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Municipalização da saúde no Brasil: diferenças regionais, poder do voto e estratégias de governo

The municipalization of health care policies in Brazil: regional differences, the voting power and government strategies

Resumos

Este artigo examina a extensão e os determinantes do processo de municipalização da política de saúde no Brasil, com base na análise estatística de dados para 1.643 municípios localizados em diferentes regiões brasileiras. Inicialmente, analisa o alcance de duas dimensões do projeto de municipalização da saúde: a oferta municipal de serviços de atenção básica e a municipalização da gestão da rede hospitalar local. Em seguida, discute o impacto de distintas variáveis na decisão municipal em favor da municipalização: porte e localização do município, suas capacidades fiscais, as preferências do eleitorado local, a competição eleitoral, o contexto local para a tomada de decisão, bem como o impacto local da estratégia federal de descentralização.

Política de saúde; Municipalização; Condições locais


This article examines the extension and the determinants of the municipalization of health public policies in Brazil, using the results of a statistical analysis of data from 1,643 municipalities located in different Brazilian regions. We start by analyzing the importance of two dimensions of the process of decentralization of health public policies in recent Brazil: the municipal offer of basic health care services, and the municipalization of the regulatory power over local hospital facilities. Then, we discuss the impact of several variables on the increase of the municipal role in health public policies: size and location of the municipality, its financial capacity, the political preferences of the local constituencies, the level of electoral competition and the political context of the local decision making process, as well as the impact of the federal strategies of decentralization on local policies.

Health policy; Municipalization; Local conditions


ARTIGO ARTICLE Marta Arretche 1
Eduardo Marques 2

Municipalização da saúde no Brasil: diferenças regionais, poder do voto e estratégias de governo

The municipalization of health care policies in Brazil: regional differences, the voting power and government strategies

1 Departamento de Antropologia Política e Filosofia/Unesp, Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Rodovia Araraquara- Jaú, s/no 14800-901 Araraquara SP.

arretche@uol.com.br

2 Departamento de Ciências Políticas da Usp e Centro Brasileiro de Análises e Planejamento (Cebrap).

Abstract This article examines the extension and the determinants of the municipalization of health public policies in Brazil, using the results of a statistical analysis of data from 1,643 municipalities located in different Brazilian regions. We start by analyzing the importance of two dimensions of the process of decentralization of health public policies in recent Brazil: the municipal offer of basic health care services, and the municipalization of the regulatory power over local hospital facilities. Then, we discuss the impact of several variables on the increase of the municipal role in health public policies: size and location of the municipality, its financial capacity, the political preferences of the local constituencies, the level of electoral competition and the political context of the local decision making process, as well as the impact of the federal strategies of decentralization on local policies.

Key words Health policy, Municipalization, Local conditions

Resumo Este artigo examina a extensão e os determinantes do processo de municipalização da política de saúde no Brasil, com base na análise estatística de dados para 1.643 municípios localizados em diferentes regiões brasileiras. Inicialmente, analisa o alcance de duas dimensões do projeto de municipalização da saúde: a oferta municipal de serviços de atenção básica e a municipalização da gestão da rede hospitalar local. Em seguida, discute o impacto de distintas variáveis na decisão municipal em favor da municipalização: porte e localização do município, suas capacidades fiscais, as preferências do eleitorado local, a competição eleitoral, o contexto local para a tomada de decisão, bem como o impacto local da estratégia federal de descentralização.

Palavras-chave Política de saúde, Municipalização, Condições locais

Introdução

A ciência política tem analisado extensamente a influência ou o impacto das políticas (policies) e da política (politics) sobre os processos de formulação e implementação das reformas em sistemas nacionais de proteção social. As estratégias dos principais atores políticos e suas possibilidades de sucesso em contextos institucionais particulares, as políticas prévias e seu impacto sobre as percepções e os recursos de poder destes mesmos atores são enfatizados por autores que examinaram amplos processos de reforma de âmbito nacional.

A literatura sobre poder local, por sua vez, tem enfatizado a importância das arenas e dos arranjos políticos no plano local, bem como as estratégias de sobrevivência eleitoral, para o sucesso de iniciativas locais de inovação em políticas públicas.

Finalmente, o debate sobre a trajetória do processo de descentralização no Brasil atribui grande importância à herança da centralização e seu impacto sobre as capacidades administrativas dos governos locais, bem como à heterogeneidade dos municípios brasileiros.

Neste trabalho, discutimos o impacto dessas variáveis no processo de municipalização da política de saúde no Brasil. O modelo centralizado, cujas origens são anteriores aos anos 30, vem sendo substituído por um sistema no qual os municípios devem vir a assumir a gestão dos programas de saúde pública e de atenção básica à saúde, além de regular a rede hospitalar instalada no município.

Qual a real extensão dessa reforma? Pensamos que avaliar a extensão da presença das prefeituras municipais no desempenho efetivo dessas funções seria o caminho mais adequado para responder à pergunta. Entretanto, não podemos analisar a extensão da reforma se abstrairmos das condições concretas nas quais ela está se desenvolvendo. Assim, para melhor compreender o processo especificamos as condições político-institucionais e diversas dimensões do contexto local, isto é, as características dos municípios encarregados de assumir a política de saúde, de modo a analisar alguns dos principais fatores que têm influenciado o seu desenvolvimento. Para tal, examinamos em que medida variáveis de diversas ordens, ligadas às capacidades administrativas e financeiras dos governos locais, ao legado das políticas prévias, às novas regras do jogo e às dinâmicas política e eleitoral, têm impactado a produção de políticas públicas no plano local. A análise parte do pressuposto de que os sistemas locais de formulação e implementação de políticas não são necessariamente explicados pelas mesmas variáveis que explicam a trajetória dos sistemas nacionais.

Este trabalho apresenta os resultados preliminares de um estudo ainda em andamento.

O Estudo

Universo de análise

Nosso universo de análise incluiu a totalidade dos municípios localizados em cinco estados: dois da região Nordeste - Ceará e Bahia, um do Sudeste - São Paulo, um do Centro-Oeste - Goiás, e um da região Sul - o Rio Grande do Sul. A diversidade da amostra nos permitiu testar dois tipos de influências: 1) o possível impacto da heterogeneidade regional sobre a produção de políticas sociais de âmbito municipal; e 2) a importância da ação de executivos estaduais pautados por orientações diferentes no que diz respeito à municipalização da política de saúde.

Em cada estado, permaneceram na amostra apenas os municípios para os quais foi possível obter dados para todas as variáveis apresentadas na próxima seção deste artigo. No entanto, não foi possível obter informações sobre todas as variáveis para o mesmo ano. Como veremos, os indicadores adotados referem-se a anos diferentes: 1993 e 1994 (indicadores de capacidade fiscal); 1996 (dados populacionais); 1998 (indicadores relativos à municipalização da gestão da saúde); e 1989, 1994, 1996 e 1998 (dados eleitorais). A nosso juízo, esta disparidade temporal não compromete os resultados da análise. Nossa variável dependente, a municipalização da gestão da saúde, medida em dezembro de 1998, pode expressar a capacidade de gasto dos municípios, a qual julgamos tenha permanecido relativamente estável desde 1993 (quando a descentralização fiscal deliberada na Constituição de 1998 já havia sido inteiramente implantada). Os dados eleitorais (de 1989 a 1998) foram condensados de modo a permitir avaliar o comportamento do eleitorado municipal durante os dez anos anteriores à data de nossa variável dependente, período durante o qual julgamos que a competição eleitoral possa ter influenciado as decisões das elites políticas locais.

Quanto aos dados populacionais, a utilização de informações referentes a anos distintos introduziu o problema de como tratar os municípios emancipados no período entre 1989 e 1998. Neste caso, optamos por eliminar do universo os municípios que não apresentavam uma das informações utilizadas para construir as variáveis fiscais, o que na prática significou utilizar a lista de municípios de 1993 e recompor os demais nas áreas mínimas comparáveis por municípios para essa data. Para tal utilizamos a recomposição de áreas mínimas comparáveis construída pelo Nemesis, rede de pesquisas coordenada pelo Ipea/RJ e UFF. Esse procedimento nos obrigou a substituir as informações de alguns municípios pela média do estado para as variáveis eleitorais da eleição presidencial de 1989. Essa substituição não apresenta grande impacto, considerando a utilização que demos aos dados da eleição de 1989 (ver seção seguinte), e nos pareceu um erro menor a ser introduzido, quando comparado com a possibilidade de perder os municípios emancipados entre 1989 e 1993, necessária se usássemos a lista de municípios mínimos comparáveis de 1989. Além dos municípios eliminados pela ausência de informações sobre a sua população em 1996, retiramos do estudo todos os municípios para os quais não obtivemos informação para todas as variáveis de nosso estudo.

Para avaliar o impacto do porte do município sobre a capacidade municipal de gestão de políticas sociais, usamos a associação de duas variáveis - população do município e distância a um centro regional ou à capital do estado (a que fosse menor), tentando dar conta das duas principais dimensões estruturais - tamanho do município e posição na rede urbana.

Entretanto, para descrever o universo da pesquisa, classificamos os municípios em classes (Tabela 1). As duas primeiras classes dizem respeito às capitais de estado e aos municípios que fazem parte das regiões metropolitanas, independentemente do tamanho de suas populações. Consideramos que a localização dessas municipalidades na rede urbana lhes emprega grandes particularidades com relação aos serviços e políticas sociais. Levamos em conta tanto as regiões metropolitanas definidas - Porto Alegre, São Paulo, Fortaleza e Salvador - como a região metropolitana de Goiânia, não definida em lei, mas estruturada na prática como tal. A estas duas classes, acrescentamos outras quatro construídas a partir do porte populacional (cf. Contagem Populacional do IBGE em 1996). Os municípios com população inferior a 10.000 habitantes foram classificados como "vilas" e aqueles com população entre 10.000 e 20.000 foram considerados "muito pequenos". Quando a população em 1996 estava entre 20.000 e 100.000 habitantes, o município foi classificado como "pequeno" e, se a população estava entre 100.000 e 500.000, consideramos o município "médio". Uma sétima e última classe incluiu os municípios que, independentemente de seu porte populacional, apresentavam características de pólos regionais, articulando em torno de si parcelas da rede urbana e do território circundante.

Metodologia e variáveis consideradas

• Variáveis de saúde

Para cada município da amostra, levantamos dados referentes à gestão do sistema de saúde de maneira a analisar duas variáveis distintas: 1) a oferta municipal de serviços de saúde; e 2) a gestão da rede hospitalar instalada no município.

Foram levantados os dados abaixo, referentes a dezembro de 1998, obtidos no Datasus. Para dimensionar a oferta municipal de serviços de saúde, isto é, a participação dos prestadores municipais na produção global de serviços ambulatoriais do município, levantamos para cada município:

a) a proporção dos ambulatórios existentes de propriedade municipal, estadual e privada;

b) o número absoluto de ambulatórios municipais existentes;

c) a proporção dos atendimentos ambulatoriais prestados por unidades municipais, estaduais e privadas;

d) o número absoluto de atendimentos ambulatoriais municipais;

e) o número de atendimentos ambulatoriais municipais per capita (considerando a população municipal na Contagem Populacional de 1996 do IBGE).

Para dimensionar a extensão em que os municípios da amostra assumiram a função de gestores do sistema hospitalar instalado no município, levantamos as seguintes informações para cada município:

a) a proporção dos hospitais que se encontravam sob gestão municipal em relação ao total de hospitais existentes no município (o que só ocorre nos municípios que se encontram habilitados na Gestão Plena do Sistema Municipal, segundo a NOB/96);

b) o número absoluto de hospitais municipais;

c) a proporção de leitos sob gestão municipal em relação ao total de leitos existentes no município (o que só ocorre nos municípios que se encontram habilitados na Gestão Plena do Sistema Municipal, segundo a NOB/96);

d) o número absoluto de leitos sob gestão municipal;

e) o número de leitos sob gestão municipal per capita (considerando a população municipal na Contagem Populacional de 1996 do IBGE).

A tabela 2 apresenta os valores médios por estado de 10 das 14 variáveis.

Observe-se na tabela 2, na coluna "percentual de atendimento municipal", que em todos os estados de nossa amostra a participação dos prestadores municipais na oferta de serviços ambulatoriais é, de longe, superior à dos demais prestadores. Mesmo nos estados da Bahia e do Rio Grande do Sul, em que esta participação foi em 1998 pouco inferior a 50% do total de atendimentos realizados no estado, a municipalização da produção de serviços ambulatoriais é um dado inquestionável. E está diretamente associada à capacidade instalada em termos de equipamentos - ambulatórios municipais -, o que indica que a participação relativa dos prestadores municipais no conjunto dos atendimentos não tende a apresentar reversão.

Observe-se ainda que a média de atendimentos municipais por habitante é muito variável entre os estados: de algo em torno de 2,8% por habitante no Rio Grande do Sul e Bahia a algo em torno de 5% nos demais estados. Estes dados revelam que, embora os municípios já fossem isoladamente os maiores prestadores de atendimentos ambulatoriais em 1998, a capacidade de atendimento dos sistemas locais é muito variável entre distintos estados. Em média, a capacidade de atendimento da rede ambulatorial nos estados da Bahia e do Rio Grande do Sul é muito inferior à dos estados do Ceará, Goiás e São Paulo.

É importante destacar aqui que a capacidade de atendimento ambulatorial dos municípios do estado do Ceará é, em média, igual à dos municípios paulistas. Este dado é, em si mesmo, extremamente significativo, porque revela que o porte econômico dos municípios não é uma variável determinante da capacidade de atendimento dos sistemas municipais de saúde.

Desempenho muito distinto pode ser observado com relação à presença dos gestores municipais em sua habilitação para exercer o controle e a compra da rede hospitalar. Em termos globais, em nossa amostra, o percentual de hospitais sob gestão plena do sistema municipal, tal como previsto na NOB/96, não passa, no melhor dos casos, de 35,6%. Isto significa que, em todos os estados de nossa amostra, a maior parte dos hospitais e leitos hospitalares era em 1998 gerida pelas secretarias estaduais de saúde. No caso da Bahia e do Rio Grande do Sul, a secretaria estadual de saúde era responsável pelo controle, fiscalização e pagamento da quase totalidade da rede hospitalar instalada no estado.

Observe-se ainda na tabela 3 que o número de municípios habilitados para desempenhar as funções de gestores da rede hospitalar local era bastante reduzido, em termos absolutos e relativos. No caso da Bahia e Rio Grande do Sul, eram apenas 1,5 e 2,1 dos municípios destes estados. Mas, observe-se que estes mesmos percentuais nos estados do Ceará e São Paulo eram bem mais significativos - 16,1% e 25,0%, respectivamente. E, o que é ainda mais importante, nestes estados a capacidade de gestão do sistema hospitalar havia alcançado até os municípios pequenos e muito pequenos. Além disso, duas capitais - Porto Alegre e Goiânia - já geriam 100% dos hospitais de sua rede. Também nas cidades-pólo e nas cidades de porte médio, as taxas de habilitação municipal eram significativamente mais elevadas que as dos demais tipos de municípios. Portanto, embora a capacidade de gestão da rede hospitalar estivesse, em 1998, em estágio bem menos avançado quando comparada à capacidade de provisão de serviços de atenção básica, em alguns tipos de municípios - de capitais e cidades de maior desenvolvimento econômico- este tipo de função de gestão do sistema de saúde encontrava-se em estágio mais avançado.

A variação destes dados entre os municípios indicou a existência de redundância. Por exemplo, as proporções de hospitais e leitos mostraram-se altamente correlacionadas entre si, isto é, variam conjuntamente em razão direta. O mesmo fenômeno tende a ocorrer na relação entre a presença de ambulatórios municipais e o percentual de atendimentos ambulatoriais municipais. Isto é, comparados os municípios entre si, o percentual de atendimentos ambulatoriais varia na razão direta da variação do percentual de ambulatórios instalados. Para melhor compreender o desempenho de nossos 1.643 municípios, submetemos então as 14 informações a uma escala (análise fatorial), de maneira a eliminar a superposição de informações e construir uma ou mais variáveis dependentes a analisar.

O resultado foram quatro fatores, com autovalores superiores a 1. Esses foram construídos a partir de um procedimento de componentes principais e explicam 80,6% da variância das variáveis originais. Os valores obtidos foram transformados de forma a construir escalas de 0 a 1.

A tabela 4 apresenta fatores, variáveis e seus coeficientes de correlação (solução rotada). Quando uma célula comum a um fator e uma variável apresenta valor próximo a 1, a variável é representada pelo fator, o qual varia proporcionalmente à variável. Por outro lado, quando o valor é próximo a menos 1, o fator representa a variável, mas a relação é inversa. Quando o valor é próximo de zero (positivo ou negativo), o fator não representa a variabilidade da variável original. Uma análise deste tipo é consistente quando o procedimento estatístico une em um mesmo fator variáveis conceitualmente relacionadas. Como vemos, este é o caso de nossos dados de saúde.

Esta matriz de fatores pode ser interpretada do seguinte modo:

1) o primeiro fator está relacionado à existência de serviços municipais na área de saúde em termos absolutos e está bastante correlacionado com a dimensão populacional do município. Assim, ele expressa o seguinte fato: quanto maior a população de um município, maior é a quantidade absoluta de equipamentos e serviços sob gestão municipal ali presentes, o que é óbvio, considerando-se que a municipalização de fato ocorreu. Além disso, este fator não nos permite distinguir, no âmbito de cada município, a oferta municipal de serviços de atenção básica e a gestão do sistema hospitalar, o que é um dos principais objetivos de nosso trabalho. Por estas razões, excluímos este fator de nossa análise;

2) o segundo fator expressa o percentual de leitos e hospitais que estão sob gestão municipal, quer estes sejam gerenciados pelo setor privado, pelo município, pelo governo estadual ou algum órgão federal. Este fator revela a extensão da autoridade municipal para regular a rede hospitalar instalada no município, embora não revele em que medida e "como" a autoridade municipal está efetivamente desempenhando sua autoridade regulatória.

O efetivo desempenho da autoridade regulatória significa planejar, avaliar, auditar, financiar, controlar e, principalmente, punir o mau provedor de serviços. Este fenômeno não pode ser captado pelos dados que coletamos. Nossos dados apenas revelam em que medida os municípios brasileiros estão institucionalmente habilitados a desempenhar tal função. Nestes termos, este fator é uma variável dependente importante, na medida em que nos permite medir a extensão em que esta autoridade regulatória foi transferida dos governos estadual e/ou federal para o nível municipal de governo. Neste estudo, chamaremos este fator de "índice da capacidade municipal de regulação do sistema hospitalar instalado no município", frisando que ele se refere à autoridade municipal para regular tais serviços e conscientes de que, na prática - dadas as regras de operação do Sistema Único de Saúde -, este índice revela apenas e tão somente qual é o nível de governo que detém a autoridade para a "compra" dos serviços hospitalares, o que não é, de modo algum, um dado irrelevante;

3) o terceiro fator expressa a participação do município na oferta direta de serviços de atenção básica, na medida em que condensa o percentual de ambulatórios e de serviços ambulatoriais que são diretamente gerenciados pelos prestadores municipais em comparação com a oferta global destes serviços por parte de todos os prestadores. Observe-se como este fator revela que a participação municipal é inversamente proporcional à estadual. Para nosso estudo, este fator é importante porque revela a extensão da "capacidade municipal de prestação de serviços básicos de saúde", que será a denominação deste índice neste texto;

4) o quarto fator indica municípios onde a presença do setor privado na prestação dos serviços é elevada e a presença municipal é reduzida. Embora importante, esta informação está fora de nossas preocupações neste trabalho.

Assim, para os objetivos deste estudo, interessam-nos apenas o segundo e o terceiro fatores, pois eles permitem que trabalhemos desagregadamente o comportamento dos municípios no tocante a dois elementos distintos do projeto de descentralização da saúde no Brasil: a oferta municipal de serviços de atenção básica e a autoridade para a "compra" de serviços hospitalares. No restante deste texto, eles serão tratados como "índice da capacidade municipal de prestação de serviços básicos de saúde" e "índice de capacidade municipal de regulação do sistema hospitalar instalado no município", as duas variáveis dependentes de nosso estudo.

O comportamento dos dois índices no universo de municípios pesquisado é bastante diferente. O índice de capacidade municipal de prestação de serviços básicos se localiza em patamar mais elevado na maior parte dos municípios, além de variar muito menos e apresentar uma distribuição altamente concentrada nos valores altos (média 0,79; desvio padrão 0,13 e skewdness 3,30). A capacidade de regulação apresenta índices bastante baixos na maior parte das municipalidades, varia muito em termos relativos e se concentra principalmente em valores baixos (média 0,12; desvio padrão 0,11 e skewdness 2,96).

Isto significa - o que já foi observado anteriormente - que nos municípios, de todos os estados de nossa amostra, a capacidade municipal de produzir serviços de atenção encontra-se em estágio bastante avançado; no entanto, a habilitação municipal para desempenhar o papel de gestor do sistema hospitalar local encontra-se em estágio ainda bastante embrionário. Assim, estas duas diferentes funções da municipalização da saúde vêm se desenvolvendo a velocidades muito diferentes nos municípios brasileiros.

No entanto, estes dados agregados para o conjunto dos municípios de cada estado escondem diferenças importantes entre tipos diferentes de municípios no interior de cada estado. Examinemos, então, o desempenho de cada uma das capacidades municipais, com os dados desagregados por tipo de município.

Lembremo-nos que estes índices devem ser lidos como se cada estado e os clusters de municípios estivessem classificados de 0 a 1, em que a nota "1" significaria o índice máximo possível de participação dos gestores municipais no conjunto de municípios de nossa amostra, compreendendo os dois índices, o que permite comparar o desempenho dos municípios como produtores de serviços ambulatoriais e como gestores do sistema hospitalar. Assim, o índice de cada estado, bem como o índice de cada cluster de municípios deve ser lido como representando uma posição relativa em relação aos demais.

Observe-se que o índice de atendimento municipal é menor nas capitais do que nos demais municípios, em todos os estados. Isto significa que, nas capitais, a participação relativa dos prestadores municipais na atenção básica à saúde é significativamente inferior à presença da prefeitura nos demais municípios do estado. Lembremo-nos que estes dados referem-se à posição relativa de prestadores de atendimentos ambulatoriais financiados pelo SUS. Isto significa que, nas capitais dos estados, outros tipos de prestadores - privados, públicos e não-lucrativos - têm uma participação relativamente importante nos atendimentos financiados com recursos públicos. Este fenômeno também ocorre nas cidades médias e pólo dos estados da Bahia e Ceará, isto é, ali a participação relativa dos prestadores municipais é menos importante do que nas demais cidades do estado. Em outras palavras, nas capitais e nas cidades médias de estados mais pobres, prestadores privados e estaduais (ver tabela 2) detêm uma parcela dos atendimentos ambulatoriais financiados pelo SUS, parcela esta que é significativamente superior à sua presença nas cidades de menor porte.

Os municípios das regiões metropolitanas apresentam sistematicamente índices de produção de serviços ambulatoriais mais elevados do que as capitais. Este dado revela que, nas cidades periféricas - em geral cidades-dormitório, onde reside população com renda média inferior à das capitais -, são as prefeituras municipais que prestam a maior parte dos atendimentos de atenção básica.

Os índices de atendimento nas cidades pequenas e muito pequenas - com população entre 10 mil e 100 mil habitantes -, que representam 54% de nossa amostra, são muito próximos aos das cidades de regiões metropolitanas. E, finalmente, apenas nos estados da Bahia e do Ceará, os estados mais pobres de nossa amostra, as vilas - municípios com população inferior a 10 mil habitantes - apresentam índices de atendimento significativamente inferiores aos das demais cidades do estado. Nos outros estados, as cidades muito pequenas apresentam índices de atendimento similares ou mesmo superiores aos das cidades de maior porte.

Em suma, embora já em 1998 os municípios fossem isoladamente os maiores prestadores de serviços ambulatoriais do sistema SUS, a municipalização do atendimento básico em saúde não se desenvolveu de modo homogêneo no interior de cada estado. Nas capitais e cidades médias dos estados mais pobres, prestadores privados e estaduais têm uma participação relativa mais importante dos que nos demais municípios de cada estado. Mas, nas cidades com população inferior a 100 mil habitantes, bem como nos municípios das regiões metropolitanas, o que totaliza 96% de nossa amostra, a participação relativa dos prestadores municipais é significativamente superior.

Finalmente, a participação relativa das prefeituras nos atendimentos varia muito entre os estados, sendo os estados da Bahia e do Rio Grande aqueles em que as prefeituras municipais apresentam sistematicamente uma menor participação relativa no conjunto dos atendimentos. Os municípios dos estados como o Ceará - o mais pobre de nossa amostra - e Goiás apresentam índices de atendimento similares, ou mesmo superiores, aos municípios paulistas.

O índice de "capacidade de regulação da rede hospitalar instalada no município" se distribui como descrito na tabela 6, em termos médios, segundo tipos de municípios e estados.

Em primeiro lugar, é interessante destacar que este índice apresenta patamares muito inferiores do que o anterior na totalidade dos municípios, já que os fatores foram escalados entre 0 e 1, de maneira que o teto e o piso dos dois índices fossem iguais. Os resultados confirmam nossa proposição inicial de que a capacidade municipal de prestação de serviços desenvolve-se de modo independente da capacidade municipal de gestão do sistema hospitalar. E, mais que isto, que a segunda se encontra em estágio muito menos avançado nos municípios de todo o país. Para o cálculo destes fatores, foram excluídos os municípios que têm zero hospitais, de modo a excluir da comparação aqueles que não teriam razão para desempenhar a função de gestão da rede hospitalar.

Em segundo lugar, mais uma vez, os índices médios dos estados do Ceará e de São Paulo são muito próximos e elevados. Isto significa, como já evidenciado na tabela 3, que nestes estados a capacidade de regulação da rede hospitalar encontra-se em estágio mais avançado. Nota-se aí que, à semelhança do que já foi observado com relação ao desenvolvimento da capacidade municipal de produção de serviços básicos, a riqueza econômica da região em que se localiza um dado município não é uma condição necessária para o desenvolvimento da capacidade administrativa de controlar as funções desempenhadas pelos provedores de serviços hospitalares.

Finalmente, como já observado na tabela 5, no interior de cada estado, os índices mais elevados são encontrados nos municípios-pólo e nas cidades de porte médio, indicando que há, de fato, uma associação entre porte do município e sua capacidade para gerir a rede hospitalar. Entretanto, nos estados de São Paulo e Ceará, os índices são, em geral, mais elevados do que nos municípios de mesmo tipo dos demais estados, indicando que há trajetórias distintas entre os estados de nossa amostra.

• Variáveis independentes

Nossa análise visa avaliar os fatores explicativos desse desempenho da municipalização do sistema de saúde. Para alcançar tal objetivo, produzimos diversos indicadores, relativos a características diversas dos municípios de nossa amostra, bem como da estratégia de implantação do Sistema Único de Saúde.

Em primeiro lugar, produzimos um indicador que tentasse capturar o porte e a localização dos municípios. A classificação dos municípios por estado e por tipos homogêneos, diferenciados segundo o tamanho da população e a inserção na malha urbana, visou controlar o impacto desta variável, como apresentado nas estatísticas descritivas listadas nas tabelas 5 e 6. Entretanto, para a análise mais aprofundada dos fatores que influenciam a descentralização da política de saúde, necessitávamos de variáveis contínuas que dessem conta das duas dimensões estruturais. A população dos municípios nos forneceu a informação relativa ao porte, mas a análise da importância da localização impunha um esforço analítico adicional: a variável "distância de um centro de referência regional". A construção do indicador seguiu os seguintes procedimentos metodológicos. Em primeiro lugar, fixamos os municípios pólo, médios e capitais como centros que polarizam regiões. Localizamos esses municípios no mapa do IBGE referente aos municípios brasileiros, auxiliados pelo software de mapeamento Maptitude. Com a base de centros regionais construída e superposta à malha dos municípios do Brasil, calculamos as distâncias dos centróides de cada município ao centro regional mais próximo. Essas distâncias passaram a ser nossa variável "distância". A tabela 7 apresenta os valores médios das distâncias por tipo de município e estado.

Os valores médios das distâncias variam entre os estados, não apenas devido a seu tamanho, mas também pela densidade de sua rede urbana. As distâncias nos estados da Bahia e de Goiás são as mais altas: uma cidade pequena, muito pequena ou uma vila dista, em média, algo em torno de 175km de uma cidade-pólo. Nos estados do Rio Grande do Sul e do Ceará, estas distâncias são bem menores: em torno de 115km. E, finalmente, no estado de São Paulo, estas distâncias são bastante reduzidas: em torno de 70km.

Em segundo lugar, construímos dois indicadores relacionados a atributos fiscais dos municípios. Estes indicadores foram construídos a partir de três informações básicas sobre finanças municipais, disponíveis no website do Ipea: 1) receita orçamentária municipal; 2) receita tributária, arrecadada diretamente pelo município; e 3) despesas com transferência de capital, relativa ao serviço da dívida municipal. Os indicadores foram construídos com base na média dos dados para os anos fiscais de 1993 e 1994.

O primeiro indicador se denomina "capacidade de arrecadação municipal", que revela a capacidade de arrecadação da prefeitura, além de ser um indicador indireto da pujança econômica do município. O segundo indicador é a "capacidade de gasto municipal per capita", e mede a capacidade que o município tem para realizar gastos, relativamente a seu porte populacional. As tabelas 8, 9 e 10 apresentam os resultados para o conjunto dos estados estudados.

Em termos médios, os municípios dos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul possuem mais elevadas capacidades de gasto por habitante, enquanto a Bahia e o Ceará apresentam os valores mais baixos. No entanto, a capacidade de arrecadação média dos municípios do estado de Goiás é bastante superior à dos municípios gaúchos. Entretanto, como já sabemos, estes dados agregados não revelam distinções importantes entre municípios de porte e localização diferente na malha urbana, como pode ser observado nas tabelas 9 e 10.

Como mostra a tabela 9, a capacidade de gasto por habitante das capitais é sistematicamente inferior à média estadual. Mais: a capacidade de gasto per capita das prefeituras das cidades com população inferior a 100 mil habitantes é sistematicamente superior à das cidades médias e cidades-pólo.

Na verdade, em termos per capita, as prefeituras das cidades menores tendem a ser "mais ricas" do que as das cidades maiores, e maior tende a ser a sua capacidade de gasto per capita. Este fenômeno é derivado do modelo de repartição fiscal adotado no Brasil a partir de 1988, que beneficia os municípios de menor porte, via transferências de receita dos níveis superiores de governo.

Mas observe-se ainda que, em termos per capita, as cidades com população inferior a 100 mil habitantes na Bahia dispõem de mais recursos do que suas similares no Ceará, o que não se traduz, como já vimos nas tabelas 2 e 3, em oferta de atendimentos ambulatoriais. O mesmo pode ser dito em relação aos municípios do Rio Grande do Sul e Goiás, cuja capacidade de gasto per capita é muito superior à cearense.

Observe-se, no entanto, que a proporção da receita diretamente arrecadada pelo município (Tabela 10) decresce de forma diretamente proporcional ao porte populacional e à importância do município na malha urbana. Este fenômeno é, em parte, explicado pelos incentivos à "preguiça fiscal" dos municípios de menor porte, derivado da forma de repartição fiscal citada acima. Mas, é também derivado da pujança econômica das cidades, cuja capacidade de geração de riqueza está associada à concentração populacional.

Um terceiro grupo de indicadores tenta captar a dinâmica eleitoral dos municípios da amostra. Produzimos dois tipos de variáveis para capturar dois processos diferentes que poderiam influenciar as decisões das elites políticas locais: 1) as preferências do eleitorado municipal; e 2) a intensidade da competição eleitoral no município.

Para medir as preferências do eleitorado municipal, realizamos uma análise fatorial dos resultados proporcionais dos partidos de direita (PFL, PPB, etc.), de centro (PSDB, PMBD) e de esquerda (PT, PV, PDT, PC do B, PSB, etc.) nas eleições para deputado federal em 1994 e para vereador em 1996. Essa análise mostrou-se bastante consistente, agrupando em um fator as proporções de votos para vereadores de direita nas duas eleições proporcionais consideradas e, em outro, as proporções de votos de partidos de esquerda naqueles pleitos. Esses dois fatores passaram a ser considerados representativos das variáveis "preferências eleitorais de direita" e "preferências eleitorais de esquerda".

Para medir a intensidade da competição eleitoral no nível municipal, construímos um "índice de segurança nas eleições presidenciais", baseado na diferença entre os resultados proporcionais das eleições presidenciais de 1989 (% de votos de Collor menos % de votos em Lula, no primeiro e no segundo turnos); das eleições presidenciais de 1994 (% de votos de Fernando Henrique Cardoso menos % de votos em Lula, no primeiro turno); e das eleições presidenciais de 1998 (% de votos de Fernando Henrique Cardoso menos % de votos em Lula, no primeiro turno). Foram considerados distritos seguros os municípios nos quais a diferença entre os dois candidatos à presidência (sejam eles quais forem) foi superior a 20% dos votos válidos de maneira consistente. A fórmula se apóia no conceito de distritos marginais de Fiorina (1989). Para nós, distrito seguro seria aquele em que Lula perdeu três vezes por pelo menos 20% dos votos, ou ainda, aquele no qual Lula venceu nos três pleitos por pelo menos 20% de vantagem. Essa variável indica "segurança" em eleições presidenciais e, por conseqüência, baixa competição potencial nas eleições para presidente.

Medimos ainda a competição eleitoral, em cada município, nas eleições para governadores em 1994. Definimos como de baixa competição o município no qual a eleição foi vencida facilmente pelo candidato mais bem-votado no primeiro turno (os votos do candidato a governador mais votado no primeiro turno foram superiores a 50% dos votos válidos). A ausência de informações para as demais eleições para governadores nos impediu de proceder a uma análise dos municípios seguros neste tipo de eleição, como fizemos para as eleições para presidente. Essa variável tende a captar os efeitos, nas políticas locais, da competição política que elegeu o governador que ocupava o executivo estadual quando os novos prefeitos eleitos em 1996 assumiram seus cargos (1994/1998). É interessante acrescentar que tentamos construir uma única variável de segurança/competição em nível municipal usando dados das eleições para presidente, governador e prefeito. A análise não se mostrou consistente, indicando que essas eleições tendem a não ser "casadas".

De forma análoga ao indicador acima, medimos a competição eleitoral nas eleições para prefeito em 1996 (votos do candidato a prefeito mais votado no primeiro turno superiores a 50 % dos votos válidos). Nessa variável, como na anterior, utilizamos apenas as informações do primeiro turno, visto que um número reduzido de municípios teve segundo turno, especialmente nas eleições para prefeito municipal. Da mesma forma que no indicador anterior, a ausência de uma série impediu que analisássemos a segurança dos distritos (municípios) nas eleições majoritárias municipais. Vale acrescentar que os indicadores municipais analisados dizem respeito ao ano de 1998, dentro, portanto, do período de gestão do prefeito eleito em 1996.

Em quarto lugar, construímos indicadores para medir atributos político-institucionais dos executivos municipais, para testar a importância de fatores institucionais em nível municipal, tais como o cenário político local e as condições institucionais para o processo de governo. Foram construídos os seguintes indicadores:

1) posicionamento ideológico do partido do prefeito eleito em 1996 (classificação do partido do prefeito em direita (PTB, PPB, PFL, etc.), centro (PMDB, PSDB, etc.) e esquerda (PT, PCdoB, PV, PSB, PPS, PCB, etc.);

2) relação executivo X legislativo em nível municipal (medida pelo % de votos do bloco ideológico do prefeito municipal eleito em 1996 na Câmara de Vereadores e pelo pertencimento do prefeito eleito em 1994 ao mesmo partido do vereador mais votado na Câmara Municipal);

3) relação executivo municipal X executivo estadual (medida como o pertencimento do prefeito eleito em 1996 ao mesmo partido do governador eleito em 1994).

Em quinto lugar, construímos indicadores destinados a avaliar se a estratégia de descentralização adotada pelo Ministério da Saúde teve algum impacto na municipalização. Como se sabe, como legado do modelo centralizado implantado durante o regime militar, um número muito reduzido de municípios dispunha de capacidades administrativas para a gestão da política de saúde. Neste caso, como legado das políticas prévias, supusemos que os municípios brasileiros partiram de um ponto mais ou menos semelhante de "zero" produção de serviços e "zero" capacidade de gestão de políticas.

No entanto, desde a instalação do SUDS, que data de 1987, várias medidas foram tomadas para transferir atribuições de gestão aos municípios. A partir do SUS, e particularmente com a NOB/93, os municípios brasileiros puderam ser habilitados em diferentes condições de gestão, sendo que a mais avançada delas naquela ocasião - a condição de gestão Semiplena - já transferia aos municípios a competência para gerir os sistemas hospitalar local e municipal de atenção básica à saúde.

Assim, para medir se a estratégia de descentralização do governo federal, resultado de um intenso processo de negociação no interior da rede setorial da saúde, teve algum impacto sobre as condições de municipalização dos serviços identificadas em 1998, identificamos nos municípios de nossa amostra aqueles que estiveram enquadrados nas condições de gestão Incipiente, Parcial e Semiplena segundo a NOB/93 (ver seção seguinte para a descrição das características de cada enquadramento). As tabelas 10 e 11 sumarizam o número de municípios enquadrados por estado e tipo de município, assim como sua distribuição por tipo de enquadramento.

Como podemos ver, os estados com maior número de municípios enquadrados são São Paulo e Ceará, especialmente se consideramos as proporções em relação aos totais de municípios existentes em cada estado (Tabela 11), seguidos de Goiás, Rio Grande do Sul e Bahia, este último com quase nenhum município enquadrado.

A municipalização da saúde: as novas regras do jogo

Regras formais da descentralização: as NOBs

O Ministério da Saúde utiliza as Normas Operacionais Básicas como instrumento pelo qual são definidas as regras de funcionamento do Sistema Único de Saúde. Duas NOBs são particularmente importantes para a compreensão das regras formais de operação do SUS. A NOB 01/93 definiu as regras de habilitação estadual e municipal ao SUS e suas condições de inserção no Sistema e a NOB 01/96, em vigor, redefine e complementa a NOB 01/93, ampliando as responsabilidades dos municípios.

A NOB 01/93 estabeleceu distintas modalidades de habilitação municipal e estabeleceu mecanismos de gestão pluriinstitucional, com a criação das comissões bipartites e tripartites de gestores, que consolidou o cenário da negociação entre os diferentes níveis de governo. Definiu-se explicitamente o município como gestor específico dos serviços e estabeleceram-se os diferentes níveis de adesão ao SUS, bem como as responsabilidades e as formas de repasses de recursos que lhes correspondem.

A NOB 01/93 definiu também distintas modalidades de habilitação estadual e municipal ao SUS, as quais supõem graus distintos de responsabilidade sobre a gestão dos serviços. Para os estados, era possível habilitar-se sob a forma de: 1) gestão parcial; e 2) gestão semiplena. A municipalização, por sua vez, somente podia ocorrer por solicitação municipal à Comissão Intergestores Bipartite, mediante três formas de adesão: 1) a gestão incipiente; 2) gestão parcial; e 3) gestão semiplena.

Embora esta NOB tenha sido aprovada em 1993, apenas em 1994 deu-se início ao processo de habilitação dos municípios ao SUS. A partir de janeiro de 1997, nenhum novo município foi habilitado ao SUS, porque se encontrava em preparação o processo de enquadramento pela NOB 01/96. Mas, na verdade, o grande impulso à habilitação ao SUS deu-se no próprio ano de 1994, quando foram enquadrados 2.397 municípios em uma das três condições de gestão. Em 1995, cerca de 400 municípios foram integrados e, em 1996, mais 279 o fizeram. Em janeiro de 1997, quando foram suspensos os novos enquadramentos, cerca de 60% dos municípios brasileiros haviam aderido ao SUS e 144 municípios estavam enquadrados na condição semiplena.

A NOB 01/96 manteve as instâncias de negociação e integração do SUS instaladas com a NOB 01/93, isto é, a Comissão Intergestores Tripartite (CIT) e as Comissões Intergestores Bipartite (CIBs), as quais funcionam como fóruns de integração e harmonização dos gestores do sistema, de pactuação e programação das atividades de saúde e definição dos tetos financeiros dos sistemas municipais e estaduais.

Essa Norma Operacional ampliou as funções a serem desempenhadas pelos estados, conferindo-lhes a função de criar as condições para o aprofundamento do processo de municipalização da gestão dos sistemas de saúde. Mas, é principalmente no que diz respeito às funções a serem desempenhadas pelos municípios que a NOB 01/96 apresentou inovações. Duas são as modalidades de gestão previstas pela NOB 01/96: 1) Gestão Plena da Atenção Básica; e 2) Gestão Plena do Sistema Municipal.

Resultados

Uma primeira aproximação das correlações entre nossas variáveis independentes e as capacidades municipais de produção de serviços e de gestão do sistema hospitalar está apresentada na tabela 12, que destaca os coeficientes com significância estatística.

Oferta de serviços ambulatoriais municipais

Isolemos inicialmente as características municipais que não apresentam correlação estatística com a capacidade de produção de serviços ambulatoriais. A distância de um município em relação a um outro que seja considerado um centro regional não é um fator que tenha qualquer importância para a capacidade do primeiro oferecer serviços de atenção básica a seus moradores. Este dado revela que o estágio atual - em 1998 - da municipalização da atenção básica já havia superado quaisquer dificuldades relativas à localização das cidades. Em outras palavras, não é verdade que municípios mais isolados na malha urbana apresentem menor capacidade - absoluta ou relativa - de oferecer serviços ambulatoriais.

Este dado, evidentemente, revela o sucesso do programa de descentralização representado pelo SUS, na medida em que expressa uma alteração completa da estrutura de provisão de serviços de saúde anterior aos anos 80, caracterizada pela absoluta centralização. No entanto, este resultado não pode ser atribuído à estratégia de habilitação adotada na NOB/93, visto que os 149 municípios de nossa amostra que estiveram enquadrados em uma das condições de gestão da NOB/93 apresentaram coeficiente de correlação significativo, mas com valores absolutos muito baixos, indicando que a influência deste fator é muito pequena.

Vale observar que, para o cálculo da correlação estatística do efeito de cada tipo de enquadramento e o desenvolvimento da capacidade municipal de produzir serviços de atenção básica e gerir o sistema hospitalar, consideramos os enquadramentos cumulativos; isto é, supusemos que um dado município enquadrado na condição Semiplena já superou as condições Incipiente e Parcial, pois mesmo que não tenha passado concretamente por elas, as superou como estágio de desenvolvimento de capacidades municipais. Portanto, consideramos que os municípios enquadrados na condição Semiplena passaram pelas três condições. Para o caso dos classificados na condição Parcial, consideramos simultaneamente os enquadramentos Incipiente e Parcial, e para o caso das municipalidades que alcançaram apenas a condição Incipiente, apenas esse enquadramento foi levado em conta.

A intensidade da competição eleitoral nas eleições majoritárias, seja para prefeito, governador ou presidente, também não apresentou significância estatística.

Tampouco a correlação de forças eleitorais do prefeito eleito em 1996, quando captada pelos alinhamentos partidários, revelou ter correlação estatística significativa com a oferta de serviços ambulatoriais. Nem o percentual de votos obtidos pelo bloco ideológico do partido do prefeito na Câmara, nem o fato de que o prefeito e o vereador mais votado pertençam ao mesmo partido - indicadores que evidenciariam que o prefeito dispõe de maioria no Legislativo local - revelaram ter qualquer influência sobre o volume de procedimentos ambulatoriais realizados pelos provedores municipais. Este dado pode ser facilmente compreendido. Em primeiro lugar, a oferta de serviços ambulatoriais não depende de um processo decisório no qual o Legislativo possa representar um ponto de veto. Depende, isto sim, de uma série de decisões no âmbito do próprio Executivo municipal - bem como da disponibilidade de recursos fiscais, como veremos mais adiante. Em segundo lugar, estudos de caso têm revelado que na arena decisória municipal as siglas partidárias não podem ser consideradas determinantes na compreensão da dinâmica das relações entre os Poderes Executivo e Legislativo.

Contudo, o fato de o partido do prefeito ser igual ao do governador apresentou alguma significância estatística (embora a 5 %), sendo o sinal negativo. Isso indicaria que quando os partidos do prefeito e do governador são iguais, a provisão municipal de serviços ambulatoriais tende a ser menor. Se considerarmos que a provisão municipal tende a ser construída significativamente de forma competitiva com o governo estadual, podemos compreender que quando o partido de ambos é idêntico, o prefeito tenderia a ter menos incentivos para desenvolver uma estratégia competitiva. O valor do coeficiente de correlação, entretanto, é novamente muito baixo, indicando que a importância do processo capturado por essa variável não é muito importante. Testes de médias também indicam que as diferenças entre municípios em que o prefeito é e não é do partido do governador são muito reduzidas.

Finalmente, as preferências ideológicas do eleitorado local revelaram ter um efeito apenas moderado sobre a provisão municipal de serviços de atenção básica à saúde. Nas cidades em que o eleitorado apresenta preferência por candidatos filiados a partidos considerados de direita e que elegeram prefeitos filiados a partidos de direita em 1996, as prefeituras tendem a produzir menor volume de atendimentos ambulatoriais (com elevada confiabilidade estatística: -0,281 e -0,132, respectivamente). Contudo, não é verdade que, nas cidades cujo eleitorado tenda a eleger candidatos filiados a partidos de esquerda, a provisão de serviços ambulatoriais seja significativamente superior. Portanto, ao contrário do que se considera corriqueiramente, o fato de o prefeito municipal ser de um partido nacionalmente reconhecido como de esquerda não tende a alterar a prestação de serviços básicos de saúde. A contrapartida, no senso comum, entretanto, foi confirmada pelos dados: municípios governados por prefeitos de partidos de direita têm uma presença menor da prefeitura na prestação de serviços de saúde do que o restante do universo pesquisado. De todo modo, pode-se afirmar com razoável margem de segurança que a expansão da oferta pública de serviços ambulatoriais municipais não pode ser associada a nenhuma corrente ideológica particular, quer de direita, quer de esquerda.

Então, entre os fatores observados, quais influenciam a maior ou menor participação das municipalidades nos serviços de atenção básica à saúde?

Dois fatores combinados: a disponibilidade de recursos fiscais e o pertencimento a um dado estado. A capacidade fiscal - quer seja a variável capacidade de gasto, quer seja a capacidade de arrecadação - revelou ter uma relação direta com a presença municipal nos serviços de saúde, embora os coeficientes de correlação não sejam muito elevados (0,107 e 0,093, respectivamente). De uma forma geral, entretanto, quanto maior a capacidade municipal de gasto ou de arrecadação, maior a presença da municipalidade na prestação dos serviços.

Este fator não é irrelevante e precisa ser adequadamente compreendido. Lamentavelmente, nossos dados fiscais referem-se aos anos de 1993 e 1994; portanto, se referem ao período em que os pagamentos do SUS (aos estados e municípios) eram realizados apenas como contrapartida à produção de atendimentos. Assim, estas correlações revelam o impacto positivo da descentralização fiscal de 1988 para a política de saúde. Mas, se a disponibilidade de recursos tem um impacto positivo sobre a oferta de serviços ambulatoriais, então é perfeitamente plausível supor que a estratégia posterior - de transferências fundo (federal) a fundo (municipal), cujos montantes são baseados em valores per capita - apresente resultados igualmente positivos.

Entretanto, uma maior disponibilidade de recursos nos cofres municipais não implica que estes serão necessariamente aplicados na área da saúde. Estes serão, na verdade, objeto de disputa entre interesses e necessidades (reais ou inventadas) os mais diversos. O destino do gasto dependerá, é óbvio, das pressões e incentivos a que esteja submetida a administração municipal.

Nossas informações e as variáveis que selecionamos para este estudo não nos permitiram captar ainda com precisão a natureza destes incentivos. Mas, nossas correlações apontam para a importância da variável "estados". No caso dos nossos dados sobre as políticas de saúde, em três estados - Bahia, Goiás e São Paulo - os coeficientes foram significativos: no primeiro caso, a correlação é negativa e nos dois outros, positiva. Paralelamente, Rio Grande do Sul e Ceará não apresentaram correlação significativa. Poder-se-ia sustentar que o efeito dos estados se deve à alta correlação entre as suas variáveis dummy e as demais variáveis, encobrindo a influência de outros fenômenos. Para testar esta hipótese, determinamos novamente os coeficientes de correlação dos estados controlando pelas nossas variáveis independentes. Não ocorreu nenhuma mudança significativa dos coeficientes dos estados com a produção de serviços ambulatoriais municipais, quando controlados pelos gastos per capita, pela capacidade de arrecadação, pela distância aos centros, pela população dos municípios e se o partido dos prefeitos em 1998 era de esquerda ou de direita. Isso quer dizer que os coeficientes de correlação dos estados expressam diferenças genuínas entre o comportamento dos índices em diferentes estados da federação.

Esse resultado confirma os obtidos em um estudo sobre a descentralização das políticas sociais ao longo dos anos 90 (Arretche, 1998). Aquela pesquisa concluiu que a existência de políticas ativas e continuadas dos governos estaduais foi decisiva para que os municípios brasileiros - com reduzida capacitação técnica e administrativa para a gestão de políticas sociais, derivada das políticas centralizadas do regime militar - tomassem a decisão de assumir a gestão de programas sociais.

Os municípios do estado da Bahia apresentam a mais baixa capacidade de prestação de serviços de saúde. Este fato não pode ser explicado apenas - embora já saibamos que este é um fator importante - pela fragilidade fiscal de seus municípios. Se assim fosse, os municípios do Ceará teriam o mesmo desempenho, dado que dispõem, em média, da mais baixa capacidade de gasto e de arrecadação (ver tabelas 8, 9 e 10). A diferença entre estes dois estados deve-se à presença de políticas ativas e continuadas para a municipalização da saúde, presente nos sucessivos governos estaduais cearenses desde meados dos anos 80 e ausentes nos sucessivos governos estaduais da Bahia desde sempre. Em outras palavras, as políticas do governo estadual no Ceará permitiram que as taxas de atendimento ambulatorial municipal neste estado fossem comparáveis às de Goiás e Rio Grande do Sul, compensando o impacto direto das variáveis relativas à capacidade fiscal. A alta correlação negativa dos municípios baianos expressa, assim, o efeito combinado de reduzida disponibilidade de recursos fiscais associada à ausência de políticas que efetivamente atuem de modo a compensar tais dificuldades.

As correlações altas e positivas nos estados de São Paulo e Goiás expressam, de um lado, a maior disponibilidade de recursos fiscais. Mas, esta relação não é direta, como pode ser observado pela diferença nos valores dos índices de correlação e pelo controle das correlações. Além disto, a capacidade fiscal dos municípios de São Paulo e Rio Grande do Sul é bastante superior à do estado de Goiás, mesmo quando os dados são desagregados por tipo de município (ver tabelas 8, 9 e 10). A diferença, mais uma vez, diz respeito às políticas de saúde dos governos estaduais. Nos estados do Rio Grande do Sul e São Paulo, não foram implementadas políticas ativas e continuadas de municipalização; ao contrário, de forma similar ao estado da Bahia, ao longo do processo de implantação do SUS, a política dos executivos estaduais tendeu a concentrar poder e recursos nas respectivas secretarias estaduais. Neste caso, portanto, os índices de municipalização no Rio Grande do Sul e São Paulo são inferiores aos de Goiás - que vem desenvolvendo mais recentemente uma política de municipalização, porque a despeito da ausência de incentivos por parte do governo estadual, a disponibilidade de recursos nos cofres municipais permite que estes aumentem sua oferta de serviços ambulatoriais.

Habilitação municipal para gestão dos provedores de serviços hospitalares

Não é inconveniente repetir a esta altura de nossa análise que a habilitação municipal para gerir as redes hospitalares locais encontrava-se em 1998 em um estágio de desenvolvimento muito atrasado em relação à capacidade dos municípios para prestar serviços de atenção básica à saúde. E, como veremos logo abaixo, os atributos municipais que explicam o desenvolvimento desta capacidade são também inteiramente distintos daqueles que influenciam a provisão municipal de serviços de atenção básica.

Não é difícil explicar este resultado. O desempenho de tal função supõe, além da disposição do executivo municipal, que se tenha desenvolvido um conjunto de capacidades técnicas e administrativas de razoável complexidade para que a autoridade municipal possa planejar, avaliar, auditar, financiar e controlar a rede hospitalar instalada no município.

Também não é inconveniente repetir aqui que nossa análise limita-se a examinar se os municípios de nossa amostra encontram-se habilitados, através dos processos de aprovação regulamentados pela NOB/96, a desempenhar tal função, de modo que detenham a autoridade para regular a provisão de serviços hospitalares em seu território. Não estamos, portanto, avaliando se as administrações efetivamente exercem o papel de "regulação" e "gestão" sobre a rede hospitalar. E, finalmente, queremos lembrar que excluímos da análise os municípios que não têm nenhum hospital em seu território, de modo a eliminar a possível distorção analítica derivada da inclusão, na comparação, de municípios que não teriam hospitais a gerir.

Dito isto, examinemos quais fatores estavam associados à habilitação municipal para gerir a rede hospitalar local em 1998, ainda com base nas correlações da tabela 12. Iniciemos, mais uma vez, por isolar os fatores que não apresentaram correlação estatística significativa.

Como já observado com relação à oferta municipal de serviços de atenção básica, também no que diz respeito à habilitação para gerir o sistema, o grau de competição eleitoral nas eleições majoritárias - quer para presidente, governador ou prefeito - revelou influência pouco decisiva (0,38; -0,043 e -0,058, respectivamente).

Em seu conjunto, as preferências ideológicas do eleitorado local - quando medidas pelas siglas partidárias, o que, repetimos, deve ser observado com certa cautela no plano municipal - não revelaram ter uma influência decisiva sobre a habilitação local para gerir o sistema hospitalar. Mas, elas não são de todo irrelevantes. Nas cidades onde há preferência eleitoral por partidos de direita nas eleições proporcionais há uma correlação significativa e negativa (-0,155); e, além disto, a escolha em 1996 por um prefeito de direita também apareça significativa e negativa (-0,053), embora este último valor seja bastante baixo. Estes dados revelam que prefeitos de partidos não tendem a desenvolver esforços no sentido de controlar a provisão de serviços hospitalares (coeficiente de -0,058, a 5 % de confiabilidade). Entretanto, prefeitos de partidos de esquerda não tendem a criar, de forma estatisticamente consistente, condições político-institucionais que lhes garantam um razoável grau de controle sobre o funcionamento dos hospitais locais, tal como previsto nas normas do SUS (coeficiente de 0,07).

Assim, embora este seja um elemento importante do debate programático entre direita e esquerda, assim como uma bandeira das administrações geridas por partidos de esquerda, ao qual o eleitorado deve ter um relativo conhecimento ao expressar o seu voto, os coeficientes de correlação obtidos não indicam uma influência decisiva das preferências ideológicas, ao menos quando medida com os indicadores e informações de que dispomos. Para o nosso problema, é importante destacar, portanto, que a eleição de prefeitos de esquerda não é uma condição suficiente para a expansão do controle municipal sobre os provedores de serviços hospitalares, muito embora a eleição de prefeitos de direita reduza ainda mais esta possibilidade.

Observe-se ainda que também a correlação de forças eleitorais do prefeito eleito em 1996 revelou ter uma influência moderada no tocante à expansão da autoridade municipal sobre os provedores hospitalares. Para os três indicadores - tamanho da bancada do bloco ideológico do prefeito e o fato de o partido do prefeito ser igual ao do vereador mais votado e ao do governador -, o efeito é negativo quer o prefeito tenha sido eleito por um partido de direita ou de esquerda. Nesse caso, embora os coeficientes sejam baixos e as variáveis apresentem alguma correlação entre si, os coeficientes de correlação observados na tabela 13 apresentam um comportamento bastante estável, praticamente não sofrendo nenhuma variação quando controlamos uma variável pelas outras duas, assim como pelo partido do prefeito (de direita ou de esquerda).

Estas evidências estatísticas podem revelar, como já destacamos anteriormente, que o alinhamento das siglas partidárias e um potencial conflito entre Executivo e Legislativo não chegam a constituir, no âmbito municipal, uma variável explicativa relevante para entender os prováveis pontos de veto à ação dos prefeitos municipais. Em outras palavras, as siglas partidárias não são a variável mais importante para a compreensão dos blocos de situação e oposição no nível municipal.

Finalmente, a capacidade de gasto não se apresentou significativa, indicando que o desenvolvimento da habilitação para gerir a rede hospitalar independe de recursos fiscais para investimento.

Entretanto - e aqui começamos a compreender os fatores que efetivamente explicam a possibilidade de desenvolvimento da habilitação municipal para gerir o sistema hospitalar -, a capacidade municipal de arrecadação, ao contrário, mostrou alta significância (0,233). Isso indica que quanto maior a capacidade de arrecadação de um município, maior a possibilidade de que este esteja habilitado a gerir os provedores de serviços hospitalares. Além disto, o indicador "distância de centros regionais" também apresentou significância estatística, mas sinal negativo (-0,179), indicando que quanto mais longe dos centros regionais, menor tende a ser a capacidade municipal de gestão do sistema hospitalar.

A nosso juízo, este comportamento estatístico expressa a relação entre a complexidade institucional que tendem a ter os órgãos administrativos dos grandes centros urbanos (cuja complexidade econômica e social tende a demandar maior capacidade de gasto e arrecadação) e as possibilidades de desenvolvimento da capacidade de gestão dos serviços de saúde. Nossa proposição é de que a capacidade de arrecadação e a capacidade de gestão do sistema hospitalar supõem a instalação de um determinado tipo de burocracia e de know-how administrativos. Quando o município desenvolve a primeira, as chances de que a segunda venha a ser construída aumentam (ou os custos da sua instalação diminuem).

Neste caso, a expansão da capacidade municipal de gestão da rede hospitalar local é um subproduto automático da expansão da capacidade de extração de recursos municipal? Em outras palavras, é suficiente que as administrações municipais expandam sua capacidade arrecadatória para que possam expandir sua autoridade regulatória?

Não. A estratégia de capacitação municipal, via enquadramento na NOB/93, produziu um efeito diferencial naqueles municípios que aderiram previamente ao SUS: os coeficientes de correlação entre os três tipos de enquadramento de gestão e a capacidade de gestão do sistema hospitalar local são altíssimos (0,71; 0,56 e 0,42, respectivamente), além de significativas estatisticamente. Uma vez instalados os requisitos administrativos da NOB/93, estes criaram efeitos cumulativos que se manifestam (também) sob a forma de capacidade de gestão do sistema hospitalar local. Nossas correlações revelam que a mobilização de tais recursos institucionais municipais tende a ser mais difícil nas cidades em que não ocorreu a adesão prévia à NOB/93.

Observe-se que a adesão à NOB ocorreu durante 1994 e 1996, portanto, sob a gestão da administração municipal que antecedeu a atual. A nosso juízo, a adesão do município àquela NOB revela que os incentivos derivados da estratégia do Ministério foram suficientes para que a secretaria municipal de saúde criasse as condições institucionais e administrativas para a oferta municipal de serviços de saúde. Isto significa concretamente, grosso modo, a instalação de equipamentos e a contratação de funcionários. Estes, uma vez instalados, tendem a produzir um legado institucional e criar efeitos cumulativos pelos quais as cidades que aderiram previamente ao projeto SUS tendem a dispor de um maior controle e uma maior capacidade de gestão sobre a oferta municipal de serviços.

É interessante observar que, embora os coeficientes sejam bastante altos para todos as condições de gestão, estes tendem a decrescer à medida que nos movimentamos para os enquadramentos mais complexos. Isso indica que, embora todos os níveis de incorporação de responsabilidades tenham influência sobre o desenvolvimento de capacidades gestão, o passo mais importante é o inicial, representado pela entrada do município no sistema através da condição de gestão incipiente. Essa influência não diz respeito à forma cumulativa de construção dos indicadores, já que o cálculo das correlações tomando como base apenas a condição de gestão não altera o resultado (0,459; 0,422 e 0,304, respectivamente). O patamar de todas as correlações, entretanto, passa a ser inferior.

Portanto, os efeitos cumulativos da adesão prévia a NOB/93 são o fator mais significativo para que as administrações municipais se habilitassem a gerir a rede hospitalar local. Mas, isto significa que as secretarias estaduais estiveram ausentes deste processo de desenvolvimento da capacidade municipal de gerir plenamente seu sistema de saúde local?

Não. Os municípios localizados nos estados de São Paulo e Ceará apresentam probabilidade muito maior de vir a regular suas respectivas redes hospitalares que os municípios localizados nos estados da Bahia, de Goiás e do Rio Grande do Sul, sendo que nestes dois últimos esta probabilidade é muito baixa. Nesse caso, novamente, controlamos as correlações dos estados com o índice sob análise, de forma a testar se estas não se devem ao efeito de outras variáveis. Foram usadas como controles as variáveis gasto per capita, capacidade de arrecadação, distância de centros regionais, população e partido do prefeito de direita e de esquerda. As correlações foram alteradas apenas na Bahia, controlando por distância de centros e por capacidade de arrecadação, e no Ceará, controlando por capacidade de arrecadação. No caso da Bahia, as correlações tornaram-se menos negativas (para o patamar de -0,08/0,09) e no caso do Ceará, dobraram de valor (para 0,09). Apesar de apresentarem confiabilidade estatística, entretanto, esses valores absolutos são tão pequenos que podemos considerar que seu efeito da interveniência é importante, mas pouco altera a correlação inicial.

O caso de São Paulo explica-se, como já vimos, pelo efeito combinado das variáveis "existência prévia de uma burocracia razoavelmente complexa em cidades com expressiva capacidade econômica", "localizadas a reduzidas distâncias de centros regionais" e "adesão prévia ao SUS". Tais características dos municípios paulistas lhes permitem habilitar-se a gerir suas redes hospitalares com razoável grau de autonomia em relação às políticas da secretaria estadual. Este não é definitivamente o caso dos demais estados.

No caso do Ceará, as políticas ativas e continuadas da secretaria estadual vêm compensando, com índices mais baixos, a ausência prévia das características presentes nos municípios paulistas. Ou ainda, o efeito convergente da adesão à NOB93 e da política do governo estadual compensam as dificuldades à habilitação municipal derivadas da ausência prévia de uma burocracia complexa e das distâncias locacionais.

Dado que a habilitação para a gestão do sistema hospitalar está diretamente associada a processos de capacitação institucional que são cumulativos ao longo do tempo, o caráter recente das políticas implementadas no estado de Goiás não foi suficiente para a habilitação de um número expressivo de municípios (ver tabela 3).

Finalmente, nos estados do Rio Grande do Sul e Bahia, a inexistência de políticas estaduais de incentivo à capacitação municipal para gestão de suas respectivas redes hospitalares tem uma influência decisiva sobre os índices identificados na tabela 12 (-0,169 e -0,134, respectivamente).

Cenários municipais da gestão das políticas de saúde

Nossos dados nos permitem submeter nossa amostra de municípios a uma análise de agrupamentos, por meio dos quais podemos distinguir diferentes cenários municipais, seja no que diz respeito a nossas variáveis dependentes - o desempenho das prefeituras na oferta de serviços básicos de atenção à saúde e na gestão do sistema hospitalar instalado no município, seja nos diferentes contextos associados a este desempenho. Vale lembrar que para essa classificação o universo de análise foi reduzido aos 1.270 municípios que dispunham de pelo menos um leito hospitalar.

Iniciemos caracterizando seis grupos distintos de municípios, classificados de acordo com sua capacidade de gestão do sistema local de saúde, com base nas duas variáveis dependentes com as quais vimos trabalhando ao longo deste texto (Tabela 14).

Como resultado do desempenho de nossas variáveis dependentes, o número de casos incluídos em cada grupo é muito diferente. Além disto, estes valores são concentradamente altos para a produção de serviços ambulatoriais e baixos para a gestão da rede hospitalar. É por esta razão que no agrupamento da tabela 14 não estão presentes todas as associações lógicas possíveis no comportamento dos municípios. Nosso critério de agrupamento contempla as combinações relevantes no desempenho da gestão do sistema local de saúde, tal como encontradas na análise estatística que realizamos.

Vejamos agora quais são as características de cada grupo de municípios, de acordo com nossas variáveis independentes. As tabelas 15 e 16 apresentam as informações referentes aos grupos de municípios para as variáveis escalares e nominais, respectivamente. A tabela 17, finalmente, apresenta as características de cada grupo de municípios.

Algumas de nossas variáveis independentes são incluídas apenas indicativamente na caracterização dos grupos. Os valores médios das variáveis "distância média de um centro regional" e "capacidade de gasto per capita" apresentam pequena diferença entre os seis grupos e elevada dispersão dos valores, medida pelo desvio-padrão (tabela 15), o que implica não podermos afirmar com segurança que tais características apresentem significativas diferenças entre os grupos. A proporção de cadeiras da bancada do bloco ideológico do prefeito na Câmara municipal também não permite que construamos afirmações sólidas com relação ao conteúdo dos grupos, pois apenas o grupo 2 se destaca, com um patamar inferior e uma dispersão menor. Finalmente, também resolvemos excluir desta caracterização as características relativas à condição do prefeito, pois a base desta informação refere-se a uma única eleição (1996), o que garante pequena confiabilidade estatística para uma tipificação.

O grupo 1 reúne apenas cinco municípios, que apresentavam os mais elevados índices de capacidade de atendimento ambulatorial e de hospitais e leitos hospitalares sob sua gestão. Apresenta-se altamente concentrado em São Paulo. Todos os municípios deste grupo estiveram enquadrados na gestão incipiente pela NOB/93; mas nenhum deles mudou de condição de gestão até a NOB/96.

O grupo 2 reúne municípios com capacidade muito alta de atendimento ambulatorial e razoável capacidade para gestão do sistema hospitalar, embora tais municípios ainda não tenham sob sua competência a totalidade dos hospitais de sua rede. Tendem a ter maior capacidade de arrecadação, menor distância de centros regionais, preferências eleitorais de esquerda e se localizam principalmente em São Paulo. Neste grupo, estava concentrada parte significativa dos prefeitos de esquerda eleitos em 1996. Está aí também parte muito significativa dos municípios habilitados sob a NOB/93, dispersos em diferentes condições de gestão. O grupo congrega um número muito significativo de municípios: 162.

O grupo 3 congrega o maior número de municípios, os quais tendem a produzir quantidades elevadas de serviços ambulatoriais, mas fraca capacidade de gestão da rede hospitalar, neste sentido se aproximando do grupo 4. Esses municípios estão bastante distribuídos pelos estados, com apenas uma leve sub-representação da Bahia e sobre-representação de Goiás, com preferências eleitorais. Raros foram os municípios deste grupo que estiveram habilitados na NOB/93.

O grupo 4 reúne um grande grupo de municípios (272 de nossa amostra) com capacidade bastante razoável de produção de serviços ambulatoriais, mas muito baixa capacidade de gestão da rede hospitalar local. Apresenta municípios localizados nos estados da Bahia, do Rio Grande e de São Paulo, dos quais quase nenhum esteve enquadrado na NOB/93. Além disto, apresentam preferências eleitorais de direita.

O grupo 5 inclui um grupo menor de municípios (44) com nível médio de produção de serviços ambulatoriais e quase sem nenhuma capacidade de gestão do sistema hospitalar implantado no município. Estão localizados principalmente na Bahia e no Rio Grande do Sul, com preferências eleitorais de direita. Esses municípios não aderiram ao SUS por ocasião do enquadramento na NOB/93.

O grupo 6 reúne municípios com baixíssima capacidade de gestão do sistema local de saúde, quer na produção de serviços ambulatoriais, quer na gestão da rede hospitalar local. Compreende municípios menores, com menor capacidade de arrecadação e preferências eleitorais à direita, ou pelo menos fortemente refratários à esquerda. Concentra-se quase que totalmente nos estados da Bahia e do Ceará. Dos municípios classificados nesse grupo, nenhum aderiu ao SUS até 1996.

Conclusões

O estudo de variáveis quantitativas agregadas em cinco estados brasileiros nos permitiu analisar o impacto de diversos fatores na municipalização das políticas de saúde, no período recente.

Em primeiro lugar, dados sobre os serviços municipais de saúde permitiram produzir dois fatores altamente consistentes, associados a duas capacidades distintas de gestão dos sistemas locais de saúde: a oferta de serviços ambulatoriais (produção direta de serviços básicos) e a capacidade de gestão da rede hospitalar (capacidade de controle e regulação dos provedores privados ou públicos).

Concluímos que no processo de municipalização da gestão da saúde, estas duas funções desenvolvem-se de modo inteiramente independente, sendo que a primeira encontra-se em estágio bastante mais avançado que a segunda.

A expansão da capacidade de os municípios brasileiros prestarem diretamente serviços ambulatoriais não pode ser explicada pela dinâmica político-partidária, nem pela natureza das relações entre o executivo e o legislativo municipais. Esta depende muito mais fortemente dos incentivos derivados da estratégia de descentralização do Ministério da Saúde, mais particularmente as regras de operação do SUS, assim como da capacidade de investimento do município. As diferenças entre tipos de municípios, no que diz respeito ao porte populacional e à localização, também se mostraram relevantes, indicando que as cidades de menor porte (com menos de 100 mil habitantes) tendem a oferecer uma quantidade per capita proporcionalmente maior de serviços ambulatoriais do que as capitais, municípios das regiões metropolitanas e cidades de médio porte. Esta superioridade relativa das cidades menores, no entanto, está fortemente associada à importância da "capacidade de gasto municipal" para a produção direta de serviços de saúde, dado que o modelo de descentralização fiscal adotado no Brasil beneficia tais municípios, basicamente com recursos originários de transferências dos níveis superiores de governo.

Por outro lado, a capacidade de gestão do sistema hospitalar local é relativamente mais avançada nas cidades de maior porte e nas cidades-pólo de caráter regional. Neste caso, o desenvolvimento prévio da capacidade de arrecadação tributária, que exige a instalação no município de um certo tipo de burocracia e de conhecimento técnico, assim como o efeito cumulativo no tempo da decisão da administração anterior aderir e implementar os requisitos institucionais da NOB/93 são as condições institucionais mais importantes para que um dado município assuma a gestão do sistema hospitalar local. Observe-se que, diferentemente do que registramos para a possibilidade de ampliação da oferta de serviços ambulatoriais, a capacidade municipal de gasto não é um fator decisivo para o desenvolvimento desta função de gestão.

Agradecimentos

Os autores agradecem a valiosa colaboração de Patrícia Aparecida Cozentino, bolsista PIBIC/CNPq, que realizou todo o trabalho de coleta de dados primários. Agradecem também ao Nemesis pelo acesso aos dados eleitorais. E, finalmente, agradecem os comentários e sugestões da dra. Luiza Guimarães, do grupo de Política e Sociedade do Cebrap e aos integrantes do Nemesis.

Artigo apresentado em 5/1/2002

Versão final apresentada em 10/2/2002

Aprovado em 20/2/2002

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jul 2007
  • Data do Fascículo
    2002

Histórico

  • Aceito
    20 Fev 2002
  • Revisado
    10 Fev 2002
  • Recebido
    05 Jan 2002
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