Acessibilidade / Reportar erro

EDITORIAL

EDITORIAL

Gostaria de lembrar que neste ano comemoramos o 10o aniversário da Conferência Global sobre o Meio Ambiente chamada Rio 92. Nesse intervalo, o discurso sobre as relações entre saúde, ambiente e qualidade de vida mudou muito no Brasil. A prática, nem tanto, embora esforços esparsos que refletem muita dedicação e profundidade teórica e política apresentem resultados concretos. Um dos grandes problemas hoje ainda enfrentados é a própria conceituação da questão ecológica. Ela se diferencia radicalmente dos temas de estudo tradicional, pois requer juntar disciplinas e articular teoria e prática. E na solução de problemas, coloca na mesma mesa, cientistas, atores do mundo da vida e gestores do Estado. A busca de aprofundamento de conceitos no encontro das áreas de saúde e ambiente é crucial, pois, quando uma definição das relações entre elas se produz, sua decodificação na prática tem conseqüências reais, tanto para a natureza quanto para a população viva que a habita, sejam vegetais, animais ou gente.

Na área da saúde, as abordagens mais globais do ponto de vista ecológico são constantemente atualizadas. E um dos últimos esforços, o Enfoque Ecossistêmico em Saúde, data do final dos anos 70, quando ambientalistas, sanitaristas, investigadores e gestores perceberam a necessidade de integrar mais suas ações e suas abordagens em favor da qualidade de vida de populações concretas. De um lado, foi crescendo a convicção de que não pode haver desenvolvimento sustentável sem levar em conta os seres humanos e sua vida no ecossistema. De outro, foi se firmando a certeza de que a relação entre componentes vivos e inertes do ecossistema, além de ser extremamente complexa, tem repercussões reais e profundas sobre as formas de vida presente e futura.

O esforço de formular propostas concretas que visassem estreitar a relação entre saúde e ambiente se evidenciou na preparação da Rio 92, quando no Relatório Brundland (1987), a definição de desenvolvimento sustentável identificou o papel dos seres humanos em relação ao ambiente e descreveu o impacto das mudanças ambientais sobre a saúde e a qualidade de vida das populações. A partir da Rio 92, o relatório da UNCED (United Nations Comission on Environment and Development), propondo a Agenda 21 como plano de ação para o desenvolvimento sustentável, abrangeu a idéia de que as necessidades essenciais de saúde das populações deveriam ser urgentemente focalizadas, dentro de um marco que articulasse suas relações com os fatores ambientais aí considerados na sua complexidade e inter-relações físicas, biológicas, químicas e sociais, em interação.

Na verdade, a evidência dos males causados pela degradação ambiental é cada vez maior. A favor da precariedade da saúde, vários e combinados fatores se unem: a falta de saneamento básico; a água e os alimentos de baixa qualidade; a poluição do ar; o uso desordenado de produtos químicos; o manejo inapropriado do lixo. A esses se acrescentam os novos problemas configurados nas mudanças ambientais globais, provocadas pelas crescentes intervenções humanas na natureza e na sociedade como as climáticas e a destruição da camada de ozônio; as sociais provenientes das migrações, do aumento demográfico, da ampliação dos meios e das formas de comunicação; dos conflitos de territórios; e da exacerbação da violência social. A emergência e re-emergência de uma série de enfermidades e o aumento de outras ressaltam os desequilíbrios provocados pelo paradigma da dominação antropocêntrica da natureza e da dominação econômica de classes, grupos e países ameaçando a saúde de todos os seres vivos e mais particularmente do ser humano.

Ao comemorarmos neste ano a Rio+10, é preciso não nos esquecermos de que à sustentatibilidade ecológica se junta a democracia, os direitos humanos, a justiça social como o ambiente ideal no qual floresce a qualidade de vida: utopia em realização de todos os que militam no campo da Saúde Coletiva.

Maria Cecília de Souza Minayo

Editora científica

This document serves as a reminder that this year we are celebrating the 10th anniversary of the United Nations Conference on Environment and Development, known as Rio 92. Since then, the discourse on the relations between health, the environment, and quality of life has changed considerably in Brazil. However, practice has not changed as much, although scattered efforts reflecting great dedication and theoretical and political depth have produced tangible results. One of the major problems we still face today is the conceptualization of the ecological issue, radically different from traditional research themes in that it requires combining disciplines and linking theory and practice. Furthermore, the problem-solving effort places scientists, lifeworld players, and public administrators around the same table. The search for in-depth concepts in the interface between the health and environmental fields is crucial, because decoding this definition has very real and practical consequences both for nature and for the populations living in it, whether plants, animals, or people.

In the field of health, the most global approaches from the ecological point of view are constantly updated. One of the most recent efforts, known as the Ecosystem Approach to Health, dates to the late 1970s, when environmentalists, public health specialists, researchers, and health systems managers realized the need for greater integration of their actions and approaches in defense of quality of life for real populations. On the one hand there was a growing conviction that there can be no sustainable development without taking human beings and their lives into account in the ecosystem. On the other, there was increasing certainty that the relationship between living and inert components of the ecosystem, in addition to being extremely complex, has real and profound repercussions on present and future forms of life.

The effort at formulating solid proposals to establish a closer relationship between health and the environment was highlighted in the preparations for Rio 92, when the Brundland Report (1987), in its definition of sustainable development, identified the role of human beings in relation to the environment and described the impact of environmental changes on the health and quality of life of populations. The UNCED Report (from the United Nations Conference on Environment and Development, or Rio 92) proposed Agenda 21 as an action plan for sustainable development, including the idea that the essential health needs of populations should be urgently targeted within a framework linking their relations to environmental factors, considered in all their complexity with their physical, biological, chemical, and social interrelations.

There is increasing evidence of the ills caused by environmental degradation. Various factors combine to produce increasingly precarious health conditions: lack of basic sanitation; poor-quality water and foodstuffs; air pollution; disorganized use of chemical products; and inadequate solid waste management. Added to these are new problems arising from global environmental changes caused by increasing human interventions in both nature and society, such as climate changes and the destruction of the ozone layer; social changes from migration, population growth, and expansion of means and forms of communication; territorial conflicts; and exacerbation of social violence. The emergence and reemergence of a number of diseases and the spread of others underscore the imbalances caused by the paradigm of anthropocentric control over nature and the economic domination of classes, groups, and countries threatening the health of all living beings, particularly humans.

As we celebrate Rio+10 this year, we should not forget that ecological sustainability is joined by democracy, human rights, and social justice as the ideal environment in which quality of life can flourish: a utopia pursued by all activists in the field of Collective Health.

Maria Cecília de Souza Minayo

Scientific editor

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jul 2002
  • Data do Fascículo
    2002
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Av. Brasil, 4036 - sala 700 Manguinhos, 21040-361 Rio de Janeiro RJ - Brazil, Tel.: +55 21 3882-9153 / 3882-9151 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cienciasaudecoletiva@fiocruz.br