Resumo
Desde 2019, o IBGE vem ocupando no cenário da avaliação de políticas públicas no Brasil um local de protagonismo. Após a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) avaliar os serviços de atenção primária no Sistema Único de Saúde (SUS) prestados aos adultos, em 2022 a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-C) investigou o cuidado infantil. Para isso, utilizou uma das versões do Primary Care Assessment Tool (PCAT), desenvolvido e disseminado por Starfield e Shi para avaliar a existência e extensão dos atributos dos serviços de atenção primária à saúde (APS). O público-alvo pesquisado incluiu crianças menores de 13 anos, e os questionários foram respondidos por seus responsáveis/cuidadores. Contemplou todas as 27 unidades da federação do país, em amostras aleatórias probabilísticas, desdobrando-se ainda pelas regiões metropolitanas e capitais do Brasil. Trata-se do maior inquérito domiciliar sobre avaliação da saúde infantil já realizado no Brasil. A partir da PNS-2019 e da PNAD-C em 2022, o IBGE inaugura seu maior legado para a atenção primária à saúde no Brasil no que se refere à avaliação dos usuários do SUS, com todas as unidades da federação (re)conhecendo como a sociedade brasileira avalia os serviços de saúde no primeiro nível de atenção.
Palavras-chave: Atenção primária à Saúde; Avaliação da saúde infantil; Inquéritos domiciliares; PCAT; Brasil
Abstract
The IBGE has been playing a leading role in the public policy evaluation in Brazil since 2019. After the National Health Survey (PNS) evaluated primary care services in the Unified Health System (SUS) provided to adults, in 2022, the Continuous National Household Sample Survey (PNAD-C) investigated child health. To this end, it adopted one version of the Primary Care Assessment Tool (PCAT), developed and disseminated by Starfield and Shi to assess the existence and extent of the attributes of PHC services. The target audience surveyed included children under 13 years of age, and the questionnaires were answered by their guardians/caregivers. It included all the 27 federative units of the country in random probabilistic samples, also unfolding in the Brazilian metropolitan regions and capitals. This is the largest household survey on child health assessment ever conducted in Brazil. With the PNS-2019 and the PNAD-C in 2022, IBGE inaugurates its greatest legacy for Brazilian primary health care regarding the evaluation of SUS users, with all federative units recognizing and understanding how Brazilian society evaluates health services at the first level of care.
Key words: Primary health care; Child health evaluation; Household surveys; PCAT; Brazil
Introdução
O IBGE tem como missão retratar o Brasil, por meio da produção, análise, pesquisa e disseminação de informações de natureza estatística1. Há dez anos, passou a desenvolver inquéritos domiciliares específicos para a área da saúde. Com a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS, 2013), um conjunto de temas foram abordados e entraram na agenda em 20192-4.
No campo da atenção primária à saúde (APS), o instituto inovou ao incluir um módulo específico para avaliação da população adulta usuária do Sistema Único de Saúde (SUS)5,6. A criação da linha de base permitiu, a partir de metodologia científica sólida e com o rigor estatístico necessário, constatar as desigualdades no desenvolvimento dos atributos da APS em todas as unidades da federação do Brasil. Contudo, essa foi apenas uma parte da avaliação, ao contemplar os adultos maiores de 18 anos como objeto da pesquisa.
Na sequência do planejamento para avaliação do SUS, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-C) iniciou o trabalho de campo em abril de 20227 para dar voz aos cuidadores de crianças e adolescentes menores de 13 anos nos milhares de domicílios de todas as 27 unidades da federação (visitando cerca de 3.500 municípios do país), e utilizando um dos módulos - versão infantil - do Primary Care Assessment Tool (PCAT), desenvolvido e disseminado por Starfield e Shi, para avaliar a existência e extensão dos atributos da APS nos serviços de saúde8,9 e adaptado para aplicação domiciliar10.
O movimento do IBGE de modernizar seus inquéritos domiciliares está de acordo com as mudanças ocorridas no Ministério da Saúde, que atualizou o Manual do Instrumento do PCAT11 como a principal referência para avaliação dos serviços de atenção primária à saúde no âmbito do SUS, adotando como base para seu desenvolvimento o modelo de cuidado da Estratégia Saúde da Família (ESF). A PNS-2019 revelou que a cobertura de domicílios cadastrados pelas equipes de Saúde da Família (eSF) era de 60,0% [58,9%-61,1%]12.
Primary Care Assessment Tool (PCAT): instrumento internacional para avaliação dos serviços de saúde
A “família de instrumentos PCAT” é composta por um conjunto de versões-espelho de seus questionários em versões extensa e reduzida, conforme o público-alvo que se deseja avaliar: usuários adultos, usuários crianças (em que seus responsáveis são os respondentes dos instrumentos); profissionais de saúde que atuam no atendimento da população - médicos, enfermeiros e cirurgiões-dentistas; e por fim, uma versão para gerentes/gestores de unidades de atenção primária. Essa versatilidade no uso do instrumento permite comparar diferentes perspectivas, a exemplo da avaliação comparativa de usuários e profissionais de saúde. Além disso, foi traduzido, validado estatisticamente e vem sendo utilizado em parte e em sua totalidade em diversos países de todos os cinco continentes11. Essa robusta produção científica vem sendo sistematizada em dois portais, da Universidade de Johns Hopkins (2022)13, instituição norte-americana de origem de Starfield e Shi, e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), de origem brasileira, criado em 202114.
Na versão extensa do instrumento é possível, de acordo com sua metodologia, calcular um escore para cada um dos quatro atributos essenciais da APS: acesso, longitudinalidade, coordenação do cuidado e integralidade, e também para os três derivados: orientação comunitária, orientação familiar e competência cultural. Como média geral dos escores dos atributos, calcula-se um “escore geral”. Já na versão curta, adaptada pelo IBGE para aplicação domiciliar na PNAD-C 2022, é possível o cálculo de um único escore-síntese, chamado “escore geral”. Esse escore calculado a partir das respostas obtidas em cada pergunta, utilizando uma escala de Likert, pode ser transformado em uma nota de 0 a 10 por intermédio de uma simples fórmula matemática11.
Apesar de sua grande potencialidade, o PCAT investiga aspectos de estrutura e processos na atenção à saúde e necessita ser complementado com indicadores de resultados. Normalmente, os pesquisadores preenchem essa lacuna com a inclusão de indicadores epidemiológicos e desfechos clínicos, a exemplo de Trindade em 200715, que mensurou a associação entre a qualidade da APS e o processo assistencial à hipertensão arterial com os escores calculados pelo PCAT no município de Porto Alegre. Nesse caso, o IBGE, nos outros módulos de inquéritos domiciliares, indaga o morador sobre as condições referidas selecionadas (hipertensão arterial, diabetes, doença do coração, asma, depressão, doença crônica no pulmão). Na PNS de 2019, a pergunta “algum médico já lhe deu o diagnóstico de...?” objetivou mapear a prevalência de pessoas com a doença diagnosticada referida, e conforme os resultados obtidos, houve diferenças estatisticamente significantes entre possuir ou não a doença referida. Nesta perspectiva, a avaliação (escore do PCAT) foi mais positiva no primeiro do que no segundo caso3.
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-C): o pioneirismo do IBGE na avaliação da saúde infantil no Brasil
O ano de 2022 ficará historicamente marcado no âmbito da avaliação em saúde infantil na APS, sob perspectiva dos responsáveis pelas crianças. A partir de metodologia sólida e estatisticamente validada, os entrevistadores do IBGE, com o uso de dispositivos móveis de coleta (DMC), iniciaram a maior pesquisa de base domiciliar já realizada no SUS pelo instituto. A amostragem probabilística por conglomerados contemplará mais de 200 mil domicílios em todas as 27 unidades da federação do Brasil, seguindo o planejamento de amostragem da PNAD-C.
A PNAD-C conta com unidades primárias de amostragem (UPA), com diversos recortes geográficos do Brasil, o que garante representatividade de Norte a Sul, envolvendo mais de 15 mil setores censitários e cerca de 3.500 municípios (62,2% do total, sendo composto por todas as capitais, regiões metropolitanas e mesorregiões do interior).
O suplemento especial de APS Infantil constitui uma parte da PNAD-C e será formado pelo Primary Care Assessment Tool (PCAT) - versão reduzida e validada para usuário infantil menor de 13 anos. Nessa versão, o conjunto de atributos investigados totaliza 31 perguntas, que foram acrescidas de nove questões que abordam a relação médico-paciente em um instrumento intitulado “PDQR9”16 e uma questão-síntese que envolve o chamado net promoter score (NPS)17, avaliação da pergunta “em uma escala de 0 a 10, onde ‘0’ é não recomendaria de forma alguma e ‘10’ com certeza recomendaria, o quanto você recomendaria este ‘serviço de saúde’ para um(a) amigo(a) ou familiar?”.
O corpo principal da PNAD-C contém questões sociodemográficas e econômicas, o que permite seu cotejamento com o escore calculado pelo PCAT para avaliar possíveis desigualdades de acesso, utilização, coordenação do cuidado, longitudinalidade, integralidade e orientação comunitária e familiar, trazendo subsídios importantes para a reformulação de políticas públicas no âmbito do SUS.
Alguns autores destacam que avaliar a saúde infantil pode servir como evento traçador para avaliação dos serviços de saúde de forma ampliada. Isto é, dada as especificidades desse nível de atenção e a necessidade dos serviços de saúde estarem organizados para prestar um atendimento de qualidade à população, indica processos a serem ajustados na prestação do cuidado integral das populações18-20, o que também é reforçado pela Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC)21.
Desafios e perspectivas
A PNAD-C se consolida como o maior inquérito domiciliar sobre avaliação da saúde infantil já realizado no Brasil (n > 200 mil domicílios em cerca de 3.500 municípios), com amostras locais representativas, validade externa - no sentido estatístico - e que, juntamente com a PNS-2019, permitem traçar uma linha de base para avaliar os usuários dos serviços de APS no âmbito do SUS.
Os desafios para a realização do trabalho de campo presencial, visitando municípios de todo o Brasil - cidades do interior de Norte a Sul com peculiaridades de acesso geográfico - e com a coleta de dados em curto período, três meses, demonstram a magnitude da operação logística coordenada pelo IBGE, com sua expertise ímpar e capilaridade nacional entre as instituições brasileiras de abrangência.
A partir da PNS-2019 e da PNAD-C em 2022, o IBGE inaugura seu maior legado para a atenção primária à saúde no Brasil no que se refere à avaliação dos usuários do SUS, com todas as unidades da federação (re)conhecendo como a sociedade brasileira avalia os serviços de saúde no primeiro nível de atenção. Especificamente sobre a PNAD-C, é fundamental que o Ministério da Saúde aporte recursos para que o IBGE, trimestralmente, investigue e avalie os serviços de saúde. A cada trimestre um atributo essencial da APS (acesso, coordenação do cuidado, longitudinalidade, integralidade) poderia ser mensurado pelo PCAT, integrando um “Módulo APS” na PNAD-C no escopo das divulgações das pesquisas conjunturais do instituto. Com isso, a cultura de avaliação passaria a ser institucionalizada e perenizada como uma política pública de Estado, importante fomento para as principais políticas sociais brasileiras, tal como hoje já é feito pelo IBGE com o Módulo de “Educação” que é pesquisado anualmente na PNAD-C.
Referências
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
22 Jul 2022 -
Data do Fascículo
Ago 2022
Histórico
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Recebido
15 Abr 2022 -
Aceito
15 Abr 2022 -
Publicado
17 Abr 2022