Open-access Inovações geoespaciais e suas contribuições para a qualidade e as investigações do Censo Demográfico 2022

Resumo

As inovações geoespaciais desempenharam papel fundamental nas diferentes etapas da realização do Censo Demográfico 2022, em especial no preparo da Base Territorial, fundamental para o planejamento e acompanhamento da coleta; na organização e integração dos recortes territoriais, princípio básico para o desenvolvimento de um quadro geoestatístico; e na implementação de uma inteligência espacial nos questionários, proporcionando uma melhor qualidade na identificação e investigação dos povos e comunidades tradicionais. O objetivo deste artigo é descrever o papel da geoinformação no planejamento operacional, na coleta e no monitoramento da cobertura do Censo Demográfico 2022 apresentando uma visão holística de todas as operações realizadas na preparação da operação censitária e durante a coleta, destacando o papel da geoinformação no planejamento da Base Territorial, na importância do quadro geográfico e no georreferenciamento do questionário.

Palavras-chave: Geoinformação; Censo Demográfico; Georreferenciamento

Abstract

Geospatial innovations played a key role in the different stages of the 2022 Demographic Census, especially in the preparation of the Territorial Base, crucial for the planning of and follow-up on data collection; in the organization and integration of essential areas, a basic principle for the development of a geostatistical framework for a country; and in the implementation of spatial intelligence in questionnaires, thus providing better quality in the identification and investigation of Traditional Peoples and Communities. The present study sought to describe the role of geoinformation in the operational planning and data collection of, and follow-up on the coverage of the 2022 Demographic Census, thereby presenting a holistic view of all operations carried out in the preparation of the census operation and during enumeration, in turn highlighting the role of geoinformation in planning the territorial base, in the importance of the Geographic Framework, and in the georeferencing of the questionnaire.

Keywords: Geoinformation; Demographic Census; Georeferencing

Resumen

Las innovaciones geoespaciales desempeñaron un papel fundamental en las diferentes etapas de la realización del Censo Demográfico 2022, en especial en la preparación de la Base Territorial, fundamental para la planificación y seguimiento de la recolección; en la organización e integración de los recortes territoriales, principio básico para el desarrollo de un marco geoestadístico; y en la implementación de una inteligencia espacial en los cuestionarios, proporcionando una mejor calidad en la identificación e investigación de los pueblos y comunidades tradicionales. El objetivo de este artículo es describir el papel de la geoinformación en la planificación operativa, en la recolección y en el monitoreo de la cobertura del Censo Demográfico 2022, presentando una visión holística de todas las operaciones realizadas en la preparación de la operación censal y durante la recolección, destacando el papel de la geoinformación en la planificación de la Base Territorial, en la importancia del marco geográfico y en la georreferenciación del cuestionario.

Palabras clave: Geoinformación; Censo Demográfico; Georreferenciación

Introdução

O censo demográfico, ou recenseamento da população, é uma pesquisa feita com todos os habitantes de um determinado território, a fim de obter informações acerca das condições de vida das pessoas. Trata-se de uma pesquisa realizada a cada decênio com todos os habitantes de um determinado território, a fim de obter informações acerca das condições de vida das pessoas. Para isso, é realizado um conjunto de operações para coletar, agrupar e publicar dados demográficos, econômicos e sociais relativos a determinado momento ou certos períodos, sobre todos os habitantes de um país ou território1.

A palavra censo vem do latim census e quer dizer “conjunto dos dados estatísticos dos habitantes de uma cidade, província, estado, nação”2 (p. 17). No Brasil o Censo Demográfico é realizado a cada decênio e tem por objetivo “contar os habitantes do território nacional, identificar suas características e revelar como vivem os brasileiros, pois conhecer em detalhe como é e como vive a população é de extrema importância para o governo e para a sociedade”2 (p. 17).

Os dados coletados na operação censitária são denominados como primários, pois são obtidos diretamente com a fonte (informante da unidade de coleta), revelando quem é, como vive a população e suas condições de vida, fornecendo um retrato detalhado de vários aspectos. Por exemplo: o total da população por sexo, faixa etária e como está distribuída no país; sua distribuição étnico-racial; a expectativa de vida da população; as condições de moradia e do entorno do domicílio, como a proporção de domicílios por tipologias de acesso ao saneamento básico, acesso a água e coleta de lixo; as condições de trabalho; a renda média e a renda domiciliar da população. Esses dados permitem avaliar as mudanças ocorridas no período intercenso, sendo relevantes para orientar o planejamento da gestão e orçamentos governamentais de um país, assim como investimentos em qualquer nível de governo, federal, estadual e local, subsidiar e avaliar políticas públicas, comparar os dados e entender a evolução de indicadores sociais e aferi-los, visando aplicar os recursos públicos nas áreas prioritárias. Dessa forma, os dados censitários são instrumentos essenciais para a formação de distritos educacionais, eleitorais e de gestão; assim como para a distribuição de dotações orçamentárias para os governos locais. Outro aspecto relevante desses dados consiste no fornecimento de informações indispensáveis há uma grande variedade de estudos e pesquisas científicas das áreas econômicas, educacionais, de saúde e sociais, entre muitas outras. Esses dados não servem só a decisões governamentais nas várias esferas, mas também ao setor privado, servindo de referência para a tomada de decisões de investimentos sobre mercado consumidor, poder de compra, localização do público-alvo e outros.

Segundo Senra3, em 1808, com a chegada de D. João VI, o Brasil, em especial a cidade do Rio de Janeiro, ganha ares de centro, sendo efetuado um levantamento populacional localizado, frágil e errático, com interesse predominantemente para recrutamento militar. Dessa forma, não é tido como o primeiro censo devido às supostas falhas no processo de contagem da população. Em 18533 foi realizado o Congresso Internacional de Estatística, em Bruxelas, que marca o nascimento dos censos da época moderna, em razão do estabelecimento de normas internacionais para os recenseamentos da população. Entre essas normas, a recomendação para a realização decenal nos anos terminados em zero. Em 1872 foi feito nosso primeiro censo, denominado de Recenseamento da População do Império do Brasil, e em seguida os censos de 1890, 1900 e 19203. Todos com caráter obrigatório e confidencial, isto é, todos têm que responder e as informações individuais não poderiam ser divulgadas.

Em 1934, foi criado o Instituto Nacional de Estatística (INE), devido à necessidade de se ter um órgão capaz de coordenar e tratar informações estatísticas3. Em 1938, o INE se juntou ao Conselho Brasileiro de Geografia (CBG), criando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nos moldes que conhecemos hoje. Com a criação do IBGE, o censo passou a ser de sua responsabilidade. Atualmente, o instituto, para cobrir todo o território nacional, dispõe de 27 superintendências estaduais (26 nas capitais dos estados e uma no Distrito Federal) e 566 agências de coleta de dados nos principais municípios, realizando várias pesquisas que são fundamentais para o desenvolvimento do país4.

Entre as pesquisas conduzidas pelo IBGE, cabe destacar, além do Censo Demográfico: Censo Agropecuário, Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA), Produção Agrícola Municipal (PAM), Pesquisa Pecuária Municipal (PPM), Pesquisa Anual da Indústria (PIA), Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNAD-C), Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB), Pesquisa Trimestral do Registro Civil, Pesquisa Semestral de Estoque, Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC). No que diz respeito à área de geografia, destaca-se a implementação e manutenção do Sistema Geodésico de Referência, o Mapeamento Topográfico Oficial, a Macrocaracterização dos Recursos Naturais, as Pesquisas de Estatísticas Ambientas da Cobertura Natural e a Pesquisa da Região de Influência das Cidades, entre outras. Todas as informações coletadas pelo instituto, cobrindo vários aspectos da sociedade, são essenciais para o setor privado e o governo.

A operacionalização do Censo Demográfico é atividade hercúlea, sendo o Brasil um país de dimensões continentais, com 8.510.417,771 km²5 e diferentes biomas e condições de levantamento de informações. Todavia, a evolução das tecnologias de informação e comunicação (TIC), assim como das geotecnologias, têm promovido o acompanhamento da cobertura no país e a eficiência na obtenção e no monitoramento do levantamento dos dados. Para compreensão dessa atividade gigante, no Censo Demográfico 2022, o Brasil foi dividido em mais de 452.246 setores censitários6, e cada um deles passou por uma sequência de status até que o trabalho fosse considerado finalizado7. Assim, foram visitados cerca de 89 milhões de domicílios e 203.080.756 pessoas foram recenseadas8.

Este trabalho tem por objetivo descrever o papel da geoinformação no planejamento operacional, na realização da coleta, no monitoramento da cobertura e na divulgação dos resultados do Censo Demográfico 2022, bem como as novas TIC utilizadas e as tendências para o próximo censo. Para melhor compreensão, apresenta-se inicialmente uma visão holística de todas as operações realizadas no período intercensitário e no censo, em seguida descreve o papel da geoinformação nas operações censitárias envolvendo o planejamento da Base Territorial, a formação do quadro geográfico de referência e o georreferenciamento do questionário. O trabalho aborda ainda as tecnologias de apoio empregadas no Censo Demográfico 2022. Por fim, as considerações finais.

Operações para a realização do Censo

A operacionalização de um censo demográfico “requer um processo de planejamento longo e minucioso, abrangendo os aspectos técnico, tecnológico, administrativo-gerencial e logístico”2 (p. 59), e é iniciada no ano seguinte ao término do censo anterior, pela avaliação da operação censitária.

Essa vultosa operação pode ser dividida em sete etapas: i) planejamento da Base Territorial; ii) elaboração do questionário do universo e da amostra; iii) realização do censo experimental; iv) recrutamento e treinamento de pessoal para a coleta e supervisão; v) coleta; vi) monitoramento e controle da cobertura da coleta; vii) tabulação e viii) disseminação; e divulgação dos resultados. Essas etapas estão demostradas pela Figura 1.

Figura 1
Operacionalização de um censo demográfico.

A atividade de atualização da base cartográfica envolve duas etapas, realizadas em paralelo durante todo o decênio. A primeira consiste em uma atualização dos registros civil e administrativo e de fonte secundárias, como listas de moradias e cadastros nacionais, para avaliar a estimativa de recursos necessários para o levantamento. A segunda consiste em uma atualização cartográfica da base junto a outras instituições, como prefeituras, companhias que mantêm cadastros, por exemplo, empresas de saneamento, água e luz. No Censo Demográfico 2022, foram utilizadas técnicas de sensoriamento remoto para atualizar a base cartográfica, por meio de imagens orbitais de alta resolução com datas de aquisição recentes. Isso permitiu a identificação de novas áreas de ocupação domiciliar, seja em áreas urbanas, rurais, aglomerados subnormais ou em áreas ocupadas por populações de conhecida mobilidade espacial, melhorando expressivamente a cobertura da coleta e reduzindo ao mínimo a necessidade de verificação em campo. Também foram considerados levantamentos oriundos de projetos de cartografia social e de cartografia comunitária para as áreas quilombolas. Cabe ainda ressaltar nessa etapa a atualização de algumas áreas utilizando dados de volunteer geographic information (VGI) da base do OpenStreetMap para o Brasil.

Na metade do decênio, o IBGE promove consultas públicas e debates amplos com a sociedade e órgãos técnicos governamentais para selecionar as perguntas do questionário do universo e da amostra.

No último quarto do decênio, o IBGE escolhe as tecnologias de informação e comunicação a serem empregadas na realização do censo e no monitoramento das atividades. Então é efetuado um censo experimental, escolhendo-se municípios que apresentem características comuns ao restante do país, de modo a avaliar a eficácia do questionário e identificar falhas no processo. Isso visa promover melhorias na estrutura e na realização da coleta de dados. Para o Censo Demográfico 2022, o censo experimental foi conduzido no município de Poços de Caldas, Minas Gerais, no período de 1º de outubro a 2 de dezembro de 2019.

No último quarto do decênio também é feito o recrutamento de pessoal visando efetuar o treinamento de supervisores e agentes censitários/recenceadores para que o trabalho de campo transcorra durante o tempo previsto de coleta de dados.

No período de realização do censo, os dados são transmitidos e é efetuado o monitoramento e o controle de qualidade do levantamento. Nesse processo são verificadas as áreas que apresentam dificuldades de logística no acesso e pouca cobertura e completude do questionário, entre outras questões, devido a, por exemplo, adversidades climáticas, por serem áreas de garimpo e narcotráfico. Para essas áreas são dadas uma atenção específica, visando sanar essas questões e completar o levantamento.

Uma vez coletados esses dados, eles são tabulados, isto é, organizados, transformados e sistematizados de modo que possam ser analisados, preservando o sigilo dos cidadãos. Esses dados sistematizados são então disponibilizados nas plataformas do IBGE, para disseminação e divulgação de forma que possam ser um suporte na definição de políticas públicas e em outras questões da sociedade, abrangendo o setor público e o privado.

O papel da geoinformação

O conhecimento sobre a realidade de um país é de extrema relevância para a proposição de políticas públicas. Esse conhecimento não pode ser único em termos temporais, mas desenvolvido de forma permanente na cronologia histórica do país, garantindo o acompanhamento de seus resultados pela sociedade.

As operações censitárias são o principal exemplo da geração de um conjunto de dados que caracterizam a população e os domicílios. Mas como garantir a cobertura da coleta dos dados em todo o território, divulgar os resultados pelas diferentes unidades da federação ou mesmo caracterizar as populações e comunidades tradicionais?

Para responder a essa pergunta, temos que voltar os olhos para a geografia, em especial para as análises e tipologias territoriais e para o uso da geoinformação. No Brasil, o IBGE executa as operações censitárias desde 1940, quando um grande esforço foi efetuado para determinar coordenadas geodésicas para todas as sedes municipais9 e seus respectivos mapas.

No decorrer desses 80 anos, o desenvolvimento das geotecnologias possibilitou que qualquer elemento que possa ser descrito na superfície terrestre por coordenadas, seja uma feição, um fenômeno ou um fato, tenha uma representação computacional no contexto do espaço geográfico digital. Essa informação geográfica, também denominada informação geoespacial ou, mais comumente, geoinformação, ganha relevância nos dias atuais, pois permite entender e analisar o espaço geográfico de forma mais precisa e eficiente.

No Censo Demográfico 2022, o IBGE ampliou o uso da geoinformação, conforme afirma o presidente interino da instituição, Cimar Azeredo afirma: “Eu estou bastante orgulhoso disso, porque ao dizer que o Censo está mais geográfico que estatístico, o que quero ressaltar é que a estatística, ao se apropriar de ferramentas de operação e análise da área de geociências, se potencializa e oferece mais para a sociedade.”10

O uso da geoinformação nas operações censitárias para o Censo Demográfico 2022 foi organizada em três blocos: i) planejamento da base territorial; ii) quadro geográfico de referência; e iii) georreferenciamento dos questionários.

Planejamento da Base Territorial

A operação censitária é desenvolvida no campo, onde cada recenseador percorre o território e aplica o questionário em cada domicílio, para tanto é necessário caracterizar a área territorial de competência de cada recenseador. Essas áreas, denominadas de setores censitários, “correspondem à menor porção de área em que o Território Nacional é fragmentado para fins de coleta estatística”11 (p. 82). O setor censitário é definido como uma “unidade territorial de coleta, ou seja, área contínua cuja dimensão está relacionada com sua extensão e com o número de domicílios ou de estabelecimentos agropecuários nela existentes”11 (p. 82).

A atividade de planejamento da Base Territorial “reflete as alterações da divisão político-administrativa no território brasileiro e outros arranjos socioeconômicos”2 e envolve três etapas realizadas durante o período intercensitário e de forma contínua. A primeira consiste na atualização das bases cartográficas que serão usadas como referência espacial para a representação da divisão político-administrativa e, junto com dados de registros administrativos, para o planejamento da malha de setores censitários.

A segunda etapa consiste na incorporação de alterações da divisão político-administrativa, oriundas de novas legislações que criam ou alteram limites municipais, decisões judiciais provenientes de mandados ou liminares resultantes de ação cível, ou alterações no mapeamento por conta de substituição ou atualização da base cartográfica. A Tabela 1 apresenta os quantitativos da divisão político-administrativa no Censo Demográfico de 2022.

Tabela 1
Quantitativos da divisão político-administrativa por grandes regiões.

Essas alterações resultam em um novo conhecimento do território ou em melhorias na qualidade da representação cartográfica2. São organizadas em uma base de dados geoespacial que proporciona uma visão geral dos níveis que estruturam a hierarquia territorial, distribuídas em sete níveis: i. grande região; ii. estado; iii. Distrito Federal. iv. município; v. distrito; vi. subdistrito; e vi. bairro11.

Por fim, a terceira etapa se destina ao planejamento da malha de setores censitários, que consiste no redimensionamento dos setores devido à expansão das áreas urbanas e de sua classificação perante sua situação (urbano ou rural) e tipo (normal ou especial). Desse modo, o processo contínuo de planejamento da malha de setores censitários é fundamental para dimensionar a operação censitária e divulgar os resultados do questionário básico de forma intramunicipal. Portanto, o setor censitário, deve ser adequadamente classificado, segundo as características geopolíticas, administrativas, geomorfológicas, socioeconômicas e culturais, para que sua delimitação não só cumpra a finalidade de dividir o território brasileiro, conforme o dimensionamento do volume e dos custos da operação de coleta, como também represente, adequadamente, as estruturas territoriais vigentes11 (p. 83).

O mapeamento dos setores censitários demanda o uso de uma base de dados geoespacial dos domicílios, com seus respectivos endereços e um conjunto de imagens de satélites de alta resolução. Essas imagens têm papel fundamental no redimensionamento dos setores. A utilização dessas imagens, de períodos temporais diferentes, busca identificar mudanças que caracterizam esse crescimento para posteriormente subdividir ou alterar a tipologia (urbano ou rural) dos setores.

Para a operação censitária de 2022, houve uma revisão da classificação dos setores censitários em relação à classificação adotada no Censo Demográfico 2010. A classificação vigente dos setores censitários por sua situação e tipo está descrita na publicação do Quadro Geográfico11.

Quadro Geográfico de Referência

Uma questão presente no censo está em como georreferenciar uma informação estatística, pois não é possível a divulgação dos dados coletados no Censo Demográfico para cada domicílio, visto que isso infringe a lei do sigilo estatístico. A lei garante que “As informações prestadas terão caráter sigiloso, serão usadas exclusivamente para fins estatísticos, e não poderão ser objeto de certidão, nem, em hipótese alguma, servirão de prova em processo administrativo, fiscal ou judicial, excetuado, apenas, no que resultar de infração a dispositivos desta lei”12. Assim, o IBGE desenvolveu o Quadro Geográfico de Referência para Produção, Análise e Disseminação de Estatísticas11, também denominado de Quadro Geográfico.

O Quadro Geográfico fornece referências espaciais coerentes com os dados estatísticos, garante o sigilo do informante, possibilita análises geoespaciais e está alinhado com a iniciativa das Nações Unidas no desenvolvimento de um Quadro Geoespacial Estatístico Global (Global Statistical Geospatial Framework - GSGF), que consiste no “método de geoespacialização de estatísticas e dados administrativos, para assegurar que dados de fontes diversas possam ser integrados com base em sua localização geográfica e, também, integrados com outras informações geoespaciais”11 (p. 13).

O Quadro Geográfico descreve cada recorte espacial em dois grupos: a) recortes espaciais definidos por lei (municípios, regiões metropolitanas, entre outros) e b) recortes espaciais definidos pelo IBGE (setor censitário, aglomerados subnormais, bioma, entre outros), descrevendo uma infraestrutura geoespacial fundamental e a geocodificação, proporcionando seu uso em um ambiente de gerenciamento de dados geoespaciais.

Georreferenciamento do questionário

Os sistemas globais de navegação por satélite (GNSS) revolucionaram a produção de geoinformação, ao mesmo tempo em que o acesso a smartphones e à internet garantem a mobilidade no processo de aquisição de dados, que, integrados ao GNSS, agregam a posição. As operações censitárias não passam ao largo dessas tecnologias.

Desde o Censo Agropecuário de 2006, o IBGE utiliza dispositivos portáteis para a realização dos questionários13, tendo como uma de suas funções a determinação da coordenada do local de aplicação do questionário. Para a coleta do Censo Demográfico 2022, essas tecnologias foram ampliadas, cada recenseador tem um dispositivo móvel de coleta (DMC) que, além dos questionários, tem a base de dados geoespacial, a lista prévia dos endereços dos domicílios do setor, um conjunto de imagens de satélite em tiles do município e aplicativo para a determinação da sua localização em tempo real.

Para garantir a incorporação, no Censo Demográfico 2022, do pertencimento étnico dos residentes em localidades quilombolas, o IBGE efetuou etapas para contemplá-los, com: novo desenho de questionário; cartografia censitária; treinamento diferenciado; metodologia de abordagem e coleta censitária nas localidades quilombolas; sensibilização; e divulgação14 (p. 5), inovação na inclusão da componente espacial para a aplicação dos questionários.

A Base Territorial incorpora os povos indígenas através da tipificação e adequação dos setores censitários aos limites que formam as terras oficialmente delimitadas pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI)14 (p.74). Os setores censitários cuja área se caracteriza “pela dispersão dos domicílios ocupados ou onde não foi possível confirmar a presença de população indígena”15 foram denominados área de interesse operacional (AIO).

As AIO têm papel relevante para o funcionamento da pergunta de cobertura “Se considera indígena?”, que se torna obrigatória mesmo para os moradores que, nessas áreas, não se declararem indígenas no quesito de cor/raça15.

O mesmo ocorreu para os agrupamentos quilombolas identificados pelo IBGE e não delimitados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), que compuseram as AIO para a verificação geoespacial e para a pergunta de cobertura “Você se considera quilombola?”.

Tecnologias de apoio usadas no Censo

Conforme mencionado, a utilização dos dispositivos móveis de coleta incorporou definitivamente o ambiente digital na fase da coleta dos censos, tanto para o Agropecuário quanto para o Demográfico. Esse dispositivo descartou os questionários em papel, transformando o plano de crítica ao permitir validar informações coletadas em programas computacionais executados em tempo real, detectar e corrigir dados inconsistentes durante a entrevista, assim como transmitir diretamente os questionários para o banco de dados do IBGE, sem escanear ou digitar o questionário16.

Os DMC incorporaram a tecnologia de posicionamento geodésico por satélites, oriunda dos sistemas globais de navegação por satélite, proporcionando a obtenção das coordenadas no momento do preenchimento do questionário. Esse novo atributo (espacial) do questionário possibilita o acompanhamento da coleta e da cobertura da operação, e no âmbito do Censo Agropecuário de 2007, proporcionou a criação do Cadastro Nacional de Endereços para fins Estatísticos (CNEFE)16.

Com o georreferenciamento do questionário e, por conseguinte, do endereço do domicílio, o Censo Demográfico 2022 inova novamente com a disponibilização das coordenadas geográficas dos endereços17, que estão associados a oito tipos de espécies: i. domicílio particular; ii. domicílio coletivo; iii. estabelecimento agropecuário; iv. estabelecimento de ensino; v. estabelecimento de saúde; vi. estabelecimento de outras finalidades; vii. edificação em construção; e viii. estabelecimento religioso17.

A incorporação das tecnologias contemporâneas nas operações censitárias coloca o IBGE na vanguarda entre os institutos de estatística no mundo. É um instituto de referência desde a operação censitária de 2007 e confirma o conceito criado na década de 1930, de um instituto federal que integra as áreas de referência na produção de dados que possam retratar com fidelidade a realidade física econômica e social do país.

Considerações finais

Na atualidade, a geoinformação é de grande relevância para a operação censitária, não só na definição de recortes territoriais, mas provendo para cada entrevista domiciliar sua posição geoespacial. Isso potencializa o acompanhamento e o monitoramento da cobertura da coleta por meio de um ambiente de sistema de informações geográficas.

Conforme afirmou o presidente interino do IBGE, “o acompanhamento da operação do Censo, uma atividade tradicionalmente conduzida pela Diretoria de Pesquisas, hoje está também nas mãos da Diretoria de Geociências. Não se trata apenas de uma inovação na divulgação dos resultados. É uma grande inovação em toda a operação. É a entrada de um novo ator no processo com um protagonismo tão importante quanto dos outros atores, que já estavam em cena”10.

Referências

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  • Editores-chefes:
    Maria Cecília de Souza Minayo, Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Out 2024
  • Data do Fascículo
    Nov 2024

Histórico

  • Recebido
    14 Mar 2024
  • Aceito
    15 Abr 2024
  • Publicado
    17 Abr 2024
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