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Mobilidade social intergeracional e saúde no Brasil: uma análise do survey "Pesquisa dimensões sociais das desigualdades (PDSD)", 2008

Intergenerational social mobility and health in Brazil: analyzing the "Social Dimensions of Inequalilies Survey (PDSD)," 2008

Resumos

Embora a maioria dos estudos apresente a saúde como resultante da inserção social dos indivíduos, ela pode ser um fator determinante das oportunidades sociais alcançadas, principalmente no que diz respeito às chances de mobilidade social. O objetivo do artigo é conhecer a magnitude das associações simultâneas que as condições sociodemográficas, de saúde e de qualidade de vida (SF-36) exercem nas chances de mobilidade intergeracional de uma amostra probabilística de domicílios no Brasil em 2008. A mobilidade foi determinada pela transição entre grupos ocupacionais definidos através da escala de Ganzeboom. Variáveis sociodemográficas, de saúde e de qualidade de vida foram associadas às chances de mobilidade intergeracional ascendente através de regressão logística. O aumento da escolaridade foi o principal determinante das chances de mobilidade. Mulheres e jovens ascenderam mais intergeracionalmente. Foi observada associação positiva entre autoavaliação de saúde, escores de saúde física e mobilidade ascendente. A mobilidade social firmou-se como um evento multideterminado. A saúde física e a percebida se colocaram como recursos capazes de influírem nas transições sociais.

Mobilidade social; Qualidade de vida; SF-36; Ocupação; Posição social


Although most studies consider health to be the result of social and economic insertion of the individuals, health may be considered a determining factor of the social opportunities achieved, especially with respect to chances of social mobility. The scope of this article is to understand the magnitude of the concurrent associations that sociodemographic, health and quality of life conditions (SF-36) exercise on chances of intergenerational social mobility on a probability sample of Brazilian homes in 2008. Social mobility was determined by the transition between occupational groups, which were defined using the Ganzeboom scale. Sociodemographic, health and quality of life features were associated with upward social mobility through logistic regression. A high level of schooling was the main determinant of chances of intergenerational social mobility. Women and youngsters ascended more intergenerationally. A positive association was observed between self assessment of health, physical health scores and upward mobility. Social mobility has become established as a multideterminate event. Physical health and perceived health were capable of influencing social transitions.

Social mobility; Quality of life; SF-36; Occupation; Social standing


Introdução

Hoje é possível compreender de forma um pouco mais clara os mecanismos pelos quais aspectos sociais e condições de saúde de relacionam11. Marmot M, Wilkinson RG. Social determinants of health. Oxford: Oxford University Press; 2005.. As associações existentes entre a posição social e a saúde diferem tanto na forma de mensurar esses aspectos quanto na direção estudada do fenômeno, ou seja, ora a saúde aparece como resultante de diferentes condições socioeconômicas - causalidade social - ora agindo sobre as chances de alcançar e manter uma boa posição social - seleção pela saúde. Embora alguns pesquisadores abordem em seus estudos somente uma dessas direções, pode-se acreditar que essas relações coexistam na sociedade22. Hallerod B, Gustafsson JE. A longitudinal analysis of the relationship between changes in socioeconomic and changes in health. Soc Sci Med 2011; 72(1):116-123.

3. Smith JP. Unraveling the SES-Health Connection. In: Aging, Health, and Public Policy: Demographic and Economic Perspectives. Population and Development Review 2005; 30(Supl.):108-132.
-44. Mulatu MS, Schooler C. Causal connections between socio-economic status and health: reciprocal effects and mediating mechanisms. J Health Soc Behav 2002; 43(1):22-41..

A desigualdade social, evidenciada pela alocação dos indivíduos em diferentes posições sociais, resulta em uma distribuição desigual de bens, serviços, condições de vida, vantagens e desvantagens sociais. A saúde ou os processos de saúde/doença e seus determinantes podem também estar desigualmente distribuídos na população e aqueles alocados em estratos sociais inferiores tendem a estar em desvantagem no amplo conjunto de fatores biomédicos, ambientais, comportamentais e psicossociais que medeiam a relação entre as condições sociais e o processo de adoecimento e morte.

De acordo com Fahel55. Fahel M. Desigualdades em saúde no Brasil: uma análise do acesso aos serviços de saúde por estratos ocupacionais. In: Congresso Brasileiro de Sociologia; 2007; Belo Horizonte; Sociedade Brasileira de Socio logia., a segregação da saúde em diferentes grupos sociais gera um excedente de danos que afetam principalmente os grupos sociais mais vulneráveis, gerando impacto na sua morbimortalidade, na demanda por serviços de saúde e até na possibilidade de ascensão social. Hallerod e Gustafsson22. Hallerod B, Gustafsson JE. A longitudinal analysis of the relationship between changes in socioeconomic and changes in health. Soc Sci Med 2011; 72(1):116-123. colocam que a posição social ocupada reflete habilidades e possibilidades de consumir bens e serviços que são necessários para melhores condições de vida e de saúde. De fato, a existência dessa desigualdade socioeconômica abrangente na distribuição da saúde, da mortalidade e da qualidade de vida é um campo bem estabelecido e reconhecido por um amplo, rigoroso e cumulativo processo de pesquisas sociológicas e epidemiológicas66. Magalhães R, Burlandy L, Senna MCM. Desigualdades sociais, saúde e bem-estar: oportunidades e problemas no horizonte de políticas públicas transversais. Cien Saude Colet 2007; 12(6):1415-1421.,77. Cruz LN, Fleck MPA, Oliveira MR, Camey AS, Hoffmann JF, Bagattini AM, Polanczyk CA. Health-related quality of life in Brazil: normative data for the SF-36 in a general population sample in the south of the country. Cien Saude Colet 2013; 18(7): 1911-1921..

Além de estudos já recorrentes sobre a influência da posição social na saúde, Dahl88. Dahl E. Social mobility and health: cause or effect? BMI 1996; 313(7055):435-436. ao debater essa relação já destacava a extrema necessidade de se identificar e conhecer melhor também quais seriam os fatores de saúde capazes de interferir na jornada social de um indivíduo, possibilitando assim, conhecer o poder da saúde em revelar desfechos sociais diversos. Recentemente, Groffen et al.99. Groffen DAI, Bosma H, Akker M, Kempen GIJM, Eijik JTM. Personality and health as predictors of income decrease in old age: findings from the longitudinal SMILE study. Eur J Public Health 2009; 19(4):418-423. também reforçou a importância de estudos que avaliem as maneiras com que as pessoas conseguem manter ou atingir posições sociais e os fatores que poderiam estar associados a essas transições, dando destaque para as condições de saúde e qualidade de vida.

Estudos sobre esse poder determinante da saúde, apesar de pouco desenvolvidos no campo da saúde pública e no Brasil, perpassam vários campos epistemológicos e já foram desenvolvidos em diversos países1010. Schuring M, Burdorf L, Kunst A, Mackenbach J. The effects of ill health on entering and maintaining paid employment: evidence in European Countries. J Epidemiol Community Health 2007; 61(7):597-604.,1111. Elstad JI. Health and Status Attainment: Effects of health on occupational achievement among employed norwegian men. Acta Sociologica 2004; 47(2): 127-140.. A saúde é tida na área econômica como a causa principal da saída do mercado de trabalho e na sociologia é considerada um recurso pessoal que está associado à trajetória social durante etapas diversas do ciclo de vida, de forma similar a outras variáveis. Na chamada epidemiologia social, o efeito da saúde sobre a trajetória ocupacional firmou-se como uma teoria denominada "Efeito do Trabalhador Sadio", a qual busca explicar os processos que medeiam a seleção de trabalhadores saudáveis para o mercado de trabalho1010. Schuring M, Burdorf L, Kunst A, Mackenbach J. The effects of ill health on entering and maintaining paid employment: evidence in European Countries. J Epidemiol Community Health 2007; 61(7):597-604.,1212. Jusot F, Khlat M, Rochereau T, Sermet C. Job loss from poor health, smoking and obesity: a national prospective survey in France. J Epidemiol Community Health 2008; 62(4):332-337..

Qualquer que seja o campo, estudos sobre o tema tomam, dessa forma, a saúde/qualidade de vida como uma variável de exposição ou independente e buscam captar o efeito da saúde, ou falta dela, no desdobramento de consequências sociais. A maior parte dos estudos avalia o efeito da saúde na posição no mercado de trabalho1111. Elstad JI. Health and Status Attainment: Effects of health on occupational achievement among employed norwegian men. Acta Sociologica 2004; 47(2): 127-140.

12. Jusot F, Khlat M, Rochereau T, Sermet C. Job loss from poor health, smoking and obesity: a national prospective survey in France. J Epidemiol Community Health 2008; 62(4):332-337.
-1313. Ki M. Health Selection and Health Inequalities [tese]. Londres: University College London; 2009., no montante salarial recebido99. Groffen DAI, Bosma H, Akker M, Kempen GIJM, Eijik JTM. Personality and health as predictors of income decrease in old age: findings from the longitudinal SMILE study. Eur J Public Health 2009; 19(4):418-423.,1414. Haas SA. Health selection and the process of social stratification: the effect of childhood health on socioeconomic attainment. J Health Soc Behav 2006; 47(4):339-354. e na conquista educacional1515. Van de Mheen HD, Stronks K, Mackenbacj JP. A lifecourse perspective on socioeconomic inequalities in health: the influence of childhood socioeconomic position and selection processes. Sociology of Health and Illness 1998; 20(5):193-216..

Há algum tempo tem se sugerido que pessoas com uma saúde deficiente teriam maiores chances de alcançar menores posições ocupacionais, menor nível educacional e de apresentarem queda em seus rendimentos financeiros. Booth1616. Booth C. Occupations of the people of the United Kigdom, 1801-81. Journal of the statistical society of London 1886; 49(2):314-444. ao avaliar a pobreza e as relações de trabalho na Inglaterra, já designava à má saúde uma participação na criação e reprodução da pobreza ao incapacitar os indivíduos ao trabalho. Mais tarde, o sociólogo Pitirim Sorokim em seu livro Mobilidade Social (1927) defendeu que uma boa saúde é um fator preditor de mobilidade social ascendente e de uma carreira ocupacional de sucesso1111. Elstad JI. Health and Status Attainment: Effects of health on occupational achievement among employed norwegian men. Acta Sociologica 2004; 47(2): 127-140.. No Relatório Black1717. Townsend P, Davidson N. Inequalities in health: the black report and the health divide. Harmondworth: Penguin Books; 1982. firmou-se a possibilidade das condições de saúde desvelarem novos contextos sociais, sendo a saúde um importante fator que levaria uma pessoa a descender socialmente, devido, principalmente, a inabilidades físicas.

Groffen et al.99. Groffen DAI, Bosma H, Akker M, Kempen GIJM, Eijik JTM. Personality and health as predictors of income decrease in old age: findings from the longitudinal SMILE study. Eur J Public Health 2009; 19(4):418-423. ao realizarem acompanhamento de adultos com idade superior a 55 anos, verificaram que a ansiedade e problemas físicos de saúde estavam associados a uma queda nos rendimentos durante os três anos estudados, indicando que esses são fatores importantes no esquema de mobilidade social entre pessoas idosas. Já Power et al.1818. Power C, Matthews S, Manor O. Inequalities in self rated health in the 1958 birth cohort: Lifetime social circumstances or social mobility? BMJ 1996; 313(7055):449-453. e Manor et al.1919. Manor O, Mattews S, Power C. Health Selection: the role of inter and intra generational mobility on social inequalities in health. Soc Sci Med 2003; 57(11): 2217-2227. acharam associações significativas entre a autoavaliação de saúde e a direção das transições ocupacionais. Cardano et al.2020. Cardano M, Costa G, Demaria M. Social mobility and health in the Turin longitudinal study. Soc Sci Med 2004; 58(8):1563-1574. e Schuring et al.1010. Schuring M, Burdorf L, Kunst A, Mackenbach J. The effects of ill health on entering and maintaining paid employment: evidence in European Countries. J Epidemiol Community Health 2007; 61(7):597-604. verificaram que a saúde foi fator determinante na saída do mercado de trabalho, contribuindo para os indivíduos tornarem-se economicamente inativos.

Outra articulação passível de análise é a relação entre saúde durante a infância e características sociais durante a vida adulta. Estudos mostram que uma má saúde durante a infância está associada a piores condições sociais quando adultos1414. Haas SA. Health selection and the process of social stratification: the effect of childhood health on socioeconomic attainment. J Health Soc Behav 2006; 47(4):339-354.,2121. Power C, Fogelman K, Fox AJ. Health and social mobility during the early years of life. Quarterly Journal of Social Affairs 1986; 2(4):397-413.. Wadsworth2222. Wadsworth MEJ. Serious Illness in Childhood and Its Association with Later-Life Achievement. In: Wilkinson RG, organizador. Class and Health: Research and Longitudinal Data. Londres: Tavistock; 1986. p. 50-74 ao inferir sobre a possibilidade da saúde em determinar a classe social alcançada na fase adulta e o nível educacional, concluiu que doenças severas presentes até os 10 anos de idade estavam significativamente associadas a uma mobilidade social descendente, mesmo após o controle pela classe social de origem.

Ainda que o estado de saúde dos indivíduos relacione-se estreitamente com as condições sociais e que existam evidências de uma seleção pela saúde para o alcance de melhores posições sociais, os estudos concernentes a essa questão mostram-se ainda pouco explorados. A análise de trabalhos que se referem à questão das características de nível individual que estão relacionadas à posição social alcançada por um indivíduo revelou que, de uma maneira geral, privilegiam a mobilidade com relação ao nível educacional, ao gênero e à raça. Dessa forma, um grande esforço tem se configurado a fim de captar melhor as associações existentes entre a saúde, como uma variável independente, e os aspectos sociais dos indivíduos, como variável dependente.

Frente ao exposto, objetiva-se neste trabalho conhecer a magnitude e a direção das associações simultâneas existentes entre condições sociodemográficas, de saúde e de qualidade de vida e as chances de mobilidade social intergeracional em uma amostra representativa da população brasileira. O fato de lidarmos com um survey transversal, no qual as variáveis de exposição e de desfecho foram mensuradas em um mesmo momento, impede que seja possível determinar a direção da relação de causalidade entre as variáveis. Dessa forma, salienta-se que o estudo busca avaliar a associação entre as variáveis de interesse, ou seja, deseja-se modelar a probabilidade de um evento (mobilidade social intergeracional) em função de um conjunto de variáveis explicativas (características sociodemográficas, de saúde e de qualidade de vida).

Metodologia

Fonte de Dados

Os dados do estudo são oriundos da Pesquisa Dimensões Sociais das Desigualdades - PDSD, estudo analítico transversal de dados, realizado no Brasil em 2008 com o objetivo de produzir informações atualizadas sobre as diversas dimensões das desigualdades sociais e compreender o mecanismo de produção e reprodução da desigualdade ao longo do ciclo de vida. O inquérito domiciliar de base populacional entrevistou 12.423 chefes de famílias e cônjuges com idade superior a 20 anos e residentes em 8.048 domicílios particulares permanentes em setores comuns ou não especiais (inclusive favelas) de todas as regiões do Brasil, em áreas urbanas e rurais. No instrumento utilizado na PDSD havia perguntas acerca de educação, saúde, trabalho, moradia, discriminação, percepção de justiça entre outras2323. Laguardia J, Campos MR, Travassos CM, Najar AL, Anjos LA, Vasconcellos MM. Psychometric evaluation of the SF-36 (2) questionnaire in a probability sample of Brazilian households: results of the survey Pesquisa Dimensões Sociais das Desigualdades (PDSD), Brazil, 2008. Health Qual Life Outcomes 2011; 9:61..

Variável de desfecho: mobilidade social intergeracional

Em estudos de mobilidade e trajetória social alguns impasses metodológicos são observados, principalmente no que diz respeito à definição de classe ou estrato social2424. Ribeiro CAC. Estrutura de Classes, Condições de vida e Oportunidades de Mobilidade Social. In Silva NV, Hasenbalg C, organizadores. Origens e Destinos: Desigualdades Sociais ao Longo da vida. Rio de Janeiro: Topbooks; 2003.. Nesta pesquisa, em concordância com a longa tradição sociológica, a posição social dos sujeitos foi determinada frente às características ocupacionais observadas. Pastore25 explica que a ocupação tem especial destaque entre os critérios atribuídos e que se coloca como um poderoso indicador do posicionamento do indivíduo no espaço social.

Para a definição dos estratos ocupacionais foi utilizada a Escala de status socioeconômico das ocupações - ISEI (International socioeconomic index of occupational status), desenvolvida por Ganzeboom et al.2626. Ganzeboom HBG, De Graaf P, Treiman DJ. A standart international socio-economic index of occupational status. Social Science Research 1992; 21(1):1-56. a partir dos códigos ocupacionais da International Standard Classification of Occupations - ISCO 88. Trata-se de uma escala criada através de uma ponderação das características socioeconômicas - em geral, educação e renda - das pessoas inseridas em uma determinada ocupação. Tal classificação permite a análise de trajetória para determinar o peso das características sociais e dos fatores de estratificação no processo de obtenção de status.

Dessa forma, uma vez que se buscou descrever a trajetória de mobilidade social intergeracional dos indivíduos, comparando a posição social atual com a situação paterna, foi necessário produzir informações comuns aos pontos temporais de referência. Assim, para aplicar o ISEI à realidade brasileira, foi necessário converter os códigos das ocupações da CBO 2002 (Classificação Brasileira de Ocupações, 2002), referentes à ocupação atual do entrevistado e à ocupação paterna quando o entrevistado tinha 15 anos de idade, para a classificação do ISCO 88 e, posteriormente, para a escala de Ganzeboom2626. Ganzeboom HBG, De Graaf P, Treiman DJ. A standart international socio-economic index of occupational status. Social Science Research 1992; 21(1):1-56., dando origem a onze classes sociais (Quadro 1). Dessa forma, por se tratar de uma análise de dados cruzados, houve perda da amostra onde na informação ocupacional faltava um desses pontos de referência temporal.

Quadro 1
Esquema de classes de Ganzeboom, Grupos Hierárquicos e Exemplos de Ocupações.

Por fim, esses onze estratos foram reagrupados segundo sugestão de Ribeiro24 a fim de melhor captar a hierarquia existente entre os grupos ocupacionais. Apesar do agrupamento indicado pelo autor não ter sido aplicado à escala de Ganze boom2626. Ganzeboom HBG, De Graaf P, Treiman DJ. A standart international socio-economic index of occupational status. Social Science Research 1992; 21(1):1-56. e sim ao esquema CASMIN, os grupos foram pareados levando-se em consideração as relações de emprego dentro de cada classe. No novo agrupamento a classe I deu origem ao Grupo hierárquico 1; as classes II, IIIa e IIIb formam o Grupo 2; IVa e V formam o Grupo 3; O Grupo 4 é formado pelas classes IVb, IVc e VI; Por fim as classes VIIa e VIIb compõem o Grupo 5 (Quadro 1).

A definição de tais grupos possibilitou a caracterização das situações de trabalho e forneceu subsídios para a análise da mobilidade intergeracional uma vez que foi possível fazer as devidas comparações entre origem e destino ocupacional e, assim, caracterizar os movimentos em ascendente, descendente e estacionário. Para fim das análises estatísticas, entretanto, o desfecho de mobilidade - antes marcado pelos três possíveis movimentos na escala social - foi transformado em variável binária (Mobilidade Social Intergeracional Ascendente (MSIA) - Sim/Não). A criação de tal variável dependente se deu através da agregação dos movimentos Descendente e Estacionários a fim de descrever aqueles que não sofreram mobilidade ascendente.

É preciso ressaltar que a classificação ocupacional utilizada abrangeu somente aqueles que na entrevista mostraram-se economicamente ativos, ou seja, que se encontravam inseridos no mercado de trabalho. Dessa forma, desempregados, aposentados, donas de casa, bem como aqueles que não apresentaram informação referente à ocupação não foram contemplados na análise. Todos os indivíduos enquadrados em qualquer uma dessas situações foram, no banco de dados original, categorizados como missing, impedindo uma análise estratificada dos casos.

Fatores associados: características sociodemográficas, condições de saúde e qualidade de vida

As variáveis sociodemográficas selecionadas para o estudo como possíveis explicadoras da MSIA foram: sexo (masculino ou feminino); idade categorizada por faixa etária (até 39 anos; de 40 a 49 anos; 50 a 64 anos e 65 anos de idade ou mais); raça/cor da pele autodeclarada (branca; parda e preta); e, escolaridade registrada em anos de estudos completos (0; 1 - 4 anos; 5 - 8 anos; >12 anos).

As variáveis escolhidas para representar as condições de saúde foram: número de morbidades (0; 1; 2; >3); obesidade (Índice de Massa Corpórea - IMC >30 - sim ou não); tabagismo (sim ou não); uso de bebida alcoólica frequentemente (uma dose ou mais por semana - sim ou não); autoavaliação de saúde (categorizada com base naqueles que avaliaram a saúde como ruim ou muito ruim - sim ou não).

A qualidade de vida foi mensurada através do questionário Short Form-36 survey (SF-36), 2, tipo standard, onde as perguntas foram relativas às últimas quatro semanas prévias à entrevista. O SF-36 é composto por 36 itens ou questões que avaliam oito domínios de saúde: Capacidade Funcional - PF; Aspectos Físicos - RP; Dor Corporal - BF; Estado Geral de Saúde - GH; Vitalidade - VT; Aspectos Sociais - SF; Aspectos Emocionais - RE e Saúde Metal - MH. Estes domínios, por sua vez, foram analisados também de forma agregada, através de duas medidas sumárias: Componente Físico - PCS e Componente Mental - MCS. Os domínios e as medidas sumárias foram pontuados em uma escala de 0 a 100 - sendo 100 o melhor estado de saúde possível - e normalizados nos valores médios de 50 e desvio padrão 10.

Análise dos Dados

Primeiramente foi realizada uma análise bivariada a fim de verificar a associação de cada variável independente com a ocorrência da MSIA através de teste qui-quadrado (χ²) para as variáveis categóricas e teste de hipóteses para diferenças entre médias (t de Student) para variáveis de exposição numéricas. No caso das variáveis binárias, foi calculada ainda a razão dos produtos cruzados (Odds Ratio - OR) e seus respectivos intervalos de confiança (IC) de 95%. Foram consideradas significativas as variáveis que apresentaram p-valor inferior a 0,05.

Em seguida, procedeu-se uma abordagem multivariada através do modelo de regressão logística para verificar o conjunto de variáveis que melhor explicaria a ocorrência da MSIA entre os brasileiros. O método de seleção utilizado foi o Stepwise e foram incluídas no modelo as variáveis com p < 0.20 e após as interações foram eliminadas aquelas com p > 0.10, determinando-se, então, os coeficientes de regressão logística, as razões de chances e seus IC a 95%, bem como as probabilidades preditas para o desfecho segundo as variáveis significativas no modelo final. O ponto de corte da proporção de desfechos adotado foi 0.36 (proporção total de MSIA). A proporção de classificação correta entre os positivos e entre os negativos para o desfecho e a proporção de classificação total, foram também determinados. Os dados foram analisados por meio do software SPSS for Windows, versão 17.0 (SPSS - Statistical Package for the Social Sciences. Inc., Chicago, Estados Unidos).

A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca e sua realização foi considerada adequada à população humana.

Resultados

Entre os participantes, 5255 (42,3%) eram homens e quase metade dos respondentes apresentou idade entre 40 e 64 anos (49,4%). Em relação aos anos de estudo, 16,5% dos respondentes foram classificados como analfabetos, quase o dobro daqueles que estudaram por 12 anos ou mais. A maior parte dos entrevistados estudou de 1 a 4 anos (31,1%). Viu-se pelo menos uma doença crônica em 63,3% dos entrevistados. No que tange ao hábito de fumar, mais da metade relatou nunca tê-lo feito (55,7%)2323. Laguardia J, Campos MR, Travassos CM, Najar AL, Anjos LA, Vasconcellos MM. Psychometric evaluation of the SF-36 (2) questionnaire in a probability sample of Brazilian households: results of the survey Pesquisa Dimensões Sociais das Desigualdades (PDSD), Brazil, 2008. Health Qual Life Outcomes 2011; 9:61..

Em relação ao grupo ocupacional, percebe-se que mais da metade dos entrevistados (55%) encontra-se posicionado na base da hierarquia, representada pelos Grupos 4 e 5. Somente 7,7% dos brasileiros foram classificados como pertencentes a mais alta posição social (Grupo 1) em 2008. Dados mais detalhados concernentes à classificação ocupacional e à mobilidade social dos entrevistados podem ser vistos em trabalho anterior2727. Flor LS. Mobilidade Social e Saúde: uma análise do survey "Pesquisa Dimensões Sociais das Desigualdades (PDSD)", Brasil, 2008 [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública; 2012..

A análise bivariada mostrou que as mulheres (p-valor = 0,000) e os jovens (p-valor = 0,022) apresentaram maiores chances de terem ascendido socialmente. Enquanto 40% das mulheres ascenderam nos grupos ocupacionais quando comparadas ao grupo ocupacional paterno, 33% dos homens seguiram o mesmo caminho. No que diz respeito à escolaridade, a ascensão foi maior à medida que se alcançou maior nível educacional (p-valor = 0,000). Enquanto apenas 20% dos analfabetos sofreram ascensão, mais da metade (52%) dos que estudaram por 12 anos ou mais, alcançaram melhores posições sociais que seus pais (Tabela 1).

Tabela 1
Associação entre variáveis sociodemográficas e de saúde e MSIA na PDSD. Brasil, 2008.

Aqueles que fumam ou já fumaram ascenderam menos do que aqueles que nunca fizeram uso do cigarro (p-valor = 0,000). Da mesma forma, os entrevistados que avaliaram sua saúde como ruim ou péssima apresentaram quase duas vezes menos chances de ascenderem socialmente. As variáveis Raça/Cor, Número de Morbidades, Obesidade e Bebe Frequentemente não apresentaram significância estatística (p-valor > 0,05) no tocante à diferença de chances de ascensão ocupacional intergeracional.

Para a variável Qualidade de Vida foi calculada a diferença de médias para as medidas sumárias (PCS e MCS) e para os domínios do SF-36 em relação ao desfecho pretendido (Tabela 2). O PCS apresentou maior escore médio para aqueles que ascenderam socialmente (p-valor = 0,002). A Capacidade Funcional - PF, Estado Geral de Saúde - GH e Vitalidade - VT foram os domínios que apresentaram diferenças de média significativas entre os que ascenderam e os que não ascenderam. Os demais domínios não apresentaram significância estatística.

Tabela 2
Associação entre Qualidade de Vida e Mobilidade Social Ascendente Intergeracional na PDSD. Brasil, 2008.

As variáveis significativas no modelo bivariado (Sexo; Idade; Escolaridade; Autoavaliação de saúde; Hábito de fumar; Componente físico - PCS; Capacidade funcional - PF; Estado geral de saúde - GH e Vitalidade - VT) foram incluídas no modelo de regressão logística. Foi detectada associação significativa entre MSIA e o sexo, a idade, a escolaridade, a autoavaliação de saúde, o componente físico - PCS e a Vitalidade - VT mesmo controlando-se pelas demais variáveis. Mulheres, indivíduos mais jovens, com mais anos de estudo, que não avaliaram sua saúde como ruim ou muito ruim e apresentaram melhor pontuação de QV física tiveram maiores chances de terem ascendido socialmente quando comparados à posição de seus pais (Tabela 3).

Tabela 3
Resultados do modelo de regressão Logística multivariada (stepwise) para o desfecho Mobilidade Social Intergeracional Ascendente na PDSD. Brasil, 2008.

Percebe-se na Figure 1 que a probabilidade de ascender de nível ocupacional aumenta com o ganho de escolaridade para homens e mulheres. Entretanto, mulheres apresentam maiores chances de terem ascendido em todas as categorias de escolaridade. Há um ganho de 1,5 chances à medida que se avança nas categorias de anos estudados.

Figura 1
Probabilidade predita de Mobilidade Social Ascendente Intergeracional por escolaridade, sexo, idade, auto avaliação de saúde e componente físico do SF-36 (PCS) na PDSD. Brasil, 2008.

Observa-se ainda que aqueles que não avaliam a própria saúde como ruim ou muito ruim apresentam maiores chances de terem ascendido em todas as categorias de anos estudados. Ou seja, a autoavaliação do estado de saúde mostrou-se importante fator de explicação, mesmo controlado pelo determinante preditor anos de estudo. Assim, tem-se que aqueles que não avaliam sua saúde como ruim ou péssima e têm 12 ou mais anos de estudo, apresentam cerca de três vezes mais chances de ascender que os que se avaliam dessa maneira e são analfabetos.

Acerca do comportamento da variável idade, verifica-se que a chance de ascensão diminui à medida que a idade avança. Enquanto indivíduos até 39 anos têm cerca de 37% de chance de terem ascendido em relação a seus pais, para aqueles com idade igual ou superior a 65 anos essa chance cai para aproximadamente 30%.

Por fim, mesmo controlado por outras variáveis, o PCS mostrou-se preditor das chances de mobilidade ascendente. As chances de ascensão crescem à medida que se aumenta o escore desse domínio. Dessa forma, é possível verificar que há um efeito da saúde física sobre as chances MSIA.

Discussão

Em estudos que buscam avaliar possíveis preditores de uma jornada social ascendente, a escolaridade acaba, quase sempre, assumindo posição de destaque. Estudos anteriores já apontavam para uma associação significativa entre educação e realização ocupacional2525. Pastore J. Desigualdade e mobilidade social no Brasil. São Paulo: T.A. Queiroz, EDUSP; 1979.,2828. Souza PF, Ribeiro CAC, Carvalhaes F. Desigualdade de oportunidades no Brasil: considerações sobre classe, educação e raça. Revista brasileira de Ciências Sociais 2010; 25(73):77-100.. Souza et al.2828. Souza PF, Ribeiro CAC, Carvalhaes F. Desigualdade de oportunidades no Brasil: considerações sobre classe, educação e raça. Revista brasileira de Ciências Sociais 2010; 25(73):77-100., ao analisar acerca da relação entre classe, educação e raça utilizando modelos estatísticos, concluiu que a educação é o principal determinante da mobilidade ascendente. Cabe salientar, entretanto, que o Brasil ainda apresenta um cenário preocupante marcado pelo baixo nível educacional da população, conforme observado no estudo PDSD, no qual mais da metade dos entrevistados completaram no máximo o ensino primário. Apesar de estar em consonância com estudos da área de mobilidade social, o efeito da educação pode estar, em alguma parte, sendo explicado pelo fato dessa variável ter sido incorporada nas primeiras etapas de definição dos estratos sociais.

Enquanto em outros estudos não foi verificada diferenças de gêneros nas chances de mobilidade social, neste trabalho nota-se que há um comportamento distinto da condição "sexo feminino" sobre as chances de MSIA, mesmo quando controlada por outras variáveis2828. Souza PF, Ribeiro CAC, Carvalhaes F. Desigualdade de oportunidades no Brasil: considerações sobre classe, educação e raça. Revista brasileira de Ciências Sociais 2010; 25(73):77-100.,2929. Scalon MC. Mobilidade social no Brasil: padrões e tendências. Rio de Janeiro: Revan; 1999.. Apesar de mulheres apresentarem condições desfavoráveis no mercado de trabalho frente aos homens, elas tiveram maiores chances de ascender em relação a seus pais do que os homens3030. Hoffmann R, Leone ET. Participação da mulher no mercado de trabalho e desigualdade de renda domiciliar per capita no Brasil: 1981-2002. Nova Economia 2004; 14(2):35-58.. Isso pode ser explicado, bem provavelmente, pelas profundas mudanças econômicas ocorridas no país. A partir da década de 1970, intensificou-se a participação das mulheres na atividade econômica em um contexto de expansão da economia advindo do acelerado processo de industrialização e urbanização. Assim, a grande proporção de mulheres que passou a formar a população economicamente ativa, contribuiu para as elevadas taxas de MSIA desse grupo.

No que diz respeito à idade, Pastore2525. Pastore J. Desigualdade e mobilidade social no Brasil. São Paulo: T.A. Queiroz, EDUSP; 1979. já colocava que a mobilidade social em qualquer país tende a estar bastante associada a essa questão, pois essa variável reflete tanto características individuais quanto transições econômicas e sociais do país. Os resultados aqui apresentados apontaram para uma queda nas chances de MSIA com o passar da idade. Ao que parece, as oportunidades ocupacionais têm se expandido mais para os mais jovens, no passado recente, beneficiados pelo desenvolvimento econômico da última década que levou à abertura de novas oportunidades ocupacionais.

No que tange ao efeito da saúde nas posições e transições sociais, os resultados encontrados em outros estudos diferem quanto à metodologia utilizada e à medida de posição socioeconômica e de saúde. Enquanto grande parte dos estudos revela que a saúde apresenta papel secundário na determinação das trajetórias sociais, outros pesquisadores defendem que a saúde atua como determinante em várias condições. Aqui, a saúde física influenciou diretamente as chances de MSIA. Estudos que observaram o poder determinante da saúde também destacaram, em sua maioria, a saúde física.

Bartley e Plewis3131. Bartley M, Plewis I. Does health Selective Mobility Account for Socioeconomic Differences in Health? Evidence from England and Wales, 1971. J Health Soc Behav 1997; 38(4):376-386. perceberam que aqueles indivíduos que experimentaram mobilidade social descendente reportaram maior número de alguma morbidade crônica quando comparados com aqueles que ascenderam socialmente. Em outra pesquisa, os autores chegaram a conclusões semelhantes, na qual a relação entre a saúde aos 16 anos e mobilidade intergeracional mostrou-se estatisticamente significativa1919. Manor O, Mattews S, Power C. Health Selection: the role of inter and intra generational mobility on social inequalities in health. Soc Sci Med 2003; 57(11): 2217-2227..

Berney et al.3232. Berney L, Blane D, Smith GD, Gunnell DJ, Holland P, Montgomery SM. Socioeconomic measures in early old age as indicators of previous lifetime exposure to environmental health hazards. Sociology of Health and Illness 2000; 22(4):415-430. ao analisar a relação entre desvantagens sociais em idosos e o tempo de exposição durante a juventude à fatores de risco para a saúde, dentre os quais o hábito de fumar e má nutrição, concluiu que esses fatores, analisados em conjunto, apresentaram forte associação com desfechos sociais negativos, ou seja, quanto maior o tempo de exposição às variáveis estudadas, menor a posição social alcançada numa fase mais tardia da vida. Ki1313. Ki M. Health Selection and Health Inequalities [tese]. Londres: University College London; 2009., ao analisar 25 possíveis transições sociais, envolvendo cinco estratos, concluiu que, no geral, as transições descendentes foram influenciadas por baixa escolaridade, piores condições de saúde e idade avançada. Entretanto, o efeito dessas variáveis apresentou pesos distintos ao se considerar a classe de origem e o destino.

Apesar dos achados, Elstad1111. Elstad JI. Health and Status Attainment: Effects of health on occupational achievement among employed norwegian men. Acta Sociologica 2004; 47(2): 127-140., assim como outros autores, defende que o efeito da saúde na mobilidade social é maior quando considerado o limite de entrada e saída do mercado de trabalho. Van de Mheen et al.3333. Van de Mheen H, Stronks K, Schrijvers CTM, Mackenbach JP. The influence of adult ill health on occupational class mobility and mobility out of and into employment in the Netherlands. Soc Sci Med 1999; 49(4):509-518., Cardano et al.2020. Cardano M, Costa G, Demaria M. Social mobility and health in the Turin longitudinal study. Soc Sci Med 2004; 58(8):1563-1574. e Ki1313. Ki M. Health Selection and Health Inequalities [tese]. Londres: University College London; 2009. incluíram indivíduos à margem do mercado em seus estudos e concluíram que a saúde coloca-se como um fator de risco na trajetória ocupacional daqueles que, por algum outro motivo, ocupam uma posição marginalizada no mercado.

Ao examinar uma amostra da população alemã entre os anos de 1991 e 1995, Van de Mheen et al.3333. Van de Mheen H, Stronks K, Schrijvers CTM, Mackenbach JP. The influence of adult ill health on occupational class mobility and mobility out of and into employment in the Netherlands. Soc Sci Med 1999; 49(4):509-518. não encontraram associação entre autoavaliação de saúde e subsequente mobilidade social entre aqueles economicamente ativos. Entretanto, uma forte correlação foi encontrada entre autoavaliação de saúde e subsequente transição para dentro ou fora do mercado de trabalho. Schuring et al.1010. Schuring M, Burdorf L, Kunst A, Mackenbach J. The effects of ill health on entering and maintaining paid employment: evidence in European Countries. J Epidemiol Community Health 2007; 61(7):597-604. verificaram que na maior parte dos países europeus, a falta de saúde levou a um aumento no risco de experimentar cada uma das transições para fora do mercado - desemprego, aposentadoria e, para as mulheres, tornar-se responsável pelo lar.

Jusot et al.1212. Jusot F, Khlat M, Rochereau T, Sermet C. Job loss from poor health, smoking and obesity: a national prospective survey in France. J Epidemiol Community Health 2008; 62(4):332-337., em um estudo longitudinal, buscaram avaliar a relação da autoavaliação de saúde, obesidade e tabagismo com a perda de emprego. Ao ajustar os resultados pela avaliação de saúde, a obesidade mostrou-se um precursor significativo de desemprego entre as mulheres, e o tabagismo cumpriu o mesmo papel entre os homens. Ajustando pela obesidade e pelo tabagismo, uma baixa condição de saúde mostrou efeito negativo em manter-se no mercado de trabalho em ambos os sexos.

Esse efeito social da saúde é ainda mais expressivo nas classes formadas por trabalhadores manuais, pois suas atividades são menos propícias a acomodar aqueles menos aptos fisicamente. Holland et al.3434. Holland P, Burstrom B, Moller I, Whitehead M. Gender and socio-economic variations in employment among patients with a diagnosed musculoskeletal disorder: a longitudinal record linkage study in Sweden. Rheumatology 2006; 45(8):1016-1022., ao avaliar o impacto de acometimentos musculo-esqueléticos na empregabilidade de homens e mulheres na Suécia, coloca que não resta outra saída, além de deixar o emprego, para aqueles que não conseguem acompanhar a demanda física desse tipo de trabalho. Dahl88. Dahl E. Social mobility and health: cause or effect? BMI 1996; 313(7055):435-436. já havia chamado a atenção para essas possíveis diferenças. Desse modo, aqueles que apresentam uma saúde deficiente são ainda mais forçados a se tornarem economicamente inativos do que aqueles oriundos de outros estratos.

No presente trabalho, os processos de mobilidade social intergeracional firmaram-se como eventos multideterminados, tendo sido indentificados alguns de seus condicionantes. A escolaridade adquirida mostrou-se fortemente associada ao preenchimento de posições na hierarquia ocupacional, ainda que existam limitações metodológicas relativas a essa variável educacional, bem como o fato de ser do sexo feminino, ser jovem e ter boa saúde física. No que diz respeito ao efeito da saúde, contudo, este parece ser ainda mais expressivo quando são consideradas as transições para dentro ou fora do mercado de trabalho. Uma saúde deficiente impulsiona os trabalhadores para fora do mercado e aqueles já excluídos encontram dificuldades em retornar. Elstad1111. Elstad JI. Health and Status Attainment: Effects of health on occupational achievement among employed norwegian men. Acta Sociologica 2004; 47(2): 127-140. explica que o poder determinante da saúde é na verdade bastante expressivo, porém, pouco captado pela maioria dos estudos. O que acontece, segundo ele, é que as condições de saúde são muito piores entre todos aqueles que se encontram fora do mercado de trabalho e, dessa maneira, os que conseguem permanecer apresentam saúde pouco variante, sendo insuficiente para alterar de forma consistente as transições ocupacionais. Nesse contexto, apesar de observada a influência da saúde física nas transições ocupacionais, ao deixar de fora os desempregados, aposentados e afastados do trabalho, não foi possível conhecer os efeitos da saúde na entrada e saída do mercado, sendo esta uma limitação do estudo desenvolvido. Conclui-se que talvez seja apropriado considerar os desempregados, os aposentados e as trabalhadoras do lar como uma categoria dentro da hierarquia ocupacional.

Apesar de o estudo estar inserido num esquema que contempla o ciclo de vida, a ausência de variáveis específicas não permitiu determinar o tempo de exposição às condições adversas de saúde nem mesmo a intensidade desses acometimentos. Dessa forma, ainda que este estudo mostre que a saúde apresenta alguma associação com a mobilidade social, a realização outros que consigam captar a temporalidade dos acontecimentos poderá levar à melhor compreensão desse efeito de um acúmulo de desvantagens em saúde que se reverte em desfechos sociais negativos e a uma maior clareza no que diz respeito à direção causal existente entre as variáveis estudadas.

Colaboradores

LS Flor, J Laguardia e MR Campos participaram igualmente de todas as etapas de elaboração do artigo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    17 Mar 2013
  • Revisado
    15 Abr 2013
  • Aceito
    16 Abr 2013
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