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A produção científica e grupos de pesquisa sobre vigilância sanitária no CNPq

The scientific production and research groups on sanitary surveillance at CNPq

Resumos

A vigilância sanitária caracteriza-se por ser prática intersetorial e multidisciplinar, utilizando-se, de longa data, do conhecimento científico produzido em diferentes áreas. Esta pesquisa objetivou descrever a produção científica sobre vigilância sanitária registrada por pesquisadores cadastrados na Plataforma Lattes do CNPq e analisar o perfil dos grupos de pesquisa que trabalham com o tema. Utilizaram-se os Censos de 2000, 2002 e 2004 do Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico com o termo "vigilância sanitária". A produção científica foi analisada no período de 1997 a 2003. Encontraram-se 1.194 registros, sendo 913 na categoria de produção bibliográfica e 281 em orientações concluídas, com aumento de 540% no período. A produção foi realizada por 735 grupos de pesquisa, criados principalmente entre 2000 e 2003, e 6.263 pesquisadores, concentrados na região Sudeste e na pequena área da Saúde Coletiva. Conclui-se que, pelo crescimento da produção especialmente na última década, a vigilância sanitária tem se tornado locus de produção de saber e ocupado fóruns importantes de produção científica voltados à Saúde Coletiva no Brasil, sendo ela ainda concentrada, assim como outras áreas na Saúde.

Vigilância sanitária; Produção científica; Grupos de pesquisa; Linhas de pesquisa; Plataforma Lattes


Sanitary surveillance is an intersectorial and multidisciplinary practice of health regulation. The aim was to describe the scientific research on sanitary surveillance and its research groups in Brazil during the period of 1997 to 2003, through the Census of 2000, 2002 and 2004 of Directory of Research Groups of the Scientific and Technological Development National Council (CNPq). The term "sanitary surveillance" was used to search the production and the research groups in the Lattes Platform of CNPq. There were 1,194 items, 913 in bibliographic production and 281 in post-graduated production, with an increment of 540% on the period. There were 735 research groups, created mostly from 2000 to 2003 and 6,263 researchers concentrated in the Southeast Region and in CNPq sub area of Public Health. The great increase of the production lead to the conclusion that sanitary surveillance have been a locus of production only in the last decade, presented in scientific events of Public Health and until now concentrated just like others areas in Health.

Sanitary surveillance; Scientific production; Research groups; Research lines; Lattes Platform


ARTIGO ARTICLE

A produção científica e grupos de pesquisa sobre vigilância sanitária no CNPq

The scientific production and research groups on sanitary surveillance at CNPq

Vera Lúcia Edais PepeI; Ana Beatriz Marinho de NoronhaII; Tatiana Aragão FigueiredoI; Adriana de Alvarenga Linhares de SouzaIII; Catia Veronica dos Santos OliveiraI; Durval Martins Pontes JúniorIV

IDepartamento de Administração e Planejamento em Saúde, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz. Rua Leopoldo Bulhões 1.480, 7º andar, Manguinhos. 21041-210 Rio de Janeiro RJ. verapepe@ensp.fiocruz.br

IIEscola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação Oswaldo Cruz

IIIInstituto de Tecnologia em Imunobiológicos, Fundação Oswaldo Cruz

IVSecretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais

RESUMO

A vigilância sanitária caracteriza-se por ser prática intersetorial e multidisciplinar, utilizando-se, de longa data, do conhecimento científico produzido em diferentes áreas. Esta pesquisa objetivou descrever a produção científica sobre vigilância sanitária registrada por pesquisadores cadastrados na Plataforma Lattes do CNPq e analisar o perfil dos grupos de pesquisa que trabalham com o tema. Utilizaram-se os Censos de 2000, 2002 e 2004 do Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico com o termo "vigilância sanitária". A produção científica foi analisada no período de 1997 a 2003. Encontraram-se 1.194 registros, sendo 913 na categoria de produção bibliográfica e 281 em orientações concluídas, com aumento de 540% no período. A produção foi realizada por 735 grupos de pesquisa, criados principalmente entre 2000 e 2003, e 6.263 pesquisadores, concentrados na região Sudeste e na pequena área da Saúde Coletiva. Conclui-se que, pelo crescimento da produção especialmente na última década, a vigilância sanitária tem se tornado locus de produção de saber e ocupado fóruns importantes de produção científica voltados à Saúde Coletiva no Brasil, sendo ela ainda concentrada, assim como outras áreas na Saúde.

Palavras-chave: Vigilância sanitária, Produção científica, Grupos de pesquisa, Linhas de pesquisa, Plataforma Lattes

ABSTRACT

Sanitary surveillance is an intersectorial and multidisciplinary practice of health regulation. The aim was to describe the scientific research on sanitary surveillance and its research groups in Brazil during the period of 1997 to 2003, through the Census of 2000, 2002 and 2004 of Directory of Research Groups of the Scientific and Technological Development National Council (CNPq). The term "sanitary surveillance" was used to search the production and the research groups in the Lattes Platform of CNPq. There were 1,194 items, 913 in bibliographic production and 281 in post-graduated production, with an increment of 540% on the period. There were 735 research groups, created mostly from 2000 to 2003 and 6,263 researchers concentrated in the Southeast Region and in CNPq sub area of Public Health. The great increase of the production lead to the conclusion that sanitary surveillance have been a locus of production only in the last decade, presented in scientific events of Public Health and until now concentrated just like others areas in Health.

Key words: Sanitary surveillance, Scientific production, Research groups, Research lines, Lattes Platform

Introdução

A vigilância sanitária vem se constituindo como um importante campo da Saúde Coletiva. Lucchesi1 pontua que, função precípua do Estado, sua ação volta-se para a adequação do sistema produtivo de bens e serviços de interesse sanitário, e os ambientes, às demandas sociais de saúde, para os indivíduos e para a coletividade, e às necessidades do sistema de saúde. No cumprimento de seu papel de proteger a saúde dos cidadãos, a vigilância sanitária caracteriza-se por ser uma prática intersetorial, interinstitucional e multidisciplinar, utilizando-se do conhecimento científico produzido em diferentes áreas de conhecimento, dentre as quais: a farmacologia, a física, a química, o direito, a economia e a administração2.

A estruturação da vigilância sanitária, seja como arranjo institucional de um sistema nacional, seja como objeto de análise e/ou locus produtor de conhecimento, tem sido construída mais recentemente, especialmente a partir do final da década de 1980. Embora seja uma prática antiga de Saúde Pública1,3 e embora alguns de seus objetos de interesse específicos - medicamentos, alimentos, produtos, serviços de saúde e ambiente, incluindo-se aqui o ambiente de trabalho - sejam estudados sob vários aspectos de longa data, apenas mais recentemente a vigilância sanitária tem ocupado os fóruns importantes de produção científica voltados à Saúde Coletiva.

Na última década, a vigilância sanitária tem feito um esforço de autorreflexão em eventos específicos da área, promovidos pela Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco). Foram realizados, até 2007, três simpósios brasileiros de vigilância sanitária e duas jornadas Norte-Nordeste de vigilância sanitária. Além destes, houve alguns eventos específicos promovidos pelos serviços de vigilância sanitária, como o I Fórum Estadual Intersetorial em Vigilância Sanitária, realizado em Florianópolis (SC), em 2004.

Pode-se supor que a produção de conhecimento nesse campo vem acompanhando, ainda que de forma tardia, o avanço da pesquisa científica no Brasil, que muito deve à consolidação da política de pós-graduação implantada no país na década de 19604. O primeiro programa de pós-graduação stricto sensu especificamente voltado para a vigilância sanitária foi constituído mais recentemente, no Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde, da Fundação Oswaldo Cruz (INCQS/Fiocruz), e data de 2001.

Uma importante fonte de informação sobre a produção científica no Brasil é a Plataforma Lattes, que representa a experiência do Centro Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) na integração de bases de dados de currículos e de instituições da área de ciência e tecnologia em um único sistema de informações (http://lattes.cnpq.br/). A disponibilidade dessa fonte de informações sobre a pesquisa nacional abre oportunidades para a geração de conhecimento em Ciência & Tecnologia5.

Este trabalho tem como objetivo descrever a produção científica sobre vigilância sanitária cadastrada na Plataforma Lattes do CNPq e analisar o perfil dos grupos de pesquisa que trabalham com o tema. Acredita-se poder com isso contribuir para a divulgação de sua produção na Saúde Coletiva. A ampliação do conhecimento sobre o próprio campo da vigilância sanitária e de sua produção científica contribuirá para a consolidação do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, ajudando a direcionar, juntamente com outros instrumentos, como o Censo Nacional de Trabalhadores da Vigilância Sanitária e o Plano Diretor de Vigilância Sanitária6,7, os investimentos necessários à maior qualificação da força de trabalho e do próprio processo de trabalho em vigilância sanitária.

Métodos

Utilizaram-se como fonte de dados os Censos 2000, 2002 e 2004 do Diretório de Pesquisa da Plataforma Lattes do CNPq:

Censo 2000 - Período de 1997 a 2000.

Censo 2002 - Período de 1998 a 2001.

Censo 2004 - Período de 2000 a 2003.

O Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil é um projeto desenvolvido no CNPq desde 1992 e registra informações sobre os grupos de pesquisa em atividade no país, com três principais finalidades, segundo a própria instituição: servir, no dia a dia do exercício profissional, de instrumento para o intercâmbio e a troca de informações entre membros da comunidade científica e tecnológica; prover informações de apoio ao planejamento e à gestão das atividades de Ciência & Tecnologia; e preservar a memória da atividade científico-tecnológica no Brasil. Ele também reúne informações sobre pesquisadores, estudantes, técnicos, linhas de pesquisa em andamento, produção científica, tecnológica e artística geradas pelos grupos.

A base de dados do Diretório dos Grupos de Pesquisa é formada por dois módulos: Base Corrente e Base Censitária. A Base Corrente, considerada a base de dados operacional do sistema, é uma base de dados relacional, na qual estão armazenadas as informações dos grupos de pesquisa, cadastradas pelos seus líderes e por todos os pesquisadores por meio do Currículo Lattes. A Base Censitária, modelada para consultas gerenciais, utiliza totalizadores e aglomerações originados da extração, análise, avaliação e consolidação de informações oriundas da base corrente e possui indexação textual, o que permite a realização de consultas sobre dados não estruturados4.

As Bases Censitárias do Diretório dos Grupos de Pesquisa são extraídas periodicamente da base corrente (normalmente a cada dois anos). Elas representam "fotografias" da pesquisa no Brasil, tiradas em datas, previamente anunciadas pelo CNPq para que os participantes dos grupos atualizem seus dados na Plataforma Lattes. As principais consultas disponíveis a partir dos dados armazenados são: séries históricas, súmula estatística, plano tabular, busca textual, estratificação dos grupos e anexos. A busca textual permite recuperar, dinamicamente, informações individualizadas sobre dados presentes na base do Diretório. De acordo com as séries históricas do CNPq, o Censo 2000 cobriu 224 instituições e 11.760 grupos de pesquisa; no Censo 2002, a cobertura do CNPq passou para 268 instituições e 15.158 grupos; e no Censo de 2004, a cobertura foi de 335 instituições e 19.470 grupos. Em número de instituições cobertas, o aumento do Censo de 2000 para 2002 foi de 20%, enquanto o aumento do Censo de 2002 para 2004 foi de 25%. O aumento de instituições cobertas pelo CNPq entre o Censo de 2000 e o de 2004 foi de 50%.

Para atingir os objetivos desejados, realizou-se o levantamento e a análise da produção científica e tecnológica sobre vigilância sanitária de 1997 a 2003 e a determinação do perfil dos grupos de pesquisa que trabalham com o tema nas bases de dados da Plataforma Lattes.

O trabalho foi dividido em dois momentos por meio de consulta realizada via Internet. No primeiro momento, realizado de maio a julho de 2004, a busca ocorreu com os Censos de 2000 e 2002, em duas etapas. Na primeira, a busca da produção científica e, na segunda, a determinação dos grupos de pesquisa que trabalham com vigilância sanitária. No segundo momento, realizado de abril a outubro de 2007, os dados da busca anterior foram atualizados com o Censo de 2004.

Na primeira etapa da pesquisa censitária foi realizada busca textual, com o termo exato "Vigilância Sanitária" e considerando-se os campos "Nome do grupo", "Referência bibliográfica", "Título da produção C,T&A" e "Palavra-chave da produção".

A produção científica foi classificada em categorias definidas pela própria base como:

Produção Bibliográfica: artigo completo publicado em periódicos especializados (circulação nacional); artigo completo publicado em periódicos especializados (circulação internacional); trabalhos completos publicados em anais de eventos científicos, tecnológicos e artísticos; livro; capítulo de livro; resumo de trabalhos publicados em revistas técnico-científicas; resumos de trabalhos publicados em anais de eventos científicos, tecnológicos e artísticos; outras publicações bibliográficas.

Orientações Concluídas: dissertação de mestrado; tese de doutorado; monografia de conclusão de curso de aperfeiçoamento/especialização; trabalho de conclusão de curso de graduação; iniciação científica.

Foram reclassificados os registros que estavam em categoria equivocada e foram excluídas as categorias de cunho não científico (Produção Técnica, Demais trabalhos e Produção artística e cultural).

Os diferentes Censos foram agrupados, sendo retiradas as duplicações existentes entre os Censos e no mesmo Censo entre suas categorias. Os dados foram analisados segundo o ano de publicação no período de 1997 a 2003. O primeiro momento da busca de dados (2004) retornou 233 registros no Censo 2000 e 1.049 no Censo 2002; o segundo momento (2007) retornou 458 registros no Censo de 2000, 831 no Censo de 2002 e 1.419 no Censo de 2004.

Na segunda etapa realizou-se uma "busca textual" do termo exato "Vigilância Sanitária", considerando-se os campos "Nome do grupo", "Nome da linha de pesquisa", "Palavra-chave da linha de pesquisa" e "Título da produção C,T&A", "Palavra-chave da produção", "Repercussões do grupo". A primeira busca de dados (2004) retornou 152 registros no Censo 2000 e 339 no Censo 2002; a segunda busca (2007), 184 registros no Censo de 2000, 311 no Censo de 2002 e 538 no Censo de 2004. Foram retiradas as duplicações de registros no período.

Os dados obtidos foram analisados e validados, com a consulta em cada um dos currículos Lattes dos pesquisadores que registraram alguma produção em vigilância sanitária e em cada ficha dos grupos de pesquisa cuja produção tinha relação com a vigilância sanitária.

Resultados e Discussão

A produção científica e tecnológica em vigilância sanitária

A Tabela 1 apresenta os registros válidos classificados nas devidas categorias de produção científica e ano de publicação.

Foram encontradas 1.194 produções no período de estudo. Ao se considerar a produção anual total, verifica-se que houve um aumento de 540% de 1997 a 2003 (48/258 registros). Houve aumento de cerca de 560% na produção bibliográfica e de 620% nas orientações concluídas (Gráfico 1).


Esses resultados confirmam a maior visibilidade da vigilância sanitária na saúde coletiva, como objeto de estudo3.

A preocupação com a formação dos trabalhadores em vigilância sanitária tem tido expressão, ainda que tímida, desde o final dos anos 80 e o início da década de 1990. Nessa época, esforços foram feitos para a capacitação de trabalhadores por meio de cursos de pós-graduação lato sensu em vigilância sanitária como, por exemplo, os Cursos de Aperfeiçoamento em Vigilância Sanitária (Cavisa) e os Cursos de Especialização em Vigilância Sanitária, realizados simultaneamente na Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz) e na Universidade de Maringá (PR). Houve, igualmente, a inclusão da temática nos Cursos de Especialização em Saúde Pública da Ensp/Fiocruz, realizados in locu e de forma descentralizada. Mais recentemente, com a parceria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, foram criados Centros Colaboradores em Vigilância Sanitária (Cecovisa) em instituições acadêmicas, para fomentar também a realização de pesquisas de interesse da vigilância sanitária e o aumento da produção acadêmica no strictu senso. Essas experiências provavelmente se refletem na produção de resumos em congressos e de monografias, dissertações e teses.

A realização da I Conferência de Vigilância Sanitária, em 2001, reforçou, segundo Costa3, a vigilância sanitária como objeto de estudo e campo de prática e de produção de saberes. A instituição do Grupo Temático de Vigilância Sanitária (GTVisa) na Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco) passou a congregar docentes, pesquisadores, discentes e profissionais, a fim de promover e incentivar trabalhos científicos na área3, que puderam ter maior expressão com a realização dos Simpósios Brasileiros de Vigilância Sanitária (Simbravisa) e de outros eventos científicos específicos da área.

Estudo de caracterização da produção científica de líderes de grupos de pesquisa no campo da saúde, no Brasil, identificou que a apresentação de trabalhos em congressos nacionais seguida de apresentação em congresso internacional foram os tipos de produção mais frequentes. Em seguida, arrolam-se os artigos publicados em periódicos e livros ou capítulos de livros8. No presente estudo, os resumos de trabalhos publicados em anais de eventos científicos, tecnológicos e artísticos foram, dentre os itens da produção bibliográfica, os que tiveram o maior crescimento.

Cabe uma referência à limitação do estudo oriunda da utilização da Plataforma Lattes, sobretudo relativa à subnotificação das informações. Assim é que, por exemplo, os resumos publicados em evento específico da vigilância sanitária, o I Simpósio Brasileiro de Vigilância Sanitária, realizado em São Paulo em 2002, foram em número de 378 trabalhos, enquanto apenas cem foram registrados na Plataforma Lattes9. No banco de teses da Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), com o descritor vigilância sanitária, foram encontradas 29 teses e 133 dissertações no período de 1997 a 2003, enquanto na Plataforma Lattes foram registradas 7 e 63, respectivamente.

Rapini10 destaca a necessidade de atualização e fornecimento de informações precisas para alimentar esse importante banco de dados. Outra questão relevante é a veracidade das informações fornecidas para esse banco de dados, tendo em vista que não há um mecanismo de validação dos dados informados.

Não é objeto deste trabalho a discussão da Saúde Pública/Coletiva11,12 ou o debate sobre a vigilância da saúde em suas três vertentes (de análise da situação de saúde, de integração institucional entre as vigilâncias ou de redefinição das práticas sanitárias)11 e o reflexo que a aplicação que esta proposição tem trazido às diferentes "vigilâncias". Entretanto, vale aqui referir que a maior visibilidade da vigilância sanitária, nas últimas duas décadas, acompanha o esforço de (re)construção teórica do campo da Saúde Coletiva no Brasil. Ainda que alguns autores considerem a vigilância sanitária como um dos componentes da chamada "vigilância da saúde"11,13,14, este trabalho considera que a vigilância sanitária possui suas especificidades e, com Dallari15, expressa um subcampo do conhecimento científico - dotado de leis próprias, derivadas dos agentes e instituições que o caracterizam - que facilita a superação da divisão (hoje inconveniente) entre ciência pura e aplicada, capaz de aliar à práxis a produção e a reprodução do saber científico.

O perfil dos grupos de pesquisa com produção em vigilância sanitária

Número e formação dos pesquisadores

Foram encontrados 735 grupos de pesquisa com produção em vigilância sanitária, com um total de 6.263 pesquisadores, sendo 4.095 (65,4%) doutores, 1.577 mestres (25,2%), 358 (5,7%) especialistas, 194 (3,1%) graduados e 40 (0,6%) não informados. Identificaram-se 5.452 estudantes, sendo 1.055 (19,4%) de doutorado, 1.450 (26,6%) de mestrado, 171 (3,2%) de especialização, 2.016 (36,9%) de graduação e 760 (13,9%) não informados, além de 1.220 técnicos. Vale ressaltar que a proporção de pesquisadores doutores do número total de grupos de pesquisa do Diretório de Pesquisa da Plataforma Lattes foi de 61,8%, num total de 77.649 pesquisadores existentes em 19.470 grupos de pesquisa nas séries históricas do CNPq, no Censo de 2004.

Os grupos de pesquisa em vigilância sanitária

A formação de novos grupos que referem produzir em vigilância sanitária tem sido crescente. Foram criados 43 grupos (5,6%) até 1982, 39 (5,3%) de 1983 a 1987, 84 (11,4%) de 1988 a 1992, 186 (25,3%) de 1993 a 1997, 210 (28,9%) de 1998 a 2001, e 173 (23,5%) de 2002 a 2003. Prado e Sayd16, em uma pesquisa utilizando igualmente o Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq, na linha de pesquisa sobre envelhecimento identificaram a criação de 144 grupos até 2000. A opção deste trabalho foi a de identificar qualquer produção em vigilância sanitária e não apenas as produções que possuíam linhas de pesquisa no tema específico, o que pode ter influenciado no alto número de grupos encontrados.

No formulário de coleta de dados do Diretório dos Grupos de Pesquisa, o líder define a posição do grupo na árvore do conhecimento, indicando a grande área e a área de conhecimento predominante do grupo. Os grupos voltados para a pesquisa em vigilância sanitária são predominantemente (49,9%) da área de Ciências da Saúde, seguida da de Ciências Agrárias (17,4%) e das Ciências Biológicas (10,6%).

A distribuição detalhada dos grupos de pesquisa em vigilância sanitária, por área de conhecimento, mostra que, apesar de a vigilância sanitária ser tema de grupos de diversas áreas, ela está concentrada em algumas delas. A área de Saúde Coletiva concentra 182 (24,7%) dos grupos, seguido de Ciência e Tecnologia de Alimentos com 57 (7,7%), Farmácia com 55 (7,5%), Medicina com 44 (6,0%) e Medicina Veterinária com 39 (5,3%). Esse resultado foi esperado, visto que abrange áreas de tradicional proximidade com as práticas de vigilância sanitária. Já a epidemiologia tem forte inserção dos grupos (64%) na área da Saúde Coletiva17.

Na Tabela 2 é possível visualizar os grupos segundo o seu ano de criação e as áreas de conhecimento.

Uma observação pertinente quanto aos grupos de pesquisa foi ressaltada por Prado e Sayd16. A análise dos grupos de pesquisa pelo seu ano de criação exige certa cautela, já que a pesquisa no assunto desejado pode não ter começado na mesma época em que o grupo foi criado. Pode ainda nem ter sido feita, pois o fato de o tema ser mencionado como linha de pesquisa pode representar apenas a intenção de realizar estudos futuros sobre o assunto.

Observa-se, para a vigilância sanitária, uma pluralidade de disciplinas a ela afeitas. Inserida no campo da Saúde Coletiva e voltada à proteção e promoção da saúde, agindo sobre múltiplos objetos, é compreensível a miríade de ciências dedicadas ao seu estudo. Nesse sentido, sendo a vigilância sanitária um campo de prática, pode-se supor, com Campos12, certa sobreposição dos limites entre essas distintas disciplinas, conformando-se como um campo interdisciplinar e multiprofissional.

Regiões geográficas e unidades da federação

É possível observar que a distribuição dos grupos que trabalham com vigilância sanitária por regiões geográficas e unidades da federação é desigual.

A Tabela 3 mostra a distribuição dos grupos de pesquisa em vigilância sanitária, de 1997 a 2004, segundo as regiões geográficas e as unidades da federação. As regiões Sudeste e Sul concentram 76% dos grupos do país, sendo a maior concentração na região Sudeste (53,2%) e nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro (46,4%). Resultado semelhante foi encontrado em pesquisa acerca da produção científica sobre o ambiente na Saúde Coletiva, que identificou serem as regiões Sudeste e Sul as com maior número de instituições de pesquisa18.

A região Nordeste reúne 17,3% (127) dos grupos que pesquisam em vigilância sanitária, seguida das regiões Centro-Oeste, com 5,2% (38), e Norte, com 1,4% (11). A distribuição pelas regiões segue o padrão do total de grupos de pesquisa presentes no Diretório, referente ao Censo de 2004. A região Sudeste foi igualmente a que mais concentrou grupos de pesquisa com enfoque em envelhecimento humano e epidemiologia10,19. Um dado que chama a atenção é que das 27 unidades federadas quatro não tinham grupo de pesquisa voltado diretamente para vigilância sanitária e seis tinham apenas um grupo com algum tipo de relação com o tema.

Instituições de pesquisa

A busca realizada no CNPq revelou que os 735 grupos de pesquisa com interesse em vigilância sanitária identificados pelo estudo estão distribuídos por 130 instituições de ensino e pesquisa do país. Dentre elas, é possível destacar a Universidade de São Paulo (USP) com 9,7% (71) dos grupos, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) com 9,1% (67) dos grupos, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) com 3,9% (29), a Universidade Estadual de Londrina (UEL), a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp), todas com 3,2% (24). A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) aparece em sétimo lugar, com 3,1% (23) dos grupos. A USP também aparece como a instituição que mais concentra grupos com enfoque em envelhecimento e ocupa o segundo lugar quando o enfoque é epidemiologia. A Fiocruz é a que mais concentra grupos em epidemiologia10,11.

Os grupos de pesquisa do CNPq concentram suas atividades em universidades, em instituições de ensino superior e em institutos que ministram cursos de pós-graduação. Outro fator que merece destaque é o numero de instituições públicas, tanto de ensino como de pesquisa, encontrado no estudo, confirmando assim resultados obtidos em outros estudos no campo da Saúde Coletiva18,20.

No que se refere à vigilância sanitária, tal fato pode ser reflexo do investimento e da demanda dos serviços de vigilância sanitária buscando conhecimento e aperfeiçoamento da área e, assim, capacitação de seus profissionais; além disso, por tratar-se de uma atividade da saúde eminentemente pública e estatal.

Considerações finais

Houve, no período estudado, um aumento na produção científica em vigilância sanitária e no número de grupos de pesquisa que estudam o tema. Pode-se perceber, igualmente, a diversidade de disciplinas envolvidas nessa produção, permitindo caracterizar a vigilância sanitária como um campo de prática e de produção de conhecimento interdisciplinar e multiprofissional. Entretanto, os grupos concentram-se em algumas regiões e especificamente em alguns estados e em certas áreas de conhecimento. Além dos fatores gerais que condicionam o crescimento da totalidade de pesquisa em saúde no Brasil, é possível associar esses dados à ideia de que a vigilância sanitária vem se constituindo, efetivamente, como uma área de produção de conhecimento. Pode-se supor que fatores tais como o reconhecimento da vigilância sanitária no campo da Saúde Coletiva e o investimento sistemático e regular nas ações, além do incentivo na produção de conhecimento da área, após a criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, tenham contribuído para o aumento verificado. Ainda assim, a produção científica encontrada na fonte de dados utilizada, a Plataforma Lattes, parece ser insuficiente, dada a importância do conhecimento científico ante a sua natureza de ação e a amplitude das atribuições da vigilância sanitária.

Há, entretanto, que se registrar a possível limitação da população informante e da possibilidade de sub-registro nas informações, principalmente da produção realizada nos serviços de saúde, visto ser a vigilância sanitária importante campo de prática, portanto, de produção de conhecimento fora das instituições acadêmicas. O preenchimento das informações nos currículos, realizado a partir do autorreconhecimento dos pesquisadores e estudantes, pode também influenciar no baixo registro, uma vez que apenas mais recentemente a vigilância sanitária tem ganhado maior visibilidade.

Algumas limitações do estudo dizem respeito à fonte de dados utilizada, sobretudo na classificação da produção registrada, sendo uma parte delas superada pela consulta a cada um dos currículos dos pesquisadores. Ainda assim, é valiosa fonte e única disponível on-line capaz de proporcionar os dados desejados. Um mecanismo de validação dos dados no momento do cadastro do currículo ou da ficha do grupo de pesquisa poderia aumentar a qualidade e a confiabilidade dos dados disponíveis no Diretório de Pesquisa do CNPq.

Finalmente, a vigilância sanitária, definida como conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde (art. 6º parágrafo 1º)21, não deve apenas acompanhar o desenvolvimento científico-tecnológico, mas necessita criar um conhecimento que articule a ciência pura e aplicada15, para intervir no campo produtivo de forma a proteger a saúde da população.

Colaboradores

VLE Pepe trabalhou na concepção e no delineamento da análise, na redação do artigo e na aprovação da versão a ser publicada; ABM Noronha, na concepção e no delineamento, análise e interpretação dos dados e redação do artigo; TA Figueiredo, na análise e interpretação dos dados e redação do artigo; AAL Souza e DM Pontes Júnior, na análise e interpretação dos dados e redação inicial do artigo; CVS Oliveira, na redação do artigo.

Agradecimentos

Os autores agradecem o financiamento parcial do Centro de Vigilância Sanitária da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, por meio do Projeto Apoio à Consolidação do Sistema Estadual de Vigilância Sanitária, e à Agência Nacional de Vigilância Sanitária, através do convênio com a Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, por meio do Centro Colaborador de Vigilância Sanitária (Cecovisa/Ensp), Pesquisa e Desenvolvimento Institucional em Vigilância Sanitária.

Artigo apresentado em 09/02/2009

Aprovado em 28/08/2009

Versão final apresentada em 29/09/2009

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Nov 2010
  • Data do Fascículo
    Nov 2010

Histórico

  • Aceito
    29 Set 2009
  • Revisado
    28 Ago 2009
  • Recebido
    09 Fev 2009
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