagem acessível, pretende questionar ampla e criticamente as definições tão propaladas sobre a saúde e a doença. A partir de referências atuais, para além do referencial técnico-científico e estatístico-biomédico também fundamental na compreensão do processo saúde-doença, os autores relativizam e aprofundam a discussão acerca da complexidade de tais constructos. Os Sentidos da Saúde é o título do primeiro capítulo. O texto debate as dificuldades de legitimar cientificamente uma definição universal sobre o que é saúde na medida em que tal noção está arraigada em determinado contexto sócio-histórico e percebida em condições de existência específicas. Os autores apontam que embora haja um esforço em compreender a saúde por diversas expressões do humano, o modelo biomédico que a trata como ausência de doenças, respaldado por critérios quantitativos de normalidade biológica, ainda predomina no campo da intervenção. Sugere-se que uma vida saudável se constitui de diversas tensões regidas pelo dinamismo e pelas oscilações das relações cotidianas, como já focado em outro trabalho11. Czeresnia D. Canguilhem e o caráter filosófico das ciências da vida. Physis 2010; 20(3):709-727..

A saúde e a doença são tratadas sob a ótica da diferença entre a experiência subjetiva, marcada por uma história singular de cada indivíduo, e o conceito, que obriga tratar tais noções por meio da linguagem como uma forma de definição generalizada. O capítulo discute a clássica problematização canguilheana acerca da fronteira entre o normal e o patológico. Os autores exploram o debate da inevitável ideia de saúde diante da morte no sentido da tensão decorrente do avanço do conhecimento especializado e da tecnologia médica e suas (in)capacidades/consequências éticas de prolongar a vida. Por último, face à pessoa doente, é destacado o cuidado à saúde de forma holística e de atenção face às novas possibilidades técnico-científicas relevantes no processo terapêutico.

No segundo capítulo, Transformações dos Conceitos de Saúde e de Doença, os autores discutem que os "Conceitos de saúde e de doença mudam no decorrer da história, bem como as maneiras de compreender os processos de adoecimento e recuperação pela ação terapêutica". Pelo fato das noções de corpo, de saúde e de doença e suas relações com o mundo se modificarem ao longo de um percurso sócio-histórico, de modo não tão linear e crescente, a construção dos conceitos se complexificam pelas diversas instâncias sociais que os engendram. A multiplicidade de ideias de saúde e de doença se depara com discursos científicos que, de certo modo, face aos diferentes saberes e às relações de poder, admitem o que (não) é possível nas práticas terapêuticas em determinada época.

Para se pensar no atual campo da Saúde, os autores resgatam algumas noções, representações e práticas de saúde na antiguidade. No momento seguinte, apontando a tensão entre os aspectos técnico-científicos e os elementos culturais, sociais, políticos e econômicos ao longo do tempo, o texto traz a configuração moderna do discurso e das práticas de saúde a partir do Renascimento. O capítulo trata também sobre o desenvolvimento da lógica da especificidade da doença no que diz respeito ao nascimento da clínica e à representatividade da medicina experimental, ainda preponderante no campo da Saúde da contemporaneidade. Baseados no trabalho sobre a cólera de John Snow, os autores avançam na discussão em torno do surgimento da epidemiologia como uma feição moderna de tratar as doenças a partir da ideia de transmissão. Por fim, o capítulo cita o caso da teoria microbiana que ratifica a relevância científica da epidemiologia ao observar o sujeito pela tríade doença-ambiente-sociedade, colaborando, assim, com outras articulações consagradas da medicina moderna, como a anatomoclínica, a fisiologia e a bacteriologia.

O terceiro capítulo, Prevenção de Doenças e Promoção da Saúde no Século XX, acrescenta que, para além de inúmeros saberes científicos voltados à saúde e à doença, houve uma pluralidade nos modos de agir de forma terapêutica. Os autores traçam historicamente como esses dois conceitos vieram sendo delineados e rediscutidos pelo campo da Saúde, tendo como pano de fundo as tensões entre uma explicação biológica e uma compreensão sociocultural do processo saúde-doença, como visto, de modo semelhante, em outro trabalho sobre a diferença entre prevenção e promoção22. Czeresnia D. O conceito de saúde e a diferença entre prevenção e promoção. In: Czeresnia D, Freitas CM, organizadores. Promoção da saúde: conceitos, reflexões e tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008. p. 39-53..

Abordam-se os primórdios da medicina preventiva, caracterizada pelas iniciativas pioneiras de Hugh Leavell e Edwin Clark de reorganizar e de sistematizar os níveis de atenção à saúde. Os autores descrevem também as mudanças epidemiológicas e demográficas no que diz respeito às variabilidades locais referentes à transição de doenças transmissíveis para doenças crônicas não transmissíveis. Além disso, é exposto o desenvolvimento da promoção da saúde e a sua perspectiva mais ampla de tratar o tema: os determinantes sociais da saúde.

O Discurso do Risco, título do quarto capítulo, abrange uma discussão sobre o tema a partir de relações entre ciência, cultura e saúde na sociedade contemporânea, como tratada brevemente em outra oportunidade33. Czeresnia D. O risco na sociedade contemporânea: relações entre ciência, cultura e saúde. In: Bagrichevsky M, Estevão A, Palma A, organizadores. A saúde em debate na Educação Física. 3ª ed. Ilhéus: Editus; 2007. p. 275-292.. Tendo em vista a ideia de que os conceitos científicos também fazem parte de uma construção simbólica, os autores argumentam que a noção de risco atravessa diferentes instâncias da vida social e pode ser tratada por diferentes perspectivas, fato este que deve ser relativizado e investigado de maneira minuciosa. A abordagem do risco à saúde a partir de uma perspectiva sócio-histórica resgata como o modelo epidemiológico se configura em grande parte: determinação racional do esquema causal das doenças, aprimoramento das tecnologias, ideia de cientificidade por meio da objetividade de parâmetros técnicos e quantitativos típicos do desenho observacional/experimental, previsibilidade de doenças operacionalizada por cálculos matemáticos que medem os possíveis fatores de risco de modo mecanicista e pragmático, etc. No entanto, pela incapacidade de analisar as circunstâncias de cada caso aplicando médias abstratas em dada pessoa ou grupo específico, o modelo epidemiológico necessita de compreensões contextualizadas acerca das condições de vida determinantes no processo saúde-doença. O ponto nevrálgico da discussão do texto é o fato de, mesmo que existam críticas e reflexões em relação às reduções desse método, tal maneira neutra e individualista de lidar com a saúde-doença ainda orienta hegemonicamente a assistência à saúde.

No quinto capítulo, Teorias de Doença, é exposto o cenário atual referente ao avanço da biomedicina e suas relações com os sentidos atribuídos à saúde pelas pessoas. Os autores mencionam que ao mesmo tempo em que existe um amplo desenvolvimento das tecnologias biomédicas associado ao processo saúde-doença, há certa capacidade dos sujeitos de (re)produzirem diversas formas simbólicas de lidar com a vida face aos pressupostos biológicos. O texto deste último capítulo confronta a todo instante as bases da racionalidade médica e a dimensão simbólica do humano. É ressaltado que embora haja a constante sofisticação das técnicas de diagnóstico e de tratamento, importantes para a manutenção da vida, as noções de causalidade entre os fatores nocivos e o aparecimento de doenças se acentuam, desconsiderando todas as particularidades do processo saúde-doença. Partindo, por exemplo, do campo da genética e da neurociência, discute-se ainda a questão do valor biológico em que qualquer descrição físico-química não dá conta exclusivamente da compreensão da vida.

Em termos gerais, entende-se que os conceitos de saúde e de doença são históricos e possuem uma relação com a contemporaneidade, devendo ser observados por diferentes prismas de análise. Por envolver dimensões simbólicas e culturais, sociais e filosóficas, as práticas em saúde devem levar em consideração as subjetividades incutidas no processo saúde-doença.

Em suma, embora o livro reúna uma série de reflexões discutidas em publicações no campo da Saúde, a relevância da obra se destaca pelo fato de propiciar um debate enriquecedor de modo sintético e didático para os leitores. Este livro se caracteriza por um marco referencial para estudantes e profissionais de saúde de distintos níveis de inserção, uma vez que concebe a vida para além do modelo estritamente biológico, isto é, permite considerar e pensar nas múltiplas interfaces do corpo.

Referências

  • 1
    Czeresnia D. Canguilhem e o caráter filosófico das ciências da vida. Physis 2010; 20(3):709-727.
  • 2
    Czeresnia D. O conceito de saúde e a diferença entre prevenção e promoção. In: Czeresnia D, Freitas CM, organizadores. Promoção da saúde: conceitos, reflexões e tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008. p. 39-53.
  • 3
    Czeresnia D. O risco na sociedade contemporânea: relações entre ciência, cultura e saúde. In: Bagrichevsky M, Estevão A, Palma A, organizadores. A saúde em debate na Educação Física. 3ª ed. Ilhéus: Editus; 2007. p. 275-292.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2015
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