Resumo
O presente estudo visou analisar a percepção da utilização da teleinterconsulta por médicos do Sistema Único de Saúde em Campo Grande-MS, como ferramenta auxiliar para o atendimento de pacientes do SUS, abordando efetividade, satisfação e acesso a resultados, direcionados a médicos de diferentes especialidades. De uma população total de 127 profissionais, 100 participaram voluntariamente da pesquisa. Os resultados demonstraram que a teleinterconsulta foi percebida como vantajosa, destacando-se o intercâmbio de saberes (44,1%) e a redução do tempo de espera (42,5%). Desvantagens incluíram baixo investimento na estrutura operacional (25,2%) e dificuldades técnicas de comunicação (23,6%). A teleinterconsulta mostrou-se inovadora, proporcionando intensa troca de conhecimentos e redução do tempo de espera. Embora apresente desafios técnicos, a maioria dos médicos a percebeu como efetiva e segura.
Palavras-chave: Telemedicina; Consulta Remota; Tecnologia da Informação; Serviços de Saúde
Abstract
This study aimed to analyze the perception of the use of teleconsultation by physicians of the Unified Health System in Campo Grande-MS, as an auxiliary tool for the care of SUS patients, addressing effectiveness, satisfaction and access to results, directed to physicians of different specialties. Of a total population of 127 professionals, 100 voluntarily participated in the survey. The results demonstrated that teleconsultation was perceived as advantageous, highlighting the exchange of knowledge (44.1%) and the reduction of waiting time (42.5%). Disadvantages included low investment in the operational structure (25.2%) and technical difficulties of communication (23.6%). Teleconsultation proved to be innovative, providing intense exchange of knowledge and reducing waiting time. Although it presents technical challenges, most physicians perceived it as effective and safe.
Key words: Telemedicine; Remote Consulting; Information Technology; Health Services
Resumen
El presente estudio tuvo como objetivo analizar la percepción sobre el uso de la teleconsulta por parte de los médicos del Sistema Único de Salud de Campo Grande-MS, como herramienta auxiliar para la atención a los pacientes del SUS, abordando la efectividad, la satisfacción y el acceso a los resultados, dirigido a médicos de diferentes especialidades. De una población total de 127 profesionales, 100 participaron voluntariamente en la investigación. Los resultados demostraron que la teleconsulta fue percibida como ventajosa, destacándose el intercambio de conocimientos (44,1%) y la reducción del tiempo de espera (42,5%). Las desventajas incluyeron baja inversión en la estructura operativa (25,2%) y dificultades de comunicación técnica (23,6%). La teleconsulta demostró ser innovadora, proporcionando un intenso intercambio de conocimientos y reduciendo los tiempos de espera. Aunque presenta desafíos técnicos, la mayoría de los médicos lo percibieron como eficaz y seguro.
Palabras clave: Telemedicina; Consulta a distancia; Tecnología de la información; Servicios de salud
Introdução
Um dos grandes objetivos e desafios das Redes de Atenção à Saúde (RAS), é prestar atenção adequada e em tempo hábil, ampliando e democratizando o acesso aos serviços de saúde1,2. Para implementação de um modelo de atenção à saúde centrado na preservação da vida, ressalta-se a necessidade de expansão da abrangência da Telessaúde com o objetivo de fornecer suporte aos profissionais de saúde envolvidos3.
A pandemia de COVID-19 representou um desafio mundial, principalmente para as áreas da Educação e Saúde. O crescimento das iniciativas e implementação de ações relacionadas ao uso das tecnologias da informação e comunicação (TIC’s) através do telessaúde como forma de ofertar orientação e atendimento, demonstrou ser um passo importante e estratégico para prevenção, vigilância e monitoramento em saúde pública, melhoria do acesso de usuários a consultas e serviços, redução do tempo de espera e qualificação dos encaminhamentos para procedimentos especializados4.
O processo de incorporação da telessaúde e a necessidade do sistema de saúde pública de aumentar sua resolutividade através da Atenção Primária em Saúde (APS), favorece o conhecimento e aplicação das diferentes modalidades de suas ferramentas, suas aplicações e implicações, principalmente quando consideramos as disparidades regionais na distribuição de profissionais de saúde e acesso as tecnologias5,6.
No contexto da RAS, dentre as possibilidades da Telessaúde, pode-se destacar a Teleinterconsulta, modalidade que permite a interlocução entre médicos generalistas e especialistas sobre o caso de um mesmo paciente7.
Ao permitir o acesso do médico especialista às imagens e ao histórico de informações do paciente, são realizadas análises e emissão de pareceres em tempo real ou de maneira assíncrona, utilizando a tecnologia store-and-forward8. A expectativa subjacente é que o atendimento seja mais resolutivo, em menor tempo, com redução de encaminhamentos desnecessários ao especialista9.
Na prática, relatos positivos de experiência sobre Teleinterconsulta concluem que o modelo de Teleinterconsulta se mostra eficaz quando adotado por profissionais que atuam no setor de Emergência, no atendimento a pacientes graves em situações de pandemia10. Em um outro relato, do Núcleo de Telessaúde de Santa Catarina, foi possível demonstrar que a maioria dos casos poderia ser manejado na atenção básica, o que resultou em uma redução significativa no número de encaminhamentos para especialistas, bem como uma diminuição no tempo de espera para consultas com os mesmos11.
Nesse contexto, no ano de 2021, o município de Campo Grande-MS implantou no Sistema Único de Saúde um sistema de Teleinterconsulta, através do programa TEIAS (Territórios Integrados de Atenção à Saúde), utilizando tecnologias digitais de comunicação no qual, os médicos de família e comunidade podem se conectar com médicos especialistas, buscando uma segunda opinião para auxílio no diagnóstico ou tratamento de um paciente, com o intuito de promover maior resolutividade no atendimento aos usuários. Sendo assim, o presente estudo teve como objetivo analisar a percepção da utilização do sistema de teleinterconsulta, utilizado pelos médicos do Sistema Único de Saúde do município de Campo Grande-MS como ferramenta auxiliar para melhoria do atendimento da população sul-mato-grossense.
Materiais e métodos
O presente estudo utilizou duas metodologias para análise da percepção dos profissionais de saúde frente ao uso das tecnologias como ferramenta para o suporte de atendimento ao usuário na rede pública: levantamento da literatura baseada em evidências e, pesquisa qualitativa exploratória.
Para o arcabouço da pesquisa, foram seguidas as etapas da prática baseada em evidências: identificação do problema, formulação da pergunta norteadora, busca das evidências científicas, avaliação das evidências e sua aplicabilidade, implementação da evidência e avaliação dos resultados de mudança. A construção da pergunta norteadora seguiu a estratégia PICO: P = profissionais de saúde, I = teleinterconsulta, C = pandemia de COVID-19, e O = impacto e percepção dos profissionais12.
O processo de seleção da literatura incluiu artigos originais publicados no período de 2007 a 2024, de acesso aberto, disponíveis para leitura na íntegra nos idiomas português e inglês, encontrados nas bases de dados: Lilacs via Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), MEDLINE via PubMed e Scopus, utilizando a combinação dos descritores DeCS e MeSH: (((Telemedicine) AND (Health Services)) AND (Information Technology)) AND (Remote Consultation).
Ferramenta sobre percepção do profissional médico
A aplicação de questionário eletrônico privilegiou como público-alvo os 127 profissionais de saúde (médicos) distribuídos nas 12 unidades de saúde do município de Campo Grande (Mato Grosso do Sul) que fazem parte do programa TEIAS e na Gerência de Regulação Ambulatorial, com registro no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), em consulta feita ao site https://cnes.datasus.gov.br/ no dia 19.01.202413. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
As informações coletadas foram direcionadas para um banco de dados, onde foram analisadas através do Software Estatístico R, com análises descritivas dos dados, incluindo frequências absolutas e relativas, médias, desvios padrão, medianas, valores mínimos e máximos. As variáveis foram descritas com base na especialidade do profissional e no levantamento censitário como todo.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, número de aprovação CAAE: 70461323.2.0000.5282.
A dificuldade de encontrar na literatura um questionário único, aplicado no serviço público de saúde, validado e com as características deste estudo (uso da teleinterconsulta) induziram a adaptação de dois instrumentos desenvolvidos e aplicados à profissionais da área da saúde sobre suas percepções no uso da tecnologia para o atendimento de pacientes e interface com outros profissionais14,15. Um dos questionários teve como objetivo analisar a utilização, efetividade e resolutividade das teleconsultorias realizadas pela rede de teleassistência de Minas Gerais na atenção primária em saúde. Este instrumento é composto por três perguntas: “A teleconsultoria evitou o encaminhamento do paciente?” - pergunta refere-se ao encaminhamento do paciente para outras cidades e explora a eficiência da atividade; “A teleconsultoria que você acabou de fazer respondeu a dúvida levantada?” - pergunta que avalia a qualidade e a resolutividade da resposta do profissional; “Qual o seu grau de satisfação com o sistema de teleconsultoria?” - pergunta atrelada ao grau geral de satisfação do profissional que usa o sistema14.
O outro questionário foi desenvolvido para analisar o grau de percepção e atitudes de profissionais da área de saúde que utilizaram o sistema de teleconsultoria e se este sistema afetou a qualidade do processo terapêutico. Suas perguntas/afirmativas estão atreladas aos seguintes critérios: preferência de método de trabalho, condições de trabalho, vantagens e desvantagens do sistema, avaliação da efetividade e resolubilidade do sistema de teleconsultoria15.
O questionário final foi elaborado no Research Eletronic Data Capture (REDCap, http://redcap.uerj.br/), uma plataforma web segura para construir e gerenciar bancos de dados e pesquisas on-line e, disponibilizados eletronicamente através de link encaminhado pelo gestor de saúde do município de Campo Grande-MS, aberto para receber as respostas por um período de 30 dias corridos. Os convites para participação foram encaminhados pela gestão municipal através de endereços eletrônicos e números de telefones celulares disponíveis no banco de dados, sem que a equipe de pesquisa tivesse acesso direto as estas informações.
Uma mensagem foi encaminhada, atrelada ao link do questionário, convidando os participantes elegíveis. Ao clicar no link da pesquisa os participantes eram direcionados ao questionário, tendo como primeira página o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido eletrônico (TCLE) no qual o consentimento deveria ser dado ao selecionar “Concordo em participar”. Ao concordar, o participante iniciava o preenchimento do questionário com dados demográficos e logo após as perguntas específicas sobre sua percepção em usar o sistema de teleinterconsulta.
A parte do questionário sobre a percepção dos profissionais incluiu: opinião sobre as vantagens e desvantagens no uso da teleinterconsulta, acesso aos resultados de laboratórios ou imagens durante o uso da teleinterconsulta, comparação da duração entre consulta presencial e teleinterconsulta, efetividade das consultas realizadas através da teleinterconsulta, confiabilidade no sistema em termos de segurança de dados e conectividade.
O instrumento foi aplicado apenas ao grupo de profissionais médicos, sendo excluídos do banco de dados para análise dos resultados qualquer resposta identificada como não pertencente a população alvo, como por exemplo respostas dadas por enfermeiros e psicólogos.
Fluxo de Teleinterconsulta em Campo Grande-MS
Todas as informações de perguntas foram adaptadas para o termo teleinterconsultoria tendo em vista que faz uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC´s) para permitir a troca de informações e opiniões a distância entre médicos, com ou sem a presença do paciente, para auxílio diagnóstico, terapêutico, monitoramento ou prevenção de doenças. É posta como mais uma opção de atenção à saúde, visando a promoção desta e um melhor atendimento à população, conforme Figura 1.
Fluxograma ilustrativo sobre o atendimento do usuário através da teleinterconsulta no município de Campo Grande-MS.
Resultados
A pesquisa foi encaminhada para as 12 unidades básicas de saúde do município de Campo Grande-MS, pertencentes ao programa TEIAS (Territórios Integrados de Atenção à Saúde) representando um total de 123 médicos de família e comunidade, além de quatro médicos especialistas lotados na Gerência de Regulação Ambulatorial, perfazendo uma amostra de 127 participantes.
Cabe ressaltar que alguns profissionais como Cardiologista (1), Gastroenterologista (3), Pneumologista (1) e Ortopedista (1), apesar de terem indicado as referidas especialidades nas respostas do questionário, estão cadastrados no CNES como Médico de Família e Comunidade.
As mulheres representaram 60,6% dos respondentes e a faixa etária predominante foram pessoas com até 40 anos (81,8%). A quase totalidade dos médicos (93,9%) atuam na especialidade de “medicina de família e comunidade” (dados não tabulados).
Na Tabela 1 são apresentadas as respostas sobre a percepção dos profissionais e as vantagens do uso do sistema de teleinterconsulta na qual a maioria do grupo de médicos de família assinalou como principal vantagem o item “intercâmbio de saberes” (42,3%), seguido pelos itens “redução do tempo de espera em filas de atendimento especializado” (41,5%) e “redução do número de encaminhamentos para consultas presenciais” (36,6%). No grupo de outros médicos especialistas, dois itens ocuparam a classificação de mais vantajosos: “redução do número de encaminhamentos para consultas presenciais” (100%) e “intercâmbio de saberes entre profissionais” (100%), seguidos pelos itens “melhor resolução para diagnóstico” (75%), “redução do número de encaminhamentos para consultas presenciais” (75%), “redução do tempo de espera em filas de atendimento especializado” (75%) e, “maior eficiência na regulação e hierarquização dos casos eletivos” (75%). A classificação geral apresenta como maiores vantagens apontadas pelos profissionais (ambos os grupos) o “intercâmbio de saberes entre profissionais” (44,1%) seguido pelos itens “redução do tempo de espera em filas de atendimento especializado” (42,5%) e “redução do número de encaminhamentos para consultas presenciais” (37,8%).
A comparação das respostas sobre as desvantagens do sistema de teleinterconsulta revelou diferenças na percepção quando comparamos os dois grupos de profissionais da amostra. Os médicos de família e comunidade percebem que a maior desvantagem são as “dificuldades técnicas de comunicação” (42,4%) ao passo que os outros médicos especialistas acreditam ser o “baixo investimento na estrutura operacional” (66,7%). A segunda maior desvantagem, e esta, apontada pelos dois grupos de profissionais (médicos de família e outros médicos especialistas), diz respeito ao item “impossibilidade de reunir presencialmente para avaliar o paciente” (36,4% e 44,4%, respectivamente). A análise geral revela que a maior desvantagem apontada foram as “dificuldades técnicas de comunicação” (42,9%) (Tabela 2).
Outro aspecto analisado foi a percepção quanto ao tempo de duração das teleinterconsultas. Apesar de nesse caso o número de respondentes ter sido inferior, os resultados sugerem que esse tempo de duração é maior que uma consulta presencial para os dois grupos comparados: médicos de família e comunidade e médicos de outras especialidades (dados não tabulados).
Por fim, as questões sobre a análise do sistema de teleinterconsulta quanto a sua efetividade, confiabilidade em termos de segurança e compartilhamento de dados assim como a confiabilidade em termos de estabilidade/conectividade são apresentadas na Tabela 3. As três perguntas foram apresentadas aos participantes associadas a escala de 0 (zero) a 10 (dez), sendo zero a avaliação mais baixa e 10 a avaliação mais alta. Podemos observar nos resultados que os dois grupos de médicos possuem percepção semelhante sobre efetividade, segurança e conectividade do sistema de teleinterconsulta usado pelo município de Campo Grande-MS: médicos de família e comunidade (média=7,9) e outros médicos especialistas (média=7,4) possuem percepção semelhante sobre efetividade, segurança e conectividade do sistema de teleinterconsulta usado pelo município de Campo Grande-MS.
Escore de avaliação dos profissionais quanto a efetividade das consultas realizadas por teleinterconsulta, a confiabilidade do sistema de teleinterconsulta, em termos de segurança no compartilhamento de dados e a confiabilidade do sistema de teleinterconsulta, em termos da estabilidade/conectividade do sistema segundo Classificação Brasileira de Ocupações Campo Grande-MS, 2024.
Discussão
As políticas públicas governamentais têm se debruçado em destacar a importância do uso de tecnologias para melhoria do atendimento, acesso e relação entre profissionais do Sistema Único de Saúde. Tal fato pode ser demonstrado através da portaria do Ministério da Saúde (Portaria GM/MS nº 3.232/2024) sobre o Programa SUS Digital, que tem como escopo promover a transformação digital no âmbito do SUS para ampliar o acesso da população às suas ações e serviços, com vistas à integralidade e resolubilidade da atenção à saúde, incluindo a formação e educação permanente dos trabalhadores e profissionais de saúde16.
O rápido avanço das TIC’s abriu um leque de possibilidades na área de saúde para profissionais e pacientes na de troca de informações e diálogos em forma de texto, voz transmissão de imagens, em tempo real ou não17 e neste sentido, ganhou relevante destaque e urgência durante o período pandêmico de COVID-19, proporcionando ao telessaúde status de autorização de uso em todo território nacional18.
O confinamento e as características da pandemia de COVID-19 aumentaram o uso substancial de tecnologias como o telefone, videoconferência, aplicativos e realidade virtual para telemonitoramento, teleconsultoria, teleacompanhamento e visitas virtuais19.
Sendo assim, gestores de saúde em todas as esferas iniciaram a busca para solucionar e implantar sistemas que pudessem auxiliar o processo de atendimento populacional, o que ocorreu com o município de Campo Grande-MS. Os registros na literatura demonstram que existe um uso maior do telessaúde nas regiões Sul e Sudeste indicando a necessidade de indução positiva por governos locais, estaduais e nacional nas demais regiões, no sentido de qualificar os serviços e empoderar as equipes e profissionais de saúde20.
A implementação do sistema de teleinterconsulta tem se destacado como uma abordagem inovadora no campo da saúde, pois possibilita a troca de informações entre profissionais de saúde, tanto para o auxílio diagnóstico quanto para definição terapêutica, recebendo uma ampla aceitação por parte dos profissionais médicos.
É possível observar que tal ferramenta através deste intercâmbio de informações, gera uma rede de aprendizagem colaborativa21 sendo esta uma prática recomendada pelo SUS quando trabalhamos a educação permanente e contínua dos profissionais de saúde22.
O intenso intercâmbio de saberes proporcionado pela teleinterconsulta foi uma das principais vantagens percebidas pelos médicos desta pesquisa, corroborando com os achados na literatura: 44,1% dos profissionais afirmaram que essa modalidade viabiliza a troca rápida e eficiente de conhecimentos entre especialistas, promovendo uma abordagem mais colaborativa e abrangente no tratamento de casos clínicos complexos. Exemplo disso pode ser pontuado com a interpretação de imagens ou eletrocardiogramas através de teleconferência entre médicos generalistas e especialistas utilizados na atenção primária com sucesso17.
Outro ponto de destaque foi a percepção global para 42,5% dos médicos sobre a redução significativa do tempo de espera em filas de atendimento especializado e para 37,8%, a redução do número de encaminhamentos para consultas presenciais como sendo vantagens significativas no uso da teleinterconsulta. Os achados na literatura corroboram com tal percepção onde a aplicação das tecnologias contribui para maior resolubilidade do cuidado na Atenção Primária, redução de encaminhamentos e, consequentemente, redução de filas de espera23.
A teleinterconsulta usa um modelo de trabalho semelhante a uma matriz de suporte, com a participação de diferentes profissionais, incluindo pacientes, quando necessário, que produz respostas resolutivas as demandas da saúde, beneficiando a gestão do serviço, a equipe e o paciente24. Isto pode ser evidenciado pelos itens “redução do número de encaminhamentos para consultas presenciais”, apontada por outros 37,8% dos profissionais e, “otimização do processo diagnóstico” mencionado por 32,3% dos médicos. A troca de informações e a análise conjunta de casos clínicos contribuem para diagnósticos mais precisos e assertivos, contribui para planos terapêuticos mais eficazes e personalizados, beneficiando diretamente a qualidade do atendimento prestado aos pacientes e demonstra a possibilidade dessa modalidade em solucionar demandas, sem a necessidade de deslocamentos físicos.
O acesso remoto imediato ao aconselhamento, tratamento e diagnóstico médico eliminando a necessidade de indivíduos se deslocarem por longas distâncias e a maior adesão aos planos terapêuticos têm sido também pontos destacados na literatura sobre as vantagens sobre o uso de sistemas remotos de consulta na área da saúde24-27.
O uso do sistema de teleinterconsulta agiliza o acesso a especialistas, proporcionando uma resposta mais rápida às necessidades dos pacientes e, consequentemente, melhorando a eficiência do sistema de saúde. Porém, alguns estudos apontam que a disposição para o uso do sistema está diretamente relacionada a idade dos profissionais - os mais jovens têm maior vontade em recorrer ao uso da tecnologia e não existe diferença entre sexos15.
Apesar da análise positiva dos profissionais de saúde sobre o uso da teleinterconsulta, algumas desvantagens podem ser apontadas como mais significantes: a impossibilidade de examinar o paciente pessoalmente, coleta de informações confiáveis do paciente, as dificuldades técnicas e a idade avançada do paciente15,28. Nossos resultados revelaram diferenças neste tipo de percepção entre os dois grupos, porém também apontaram como itens mais negativos (amostra global): “dificuldades técnicas de comunicação” (42,9%), “baixo investimento na estrutura operacional” (40,5%) e “impossibilidade de reunir presencialmente para avaliar o paciente” (38,4%). Porém, sobre o aspecto presencial, alguns estudos apontam que a videoconferência tem capacidade de avaliar os pacientes visualmente e ter pistas visuais para fazer avaliações abrangentes, assim como pode capacitar os pacientes para assumir o controle de seus tratamentos24.
A disponibilidade e acesso aos exames de laboratório e imagem dos pacientes durante a teleinterconsulta pelos profissionais de saúde é algo realizado de forma frequente, mas que depende da sua função quando comparamos as profissões15. Em nosso estudo foi possível observar uma similaridade de acesso entre os médicos de família e outros médicos especialistas.
No que concerne ao tempo de duração das consultas, na comparação entre o método presencial e virtual, estudos apontam que os profissionais de saúde da atenção primária mencionam que têm consultas virtuais mais longas em comparação com os métodos tradicionais29. Esta percepção é a mesma entre os dois grupos de profissionais deste estudo no qual 61,9% assinalou o item de duração “mais que uma consulta presencial”.
A análise sobre a efetividade do sistema de teleinterconsulta, confiabilidade em termos de segurança no compartilhamento de dados e confiabilidade em termos de estabilidade/conectividade do sistema pressupõe uma série de condições a serem descritas de forma isolada e sobrepostas.
Considerações finais
O exponencial crescimento do acesso à internet para o uso da Saúde Digital precisa estar atrelado aos incentivos governamentais, com análises loco regionais de acordo com suas demandas e possibilidades de implementação, pois ainda persistem no Brasil desigualdades regionais, distribuição de profissionais e mudanças governamentais que geram fragmentação, redução de investimentos e/ou interrupção nos serviços ofertados30-32. Além disso, as necessidades de cuidado e acesso aos serviços são também influenciadas por determinantes sociais e precisa considerar os diferentes cenários de acesso à internet e equipamentos tecnológicos, dentre outros aspectos33,34.
Porém, existem municípios de pequeno e médio porte, em regiões distintas do Sul e Sudeste, que apresentam percentuais maiores de utilização do Telessaúde, indicando a possibilidade de implantação de teleconsultas em locais com menor número de profissionais especialistas, superando a barreira da distribuição geográfica desigual de médicos no Brasil34,35.
A análise da efetividade e confiabilidade da teleconsulta também depende da especialização - os especialistas em medicina familiar classificaram a eficácia da teleconsulta como superior aos restantes médicos especialistas15, muito embora em nosso estudo, os resultados para ambos os grupos, médicos de família (Média 7,9) e outros médicos especialistas (Média 7,4), apresentou percepção semelhante sobre efetividade, segurança e conectividade do sistema de teleinterconsulta usado pelo município de Campo Grande-MS.
Com resultados encorajadores, a implementação da teleinterconsulta emerge como uma ferramenta potente, enriquecendo a prática médica, reduzindo barreiras de acesso e proporcionando benefícios substanciais tanto para profissionais de saúde quanto para os pacientes.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
21 Out 2024 -
Data do Fascículo
Nov 2024
Histórico
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Recebido
28 Fev 2024 -
Aceito
24 Abr 2024 -
Publicado
26 Abr 2024