Open-access Gestão hospitalar no Brasil: revisão da literatura visando ao aprimoramento das práticas administrativas em hospitais

Hospital management in Brazil: a review of the literature with a view toenhance administrative practices in hospitals

Resumo

Os hospitais são organizações complexas que, para além das intervenções técnicas esperadas no âmbito do tratamento e prevenção de danos à saúde, também necessitam de boas práticas de gestão orientadas ao aprimoramento de sua eficiência em sua atividade-fim. Entretanto, em termos administrativos, observam-se recorrentes conflitos envolvendo áreas técnicas e gerenciais. Assim, o presente artigo tem o objetivo de realizar um levantamento da literatura científica atinente às temáticas de gestão hospitalar e aos projetos aplicados ao ambiente hospitalar. Em termos metodológicos, aplica-se o método webiblioming de coleta e análise sistemática de conhecimento em bases de periódicos indexadas. Os resultados obtidos evidenciam publicações que focalizam as seguintes práticas administrativas: procura de uma gestão mais dialógica horizontal e verticalmente; melhor definição dos processos de trabalho; ferramentas tecnológicas inovadoras para apoio ao processo gerencial; e, finalmente, a possibilidade de aplicação de metodologias de gerenciamento de projetos em colaboração com a gestão hospitalar.

Gestão hospitalar; Projetos; Revisão da literatura

Abstract

Hospitals are complex organizations which, in addition to the technical assistance expected in the context of treatment and prevention of health hazards, also require good management practices aimed at improving their efficiency in their core business. However, in administrative terms, recurrent conflicts arise involving technical and managerial areas. Thus, this article sets out to conducta review of the scientific literature pertaining to the themes of hospital management and projects that have been applied in the hospital context. In terms of methodology, the study adopts the webiblioming method of collection and systematic analysis of knowledge in indexed journal databases. The results show a greater interest on the part of researchers in looking for a more vertically and horizontally dialogical administration, better definition of work processes, innovative technological tools to support the management process and finally the possibility of applying project management methodologies in collaboration with hospital management.

Hospital management; Projects; Review of the literature

Introdução

A gestão de hospitais no século XXI é invariavelmente complexa1, independentemente da região – ainda que certos aspectos dos serviços de saúde sejam mais desafiadores em alguns países –, como: regulação, financiamento e tecnologias à disposição. Acrescenta-se à extensa relação de demandas gerenciais, a exigência por conhecimentos específicos na gestão dos recursos humanos e físicos2.

Dentre as questões que colaboram com o incremento da complexidade na gestão hospitalar em âmbito internacional, destacam-se a ampliação da base de clientes potenciais, com o aumento da população idosa e o contínuo aumento de pacientes com doenças crônicas, que implicam em aumento na demanda dos hospitais, independente do tipo de gestão, pública ou privada, agravando um quadro de escassez de recursos médicos e de longas esperas por atendimento3. A Organização Mundial da Saúde informa um aumento de 5% na expectativa de vida mundial entre 2000 e 2015, e estima um aumento do número de mortes por doenças crônicas de 38 milhões em 2012 para 52 milhões em 20304,5.

Observam-se na literatura outros fatores capazes de acentuar o desafio da gestão hospitalar, como a ausência ou a ineficiência de mecanismos de avaliação do desempenho da gestão das organizações de saúde6,7.

Um estudo indicou que a realização adequada de avaliação de desempenho nas organizações de saúde tem o potencial de tornar mais eficientes os processos de prestação de serviços, colaborando na economia de recursos, que já experimentam notória escassez6.

No tocante a modelos de avaliação externa dos serviços de saúde no Brasil, destaca-se a Acreditação Hospitalar. Os modelos de Acreditação Hospitalar presentes no país são: Organização Nacional de Acreditação (ONA), Joint Commission International (JCI), Acreditação canadense, National Integrated Accreditation for Healthcare Organizations (NIAHO)7.

Outro fator comumente observado no âmbito da gestão de hospitais são as divergências interpessoais nas organizações prestadoras de serviços de saúde. Os conflitos provenientes dessas divergências sustentam-se, segundo a literatura, na disputa de interesses pessoais e profissionais, bem como em problemas de convivência e relações de poder8.

Os referidos conflitos podem ocorrer entre profissionais da área médica e da administrativa. Na agenda desse debate, destacam-se questões quanto à autonomia no trabalho, padronização de operações e aumento da produtividade9.

Considerando-se os problemas mencionados, bem como outros que possam se materializar no ambiente hospitalar, tais como de escassez de recursos financeiros ou problemas na micropolítica da organização, o presente trabalho busca responder a pergunta: quais são as principais práticas administrativas evidenciadas na literatura brasileira e internacional orientadas ao aprimoramento da gestão hospitalar?

Para responder essa pergunta, objetiva-se realizar um levantamento sistemático da produção científica atinente à temática para refletir oportunidades de aprimoramento das práticas gerenciais em hospitais brasileiros.

Método

Por se tratar de um estudo que versa sobre práticas administrativas aplicadas em ambientes hospitalares, dada a maior afeição do protocolo Webibliomining a levantamentos sistemáticos na área de ciências sociais aplicadas10, opta-se por adotar o referido protocolo, em detrimento de outros mais específicos da de saúde, como o Cochrane11 e o PRISMA12. Adicionalmente, foram consultadas bases de dados interdisciplinares (Scopus, ISI Web of Science e Scielo), mas detentoras de grande acervo de periódicos na área de ciências sociais aplicadas, de modo a aumentar a possibilidade de obtenções de obras alinhadas com o interesse da pesquisa sistemática.

O modelo webibliomining estrutura-se nas seguintes etapas:

► Definição da amostra de pesquisa;

► Pesquisa na amostra, com as palavras-chave;

► Identificação dos periódicos com maior número de artigos publicados sobre o tema;

► Identificação dos autores com maior número de publicações;

► Levantamento da cronologia da produção, identificando “ciclos de maior produção”;

► Seleção dos artigos para a composição do “núcleo de partida” para a pesquisa bibliográfica, que deve contemplar:

► Os artigos mais relevantes;

► Identificação dos primeiros autores a escreverem sobre o tema;

► Identificação dos últimos autores a escreverem sobre o tema;

► Identificação dos textos mais relevantes em cada ciclo de maior produção.

O presente levantamento bibliométrico foi realizado entre outubro de 2015 e janeiro de 2016. Para este estudo foram pesquisadas três bases de periódicos relevantes em âmbito acadêmico: Scopus, ISI Web of Science e SciELO, com o termo e expressão escolhidos: “Gestão Hospitalar” e “Projetos”.

O primeiro termo, “Gestão Hospitalar” consiste no cerne central da problemática. O segundo termo, “Projetos”, foi escolhido devido ao entendimento de que projetos, enquanto empreendimentos temporários, dotados de orçamento e prazo restritos e, reconhecidamente, promotores da mudança, permitem evidenciar duas fases do cenário hospitalar: o anterior e o posterior à implementação do projeto. Essas fases ajudam a revelar os problemas específicos que motivaram a busca por aprimoramento da gestão hospitalar nas instituições estudadas, bem como os resultados, positivos e negativos, da implementação dos projetos. Logo, “Gestão Hospitalar” e “Projetos” foram incorporados na busca da seguinte forma: “gestao hospitalar” OR “hospital management” AND “projeto” OR “project”.

A quantidade de resultados obtidos inicialmente nas bases Scopus, ISI Web of Science e SciELO, foi, respectivamente, 1.217, 379.839 e 109. Foram, então, aplicados filtros que permitissem refinar a busca nas duas primeiras bases (Scopus e ISI Web of Science).

Na Scopus, os três filtros adotados foram: “Business, Management and Accounting”; “Engineering”; “Decision Sciences”. Na ISI Web of Science, foram adotados quatro filtros, um referente à localidade: “Brazil”; “Management”; “Business”; “Engineering Multidisciplinary”. Na SciELO não houve a necessidade de aplicação de filtros adicionais.

Realizou-se, então, uma análise dos documentos por meio da leitura de seus títulos e resumos, de modo a evidenciar quais se enquadravam na temática estudada.

Resultados

Levantamento realizado nas bases adotadas

A Figura 1 ilustra a distribuição cronológica das publicações encontrados nas três bases, permitindo identificar os períodos em que ocorreu maior produção. A linha de tendências, ou “trendline”, auxilia na constatação de que o interesse pela temática aumentou no período considerado.

Figura 1
Distribuição cronológica da produção científica inserida referente às bases pesquisadas.

Scopus

A pesquisa na base Scopus retornou 68 artigos, dos quais não há ocorrência de mais de um por autor.

É válido observar que antes da década de 1990, encontram-se 21% das publicações. Entretanto, como os objetivos do presente estudo relacionam-se às características da gestão hospitalar desempenhada no século XXI, ou, nas palavras de Schneider1, hospitais modernos, os anos anteriores a 1990 não foram apresentados separadamente.

ISI Web of Science

A base ISI Web of Science apresentou um retorno de um número maior de artigos (203) que a base Scopus (68). Ainda em relação à base, pode-se observar um incremento do número de trabalhos relacionados à temática pesquisada, influenciando a característica ascendente da linha de tendência ilustrada (Figura 1). Ressalta-se que 64% das publicações encontradas na ISI Web of Science aconteceram a partir 2011, sugerindo que a temática pesquisada é atual, uma vez que o horizonte temporal da pesquisa ora desenvolvida ocorre entre Outubro de 2015 e Janeiro de 2016.

SciELO

A pesquisa na base SciELO retornou 109 artigos. Os anos de 2007 e 2010 apresentaram uma quantidade expressiva de publicações, com 16 cada um, sendo esta a maior quantidade de publicações em um ano resultante da pesquisa na referida base. Embora os anos de 2013 e 2015 também apresentem mais de 10 artigos publicados, a distribuição de publicações no período compreendido entre 2011 e 2015 apresentou variações mais suaves que nos cinco anos anteriores.

Composição do “núcleo de partida”

Consolidando-se os resultados obtidos por meio das três bases pesquisadas (Scopus, ISI Web of Science e SciELO) foram encontrados 380 artigos.

Como nenhum dos artigos que se enquadravam na temática estudada encontrava-se em duplicidade, buscou-se verificar a aderência com a temática da pesquisa proposta, ou seja, gestão hospitalar e projetos de natureza gerencial aplicados ao ambiente hospitalar, selecionando aqueles que apresentassem identificação, chegando-se ao número final de 14 selecionados para compor o núcleo de partida do estudo. A Figura 2 ilustra todo o processo, desde os primeiros resultados pré-filtragem, até a composição final do núcleo de partida.

Figura 2
Processo de composição do “núcleo de partida”.

O Quadro 1 consolida os 14 artigos, seus respectivos autores e o ano e periódico em que foram publicados.

Quadro 1
Artigos considerados aderentes à pesquisa (“núcleo de partida”).

Em relação aos artigos integrantes do núcleo de partida, observa-se a predominância de periódicos associados às áreas de saúde e administração. Ressalta-se ainda a ocorrência de duas publicações em um periódico da área de gerenciamento de projetos (International Journal of Project Management), revelando possibilidades quanto à convergência de temáticas de gestão hospitalar e metodologias de gerenciamento de projetos. Há, também, uma publicação em um periódico da área de engenharia da qualidade e confiabilidade (Quality and Reliability Engineering International).

Por meio da Figura 3, pode-se observar a distribuição dos artigos selecionados em escala temporal. Observa-se que a partir de 2007 todos os anos apresentaram publicações aderentes à temática pesquisada, com um destaque para o de 2015, com cinco publicações, dentre as quinze que compõem o núcleo de partida. Essa quantidade de publicações no ano de 2015 colaborou para que a linha de tendências do gráfico assumisse uma inclinação ascendente.

Figura 3
Distribuição temporal dos artigos selecionados para o “núcleo de partida”.

Finalmente, o Quadro 2 ilustra o a relação entre os artigos que compõem o “núcleo de partida”, bem como os respectivos autores, com os principais temas abordados, por meio da identificação dos principais atributos/características observados na literatura técnico-científica entre os referidos artigos/autores e temas.

Quadro 2
Artigos e autores em relação aos principais temas emergentes da discussão (“núcleo de partida”).

Discussão

Os resultados provenientes do levantamento evidenciaram uma diversidade de assuntos referentes à gestão hospitalar, associados, especialmente, aos seguintes temas: análise dos processos de trabalho hospitalares; gestão participativa; acreditação hospitalar; gerenciamento de projetos; e, inovação gerencial em ambiente hospitalar.

Em sua pesquisa, Vendemiatti et al.9 estudaram divergências entre a subcultura médica e a administrativa, em que a primeira tende a desconsiderar certos fatores de natureza administrativa, por receio de perda de autonomia, tais quais redução de custos, aumento da produtividade e padronização de operações. Para Ferreira et al.2, em decorrência dessa situação, os médicos deixam de assimilar o capital intelectual que os gestores hospitalares podem trazer para a instituição, o que pode culminar na estagnação, retrocesso ou, no pior caso, fechamento.

Littike e Sodre13 salientam que a forma de gerenciamento dos hospitais universitários federais brasileiros assemelha-se à de empresas, especialmente no que concerne à organização dos setores que possuem seções com atribuições bem definidas e não necessariamente interdependentes. Entretanto, essa semelhança no modelo de gestão é inadequada, pois os setores assistenciais de um hospital possuem uma interdependência singular. Logo o isolamento destes compromete a eficiência na prestação de serviços e promove o surgimento de “ruídos” de comunicação, que se transformam em conflitos uma vez que não lhes é dada devida importância.

A partir desses dados, depreende-se que muitos problemas de comunicação notados entre os profissionais de um hospital, em especial médicos e administradores, não são formalizados junto à alta gestão ou setor pertinente. Essa informalidade é comprometedora sob a perspectiva administrativa, considerando-se que a tomada de decisão por parte de gestores hospitalares sem o devido suporte de evidências pode ampliar os conflitos no ambiente, dificultando medidas que visem mitigar os efeitos negativos de um ambiente conflituoso.

A deficiência na comunicação estimula pesquisas sobre uma das temáticas mais abordadas na literatura atinente à gestão hospitalar. Trata-se da gestão participativa, também chamada gestão colegiada. Esse tema traduz a busca dentro da gestão hospitalar por práticas mais dialógicas e democráticas, numa forma de administração horizontal, onde cria-se um espaço, preferencialmente físico, destinado à realização de reuniões orientadas ao debate de ideias e à identificação e resolução de problemas14.

A premissa dos colegiados gestores é o aprimoramento da comunicação institucional, o que pode repercutir positivamente em demais fatores, tais como o faturamento14. Contudo, Deus e Melo15 relatam uma propensão dos colegiados gestores a uma gradativa queda de interesse dos participantes, sobretudo quando não há incentivos posteriores à manutenção desses agrupamentos ou quando a formação de tais colegiados não promove efetivamente a perspectiva mais dialógica esperada do modelo. Esse último fator pode ser observado através das queixas de alguns trabalhadores no que tange à valorização de suas requisições. Além disso, o colegiado corre o risco de se tornar demasiadamente burocratizado, caminhando na contramão de suas pretensões originais16.

Percebe-se, então, que o sucesso de um colegiado depende de uma mudança na cultura organizacional. Mesmo uma implantação bem sucedida não se sustenta sem o apoio e o comprometimento dos funcionários, sejam eles pertencentes a quaisquer esferas15,16.

Enquanto a gestão participativa focaliza o aspecto da comunicação, a acreditação hospitalar privilegia o aprimoramento dos processos hospitalares. Em sua primeira etapa é realizado um diagnóstico dos processos de trabalho da instituição interessada em adquirir o título. Com base nessas informações, são implementadas medidas voltadas ao aprimoramento dos referidos processos. Uma vez concluídas, o hospital alcançará o título de “acreditado”, o que faz com que para além dos benefícios de melhoria nos serviços da instituição, seja percebida uma elevação do status.

Tendo em vista a primeira fase da acreditação, destinada ao diagnóstico, esta também apresenta benefícios à avaliação de seu desempenho da organização. Portela e Schmidt17 desenvolveram uma metodologia de avaliação e diagnóstico da gestão hospitalar baseados no Programa Brasileiro de Acreditação Hospitalar (PBAH).

Contudo, a implementação de um modelo de Acreditação Hospitalar se dá por meio de um projeto, como o de Alástico e Toledo18, que prestaram auxílio a um hospital público de pequeno porte na obtenção do título, utilizando um roteiro elaborado preliminarmente. Por conseguinte, como todos os projetos que tenham como intenção a promoção de mudanças na gestão hospitalar, a implementação de um modelo de Acreditação Hospitalar também será submetida a um campo de forças gerado pelas disputas de interesses na organização.

Segundo Cecilio e Mendes19, em consequência desse campo de forças, esses projetos dificilmente mantêm sua integridade durante o processo de implantação, em razão de precisarem atender não apenas os interesses da organização, mas também os de cada indivíduo ou setor envolvidos.

Logo, faz-se necessário um estudo prévio criterioso acerca das particularidades de cada organização, de modo a identificar a melhor maneira de conduzir o processo de implementação. Tais particularidades podem não ser evidenciadas na primeira fase da Acreditação, uma vez que esta se limita ao diagnóstico dos processos institucionais.

Considerando-se que a implementação de um modelo de gestão participativa, do cumprimento das requisições para obtenção de Acreditação Hospitalar e de outras mudanças organizacionais acontecem por meio de projetos, verifica-se o potencial colaborativo da temática de gestão de projetos, uma vez que algumas de suas premissas e metodologias identificam-se com o quadro mais específico da gestão hospitalar, podendo mostrar-se adequadas, também, ao aprimoramento dos processos de trabalho.

A principal vantagem na associação entre a gestão hospitalar e a gestão de projetos encontra-se na diversidade de métodos que a segunda tem a oferecer ao específico contexto hospitalar. Mota et al.20, por exemplo, destacam que metodologias de apoio à decisão por multicritério favorecem a definição das prioridades em um projeto, enquanto Gijo e Antony21 enfatizam que as instituições de saúde estão adotando cada vez mais o método Lean Six Sigma (LSS), dedicado ao aumento da agilidade e eficiência nos negócios.

Cabe ressaltar que um dos problemas associados à gestão hospitalar, sobretudo em alguns hospitais públicos, é a escassez de recursos financeiros. Logo, as metodologias supracitadas e, possivelmente, outras não abordadas no presente estudo, podem auxiliar na utilização mais eficiente dos referidos recursos.

Esse auxílio se dá por meio de um aprimoramento da tomada de decisões, otimizando a forma como os gestores de hospitais lidam com os trade-offs, ou seja, com as situações em que o favorecimento a um determinado objeto implica no detrimento de outro.

No entanto, a implantação de metodologias de gestão de projetos no ambiente hospitalar não é trivial. Os hospitais, enquanto organizações baseadas em processos, carecem de maturidade em gerenciamento de projetos – uma variável considerada bastante significativa, até mais do que o apoio da alta gestão das empresas22.

No intuito de alcançar a maturidade em gerenciamento de projetos referenciado, a presença de um setor hospitalar semelhante a um escritório de gerenciamento de projetos (EGP) poderia facilitar esse processo. Beraldo et al.23 destacam duas vertentes das funções do EGP. A primeira orientada à aplicação das metodologias características do gerenciamento de projetos e à tomada de decisão referente à alocação de recursos. A segunda orientada ao planejamento estratégico da empresa, alinhando os objetivos da liderança de topo com os setores e departamentos da companhia.

Um setor com essas características, além dos benefícios óbvios à gestão dos recursos financeiros, associa-se às práticas mais dialógicas defendidas pela gestão participativa, a medida que aproxima a gestão de topo e os setores do hospital.

Finalmente, outro tema que emerge como resultado deste levantamento é o aspecto da inovação em gestão. Embora apenas um artigo tenha sido classificado dentro dessa temática, assume-se este assunto como relevante, uma vez que ferramentas, tais como a revelada nesta pesquisa, auxiliam no aprimoramento do processo gerencial, impactando positivamente no atendimento ao paciente, ou seja, na gestão do cuidado.

Um dos artigos apresenta o assunto prontuário eletrônico como um diferencial no processo gerencial de uma instituição hospitalar24. Como esse recurso consiste em uma modernização tecnológica da qual nem todas as organizações de saúde podem usufruir, sobretudo considerando a escassez de recursos financeiros de muitos hospitais públicos, este foi considerado inovação gerencial, como uma indicação de que além deste, outros recursos não imediatamente encarados como tal, podem, de fato, constituir uma vantagem na gestão hospitalar.

Cumpre destacar uma possível razão para o pequeno resultado relacionado à temática da inovação. Tecnologias inovadoras, por vezes, possuem caráter mais específico, como um software de computador, por exemplo, que fosse desenvolvido sob uma demanda específica de um hospital em particular. Este software não se tornaria imediatamente (ou talvez nunca) uma ferramenta popular, entretanto, poderia ser um diferencial no processo gerencial desse hospital. Nessa perspectiva, ressalta-se que o artigo relacionado ao prontuário eletrônico destaca uma das tecnologias de maior popularidade, porém pode ser representativo de uma quantidade considerável de outras possibilidades.

Conclusão

As temáticas de destaque no âmbito da gestão hospitalar estão associadas às divergências entre profissionais, à deficiência na comunicação e à definição pouco precisa dos processos de trabalho.

Projetos de implantação de modelos de gestão participativa, ou seja, práticas administrativas mais dialógicas e democráticas, também recebem destaque na literatura como uma forma de enfrentar os problemas interpessoais comuns em hospitais.

Quanto à definição dos processos de trabalho, o presente estudo evidenciou a relevância de projetos de implantação de acreditação hospitalar, numa forma de revelar os fatores mais problemáticos por meio de diagnóstico inicial, para, posteriormente, promover mudanças adequadas nos referidos processos, com vistas ao seu aprimoramento.

Em adição à retificação direta dos processos administrativos não conformes, são discutidas formas alternativas para o seu aprimoramento, notadamente, com a incorporação de práticas de metodologias de gerenciamento de projetos em apoio à gestão hospitalar, bem como a aplicação de recursos tecnológicos inovadores que colaboram indiretamente com os processos gerenciais.

Responde-se, desta maneira, a questão desta pesquisa, ou seja, “quais são as principais práticas administrativas evidenciadas na literatura brasileira e internacional orientadas ao aprimoramento da gestão hospitalar”. A resposta consiste nas práticas que satisfazem as necessidades de solucionar ou contornar problemas interpessoais e de definição de processos, a exemplo dos colegiados gestores (gestão participativa), dos modelos de acreditação hospitalar, de metodologias de gerenciamento de projetos e investimento em inovação tecnológica.

Considerando todos esses aspectos, os quais se associam às principais temáticas denotadas pelos artigos que compõem o “núcleo de partida”, sugere-se que pesquisas futuras possam explorar a interseção entre a gestão participativa e o gerenciamento de projetos, associando os espaços criados pela primeira com os escritórios de gerenciamento de projetos. Outra possibilidade consiste em buscar novas formas de inovação que contribuam indiretamente para o aprimoramento das práticas gerenciais hospitalares, como o caso do prontuário eletrônico.

Tendo em vista que os objetivos deste artigo não compreendem a discriminação entre os diferentes tipos de instituições hospitalares, ou seja, não há discriminação entre hospitais públicos (SUS), privados, filantrópicos e universitários, sugere-se, adicionalmente, que estudos futuros considerem as respectivas particularidades de cada tipo, desenvolvendo pesquisas que contrastem os temas emergentes nessa discussão, entre instituições de naturezas distintas.

Referências

  • 1 Schneider EC. Hospital quality management: a shape-shifting cornerstone in the foundation for high-quality health care. Int J Qual Health Care 2014; 26(Supl. 1):1.
  • 2 Ferreira LCM, Garcia FC, Vieira A. Relações de poder e decisão: conflitos entre médicos e administradores hospitalares. RAM, Rev. Adm. Mackenzie 2010; 11(6):31-54.
  • 3 Chen PS, Yu CJ, Chen GYH. Applying Task-Technology Fit Model to the Healthcare Sector: a Case Study of Hospitals’ Computed Tomography Patient-Referral Mechanism. J Med Syst 2015; 39(8):80.
  • 4 Organização Mundial de Saúde (OMS). Global Status Report on Communicable Diseases. Geneva: OMS; 2014.
  • 5 OMS. Organização Mundial de Saúde. Maio de 2016. [acessado 2016 maio 20]. Disponível em: http://www.who.int/mediacentre/news/releases/2016/health-inequalities-persist/en/
    » http://www.who.int/mediacentre/news/releases/2016/health-inequalities-persist/en/
  • 6 Souza, AA, Guerra M, Lara CO, Gomide PLR, Pereira CM, Freitas DA. Controle de Gestão em Organizações Hospitalares. Revista de Gestão USP 2009; 16(3):15-29.
  • 7 Schiesari LMC. Avaliação externa de organizações hospitalares no Brasil: podemos fazer diferente? Cien Saude Colet 2014; 19(10):4229-4234.
  • 8 Silva LA, Santos JN. Concepções e Práticas do Trabalho e da Gestão de Equipes Multidisciplinares na Saúde. Revista de Ciências da Administração 2012; 14(34):155-168.
  • 9 Vendemiatti M, Siqueira ES, Filardi F, Binotto E, Simioni FJ. Conflito na Gestão Hospitalar: O Papel da Liderança. Cien Saude Colet 2010; 15(Supl. 1):1301-1314.
  • 10 Costa HG. Modelo para webibliomining: proposta e caso de aplicação Model for webibliomining: proposal and application. Revista da FAE 2010; 13(1):115-126.
  • 11 Higgins JPT, Green S, editors. Cochrane Handbook for Systematic Reviews of Interventions Version 5.1.0 [updated March 2011]. The Cochrane Collaboration, 2011. [acessado 2016 jun 3]. Disponível em: http:www.cochrane-handbook.org.
    » www.cochrane-handbook.org
  • 12 PRISMA. Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses. [acessado 2016 jun 3]. Disponível em: http://www.prisma-statement.org/PRISMAStatement/Default.aspx
    » http://www.prisma-statement.org/PRISMAStatement/Default.aspx
  • 13 Littike D, Sodre F. A arte do improviso: o processo de trabalho dos gestores de um Hospital Universitário Federal. Cien Saude Colet 2015; 20(10):3051-3062.
  • 14 Bernardes A, Cecilio LCO, Nakao JRS, Evora YDM. Os ruídos encontrados na construção de um modelo democrático e participativo de gestão hospitalar. Cien Saude Colet 2007; 12(4):861-870.
  • 15 Deus AD, Melo EM. Avaliação de uma experiência de gestão hospitalar participativa no âmbito do SUS: produção de saúde, sujeitos e coletivos. Saúde debate 2015; 39(106):601-615.
  • 16 Silva AM, Sa MC, Miranda L. Entre “feudos” e cogestão: paradoxos da autonomia em uma experiência de democratização da gestão no âmbito hospitalar. Cien Saude Colet 2015; 20(10):3063-3072.
  • 17 Portela OT, Schmidt AS. Proposta de metodologia de avaliação e diagnóstico de gestão hospitalar. Acta paul. enferm. 2008; 21(n. spe):198-202.
  • 18 Alástico GP, Toledo JC. Acreditação Hospitalar: proposição de roteiro para implantação. Gest. Prod. 2013; 20(4):815-831.
  • 19 Cecilio LCO, Mendes TC. Propostas alternativas de gestão hospitalar e o protagonismo dos trabalhadores: por que as coisas nem sempre acontecem como os dirigentes desejam? Saude soc. 2004; 13(2):39-55.
  • 20 Mota CMM, Almeida AT, Alencar LH. A multiple criteria decision model for assigning priorities to activities in project management. International Journal of Project Management 2009; 27:175-181.
  • 21 Gijo EV, Antony J. Reducing Patient Waiting Time in Outpatient Department Using Lean Six Sigma Methodology. Qual. Reliab. Engng. Int. 2014; 30:1481-1491.
  • 22 Berssaneti FT, Carvalho MM. Identification of variables that impact project success in Brazilian companies. International Journal of Project Management 2015; 33:638-649.
  • 23 Beraldo CGL, Salgado Junior AP, Pacagnella Junior AC, Jardim CPG. A atuação do Project Management Office como promotor do desempenho inovador das organizações. Revista GEINTEC 2015; 5(2):1969-1985.
  • 24 Farias JS, Guimaraes TA, Vargas ER, Albuquerque PHM. Adoção de prontuário eletrônico do paciente em hospitais universitários de Brasil e Espanha: a percepção de profissionais de saúde. Rev. Adm. Pública 2011; 45(5):1303-1326.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    18 Jun 2016
  • Revisado
    13 Dez 2016
  • Aceito
    15 Dez 2016
location_on
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Av. Brasil, 4036 - sala 700 Manguinhos, 21040-361 Rio de Janeiro RJ - Brazil, Tel.: +55 21 3882-9153 / 3882-9151 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cienciasaudecoletiva@fiocruz.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro