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Tendência, espacialização e circunstâncias associadas às violências contra populações vulneráveis no Brasil, entre 2009 e 2017

Trend, spatialization and circumstances associated with violence against vulnerable populations in Brazil, between 2009 and 2017

Resumo

O objetivo foi analisar a tendência, a espacialização e as circunstâncias associadas às violências contra populações vulneráveis no Brasil, entre 2009 e 2017. Lançou-se mão de análise descritiva, de espacialização e de regressão polinomial. Notificaram-se 1.116.331 casos de violência, com aumento de 667,5% no período analisado. Em todas as populações estudadas, houve predomínio da violência física por meio de força corporal contra mulheres de baixa escolaridade, praticada por homens em residências. As violências psicológica e sexual destacaram-se nas populações feminina e LGBT. Já a negligência foi expressiva dentre pessoas com deficiência, crianças/adolescentes e idosas. Pelo menos 65% das notificações de violência no Brasil foram caracterizadas como indiscriminadas quanto à motivação do ato. A análise de tendência demonstrou a ascensão da prevalência de violência contra mulheres (+8,5%), pessoas com deficiência (+7,1%), idosos (+55,4%), indígenas (+99,4%), LGBT (+3,4%) e pretos, pardos e amarelos (+30,2%), exceto para a população de crianças/adolescentes (-11,4%). No Norte/Nordeste prevaleceu agressão contra mulheres e crianças/adolescentes, ao passo que no Centro-Oeste, Sul e Sudeste, as populações LGBT, deficiente e idosa foram mais vilipendiadas.

Palavras-chave:
Violência; Epidemiologia; Populações vulneráveis

Abstract

The scope of this study was to analyze the trend, spatialization and circumstances associated with violence against vulnerable populations in Brazil between 2009 and 2017. Descriptive analysis, spatialization and polynomial regression were used. A total of 1,116,331 cases of violence were notified, with an increase of 667.5% over the period. In all populations under research there was a predominance of physical violence against women with low levels of schooling, perpetrated by men in residences. Sexual and psychological violence was highlighted in female and LGBT populations. Negligence, however, was significant among people with disabilities, children/adolescents, and the elderly. At least 65% of the notifications of violence in Brazil were characterized as indiscriminate regarding the motivation behind the act. Tendency analysis showed a rise of interpersonal violence against women (+8.5%), disabled people (+7.1%), elderly individuals (+55.4%), natives (+99.4%), LGBT people (+3.4%) and racial violence (+30.2%), except for violence against underaged individuals, which showed a decrease (-11.4%). In North and Northwest regions violence against women and underaged individuals prevailed, while in Midwest, South and Southeast regions the LGBT, disabled and elderly populations were most subject to abuse.

Key words:
Violence; Epidemiology; Vulnerable populations

Introdução

A relação entre violência, sofrimento e ruptura no tecido social é amplamente conhecida, mas o significado atribuído ao termo “violência” é relativo e depende da moral, do tempo, do espaço e das relações humanas materializadas nesse contexto por meio de aspectos culturais, antropológicos e legais. Apesar de sua fluidez conceitual, atitudes interpessoais nocivas sempre estiveram associadas à condição humana ao longo da história. Essa indissociável vinculação fez com que as condutas sociais realizadas em função da violência deixassem de ser um ato circunstancial, para se tornarem uma das formas de se perceber o mundo contemporâneo11 Vorobej M. The concept of violence. New York: Routledge; 2016..

O ato de provocar danos ao outro torna-se mais acentuado quando inserido em contextos de vulnerabilidade social. Nesse cenário, considera-se a vulnerabilidade como um estado social de dimensão inevitável às relações coletivas, que se apresenta de forma complexa, fluida e polissêmica ao ser percebida de incontáveis maneiras por diferentes grupos. Originada da dinâmica do poder, a vulnerabilidade é fomentada de modo a impor as desigualdades e iniquidades - cujo principal subproduto é a violência contra minorias representativas22 Gilson EC. Vulnerability and Victimization: Rethinking Key Concepts in Feminist Discourses on Sexual Violence. Signs 2016; 42 (1):71-98..

Entre 1990 e 2013, observou-se redução de 19,1% da violência interpessoal em todo o globo. Contudo, algumas regiões foram de encontro a essa tendência ao terem apresentado aumento do número de casos violentos, como verificado na África Subsaariana, Oceania do Sul e Brasil33 Haagsma JA, Graetz N, Bolliger I, Naghavi M, Higashi H, Mullany EC, Abera SF, Abraham JP, Adofo K, Alsharif U, Ameh EA, Ammar W, Antonio CAT, Barerro LH, Bekele T, Bose D, Brazinova A, Catalá-López F, Dandona L, Dandona R, Dargan PI, De Leo D, Degenhardt L, Derrett S, Dharmaratne S, Driscoll TR, Duan L, Ermakov SP, Farzadfar F, Feigin VL, Franklin RC, Gabbe B, Gosselin RA, Hafezi-Nejad N, Hamadeh RR, Hijar M, Hu G, Jayaraman SP, Jiang G, Khader YS, Khan EA, Krishnaswami S, Kulkarni C, Lecky FE, Leung R, Lunevicius R, Lyons RA, Majdan M, Mason-Jones AJ, Matzopoulos R, Meaney P, Mekonnen W, Miller TP, Mock CN, Norman RE, Orozco R, Polinder S, Pourmalek F, Rahimi-Movaghar V, Refaat A, Rojas-Rueda D, Roy N, Schwebel DC, Shaheen A, Shahraz S, Skirbekk V, Soreide K, Soshnikov S, Stein DJ, Sykes BL, Tabb KM, Temesgen AM, Tenkorang EY, Theadom AM, Tran BX, Vasankari TJ, Vavilala MS, Vlassov VV, Woldeyohannes SM, Yip P, Yonemoto M, Younis MZ, Yu C, Murray CJL, Vos T, Balalla S, Philipps MR. The global burden of injury: incidence, mortality, disability-adjusted life years and time trends from the Global Burden of Disease study 2013. Inj Prev 2016; 22:3-18..

No Brasil, os casos de violência têm atingido os maiores níveis já observados. De acordo com dados publicados em 2019 pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), houve um aumento de 28% na taxa de homicídio em dez anos, vitimando principalmente jovens negros. Além disso, demonstra que a taxa de agressão com desfecho fatal cresceu dentre a população negra, feminina e Lésbica, Gay, Bissexual e Transexual (LGBT), e se manteve constante entre a população branca para o mesmo período, ratificando a relação entre pobreza, iniquidade, vulnerabilidade e violência. O instituto ainda registrou que cerca de 70% dos municípios mais violentos do país localizam-se no Norte e Nordeste, enquanto que aproximadamente 80% dos municípios mais pacíficos encontram-se no Sudeste do país44 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Atlas de violência [Internet]. Brasília: Ipea; 2019 [acessado 2020 mar 30]. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/19/atlas-da-violencia-2019.. Entretanto, o Ipea não descreve os eventos violentos que não tiveram o óbito como desfecho.

Para o Ministério da Saúde (MS), a violência é considerada como qualquer uso consciente de diversas formas de poder contra alguém, que tenha como resultado ou como possibilidade de resultado o sofrimento, o dano ou a morte. Diante do reconhecimento da violência como problema de saúde pública, o MS incluiu a ocorrência de casos dessa natureza na Lista Nacional de Notificação Compulsória de Doenças, Agravos e Eventos de Saúde Pública55 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 204, de 17 de fevereiro de 2016. Define a Lista Nacional de Notificação Compulsória de doenças, agravos e eventos de saúde pública nos serviços de saúde públicos e privados em todo o território nacional, nos termos do anexo, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2016; 18 fev..

Os dados coletados a partir das notificações devem ser usados para fomentar a gestão estratégica, auxiliando no planejamento local, na alocação de recursos de forma racional e na organização de ações e serviços intersetoriais voltadas ao seu enfrentamento. Apesar de representar um instrumento chave na atenção à população violentada, não há instituída a cultura do uso de informações em saúde no delineamento do trabalho no Brasil, especialmente no que se refere ao planejamento estratégico situacional aplicado a contextos locais55 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 204, de 17 de fevereiro de 2016. Define a Lista Nacional de Notificação Compulsória de doenças, agravos e eventos de saúde pública nos serviços de saúde públicos e privados em todo o território nacional, nos termos do anexo, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2016; 18 fev.

6 Minto CM, Cascão AM, Lima S, Kuyumjain FG, Godoy L, Souza MFM. Estudo avaliativo da melhoria da qualidade da informação de morte em hospitais dos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, 2017. Rev Bras Epidemiol 2019; 22(Supl. 3):e19008.

7 Pinheiro ALS, Andrade KTS, Silva DO, Zacharias FCM, Gomide MFSG, Pinto IC. Gestão da saúde: o uso dos sistemas de informação e o compartilhamento de conhecimento para a tomada de decisão. Texto Contexto Enferm 2016; 25(3):e3440015.
-88 Santos ML, Caoli CM, Batista JDL, Braga MC, Albuquerque MFPM. Fatores associados à subnotificação de tuberculose com base no Sinan Aids e Sinan Tuberculose. Rev Bras Epidemiol 2018; 21:e180019..

Apesar de o aumento da violência interpessoal no Brasil, os dados disponíveis na literatura limitam-se à casuística geral e às agressões com desfecho fatal, fazendo-se escassos os relatos sobre a morbidade dos grupos violentados sujeitos a alguma vulnerabilidade social. Assim, justifica-se a análise das especificidades das condutas violentas notificadas no Brasil, de modo a descrever a situação de saúde e fomentar estratégias e políticas públicas de enfrentamento ao agravo.

Diante do exposto, o estuda busca analisar a tendência, a espacialização e as circunstâncias associadas às violências contra populações vulneráveis ocorridas no território brasileiro entre 2009 e 2017.

Métodos

Trata-se de um estudo ecológico incluindo vítimas de agressão cometida no Brasil entre 2009 e 2017. Excluíram-se os casos de violência autoprovocada e se considerou como critério de inclusão o pertencimento a algum dos seguintes grupos em vulnerabilidade social: Mulheres; Pessoas com deficiência; Pessoas idosas; Crianças e adolescentes; Indígenas, Lésbicas, gays, bissexuais e travestis (LGBT); e pessoas de cor preta, parda ou amarela.

Os dados foram obtidos do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), que são disponibilizados pelo MS no sítio eletrônico do Departamento de Informática do SUS (DATASUS)99 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde. Sistema de Informação de Agravos de Notificação [Internet]. Brasília: MS; 2020 [acessado 2020 abr 19]. Disponível em: http://www.datasus.gov.br..

As ocorrências foram estudadas de acordo com a sociodemografia e as características da violência, abordando as seguintes variáveis: idade, sexo, raça/cor, escolaridade, situação conjugal, ano de ocorrência, local de ocorrência, recorrência, tipo de violência, meio de agressão, número de autores, sexo do provável autor, ciclo de vida do provável autor (criança, adolescente, jovem, adulto ou idoso), suspeita de uso álcool pelo provável autor, motivação do ato e vínculo entre o provável autor e a vítima.

Para as análises descritivas, realizaram-se as distribuições de frequências absoluta e relativa, de medidas de tendência central e de dispersão. Além disso, Modelos de regressão polinomial foram ajustados para descrever o comportamento temporal das taxas de prevalência. Notabiliza-se que essa técnica não foi aplicada à população LGBT, em face de pequena série histórica - tornando a regressão polinomial contraindicada1010 Reiss PR, Goldsmith J, Shang HL, Ogden RT. Methods for Scalar-on-Function Regression. Int Stat Rev 2017; 85(2):228-249..

Nesses modelos de regressão, a taxa de prevalência é a variável dependente (y) e o ano calendário centralizado em 2013, a variável independente (x). Primordialmente, verificou-se a distribuição normal, variância constante dos resíduos e os diagramas de dispersão. Posteriormente, realizaram-se ajustes aos dados por regressão polinomial pelos seguintes modelos:

  • a) y = β0 + β1x (linear)

  • b) y = β0 + β1x + β2x2 (quadrático)

  • c) y = β0 + β1x + β2x2 + β3x3 (cúbico)

  • d) y = eβ0 + β1x (exponencial)

Para escolha do Modelo polinomial mais apropriado, dentre os que demonstraram significância estatística, considerou-se o que apresentou maior coeficiente de determinação (R-quadrado).

Com o objetivo de obtenção da variação proporcional percentual (VPP) entre o início e o fim da série histórica, empregou-se a fórmula: (prevalência final - prevalência inicial)/prevalência inicial*100.

A tabulação e tratamento dos dados foram executados com o auxílio dos recursos disponibilizados pelo programa IBM Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 21. Para o mapeamento geográfico das taxas de prevalência, manuseou-se o programa TABWIN versão 4.15.

O estudo não foi submetido à análise de um Comitê de Ética em Pesquisa, por se tratar de uma pesquisa fundamentada em banco de dados secundários e de domínio público.

Resultados

Reportaram-se 1.116.331 notificações de violência interpessoal contra grupos vulneráveis no Brasil, com VPP de +667,5% na frequência absoluta de registros entre os anos de 2009 e 2017. Na Tabela 1, encontram-se descritas as principais características sociodemográficas e as circunstâncias de ocorrência do ato violento, agregados por população.

Tabela 1
Distribuição dos casos segundo principais características da ocorrência da violência no Brasil, 2009 a 2017.

Registra-se que em todos os grupos estudados, as vítimas são prevalentemente do sexo feminino e de baixa escolaridade, submetidas à violência física, por meio de força corporal executada em locais classificados como residências. Ainda em uma perspectiva global, os prováveis autores são adultos, do sexo masculino e agiram sozinhos na maioria dos casos de agressão contra todas as populações em vulnerabilidade. O campo caracterizador da motivação da violência, presente na ficha de notificação, apresentou alto grau de indeterminação, sendo registrado como “outros”, “ignorado” ou “não se aplica” em 65% dos casos. Quando conhecido, conflitos geracionais ou sexismos foram os motivos mais prevalentes.

A partir da análise mais detalhada de cada grupo, algumas características que, embora não sejam as mais prevalentes, mostraram-se relevantes ao estudo.

Na população feminina, verificou-se que a média de idade foi de 26,7 anos (desvio padrão [DP] 17,8), predominantemente das cores preta, parda ou amarela (46,6%) e solteira (36,9%). Houve histórico de violência recorrente na maior parte das notificações cujo campo foi preenchido (40,2%). O segundo tipo de agressão mais praticada foi a psicológica (36,6%), por meio de ameaça (23,7%). O ato foi mais corriqueiramente executado pelo cônjuge da vítima (22,5%).

Sobre a população com deficiência, a média de idade foi de 34,3 anos (DP 22,9), de maioria branca (46,6%) e solteira (42,9%). Verificou-se elevada frequência de agressões praticadas mais de uma vez (52,7%), do tipo psicológica (34,4%), sexual (22,6) e negligência (24,8%), executadas, em sua maioria, por pessoas conhecidas (15,0%) ou cônjuges (14,9%).

Na população idosa, a média de idade foi de 71,4 anos (DP 9). A maioria é de cor branca (49,4%) e casada (33,7%). O ato violento foi praticado de forma recorrente (40,4%), fazendo-se presente as violências psicológicas (31,1%) e negligência (27,6%). O provável autor é filho da vítima em grande parte das notificações (33,4%).

Quanto à população infantil e adolescente, composta por uma média de idade de 9,4 anos (DP 8,3), a agressão deu-se contra meninas de raça preta, amarela ou parda (46,4%) e solteiras (40,3%), sendo em sua maioria um episódio isolado (42,8%). Já com relação ao tipo de violência, também se destacou a sexual e negligência, ambos com 29,4% de representatividade, sendo os pais os principais agressores (47,5%).

A população indígena teve média de 24,7 anos (DP 17,4). O ato violento ocorreu apenas uma vez na maioria dos casos válidos (48,3%). O autor na maior parcela das ocorrências era cônjuge (22,3%) ou conhecido da vítima (22,5%) e com suspeita de estar alcoolizado (51,8%).

Para o público LGBT, a média de idade é de 31,2 anos (DP 15,4), de cor preta, amarela ou parda (54,0%) e solteiro (56,4%). Grande parte das ocorrências foram cometidas em vias públicas (25,6%). Em 56,0% dos casos, não é uma reincidência. O tipo de agressão configura-se como psicológica (34,2%), por meio de ameaça (20,5%). É importante ressaltar que os motivos de homo e transfobia apareceram em 5,4% dos casos. O agressor era desconhecido em 21,7% dos casos.

Já a população preta, parda ou amarela teve média de 24,8 anos (DP 17,6), a sua maioria é solteira (40,8%), violentada de forma não recorrente (43,9%). O principal tipo de violência, depois da física, é a psicológica (31,5%) e a sexual (19,3%), por meio de ameaça (20,2%). O agressor foi majoritariamente o próprio cônjuge (18,4%).

Relativo à tendência temporal, na Figura 1 notabiliza-se uma distribuição crescente da prevalência da violência contra todas as populações, salvo quando as vítimas são crianças ou adolescentes, caso no qual observou-se declínio na curva.

Figura 1
Tendência temporal da prevalência de violência contra populações vulneráveis no Brasil, 2009 a 2017.

Na Tabela 2, demonstra-se a análise da tendência temporal operacionalizada por meio de regressão polinomial. Dentre as tendências estudadas, todas apresentaram significância estatística para o modelo eleito, cuja equação polinomial de maior adequação foi do tipo quadrática (segundo grau) para os grupos de mulheres, idosos e pessoas pretas, pardas ou amarelas e do tipo cúbica (terceiro grau) para os coletivos de pessoas com deficiência, infanto-juvenil e indígena.

Tabela 2
Distribuição da VPP e da análise de tendência temporal por regressão polinomial segundo grupo no Brasil, 2009 a 2017.

O comportamento de tendência da taxa de prevalência de violência contra a população feminina, com deficiência, idosa, indígena, LGBT e preta, parda ou amarela foi ascendente, cujas VPPs entre o início e o final do período observado, foram de +8,5%, +7,1%, +55,4%, +99,4%, +3,4% e +30,2%, respectivamente. Para o grupo de crianças e adolescentes, a prevalência de agressão interpessoal apresentou tendência descendente, cuja VPP foi de -11,4%.

A Tabela 3 e a Figura 2 exibem a distribuição espacial das violências, separadas por Unidades Federativas do Brasil de 2009 a 2017.

Tabela 3
Taxa de prevalência de violência contra populações vulneráveis por grupo analisado segundo região e estados brasileiros de ocorrência, 2009 a 2017.

Figura 2
Espacialização da prevalência da violência segundo UF, 2009 a 2017.

Sobre a violência contra a população feminina, a região Norte mostrou maior prevalência (78,1%), com o Acre destacando-se negativamente 87,7%.

Para a população com deficiência, a região Sul mostrou-se mais prevalente quanto à violência (7,0%), com o Rio Grande do Sul apresentando 7,5%. Já a violência contra a população infantil e adolescente é mais prevalente na região Norte (58,8%), sendo asseverada no Acre com 63,1%.

Para as vítimas idosas, a região Centro-Oeste possui maior prevalência de violência de 7,6%, destacando-se Mato Grosso do Sul com 10,3%. Por outro lado, a violência contra a população indígena é mais expressiva no Norte (3,4%), com Roraima no topo da lista (11,9%).

Quanto à violência contra população LGBT, Centro-Oeste e Sudeste empataram, ambas com 2,2%. No Sudeste, São Paulo obteve destaque com 2,4%; no Centro-Oeste, Goiás encontrou a maior taxa (2,8%). No âmbito da agressão contra a população preta, parda ou amarela, foi maior no Norte (81%), encabeçada pelo Acre com 86,8%.

Discussão

Sabe-se que homens negros representam o grupo mais submetido à violência no Brasil, frequentemente associado ao narcotráfico e à falência do Estado44 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Atlas de violência [Internet]. Brasília: Ipea; 2019 [acessado 2020 mar 30]. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/19/atlas-da-violencia-2019.,1111 Silva PA, Silva CB, Marinho TPC. Vulnerabilidade Social e Violência: Perfil de Vítimas de Violência Atendidas em um Hospital de Urgências. Rev Cien Esc Estad Saude Publica Goiás Cândido Santiago 2019; 5(2):3-22.. Contudo, ao se analisar a violência cometida contra pessoas em condição de desigualdade em relação ao agressor, verifica-se que as mulheres pouco instruídas, repetidamente violentadas por seus cônjuges ou por outro indivíduo do sexo masculino em seus próprios lares compõem a maior parte das vítimas no Brasil, como ratificam outros estudos da mesma natureza realizados em diversas regiões do país1212 Sinimbu RB, Mascarenhas MDM, Silva MMA, Carvalho MGO, Santos MR, Freitas MG. Caracterização das vítimas de violência doméstica, sexual e/ou outras violências no Brasil - 2014. Saude Foco 2016; 1(1):178-182.

13 Borges KNG, Maranhão MGM, Inocencio MD, Lucena MM, Paula MB, Oliveira RF, Guerra HS. Epidemiologia da violência contra a criança no Estado de Goiás. REAS/EJCH 2019; 34:e1420.

14 Santos AN, Gonçalves LVP. Perfil Epidemiológico dos Casos Notificados de Violência em uma Cidade no Interior Da Bahia (2009-2014). Rev Saude Meio Amb 2019; 8(1):45-51.
-1515 Borburema TLR, Pacheco AP, Nunes AA, Moré CLOO, Krenkel S. Violência contra mulher em contexto de vulnerabilidade social na Atenção Primária: registro de violência em prontuários. Rev Bras Med Fam Comunidade 2017; 12(39):1-13..

O “ser mulher” é uma expressa condição de vulnerabilidade, em resultado de processos históricos e culturais marcados pelo machismo e patriarcado. Há pouco tempo, pais e maridos gozavam de legitimidade cedida pelo Estado para a aplicação de castigos físicos a familiares do sexo feminino. Além disso, a forte influência das três principais religiões monoteístas mantém intacta a nociva concepção de submissão da mulher perante o homem1616 Balbinotti I. A Violência Contra a Mulher como Expressão do Patriarcado e do Machismo. Rev ESMESC 2018; 25(31):239-264.,1717 Pereira-Paulino FC, Santos LGA, Mendes SCC. Gênero e Identidade: Possibilidades e Contribuições para uma Cultura de Não Violência e Equidade. Psicol Soc 2017; 29:e172013.. É fato que muito se conquistou com as recentes reformulações legais brasileiras, como a Lei nº 11.3014 de 2006 (Lei Maria da Penha), Lei nº 13.104 de 2015 (Lei do Feminicídio) e com implantações de delegacias especializadas. Entretanto, a ação estatal demonstra-se insuficiente para o efetivo enfrentamento à problemática, por não intervir no alicerce cultural.

Esses aspectos culturais são fatos sociais transversais às classes econômicas1616 Balbinotti I. A Violência Contra a Mulher como Expressão do Patriarcado e do Machismo. Rev ESMESC 2018; 25(31):239-264.,1717 Pereira-Paulino FC, Santos LGA, Mendes SCC. Gênero e Identidade: Possibilidades e Contribuições para uma Cultura de Não Violência e Equidade. Psicol Soc 2017; 29:e172013.. Todavia, é notório que a violência faz distinção quanto ao nível educacional da vítima. A maior prevalência de agredidos com poucos anos de estudo verificada nessa e em outra investigação1414 Santos AN, Gonçalves LVP. Perfil Epidemiológico dos Casos Notificados de Violência em uma Cidade no Interior Da Bahia (2009-2014). Rev Saude Meio Amb 2019; 8(1):45-51. sinaliza que esse fenômeno incide e assume maior publicidade entre a população menos favorecida financeiramente. Isso é explicado pela maior convivência comunitária e coesão social nesse cenário. Já entre os mais abastados, a independência financeira, o “empoderamento” e o maior distanciamento social fazem com que as ocorrências sejam menos frequentes nesse grupo e ganhem menor publicidade1616 Balbinotti I. A Violência Contra a Mulher como Expressão do Patriarcado e do Machismo. Rev ESMESC 2018; 25(31):239-264.,1717 Pereira-Paulino FC, Santos LGA, Mendes SCC. Gênero e Identidade: Possibilidades e Contribuições para uma Cultura de Não Violência e Equidade. Psicol Soc 2017; 29:e172013..

O sofrimento de pessoas marginalizadas ainda parece ser invisível e tolerante, visto que considerável parte das violações analisadas ocorreram repetidas vezes, sobretudo contra mulheres, idosos ou pessoas com deficiência. Tais achados não concordam com um estudo realizado no Brasil em 20141212 Sinimbu RB, Mascarenhas MDM, Silva MMA, Carvalho MGO, Santos MR, Freitas MG. Caracterização das vítimas de violência doméstica, sexual e/ou outras violências no Brasil - 2014. Saude Foco 2016; 1(1):178-182., que demonstra não recorrência em se tratando dessas populações. No entanto, a obra não esclarece se fez uso apenas dos dados válidos. Ademais, a maior parte das ocorrências são concretizadas no interior de residências - no seio familiar - e são favorecidas quando as vítimas não possuem ocupação profissional ou ampla rede social. Assim, aumenta-se o tempo de convivência com o algoz, sobretudo em momentos de isolamento social, como proporcionado pela pandemia de Coronavirus Disease 20191818 Vieira PR, Garcia LP, Maciel ELN. Isolamento social e o aumento da violência doméstica: o que isso nos revela? Rev Bras Epidemiol 2020; 23:E200033.,1919 Marques ES, Moraes CL, Hasselmann MH, Deslandes SF, Reichenheim ME. A violência contra mulheres, crianças e adolescentes em tempos de pandemia pela COVID-19: panorama, motivações e formas de enfrentamento. Cad Saude Publica 2020; 36(4):e00074420..

Apesar de a agressão física ser a mais recorrente1414 Santos AN, Gonçalves LVP. Perfil Epidemiológico dos Casos Notificados de Violência em uma Cidade no Interior Da Bahia (2009-2014). Rev Saude Meio Amb 2019; 8(1):45-51., a psicológica, a sexual e a financeira, praticadas mediante ameaça, também são destaques nesse e em outros estudos, acentuadamente contra a população feminina e LGBT, corroborado por análises realizadas na Bahia1414 Santos AN, Gonçalves LVP. Perfil Epidemiológico dos Casos Notificados de Violência em uma Cidade no Interior Da Bahia (2009-2014). Rev Saude Meio Amb 2019; 8(1):45-51. e na Paraíba2020 Mendes WG, Silva CMFP. Homicídios da População de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais ou Transgêneros (LGBT) no Brasil: uma Análise Espacial. Cien Saude Colet 2020; 25(5):1709-1722., respetivamente. Enquanto que a negligência desponta entre as vítimas inimputáveis, em convergência com outras pesquisas descritivas realizadas em Goiás1313 Borges KNG, Maranhão MGM, Inocencio MD, Lucena MM, Paula MB, Oliveira RF, Guerra HS. Epidemiologia da violência contra a criança no Estado de Goiás. REAS/EJCH 2019; 34:e1420. e Minas Gerais2121 Silva GCN, Almeida VL, Brito TRP, Godinho MLC, Nogueira DA, Chini LT. Violência contra idosos: uma análise documental. Aquichan 2018; 18(4):449-460.. Formas mais sorrateiras de agredir o outro é cada vez mais utilizada, pois se mostra como uma alternativa sutil de manutenção do poder sobre o oprimido - sem deixar indícios visíveis1313 Borges KNG, Maranhão MGM, Inocencio MD, Lucena MM, Paula MB, Oliveira RF, Guerra HS. Epidemiologia da violência contra a criança no Estado de Goiás. REAS/EJCH 2019; 34:e1420.,1414 Santos AN, Gonçalves LVP. Perfil Epidemiológico dos Casos Notificados de Violência em uma Cidade no Interior Da Bahia (2009-2014). Rev Saude Meio Amb 2019; 8(1):45-51.,2020 Mendes WG, Silva CMFP. Homicídios da População de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais ou Transgêneros (LGBT) no Brasil: uma Análise Espacial. Cien Saude Colet 2020; 25(5):1709-1722.,2121 Silva GCN, Almeida VL, Brito TRP, Godinho MLC, Nogueira DA, Chini LT. Violência contra idosos: uma análise documental. Aquichan 2018; 18(4):449-460..

A suspeita de uso de álcool pelo provável autor não esteve presente na maioria dos casos envolvendo os grupos em vulnerabilidade. No entanto, essa realidade demonstrou-se diferente ao se tratar da população indígena, visto que houve suspeita da prática de etilismo na maior parte das ocorrências. Com relação a isso, investigações demonstram a redução do uso de álcool pelos povos indígenas em função do abandono de algumas práticas tradicionais, impulsionada principalmente pela conversão religiosa ao Cristianismo2222 Barreto IF, Dimenstein M, Leite JF. Processos de alcoolização entre povos indígenas da América Latina. Rev Cien Saude 2020; 10(1):45-51..

Em contrapartida, o tradicionalismo ainda se faz presente no cotidiano da maior parcela de indígenas. Nesses casos, nota-se que o álcool está sendo inserido cada vez mais precocemente, seja devido a rituais sagrados, a eventos festivos ou à mediação de conflitos, inclusive prejudicando o enfrentamento a esse vício e às consequências geradas por ele2222 Barreto IF, Dimenstein M, Leite JF. Processos de alcoolização entre povos indígenas da América Latina. Rev Cien Saude 2020; 10(1):45-51.. Dentre esses efeitos destacam-se a violência, conflitos familiares e interpessoais, corroborando os achados aqui apresentados.

Outro aspecto que merece atenção é o fato de que, para quase todos os grupos vulneráveis, os atos violentos foram praticados na esfera do ambiente familiar/privado, longe de eventuais testemunhas que não possuem vínculo com agressor ou com o agredido. Porém, quando se trata da população LGBT, observou-se grande quantidade de ocorrências registradas em vias públicas, aos olhos de quaisquer eventuais testemunhas. Dessa forma, a despreocupação do violentador em cometer o crime publicamente sugere que as agressões contra a pessoa LBGT é a mais naturalizada, aceita e tolerável socialmente - sobretudo quanto às violências sutis, como o assédio moral e psicológico por meio de intimidação/ameaça ou pelo uso do “humor”2020 Mendes WG, Silva CMFP. Homicídios da População de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais ou Transgêneros (LGBT) no Brasil: uma Análise Espacial. Cien Saude Colet 2020; 25(5):1709-1722.,2323 Pompeu SLE, Souza EM. A discriminação homofóbica por meio do humor: naturalização e manutenção da heteronormatividade no contexto organizacional. Organ Soc 2019; 26(91):645-664.,2424 Manzi R. Um Sintoma de Patologia do Social: A Homofobia. Rev Educ 2017; 12(1):23-40..

Quanto à temporalidade, de acordo com os resultados, a prevalência da violência contra índios aumentou quase 100%; contra idosos, cerca de 55%; e contra pessoas pretas, observou-se acréscimo de 30%. Apesar de não ter representado aumento na mesma proporção, a agressão contra mulheres, pessoas com deficiência, e LGBT segue a mesma tendência, com incremento de cerca de 10% para os dois primeiros grupos e de 3,4% para este último. Apesar disso, a prevalência de agressão contra crianças e adolescentes foi a única que apresentou queda no Brasil, reduzindo em 11,4%.

O crescimento da violência contra quase todas as populações estudadas, demonstra que o Brasil vivencia o maior aumento de violência da história, em confluência a outros países emergentes e na contramão da perspectiva global33 Haagsma JA, Graetz N, Bolliger I, Naghavi M, Higashi H, Mullany EC, Abera SF, Abraham JP, Adofo K, Alsharif U, Ameh EA, Ammar W, Antonio CAT, Barerro LH, Bekele T, Bose D, Brazinova A, Catalá-López F, Dandona L, Dandona R, Dargan PI, De Leo D, Degenhardt L, Derrett S, Dharmaratne S, Driscoll TR, Duan L, Ermakov SP, Farzadfar F, Feigin VL, Franklin RC, Gabbe B, Gosselin RA, Hafezi-Nejad N, Hamadeh RR, Hijar M, Hu G, Jayaraman SP, Jiang G, Khader YS, Khan EA, Krishnaswami S, Kulkarni C, Lecky FE, Leung R, Lunevicius R, Lyons RA, Majdan M, Mason-Jones AJ, Matzopoulos R, Meaney P, Mekonnen W, Miller TP, Mock CN, Norman RE, Orozco R, Polinder S, Pourmalek F, Rahimi-Movaghar V, Refaat A, Rojas-Rueda D, Roy N, Schwebel DC, Shaheen A, Shahraz S, Skirbekk V, Soreide K, Soshnikov S, Stein DJ, Sykes BL, Tabb KM, Temesgen AM, Tenkorang EY, Theadom AM, Tran BX, Vasankari TJ, Vavilala MS, Vlassov VV, Woldeyohannes SM, Yip P, Yonemoto M, Younis MZ, Yu C, Murray CJL, Vos T, Balalla S, Philipps MR. The global burden of injury: incidence, mortality, disability-adjusted life years and time trends from the Global Burden of Disease study 2013. Inj Prev 2016; 22:3-18.. Isso é facilmente associável à onda de hegemonia conservadora experimentada pelo mundo ocidental, cuja disseminação foi encabeçada pelos Estados Unidos a partir de 2010 e potencializada em nações pobres2525 Bragança DA, Freitas MS. Lobo sem pele de cordeiro: o impacto do "fator Trump" para a mobilização conservadora latino-americana. Conjunt Int 2018; 14(3):59-69..

Em outra perspectiva, a queda na prevalência da violência contra crianças e adolescentes pode estar relacionada ao melhor e mais longínquo sistema de atenção à violência: a rede intersetorial de proteção, implementada sob as normas do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Esse instituto estabelece mecanismos de prevenção e correção da violência infantil e, apesar do atraso em relação a outros países, mostra-se cada vez mais robusto em grandes e médias cidades - mas ainda é considerado frágil em municípios remotos2626 Faraj SP, Siqueira AC, Arpini DM. Rede de Proteção: O Olhar de Profissionais do Sistema de Garantia de Direitos. Temas Psicol 2016; 24(2):727-741..

Além disso, é providencial estabelecer a relação entre agressão interpessoal e qualidade da gestão pública. Na oportunidade, este último não deve ser mensurado pelo Produto Interno Bruto (PIB), mas sim por indicadores de desigualdade, iniquidade e acesso. Regiões nas quais há grande concentração de riquezas e desinteresse do Estado na implementação de políticas públicas mitigadoras da violência, esse fenômeno assume proporções abissais. Ou seja, a violência é influenciada pelo modelo econômico capitalista e pela negligência governamental. Essa premissa é válida não só mundialmente, mas também localmente, como observado na grande heterogeneidade dentre as regiões e as unidades federativas do Brasil2727 Amador AE. A juventude perdida no Brasil: desigualdades socioeconômicas e espaciais na mortalidade de jovens por violência [dissertação]. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 2018.,2828 Dávila CA, Pardo-Montaño AM. Factores socioeconómicos asociados con la mortalidad por homicidios en Colombia, 2000-2014. Cien Saude Colet 2019; 24(8):2793-2804..

No cotidiano, é comum observar a ausência ou a ineficiência do Estado no processo de enfrentamento às agressões interpessoais. Um dos principais fatores que influenciam a precarização da atenção direcionada a esse público é a ruptura na formação profissional. Investigações realizadas no Brasil e em Portugal, entre 2017 e 2019, demonstram que os trabalhadores de saúde apresentam dificuldades na identificação de contextos vulneráveis, no reconhecimento dos diversos tipos de violência, no acolhimento da vítima, na coleta de material forense, na orientação e no encaminhamento para serviços necessários2929 Veloso MMX, Magalhães CMC, Cabral IR. Identificação e notificação de violência contra crianças e adolescentes: limites e possibilidades de atuação de profissionais de saúde. Mudanças 2017; 25(1):1-10.

30 Moreira AC, Silva TASM. Cuidados de enfermagem as vítimas de violências interpessoais na atenção básica. Rev Pró-Univer SUS 2019; 10 (1):42-46.
-3131 Cruz CMPC. Práticas e conhecimentos dos Enfermeiros de Serviço de Urgência na recolha e manutenção de provas forenses [dissertação]. Coimbra: Escola Superior de Enfermagem de Coimbra; 2018.. Essa lacuna na formação profissional e na educação permanente pode ser encarada como mais uma violência, que é estrutural e que contribui para manutenção do clico da agressão interpessoal.

No âmbito da espacialização, o ataque a populações vulneráveis mostrou-se mais predominante nas regiões Norte e Nordeste, como também demonstrado por outros pesquisadores44 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Atlas de violência [Internet]. Brasília: Ipea; 2019 [acessado 2020 mar 30]. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/19/atlas-da-violencia-2019.,3232 Amador AE, Marques MV, Souza MR, Souza DLB, Barbosa IR. Mortalidade de Jovens por Violência no Brasil: Desigualdade Espacial e Socioeconômica. Rev Bras Promo Saude 2018; 31(3):1-9.. Isso se deve a aspectos sociais mais fragilizados, como a intensificação do machismo arraigado, o velado conflito por terras entre índios e o capital do agronegócio e à acentuada ausência de instituições públicas1616 Balbinotti I. A Violência Contra a Mulher como Expressão do Patriarcado e do Machismo. Rev ESMESC 2018; 25(31):239-264.,1717 Pereira-Paulino FC, Santos LGA, Mendes SCC. Gênero e Identidade: Possibilidades e Contribuições para uma Cultura de Não Violência e Equidade. Psicol Soc 2017; 29:e172013.,2727 Amador AE. A juventude perdida no Brasil: desigualdades socioeconômicas e espaciais na mortalidade de jovens por violência [dissertação]. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 2018..

Contudo, a violência contra a população idosa e deficiente apresentou níveis expressivos no Centro Sul. Essas informações encontram guarida nos fatos de a expectativa e a qualidade de vida serem mais elevadas nessas regiões e de esses grupos gozarem de maior nível de presença social e de consciência sobre as violências mais sutis, como psicológica, financeira e negligência. Ademais, a concepção cosmopolita presente ao sul do país fortalece a injustificada ideia de que a população economicamente não ativa é indigna de respeito, portanto, desvalorizada por suas eventuais limitações produtivas2121 Silva GCN, Almeida VL, Brito TRP, Godinho MLC, Nogueira DA, Chini LT. Violência contra idosos: uma análise documental. Aquichan 2018; 18(4):449-460.,2525 Bragança DA, Freitas MS. Lobo sem pele de cordeiro: o impacto do "fator Trump" para a mobilização conservadora latino-americana. Conjunt Int 2018; 14(3):59-69.,2727 Amador AE. A juventude perdida no Brasil: desigualdades socioeconômicas e espaciais na mortalidade de jovens por violência [dissertação]. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 2018..

As considerações geográficas sugerem que, embora haja clara predominância da violência no Norte e Nordeste, a distribuição não é homogênea dentre as suas variantes. Diversos cenários e conjunturas contribuem para expressões múltiplas de agressão interpessoal2727 Amador AE. A juventude perdida no Brasil: desigualdades socioeconômicas e espaciais na mortalidade de jovens por violência [dissertação]. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 2018.,3232 Amador AE, Marques MV, Souza MR, Souza DLB, Barbosa IR. Mortalidade de Jovens por Violência no Brasil: Desigualdade Espacial e Socioeconômica. Rev Bras Promo Saude 2018; 31(3):1-9..

Em se tratando da motivação dos crimes, a completitude do campo correspondente mostrou-se prejudicada. Esse evento é relacionado à má qualificação dos profissionais da saúde no âmbito da vigilância epidemiológica, à secundarização da rotina de notificação, a rupturas nas rotinas de críticas aos instrumentos notificadores e à carga horária excessiva de trabalho, representando prejuízos à qualidade da informação3333 Deziovo CR, Bolsoni CC, Lindner SR, Coelho EBS. Qualidade dos registros de violência sexual contra a mulher no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) em Santa Catarina, 2008-2013. Epidemiol Serv Saude 2018; 27(1):e20171493..

Salienta-se que o trabalho confere destaque a questões relevantes a diversas áreas do conhecimento, alicerçando-se em banco de dados oficial e robusto, submetido à razoável tratamento estatístico. Além disso, lança mão da cartografia para evidenciar a espacialização da violência no Brasil. Contudo, ressalta-se a possibilidade de falácia ecológica como fragilidade intrínseca ao desenho metodológico utilizado, vez que as observações registradas em agregados populacionais não devem ser aplicadas diretamente à esfera individual.

Considerações finais

Ratifica-se que há um perfil comum entre os casos de violência analisados. Predominantemente, a vítima é mulher, jovem, pouco instruída e agredida repetidas vezes pelo cônjuge ou outro homem que age sozinho em residências. Apesar disso, verificaram-se diferenças importantes dentre as populações vulneráveis quanto à caracterização das ocorrências, evidenciando particularidades típicas de cada grupo.

A prevalência da violência contra populações vulneráveis apresenta tendência ascendente em proporções preocupantes, salvo quando as vítimas são crianças ou adolescentes. A distribuição geográfica mostrou-se heterogênea. Nesse contexto, os casos são mais prevalentes no Norte e Nordeste, porém quando se trata de pessoas idosas e com deficiência que sofreram agressão, o Centro-Oeste, Sul e Sudeste também recebem destaque.

Por fim, aponta-se que os resultados obtidos por esse e outros estudos de tendência são úteis e podem ser levados em consideração no delineamento do planejamento estratégico para prevenir a concretização de projeções desanimadoras.

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Editado por

Editores-chefes:

Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    Nov 2021

Histórico

  • Recebido
    25 Maio 2020
  • Aceito
    10 Set 2020
  • Publicado
    12 Set 2020
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