Resumo
A violência contra mulher caracteriza-se pela dominação simbólica masculina com pilares no patriarcado, expressando a desigualdade de gênero existente na sociedade. O objetivo deste estudo é analisar a notificação de violência interpessoal em mulheres cisgêneras e transgêneras, de 20 a 59 anos, nos municípios brasileiros, no período de 2015 a 2021. Trata-se de estudo do tipo painéis repetidos, utilizando dados do sistema de informação, e análise de tendência temporal pelo método Prais-Winsten. Foram elegíveis 605.983 notificações, sendo 1,8% de transgêneras. As notificações foram registradas em 84,8% dos municípios para mulheres cisgêneras e 31,7% para transgêneras. Houve predomínio em jovens (71,9%) e negras (55,3%), sendo proporcionalmente maior entre as transgêneras (p<0,001). A maioria das notificações foi de violência física (84,8%); seguida de violência psicológica (40,1%), sendo maior nas cisgêneras (p<0,001) e com redução no período para as transgêneras (β=-0,71; p=0,005). A notificação de violência ainda não reflete a realidade, em particular para mulheres transgêneras. A violência psicológica, entretanto, que costuma ser o início do ciclo de agressão, já ocupa o segundo lugar entre as notificações no país, apesar dos retrocessos vivenciados nos últimos anos.
Palavras-chave:
Violência baseada em gênero; Sistema de Informação em Saúde; Direitos Humanos
Abstract
Violence against women is characterised by male symbolic domination underpinned by patriarchy and expressing gender inequality in society. This study examined reporting of interpersonal violence against cisgender and transgender women 20 to 59 years old in Brazilian municipalities, from 2015 to 2021. This repeat panel study used data from the information system, and time-trend analysis by the Prais-Winsten method. A total of 605,983 notifications were eligible, 1.8% of which involved transgender women. Notifications regarding cisgender women were recorded in 84.8% of the municipalities and transgender women, in 31.7%. Notifications involved predominantly women who were younger (71.9%) and black (55.3%), and proportionally more transgender women (p<0.001). Most notifications were of physical violence (84.8%), followed by psychological violence (40.1%), which was higher among cisgender women (p<0.001) and at shorter intervals among transgender women (β=-0.71; p=0.005). Notifications of violence still do not reflect the realities, particularly as regards transgender women. Psychological violence, however, which usually starts the cycle of aggression, now ranks second among notifications in Brazil, despite conservative reverses of recent years.
Key words:
Gender-based violence; Health Information Systems; Human Rights
Introdução
A violência interpessoal é um comportamento em que um indivíduo utiliza da força física, poder ou influência psicológica para dominação ou exclusão do outro. As práticas violentas são usuais desde a Antiguidade, mas apenas a partir do século XIX que começaram a ser discutidas por pesquisadores de várias áreas, quando passou a ser considerada um fenômeno social11 Hayeck CM. Refletindo sobre a violência. RBHC 2009; 1(1):1-8..
Na área da saúde, a causa de morte por violência foi incorporada na primeira Classificação Internacional de Doenças (CID) no capítulo sobre afecções produzidas por causas externas22 Laurenti R. Análise da informação em saúde: 1893-1993, cem anos da Classificação Internacional de Doenças. Rev Saude Publica 1991; 25(6):407-417.. Apenas a partir do final do século XX, entretanto, que a violência foi considerada um problema de saúde pública que poderia ser evitada, passando a ser uma das prioridades pela Organização Mundial da Saúde33 Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi BA, Lozano R, editores. Relatório mundial sobre violência e saúde [Internet]. 2002 [acessado 2022 maio 5]. Disponível em: https://www.opas.org.br/relatorio-mundial-sobre-violencia-e-saude.
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. Antes dessa publicação, o Brasil instituiu a Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências44 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 737, de 16 de maio de 2001. Política nacional de redução da morbimortalidade por acidentes e violências. Diário Oficial da União 2001; 18 maio., e, posteriormente, implantou a Rede Nacional de Prevenção da Violência e Promoção da Saúde55 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 936, de 19 de maio de 2004. Dispõe sobre a estruturação da Rede Nacional de Prevenção da Violência e Promoção da Saúde e a Implantação e Implementação de Núcleos de Prevenção à Violência em Estados e Municípios. Diário Oficial da União 2004; 20 maio..
A violência contra mulher se caracteriza especialmente pela dominação simbólica masculina com pilares no patriarcado, expressando a desigualdade de gênero existente na sociedade66 Bandeira LM. Violência de gênero: a construção de um campo teórico e de investigação. Soc Estado 2014; 29(2):449-469.. A violência contra mulher ganhou voz através de movimentos feministas possibilitando diversas conquistas como a implantação em 1986 da primeira delegacia especializada para atendimento de mulheres no Brasil, e em 2003 da Secretaria Especial de Políticas Públicas para Mulheres77 Brasil. Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM). Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres Brasília: SPM; 2011.. Apenas em 2005, contudo, foi revogado do código penal a extinção da anulação do crime de violência sexual se o agressor ou outro homem se casasse com a vítima de estupro e retirados artigos sobre crime de adultério feminino e termos preconceituosos como “mulher honesta” e “mulher virgem”88 Brasil. Lei nº 11.106, de 28 de março de 2005. Altera os arts. 148, 215, 216, 226, 227, 231 e acrescenta o art. 231-A ao Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal e dá outras providências. Diário Oficial da União 2005; 29 mar.. No ano seguinte, foi sancionada a lei Maria da Penha99 Brasil. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Diário Oficial da União 2006; 8 ago. para coibir e prevenir a violência instituindo medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência familiar e doméstica. A violência contra a mulher passa a ser qualquer ação, baseada em gênero, que cause sofrimento físico, psíquico, moral, ou morte, seja no âmbito público ou privado. E quase dez anos depois o termo feminicídio foi incorporado na modalidade de homicídio qualificado, referente a assassinato de mulher por razões da condição feminina1010 Brasil. Lei nº 13.104, de 9 de março de 2012. Altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. Diário Oficial da União 2012; 13 mar..
A inserção dos direitos das Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT) na agenda das políticas públicas aconteceu de forma mais tardia, em particular para travestis e transexuais. Dentre os direitos conquistados estão o reconhecimento da união homoafetiva, a inserção do nome social nos documentos, o acesso a políticas específicas na área da saúde e a cirurgia de redesignação sexual no Sistema Único de Saúde (SUS) com o acompanhamento a todo processo transexualizador, e o reconhecimento da discriminação por orientação sexual e identidade de gênero como crime, como previsto na lei de racismo. O Brasil, entretanto, ainda se mostra como o mais intolerante frente à diversidade1111 Grupo gays da Bahia (GGB). Mortes violentas de LGBT+ no Brasil: relatório 2018 [Internet]. 2019 [acessado 2022 out 3]. Disponível em: https://observatoriomorteseviolenciaslgbtibrasil.org/wp-content/uploads/2022/05/Relatorio-2018.pdf.
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, ocupando o quinto lugar no ranking mundial de violência contra mulher cisgênera1212 Waiselfisz JJ. Mapa da violência 2015: homicídios de mulheres no Brasil [Internet]. 2015 [acessado 2022 fev 2]. Disponível em: https://oig.cepal.org/sites/default/files/mapaviolencia_2015_mulheres.pdf.
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; e a primeira posição entre os países que mais matam pessoas transgêneras, sendo em sua maioria travestis e mulheres transexuais1313 Transgender Europe (TGEU). TMM annual report 2016 [Internet]. 2016 [cited 2022 maio 5]. Available from: https://transrespect.org/wp-content/uploads/2016/11/TvT-PS-Vol14-2016.pdf.
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A notificação de violência autoprovocada e interpessoal foi implantada gradualmente no Brasil, mas somente em 2011 que passou a integrar a lista de notificação compulsória1414 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 104, de 25 de janeiro de 2011. Define as terminologias adotadas em legislação nacional, conforme disposto no Regulamento Sanitário Internacional 2005 (RSI 2005), a relação de doenças, agravos e eventos em saúde pública de notificação compulsória em todo o território nacional e estabelecer fluxo, critérios, responsabilidades e atribuições aos profissionais e serviços de saúde. Diário Oficial da União 2011; 26 jan. e integrada ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) a nível nacional. Já a inclusão das variáveis “orientação sexual” e “identidade de gênero” na ficha de notificação ocorreu apenas em 20151515 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. VIVA: instrutivo notificação de violência interpessoal e autoprovocada. 2ª ed. Brasília: MS; 2016., para atender a Programa Nacional Saúde Integral Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (PNSI LGBT)1616 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 2.836, de 1 de dezembro de 2011. Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Diário Oficial da União 2011; 2 dez..
A notificação de violência interpessoal e autoprovocada, para além da informação, é uma dimensão da linha de cuidado que possibilita dar visibilidade ao problema da violência e subsidiar as políticas públicas para a sua prevenção; sendo o primeiro passo para a sua superação1717 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Notificação de violências interpessoais e autoprovocadas. Brasília: MS; 2017..
Este estudo tem por objetivo analisar a notificação de violência interpessoal em mulheres cisgêneras e transgêneras nos municípios brasileiros, no período de 2015 a 2021 de forma a contribuir para o debate de ações para o enfrentamento da violência.
Métodos
Trata-se de estudo do tipo painéis repetidos, desenho híbrido que combina estudos transversal e de coorte1818 Klein CH, Block KV. Estudos Secionais. In: Medronho RA, Block KV, Luiz RR, Werneck GL. Epidemiologia. 2ª ed. São Paulo: Editora Atheneu; 2009. p. 193-219., sobre a violência interpessoal contra população de mulheres transgêneras e cisgêneras de 20 a 59 anos, no período de 2015 a 2021, nos municípios brasileiros. Os arquivos referentes aos microdados anonimizados compactados foram baixados do sítio eletrônico do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), na segunda quinzena de abril de 2022, sendo analisadas as variáveis relacionadas as características socioeconômicas e demográficas da vítima e do agressor, da violência e da motivação para agressão, disponíveis na ficha de notificação. O estudo obteve dispensa de análise ética do Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP) da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), parecer 03/2022 emitido em 12 de abril de 2022.
Foi calculado o percentual de cada categoria das variáveis estudada, estratificando por mulheres cisgêneras e transgêneras. O teste qui-quadrado de Pearson foi utilizado para avaliar a existência de diferença estatisticamente significativa entre os estratos (p≤0,05), com correção de Yates se necessário.
A tendência temporal foi descrita tendo como variável independente o ano da notificação e como variável dependente a proporção dos tipos de violência notificadas, e demais características, para cada população (mulheres transgêneras e cisgêneras). A avaliação foi realizada por regressão linear generalizada, utilizando o método de Prais-Winsten e respectiva significância estatística (p≤0,05). Adicionalmente, utilizou-se a estatística de Durbin-Watson (d) para avaliar a existência de autocorrelação residual1919 Gujarati DN, Porter DC. Econometria básica. 5ª ed. Porto Alegre: AMGH; 2011., em que resultados entre 1,356 e 2,644 confirmam que não há autocorrelação, enquanto acima de 3,300 indicam a existência de autocorrelação negativa, e abaixo de 0,700 autocorrelação positiva. Os intervalos entre os pontos especificados são inconclusivos (Zona de Indecisão), e, portanto, não possibilitam descartar autocorrelação. Os dados foram analisados no programa estatístico R versão 3.4.3, utilizando as bibliotecas: read.dbc, foreign, MASS e prais.
Resultados
Foram notificados 2.107.819 casos de violência no período estudado, sendo 605.983 (28,7%) elegíveis para o estudo. Destas, 11.211 ocorreram em mulheres transgêneras (1,8%). O percentual de notificações de violência contra mulheres transgêneras foi estável durante o período (p=0,406), sendo menor em 2019 (1,7%) e maior em 2016 (2,2%).
Em relação aos municípios notificantes, 84,8% registraram violência contra mulheres cisgêneras, variando de 74,0% na região Nordeste a 92,7% na região Sudeste (Tabela 1). Já em relação às mulheres transgêneras apenas 31,7% dos municípios notificaram, variando de 20,2% na região Nordeste a 46,9% na região Sudeste, com maior percentual nos municípios do estado do Acre (54,5%) e do Rio de Janeiro (60,9%). O estado do Amazonas tem aumentado o percentual de municípios que notificaram violências ocorridas em mulheres transgêneras no período (β=0,54; p=0,015; d=1,990); bem como o estado do Rio de Janeiro (β=0,84; p=0,018; d=1,572). Em contrapartida, tem reduzido o percentual de municípios com notificação de violência contra mulheres transgêneras os estados do Rio Grande do Norte (β=-0,37; p=0,005, d=1,993), Pernambuco (β=-0,63; p=0,022; d=2,288) e Tocantins (β=-0,41; p=0,037; d=1,901).
A Tabela 2 apresenta as características das mulheres cisgêneras e transgêneras com notificação de violência interpessoal. Houve predomínio de notificações em mulheres mais jovens de 20 a 39 anos (71,7%) e negras (55,3%), sendo proporcionalmente maior entre as mulheres transgêneras 74,8% e 59,8%, respectivamente (p<0,001). A variável escolaridade apresentou alto percentual de registro ignorado ou em branco (33,1%), principalmente entre as mulheres cisgêneras (33,2%; p<0,001), mas tem permanecido estável no período (p=0,853).
A maioria das notificações foi de violência física (84,8%), sendo proporcionalmente maior nas mulheres transgêneras (88,3%; p<0,001) (Tabela 3). A violência psicológica foi a segunda mais notificada (40,1%), mas proporcionalmente maior nas mulheres cisgênera (40,2%; p<0,001). Adicionalmente, a proporção de notificação de violência psicológica tem reduzido no período para mulheres as transgêneras (β=-0,71; p=0,005; d=1,981). A tortura correspondeu a 3,8% das notificações, mas foi proporcionalmente maior nas mulheres transgêneras (5,7%; p<0,001).
A notificação de violência sexual foi proporcionalmente maior nas mulheres cisgêneras (p<0,001), entretanto, tem aumentado nas mulheres transgêneras no período (β=0,67; p=0,003; d=2,368). Dentre as 53.336 notificações de violência sexual (8,8%), a maioria foi de estupro (83,0%), com tendência de aumento nas transgêneras (β=0,71; p=0,001; d=2,146). A exploração sexual foi maior nas mulheres transgêneras (4,2%; p<0,001).
Em relação ao motivo da agressão, destacaram-se o sexismo (20,2%), em particular nas mulheres cisgêneras (p<0,001); e o conflito geracional (10,8%) que foi proporcionalmente maior nas mulheres transgêneras (14,8%; p<0,001) (Tabela 4), ambos estáveis no período (p≥0,115). A homofobia e transfobia foram maiores nas mulheres transgêneras (7,1%; p<0,001) e com tendência de aumento no período (β=0,96; p=0,003; d=2,004). A xenofobia apresentou baixo percentual de notificação (0,1%), sendo também maior nas transgêneras (0,2%; p<0,001) e com tendência de aumento no período (β=0,21; p=0,021), contudo, há possibilidade de autocorrelação negativa (d=2,800).
Os principais agressores foram os homens (76,9%), sendo proporcionalmente maior entre as mulheres cisgêneras (84,1%; p<0,001) (Tabela 5). Em relação aos vínculos dos agressores, destacaram-se os cônjuges (33,8%) e ex-cônjuges entre as mulheres cisgêneras e cônjuges (27,4%) e desconhecidos (19,2%) entre as transgêneras. A agressão causada por filho(a) nas mulheres transgêneras tem reduzido no período (β=-0,61; p=0,050; d=1,870) e aumentado por irmão(ã) (β=0,88; p=0,002; d=1,949). A agressão causada pela chefia nas transgêneras tem diminuído (β=- 0,34; p=0,008), mas há possibilidade de autocorrelação negativa (d=2,82).
Discussão
O estudo identificou que dentre as notificações de violência interpessoal das mulheres apenas 1,8% corresponderam as transgêneras, proporção que se manteve estável no período estudado. Ademais, somente 31,7% dos municípios notificaram violência contra mulheres transgêneras. O Brasil, contudo, ocupa o primeiro lugar entre os países que mais matam a população LGBT, principalmente mulheres transexuais e travestis1313 Transgender Europe (TGEU). TMM annual report 2016 [Internet]. 2016 [cited 2022 maio 5]. Available from: https://transrespect.org/wp-content/uploads/2016/11/TvT-PS-Vol14-2016.pdf.
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,2020 Benevides BG, organizador. Dossiê assassinatos e violências contra travestis e transexuais Brasileiras em 2021 [Internet]. 2022 [acessado 2022 jan 3]: Disponível em: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2022/01/dossieantra2022-web.pdf.
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. A eleição brasileira de 2018 trouxe a vitória de grupos conservadores que tentou imprimir a construção de uma visão de mundo de extrema direita com discursos agressivos de cunho homofóbico, machista e racista2121 Miguel LF. O mito da "ideologia de gênero" no discurso da extrema direita Brasileira. Cad Pagu 2021; 62:e216216.. Tal visão também contribuiu para retrocessos nas políticas de proteção social, acompanhadas dos desmontes dos programas e políticas de ações governamentais2222 Teixeira MAC. Dilemas Brasileiros em políticas públicas e democracia. Rev Adm Publica 2020; 54(5):1-4.
23 Cohn A. As políticas de abate social no Brasil contemporâneo. Lua Nova 2020; 109:129-160.
24 Cunha LLN. A antipolítica de gênero no governo Bolsonaro e suas dinâmicas de violência. REB 2020; 7(14):49-61.-2525 Brasil. Presidência da República. Decreto nº 10.883, 6 de dezembro de 2021. Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, e remaneja e transforma cargos em comissão e funções de confiança. Diário Oficial da União 2021; 6 dez. que podem ter inibido a expansão da notificação de violência nessa população.
A notificação de violência foi proporcionalmente maior entre as mulheres mais jovens e negras, principalmente entre as transgêneras. A violência que atinge mulheres negras de forma desproporcional vem se constituindo como um processo complexo pautado no racismo patriarcal e heteronormativo, ou seja, um fenômeno fortemente marcado pelo sexismo e pelas fobias LGBT especialmente em relação mulheres lésbicas, transexuais e travestis2626 Werneck J, Iraci N. A situação dos direitos humanos das mulheres negras no Brasil: violências e violações [Internet]. 2016 [acessado 2022 set 9]. Disponível em: http://fopir.org.br/wp-content/uploads/2017/01/Dossie-Mulheres-Negras-.pdf.
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Infelizmente a escolaridade apresentou cerca de um terço dos registros ignorados ao longo do período analisado, comprometendo a análise desta variável. A baixa escolaridade contribui para vulnerabilidade social, em particular pela dificuldade de conseguir trabalho formal ou algum tipo de preparação para o mercado de trabalho. A evasão escolar também é um fator presente na vida da população mais carente, que precisa trabalhar muito cedo para ajudar a família, e principalmente na população transgênera que adiciona o preconceito vivenciado no ambiente escolar2727 Scote FD, Garcia MRVG. Trans-formando a universidade: um estudo sobre o acesso e a permanência de pessoas Trans no Ensino Superior. Perspectiva 2020; 38(2):1-25.,2828 Cunha SN, Oliveira AJ, Franco N. Fracasso, evasão e abandono escolar de pessoas trans: Algumas reflexões necessárias. Rev Educ Publica 2021; 30:1-18.. Ademais, para se sustentarem, acabam tendo apenas a prostituição, especialmente no período noturno, se submetendo aos riscos que a profissão traz2929 Cortes GR, Silva LF, Silva LKR, Soares GS. Violência contra travestis e transexuais: a mediação da informação no espaço LGBT [Internet]. 2017 [acessado 2022 jan 3]. Disponível em: http://hdl.handle.net/20.500.11959/brapci/105518.
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,3030 Pedra CB. Acesso à cidadania por travestis e transexuais no Brasil: um panorama da atuação do Estado no enfrentamento das exclusões [dissertação]. Minas Gerais: Fundação João Pinheiro, Escola de Governo Professor Paulo Neves de Carvalho; 2018.. Ainda há, contudo, muitas dificuldades que impedem o rompimento de barreiras para que possa garantir sua empregabilidade e sucesso2020 Benevides BG, organizador. Dossiê assassinatos e violências contra travestis e transexuais Brasileiras em 2021 [Internet]. 2022 [acessado 2022 jan 3]: Disponível em: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2022/01/dossieantra2022-web.pdf.
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A maioria das agressões foi cometida por conhecidos, mas entre as mulheres transgêneras a proporção de agressões de desconhecidos foi proporcionalmente maior do que entre as cisgêneras. Estudos têm sinalizado que as mulheres transgênera muitas vezes sofrem violência em vias públicas, principalmente pela vulnerabilidade que vivenciam trabalhando como profissionais do sexo2020 Benevides BG, organizador. Dossiê assassinatos e violências contra travestis e transexuais Brasileiras em 2021 [Internet]. 2022 [acessado 2022 jan 3]: Disponível em: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2022/01/dossieantra2022-web.pdf.
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. Em metanálise que incluiu artigos publicados até 2019, entretanto, identificou que transgêneros(as) apresentaram maior probabilidade de violência por parceiro íntimo do que as mulheres cisgêneras3131 Peitzmeier SM, Malik M, Kattari SK, Marrow E, Stephenson R, Agénor M, Reisner SL. Intimate Partner Violence in Transgender Populations: Systematic Review and Meta-analysis of Prevalence and Correlates. Am J Public Health 2020; 110(9):e1-e14..
A maioria das notificações foi de violência física. Esse tipo de violência tem sido mais frequente em estudos oriundos de notificações3232 Marinho Neto KRE, Girianelli VR. Evolução da notificação de violência contra mulher no município de São Paulo, 2008-2015. Cad Saude Colet 2020; 28(4):488-499. e das delegacias de atendimento à mulher3333 Sousa BS, Oliveira MPA, Musse JO, Maciel NTVG, Batista JFC, Lima GCBB. Violência contra mulher no nordeste Brasileiro: tendência temporal de 2009 a 2018. Interfaces Cien 2022; 9(1):53-67.,3434 Acosta DF, Gomes VLO, Barlem ELD. Perfil das ocorrências policiais de violência contra a mulher. Acta Paul Enferm 2013; 26(6):547-553.. A violência física, por ser geralmente visível, propicia a identificação e a busca por assistência, em particular nos casos de maior gravidade, e, portanto, mais passível de notificação se comparada a outros tipos de violência, que requerem um conhecimento da abrangência da violência tanto pela vítima quanto pelos profissionais. A violência contra mulheres, no entanto, é um processo contínuo de vários tipos de violências, incluindo agressões verbais, psicológicas, sexuais entre outras, que muitas vezes é intercalada com períodos sem violência3535 Lucena KDT, Deininger LSC, Coelho HFC, Monteiro ACC, Vianna RPT, Nascimento JA. Análise do ciclo da violência doméstica contra a mulher. J Hum Growth Dev 2016; 26(2):139-146.. Tal processo pode levar a traumas físicos e/ou emocionais irreparáveis3636 Lourenço LM, Costa PD. Violência entre Parceiros Íntimos e as Implicações para a Saúde da Mulher. Gerais Rev Interinst Psicol 2020; 13(1):1-14., ou ao seu ápice que é o feminicídio. No presente estudo também identificou que a notificação de violência física foi proporcionalmente maior nas mulheres transgêneras, provavelmente porque a abrangência para esse grupo foi mais tardia1515 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. VIVA: instrutivo notificação de violência interpessoal e autoprovocada. 2ª ed. Brasília: MS; 2016..
A violência psicológica foi a segunda a ser notificada correspondendo a menos da metade das notificações de violência física, sendo proporcionalmente maior nas mulheres cisgêneras. Este tipo de violência tende a ser mais prevalente em estudos realizados a partir de entrevistas com usuárias de saúde, que não têm necessariamente uma demanda diretamente relacionada à violência3737 Leite FMC, Amorim MHC, Wehrmeister FC, Gigante DP. Violência contra a mulher em Vitória, Espírito Santo. Rev Saude Publica 2017; 51(33):1-12., sinalizando que a magnitude do problema deve ser muito maior. Estudo realizado com base em dados de notificação de violência interpessoal contra a população LGBT no município de São Paulo, no entanto, identificou que a violência psicológica foi proporcionalmente maior para as mulheres homossexuais e bissexuais3838 Fernandes H, Bertini PVR, Hino P, Taminato M, Silva LCP, Adriani PA, Ranzani CM. Violência interpessoal contra homossexuais, bissexuais e transgêneros. Acta Paul Enferm 2022; 35:eAPE01486.. Estudo com 16 travestis e transexuais constatou que a agressão verbal foi mais frequente, seguido de violência psicológica, e que também ocorreram nos serviços de saúde3939 Silva GWS, Souza EFL, Sena RCF, Moura IBL, Sobreira MVS, Miranda FAN. Situações de violência contra travestis e transexuais em um município do nordeste Brasileiro. Rev Gaucha Enferm 2016; 37:e56407.. Ademais, o preconceito e o despreparo dos serviços e dos profissionais na assistência a população transgênera evidenciam processos discriminatórios que podem levar ao abandono do tratamento de diversas enfermidades4040 Rosa DF, Carvalho MVF, Pereira NR, Rocha NT, Neves VR, Rosa AS. Assistência de enfermagem à população trans: gêneros na perspectiva da prática profissional. Edição temática: trabalho e gestão em enfermagem. Rev Bras Enferm 2019; 72(3):11-19..
Muitas mulheres, no entanto, têm dificuldade de perceber que estão sofrendo violência psicológica e chegam às unidades de saúde com sintomas de dores crônicas, depressão, distúrbios alimentares, entre outros4141 Almeida APF, Sousa ER, Fortes S, Minayo MC. Dor crônica e violência doméstica: estudo qualitativo com mulheres que frequentam um serviço especializado de saúde. Rev Bras Saude Mater Infant 2008; 8(1):83-91.. Os profissionais de saúde também têm dificuldade em reconhecer a violência vivenciada pelas suas pacientes e relatam que as mulheres não abordam o assunto4242 Kiss LB, Schraiber LB. Temas médico-sociais e a intervenção em saúde: a violência contra mulheres no discurso dos profissionais. Cien Saude Colet 2011; 16(3):1943-1952.. Essa dificuldade pode estar relacionada à falta de capacitação e a própria violência vivenciada4343 Hasse M, Vieira EM. Como os profissionais de saúde atendem mulheres em situação de violência? Uma análise triangulada de dados. Saude Debate 2014; 38(102):482-493.. A formação dos profissionais, em particular dos médicos, também não tem contemplado violência de gênero4444 Pedrosa CMA, Spink MJP. Violência Contra Mulher no Cotidiano dos Serviços de Saúde: desafios para a formação médica. Saude Soc 2011; 20(1):124-135.. Tal despreparo resulta em oportunidades perdidas de intervenção, que poderiam contribuir para o rompimento do ciclo de violência. As décadas de ativismo, no entanto, tem contribuído para uma maior compreensão da sociedade, propiciando menor aceitabilidade da “expressão da violência” e a tornando mais visível. Adicionalmente, estratégias têm sido propostas de capacitação de profissionais para atendimento qualificado de conflitos familiares, em particular conjugais, na atenção básica; bem como a estruturação e divulgação de uma rede intersetorial para garantir assistência integral e de qualidade4545 Souza MB, Silva MFS. Estratégias de enfrentamento de mulheres vítimas de violência doméstica: uma revisão da literatura brasileira. Pensando Fam 2019; 23(1):153-166..
A violência sexual correspondeu a 10% da violência física, em que a maioria das notificações foi de estupro. Ela foi proporcionalmente maior em mulheres cisgêneras, mas tem aumentado nas transgêneras no período analisado. Estudo realizado com 284 travestis e trangêneras identificou que cerca da metade havia sofrido violência sexual4646 Nery ECS. Prevalência de violência sexual contra mulheres trans e travestis da região metropolitana de Goiânia, Goiás [tese]. Goiás: Pontifícia Universidade Católica de Goiás; 2021..
O crime de exploração sexual, que correspondeu a menos de 2% das notificações de violência sexual, foi proporcionalmente maior nas mulheres trangêneras. Para Navas4747 Navas KM. Vidas e corpos em trânsito: tráfico de travestis e transexuais Brasileiras com a finalidade de exploração sexual no contexto da crise do capital [tese] São Paulo: Pontifícia Universidade Católica; 2016., o tráfico como finalidade de exploração sexual é distinto para mulheres transexuais e travestis. Elas são mais facilmente cooptadas por aliciadores, por conta da vulnerabilidade que vivenciam, e geralmente tem o conhecimento de que irão ser submetidas à exploração e a servidão sexual e não reconhecem isso como um ato criminoso por terem o seu consentimento. A rejeição familiar, a dificuldade de inserção no mercado de trabalho e a busca para modificar o corpo são os principais motivos que as tornam mais vulneráveis ao tráfico para exploração sexual2020 Benevides BG, organizador. Dossiê assassinatos e violências contra travestis e transexuais Brasileiras em 2021 [Internet]. 2022 [acessado 2022 jan 3]: Disponível em: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2022/01/dossieantra2022-web.pdf.
https://antrabrasil.files.wordpress.com/...
.
Dentre as motivações da violência, o sexismo se destacou, em particular nas mulheres cisgêneras; seguido do conflito geracional, principalmente para as transgêneras. O sexismo é uma prática que parte de uma lógica de dominação masculina que se faz presente nas instituições, assim como nos ambientes públicos e privados e continua expresso na cultura brasileira que se mantém difícil de ser combatido, uma vez que não é fácil o seu reconhecimento4848 Alves NFT, Souza LEC, Maia LM, Silva RN, Gomes AAAM. A mulher no Facebook: Uma análise a partir do Sexismo Ambivalente. Intercom RBCC 2021; 44(1):131-147..
A Transfobia e/ou homofobia foram a terceira motivação da violência mais notificada entre as mulheres transgêneras, e com tendência de aumento durante o período estudado. A transfobia do feminino é o escopo da violência de gênero, é uma tentativa de mostrar o que é ser mulher e principalmente de tentar negar que mulheres trans, também são mulheres independentes do sistema sexo-gênero onde o gênero é formado pela genital2020 Benevides BG, organizador. Dossiê assassinatos e violências contra travestis e transexuais Brasileiras em 2021 [Internet]. 2022 [acessado 2022 jan 3]: Disponível em: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2022/01/dossieantra2022-web.pdf.
https://antrabrasil.files.wordpress.com/...
.
Uma das limitações do estudo foi à impossibilidade de estimar a prevalência da violência devido ao desconhecimento do tamanho da população LGBT. Apesar da pressão dos movimentos sociais e do Centro de Atendimento à Vítima do Ministério Público do Acre para que fossem incluídas as variáveis “orientação sexual” e “identidade de gênero” no questionário do Censo demográfico de 2022, o Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) recorreu à justiça argumentando que ainda não seria possível por motivos técnicos, operacionais e financeiros4949 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). IBGE divulgará em maio PNS com pergunta sobre orientação sexual [Internet]. 2022 [acessado 2022 nov 9]. Disponível: https://www.ibge.gov.br/novo-portal-destaques/33302-ibge-divulgara-em-maio-pns-com-pergunta-sobre-orientacao-sexual.html.
https://www.ibge.gov.br/novo-portal-dest...
. O questionário apenas contemplou, no item relação de parentesco ou convivência com a pessoa responsável, a possibilidade de indicar que o cônjuge ou companheiro(a) era do mesmo sexo5050 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo demográfico 2022: questionário básico [Internet]. 2022 [acessado 2022 nov 9]. Disponível: https://censo2022.ibge.gov.br/np_download/censo2022/questionario_basico_completo_CD2022_atualizado_20220906.pdf.
https://censo2022.ibge.gov.br/np_downloa...
. A Pesquisa Nacional de Saúde, que é um inquérito com amostragem probabilística realizada quinquenalmente, contemplou em 2019 apenas a variável orientação sexual da população adulta. Na amostragem realizada, 1,9% respondeu que era homossexual ou bissexual5151 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa nacional de Saúde 2019: tabelas Orientação sexual autoidentificada da população adulta [Internet]. 2019 [acessado 2022 nov 9]. Disponível: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/saude/9160-pesquisa-nacional-de-saude.html?=&t=resultados.
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/soc...
. Já levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisa Data Folha, incluindo 5.858 adultos das capitais e região metropolitana dos estados brasileiros e do distrito federal, estimou que 4,4% referiram ser homossexuais ou bissexuais5252 Spizzirri G, Eufrásio RA, Abdo CHN, Lima MCP. Proportion of ALGBT adult Brazilians, sociodemographic characteristics, and self-reported violence. Sci Rep 2022; 12:11176.. O preconceito e a falta de informação podem ter influenciado a diferença entre as pesquisas realizadas.
Outra limitação é a subnotificação. Ela ocorre até em diversas doenças conhecidas por profissionais de saúde e pela população, geralmente, por apresentar sintomas leves ou ausência de manifestação clínica, ou não adesão dos profissionais. Apesar disso, continua sendo uma estratégia necessária para conhecer a sua magnitude e características, e, portanto, fundamental para subsidiar as políticas públicas. A notificação de violência agrega outros desafios como o desconhecimento e o preconceito dos profissionais5353 Melo IRA, Garcia THB, Polejack L, Seidl EMF. O Direito à Saúde da População LGBT: Desafios Contemporâneos no Contexto do Sistema Único de Saúde (SUS). Rev Psicol Saude 2020; 12(3):63-78.. O despreparo dos profissionais, a falta de atendimento adequado e de acolhimento pode fazer com que as mulheres não procurem as instituições, inviabilizando a notificação da agressão sofrida, levando a uma subnotificação dos casos.
A ficha de notificação de violência, entretanto, tem uma particularidade, desde 2015 o seu preenchimento não é restrito aos profissionais e instituições de saúde; mas necessita de pactuação com as diversas instituições dos municípios1515 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. VIVA: instrutivo notificação de violência interpessoal e autoprovocada. 2ª ed. Brasília: MS; 2016.. A inclusão dos Centros de Referência LGBT, Centros de Referência de Assistência Social (CRAS e CREAS), escolas, e organizações não governamentais nesse processo é essencial para minimizar a subnotificação existente. Em contrapartida, a ficha de notificação possibilita identificar apenas parte da população LGBT+, pois ainda não são contemplados por exemplo os assexuais e intersexos.
A notificação de violência ainda não reflete a realidade, em particular para mulheres transgêneras. A violência psicológica, entretanto, que costuma ser o início do ciclo de agressão e pode culminar em feminicídio, já ocupa o segundo lugar entre as notificações no país, apesar dos retrocessos vivenciados nos últimos anos. O investimento na ampliação das instituições notificadoras, para além da saúde, como prevista, poderá contribuir para minimizar a subnotificação existente e a melhoria da qualidade da informação.
É necessário o desenvolvimento de pesquisas e políticas públicas nesse campo de estudo, principalmente no âmbito da saúde pública, que possam trazer a compreensão do mecanismo de representação social das mulheres sobre a violência de gênero a fim de promover práticas eficientes e ações de prevenção para o seu combate e enfrentamento. Muitos direitos foram conquistados ao longo do tempo em diferentes áreas, possibilitando que, o que foi por muito tempo silenciado, hoje possa ser ouvido e ser objeto de estudos e reflexões.
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10Brasil. Lei nº 13.104, de 9 de março de 2012. Altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. Diário Oficial da União 2012; 13 mar.
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Editores-chefes:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
01 Jul 2024 -
Data do Fascículo
Jul 2024
Histórico
-
Recebido
04 Out 2023 -
Aceito
01 Fev 2024 -
Publicado
20 Fev 2024