A configuração atual da saúde dos povos indígenas no Brasil reflete os impactos de uma história de cinco séculos de violência do processo colonial, que produziu depopulação, discriminação e vulnerabilidade social1. Racismos e violências das mais diversas ordens, perda de territórios e degradação ambiental fazem parte do cotidiano dos povos indígenas.
No final da década de 1990, foi implementada a “Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas” no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Embora tenha contribuído para melhorias importantes em alguns indicadores de saúde, depois de quase duas décadas a cobertura e os impactos do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS) permanecem claramente insuficientes1.
Ao longo de décadas, o protagonismo e a participação indígena têm sido centrais na constituição das políticas públicas em saúde no Brasil2,3. Na contemporaneidade, esse protagonismo se manifesta de maneira inédita, com lideranças indígenas assumindo posições chaves no recentemente criado Ministério dos Povos Indígenas, na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (atual designação da FUNAI) e na Secretaria de Saúde Indígena (SESAI), do Ministério da Saúde, entre outras.
No âmbito acadêmico, os esforços das ações afirmativas têm resultado numa maior presença indígena, mas ainda incipiente nos eventos e instituições de saúde coletiva, o que demanda maior incentivo nos programas de pós-graduação e estratégias específicas para fortalecimento de sua participação na vida acadêmica3.
Se a partir da Constituição de 1988 houve o explícito reconhecimento da responsabilidade do Estado quanto à garantia dos direitos dos povos indígenas, o que se traduziu inclusive na proposição da “Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas”, graves crises humanitárias e sanitárias persistem em várias regiões do país, como exemplificado pela situação Yanomami2. De uma forma aguda e crítica, é uma situação que amalgama e potencializa problemas como invasão de territórios indígenas, destruição do meio ambiente, mineração e contaminação ambiental, crise alimentar e nutricional, assim como exposição à violência e uma atenção à saúde muito aquém das efetivas necessidades.
Vivemos tempos extremamente desafiadores. Após os importantes avanços na garantia dos direitos indígenas na Constituição de 1988, que se seguiram a mais de duas décadas de regime militar, e depois de uma fase significativa de construção e implementação de políticas públicas em diversas áreas, incluindo a saúde, sobretudo nos anos 1990 e na primeira década do século XXI, o cenário atual apresenta riscos de retrocesso na garantia de direitos em muitas frentes2.
Este número temático de Ciência & Saúde Coletiva (C&SC), o primeiro do periódico dedicado ao tema, reúne reflexões e análises sobre os cenários e desafios contemporâneos do campo da saúde dos povos indígenas. No conjunto, são mais de duas dezenas de textos de autoras e autores, não indígenas e indígenas, de instituições de todo o país, além de pesquisadores estrangeiros, o que evidencia a diversidade de perspectivas metodológicas e temáticas.
Agradecimentos
A publicação deste fascículo temático contou com o fomento do projeto “Desenvolvimento de ações para o aprimoramento do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS)” (VPAAPS/FIOCRUZ - TED 60-2023).
Referências
- 1 Santos RV, Welch JR, Pontes AL, Garnelo L, Cardoso AM, Coimbra Jr. CEA. Health of indigenous peoples in Brazil: inequities and the uneven trajectory of public policies. In: McQueen D, organizador. Oxford Research Encyclopedias of Global Public Health. Oxford: Oxford University Press; 2022. p. 1-33.
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2 Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). Retrospectiva 2023: Direitos indígenas não se negociam [Internet]. 2023 [acessado 2024 jul 01]. Disponível em: https://apiboficial.org/2023/12/27/retrospectiva-2023-direitos-indigenas-nao-se-negociam/.
» https://apiboficial.org/2023/12/27/retrospectiva-2023-direitos-indigenas-nao-se-negociam - 3 Coletivo Vozes Indígenas na Saúde Coletiva, organizador. Vozes indígenas na produção do conhecimento: para um diálogo com a saúde coletiva. São Paulo: Hucitec Editora; 2022.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
16 Dez 2024 -
Data do Fascículo
Dez 2024
Histórico
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Recebido
01 Jul 2024 -
Aceito
03 Jul 2024
