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Atenção primária no contexto da epidemia zika e da síndrome congênita da zika em Pernambuco, Brasil: contexto, vínculo e cuidado

Primary care in the context of the Zika epidemic and congenital Zika syndrome in the state of Pernambuco, Brazil: context, bond and care

Resumo

A epidemia zika trouxe ao cenário o nascimento de crianças com necessidades desconhecidas e inesperadas que exigem acompanhamento longitudinal, fortalecimento do vínculo, integralidade e coordenação do cuidado, atributos essenciais da atenção primária em saúde (APS). Este artigo tem o objetivo de avaliar a orientação da APS utilizando o instrumento PCATool-Brasil. Os dados foram coletados entre 2016 e 2019 por meio de entrevistas com responsáveis de crianças que nasceram em uma maternidade pública do Recife-PE no período crítico do surto de microcefalia, sobretudo no Nordeste do Brasil. Participaram do inquérito 109 responsáveis, dos quais 15,6% tiveram diagnóstico confirmado de microcefalia para suas crianças. Evidenciou-se a suficiência do grau de afiliação e acesso, mas a insuficiência da coordenação de cuidado, longitudinalidade, integralidade, orientação familiar e comunitária. No contexto da síndrome congênita da zika, esses atributos são imprescindíveis para o cuidado integral de crianças e famílias. A produção de saúde a partir desses domínios depende da orientação dos modelos de atenção e gestão com fortes investimentos estaduais e federal. A defesa da vida depende da capacidade de colocar a vida acima de todas as outras racionalidades.

Palavras-chave:
Zika vírus; Atenção primária à saúde; Avaliação em saúde

Abstract

The Zika epidemic brought to the fore the birth of children with unknown and unexpected needs that demand longitudinal follow-up, strengthening the bond, comprehensiveness and coordination of care in health, which are essential attributes of primary health care (PHC). This article aims to evaluate the orientation of PHC care, using the PCATool-Brasil. The data were collected between 2016 and 2019, by means of interviews with parents of children who were born in a public maternity hospital in Recife (state of Pernambuco) between October 2015 and February 2016, a critical period of the microcephaly outbreak, especially in the Northeast of Brazil. The parents of 109 children participated in the survey, 15.6% of which had a confirmed microcephaly diagnosis. The degree of affiliation and access was sufficient, but the aspects of coordination of care, longitudinality, comprehensiveness, family and community orientation were insufficient. In the context of congenital Zika syndrome, these attributes are essential for the care of children and families. The fostering of health from these domains depends on the orientation of the models of care and their management with state and federal investments. The defense of life depends on the ability to place life above all other rationalities.

Key words:
Zika Virus; Primary health Care; Health evaluation

Introdução

Apesar dos casos novos de dengue apresentarem um aumento gradual ao longo da história, o zika vírus espalhou-se muito rapidamente nas Américas. A partir de julho de 2014, em vários estados do Nordeste brasileiro foram registrados clusters de uma doença exantemática, sendo possível identificar o zika vírus em abril de 2015, após um surto no estado da Bahia. Até então não se conhecia os efeitos teratogênicos do vírus, que era considerado uma doença sem complicações11 Diderichsen F, Augusto LGS, Perez C. Understanding social inequalities in Zika infection and its consequences: a model of pathways and policy entry-points. Glob Public Health 2019; 14(5):675-683.

2 França GVA, Pedi VD, Garcia MHO, Carmo GMI, Leal MB, Garcia LP. Congenital syndrome associated with Zika virus infection among live births in Brazil: a description of the distribution of reported and confirmed cases in 2015-2016. Epidemiol Serv Saude 2018; 27(2):e2017473.

3 Oliveira WK, França GVA, Carmo EH, Duncan BB, Kuchenbecker RS, Schmidt MI. Infection-related microcephaly after the 2015 and 2016 Zika virus outbreaks in Brazil: a surveillance-based analysis. Lancet 2017; 390(10097):861-870.
-44 Zanluca C, Melo VCA, Mosimann ALP, Santos GIV, Santos CND, Luz K. First report of autochthonous transmission of Zika virus in Brazil. Mem Inst Oswaldo Cruz 2015; 110(4):569-572..

Apósagosto de 2015, alguns estados nordestinos, sobretudo o de Pernambuco, notificaram à Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde o aumento do número de casos de microcefalia neonatal55 Souza WV, Araújo TVB, Albuquerque MFPM, Braga MC, Ximenes RAA, Miranda-Filho DB, Bezerra LCA, Dimech GS, Carvalho PI, Assunção RS, Santos RH, Oliveira WK, Rodrigues LC, Martelli. Microcefalia no estado de Pernambuco, Brasil: características epidemiológicas e avaliação da acurácia diagnóstica dos pontos de corte adotados para notificação de caso. Cad Saude Publica 2016; 32(4):e00017216.. Com o aumento expressivo dos casos de microcefalia, cuja etiologia ainda era desconhecida, o Ministério da Saúde declarou em novembro do mesmo ano, que o evento se tornara emergência nacional de saúde pública. Posteriormente, com as evidências da possível associação entre a epidemia de microcefalia e o surto de infecção pelo zika vírus, em 2016 a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou emergência de saúde pública de importância internacional66 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Procedimentos preliminares a serem adotados para a vigilância dos casos de microcefalia no Brasil. Brasília: MS; 2015. (Nota Informativa, 01/2015 - COES Microcefalias).

7 Martins RS, Fróes MH, Saad LC, Ignácio Junior SM, Prado WDA Figueiredo, Sato HK, Ciccone FH, Guimarães TC, Katz G. Descrição dos casos de síndrome congênita associada à infecção pelo ZIKV no estado de São Paulo, no período 2015 a 2017. Epidemiol Serv Saude 2018; 27(3):e2017382.

8 Souza WV, Albuquerque MFPM, Vazquez E, Bezerra LCA, Mendes ADCG, Lyra TM, Araujo TVB, Oliveira ALS, Braga MC, Ximenes RAA, Miranda-Filho DB, Cabral Silva APS, Rodrigues L, Martelli CMT. Microcephaly epidemic related to the Zika virus and living conditions in Recife, Northeast Brazil. BMC Public Health 2018; 18(1): 130.
-99 World Health Organization (WHO). WHO statement on the first meeting of the International Health Regulations (2005) (IHR 2005) Emergency Committee on Zika vírus and observed increase in neurological disorders and neonatal malformations. [acessado 2019 Out 30]. Disponível em: https://www.who.int/news-room/detail/01-02-2016-who-statement-on-the-first-meeting-of-the-international-health-regulations-(2005)-(ihr-2005)-emergency-committee-on-zika-virus-and-observed-increase-in-neurological-disorders-and-neonatal-malformations
https://www.who.int/news-room/detail/01-...
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A epidemia trouxe ao cenário o nascimento de crianças com necessidades desconhecidas e inesperadas, com marcas e resultados distintos dos padrões, inclusive das microcefalias já conhecidas e resultantes de outras doenças congênitas1010 Moreira MCN, Mendes CHF, Nascimento M. Zika, protagonismo feminino e cuidado: ensaiando zonas de contato. Interface (Botucatu) 2018; 22(66):697-708.. Consequências reprodutivas que estão gravadas em suas histórias e que seguirão por longos anos. Os cuidados que se tornariam necessários estariam presentes por toda a vida das famílias, mesmo que o desenvolvimento dessas crianças ainda fosse (e continue sendo) uma das lacunas a serem desvendadas1111 Williamson KE. Cuidado nos tempos de Zika: notas da pós-epidemia em Salvador (Bahia), Brasil. Interface (Botucatu) 2018; 22(66):685-696..

A síndrome congênita do zika vírus (SCZV) é uma condição que eleva o cuidado para com os outros a um lema de vida, afirmam Scott e colaboradores1212 Scott RP, Lira LC, Matos SS, Souza FM, Silva ACR, Quadros MT. Itinerários terapêuticos, cuidados e atendimento na construção de ideias sobre maternidade e infância no contexto da Zika. Interface (Botucatu) 2018; 22(66):673-684.. A epidemia representa mais um indicador da desigualdade que caracteriza o Brasil contemporâneo, uma vez que seus impactos variaram segundo classe, grupo social ou gênero. Prevaleceram na cena desse ato histórias de mulheres nordestinas pobres que se viram na necessidade de se organizar para exigir do Estado sua responsabilidade frente a epidemia e seus impactos e consequências na vida de suas crianças1010 Moreira MCN, Mendes CHF, Nascimento M. Zika, protagonismo feminino e cuidado: ensaiando zonas de contato. Interface (Botucatu) 2018; 22(66):697-708.,1313 Lesser J, Kitron U. A geografia social do Zika no Brasil. Estud Av 2016; 30(88):167-175..

As famílias se viram diante da necessidade de luta pelos direitos de seus filhos, “da sua não escolha e responsabilidade por esse nascimento alterado em sua herança social”10 (p. 705). Entre os direitos, encontram-se a garantia da saúde, a busca por explicações causais e o apoio e respostas terapêuticas para atender às mais diversas necessidades das crianças e de suas famílias1212 Scott RP, Lira LC, Matos SS, Souza FM, Silva ACR, Quadros MT. Itinerários terapêuticos, cuidados e atendimento na construção de ideias sobre maternidade e infância no contexto da Zika. Interface (Botucatu) 2018; 22(66):673-684.,1414 Rego S, Palácios M. Ética, saúde global e a infecção pelo vírus Zika: uma visão a partir do Brasil. Rev Bioet 2016; 24(3): 430-434..

São demandas complexas e desconhecidas que exigem, no caso da saúde, o acompanhamento longitudinal, com fortalecimento do vínculo, garantia da integralidade da atenção e coordenação do cuidado, atributos essenciais que caracterizam, segundo Bárbara Starfield1515 Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: Unesco/Ministério da Saúde (MS); 2002., a atenção primária em saúde (APS).

A APS deve apresentar quatro atributos essenciais: o primeiro acesso (com exceção das situações emergenciais), relacionado à acessibilidade e ao cuidado para cada problema de saúde; o acompanhamento longitudinal, com a continuidade da oferta e da utilização dos serviços de saúde mediante o fortalecimento do vínculo entre os sujeitos envolvidos no processo de produção da saúde; a garantia de realização de ações de promoção, prevenção e recuperação, bem como atenção biopsicossocial pelo serviço e sistema, assegurando a integralidade da atenção; e a coordenação do cuidado, afirmando a continuidade da atenção e o reconhecimento dos problemas que necessitam de acompanhamento permanente. Há ainda os atributos derivados, relacionados ao contexto familiar (orientação familiar), da comunidade (orientação comunitária) e a competência cultural1515 Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: Unesco/Ministério da Saúde (MS); 2002.

16 Berra S, Rocha KB, Rodríguez-Sanz M, Pasarín MI, Rajmil L, Borrell C, Starfield B. Properties of a short questionnaire for assessing Primary Care experiences for children in a population survey. BMC Public Health 2011, 11:285.
-1717 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção em Saúde. Departamento de Atenção Básica. Manual do instrumento de avaliação da atenção primária à saúde: primary care assessment tool pcatool. Brasília: MS; 2010..

Em um cenário complexo de vulnerabilidades e necessidades geradas pelas famílias e crianças afetadas pelo zika vírus, é importante identificar e mensurar os atributos da APS. Dessa forma, este artigo tem o objetivo de avaliar a orientação da APS utilizando o instrumento PCATool-Brasil (versão criança), aplicado às/aos cuidadoras/cuidadores de crianças nascidas em uma maternidade pública da cidade do Recife-PE entre outubro de 2015 e fevereiro de 2016, incluindo todas as crianças notificadas como suspeitas de microcefalia.

Método

Trata-se de um estudo longitudinal e de abordagem quantitativa no qual foi utilizado o instrumento Primary Care Assessment Tool, ou Instrumento de Avaliação da Atenção Primária PCATool - Brasil, em sua versão criança para coleta dos dados. Os dados foram coletados de agosto de 2016 a agosto de 2019.

A coleta foi feita por meio de entrevistas com responsáveis de crianças nascidas em uma maternidade pública da cidade do Recife-PE entre outubro de 2015 e fevereiro de 2016, período crítico do surto de microcefalia, sobretudo no Nordeste do Brasil. Todas as famílias eram oriundas da Região Metropolitana do Recife e adscritas, em seus territórios, por equipes de atenção primária. As crianças foram selecionadas e acompanhadas a partir do ambulatório de puericultura do hospital, incluindo todas as crianças notificadas como suspeitas de microcefalia.

O contato com as mães foi realizado pelos estudantes da graduação do curso de medicina da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), por via telefônica ou por busca ativa em seus municípios de residência, tendo as consultas sido marcadas nesse momento. Na data agendada, os graduandos eram responsáveis por receber a mãe e sua criança na maternidade, funcionando como acompanhantes terapêuticos da família. Momentos antes da consulta, o estudante aplicava o inquérito (PCATool - Brasil versão Criança).

O PCATool foi elaborado na Johns Hopkins entre 1997 e 20011515 Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: Unesco/Ministério da Saúde (MS); 2002. e se constitui como um importante instrumento na avaliação da atenção primária, uma vez que mensura a presença e extensão de seus quatro atributos essenciais, de dois atributos derivados e do grau de filiação dos usuários aos serviços de saúde1717 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção em Saúde. Departamento de Atenção Básica. Manual do instrumento de avaliação da atenção primária à saúde: primary care assessment tool pcatool. Brasília: MS; 2010..

É composto por 55 itens distribuídos em 10 componentes que se relacionam aos atributos da APS. Cada item possui como possibilidade de resposta uma escala tipo Likert, com pontuação de 1 a 4, sendo oferecidas as seguintes opções aos entrevistados “com certeza sim” (valor = 4), “provavelmente sim” (valor = 3), “provavelmente não” (valor = 2), “com certeza não” (valor = 1) e “não sei/não lembro” (valor = 9)1717 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção em Saúde. Departamento de Atenção Básica. Manual do instrumento de avaliação da atenção primária à saúde: primary care assessment tool pcatool. Brasília: MS; 2010..

Tal instrumento obteve validação no Brasil, bem como em outros países, e foi adaptado à realidade do local. Recebeu o nome de Instrumento de Avaliação da Atenção Primária - PCATool Brasil, possuindo três versões: PCATool versão Criança; PCATool versão Adulto; e a versão destinada aos profissionais de saúde e ao coordenador do serviço de saúde. No presente estudo, foi utilizada a versão Criança para a coleta de dados.

Depois de aplicado o inquérito, as respostas foram organizadas em um banco de dados no software Excel, versão 2013, para proceder à análise dos dados. Foi então computada uma nota (ou escore) para cada atributo, a partir dos itens que compõem as dimensões do inquérito. Tais valores foram convertidos em uma escala de 0 a 10.

Os atributos foram classificados em duas categorias a partir do escore: alto ou satisfatório, quando ≥ 6,6; e baixo ou insatisfatório, quando < 6,6. Foi calculado o escore essencial, composto pelas médias dos atributos essenciais, o escore derivado, obtido pela média dos atributos derivados, assim com o escore geral da APS, resultante da média dos atributos (essenciais e derivados)1818 Chomatas E, Vigo A, Marty I, Hauser L, Harzheim H. Avaliação da presença e extensão dos atributos da atenção primária em Curitiba. Rev Bras Med Fam Comunidade 2013; 8(29):294-303..

Para avaliar o grau de relacionamento entre os atributos e sua significância, foi realizada uma análise de correlação de Spearman. Essa análise mede o grau de relacionamento entre variáveis de qualquer natureza, que será dado pelo coeficiente de correlação (r). O coeficiente nos diz se a relação é forte ou fraca, e se é no mesmo sentido ou em sentido contrário (uma vez que o seu valor varia de -1 a +1), e estar relacionado não significa que haja existência de relação causal entre as variáveis.

Foram realizadas duas análises, uma que inclui o atributo “coordenação - integração de cuidados” e outra que o exclui, tendo em vista que este apresenta uma primeira pergunta na qual a resposta “não” obrigatoriamente leva o entrevistado ao atributo “coordenação - sistema de informações”, deixando cinco perguntas do atributo “coordenação - integração de cuidados” sem resposta e, consequentemente, parte do banco de dados em branco.

Também foi realizado o teste ANOVA one way, para avaliar se havia diferença entre as médias obtidas para os grupos estudados (crianças acompanhadas com e sem a síndrome congênita do zika vírus), apresentando o valor observado da estatística de teste F, considerando-se p < 0,05 como nível de significância.

A pesquisa desenvolveu-se de acordo com as normas da resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde e o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CAAE: 54734316.5.0000.5208).

Resultados

Participaram do inquérito 109 responsáveis por crianças nascidas entre outubro de 2015 e fevereiro de 2016, dos quais 17 (15,6%) tiveram o diagnóstico confirmado de microcefalia para suas crianças.

Os resultados referentes aos escores essencial e geral tiveram valores classificados como baixos ou insatisfatórios. Dos atributos analisados, sistemas de informação (coordenação) obteve maior escore médio (7,5), seguido por utilização (acesso de primeiro contato) (6,8), grau de afiliação (6,7) e integração de cuidados (coordenação) (6,7). Por sua vez, os atributos com os menores escores foram orientação comunitária (4,3), integralidade - serviços disponíveis (4,6), orientação familiar (4,9) e acessibilidade (acesso de primeiro contato) (4,9). Os escores essencial e geral apresentaram valores abaixo de 3,0 (Tabela 1).

Tabela 1
Escores médios, intervalo de confiança (95%) e desvios padrão dos atributos da atenção primária em saúde (APS).

Para avaliar o grau de relacionamento entre os atributos e sua significância, foi realizada uma análise de correlação de Spearman (tabelas 2 e 3).

Tabela 2
Coeficiente de correlação de Spearman (r) sem considerar o atributo coordenação - integração de cuidados.
Tabela 3
Coeficiente de correlação de Spearman (r) considerando o atributo “E” (coordenação - integração de cuidados).

Na Tabela 2, o maior grau de relacionamento foi observado entre as variáveis serviços prestados e longitudinalidade, apresentando uma correlação positiva com r = 0,643 e p = 0,000. No entanto, a correlação positiva mais fraca (mais perto de zero) entre as variáveis foi exibida entre os atributos serviços prestados e orientação comunitária, com valor de r = 0,283 e p = 0,034.

Quando a integração do cuidado (Tabela 3) foi analisado com os demais atributos, o grau de relacionamento e, consequentemente, seus valores mudaram. A relação entre orientação familiar e serviços disponíveis apresentou a maior correlação positiva com r = 0,802 e p = 0,000; enquanto o menor grau de relacionamento foi observado entre as variáveis longitudinalidade e sistema de informações, com r = 0,511 e p = 0,036.

A Tabela 4 apresenta os escores médios obtidos dos atributos com intervalo de confiança de 95% na experiência dos responsáveis de crianças nascidas e que tiveram o diagnóstico confirmado ou não para SCZV.

Tabela 4
Escores médios e intervalos de confiança (IC 95%) dos atributos da atenção primária à saúde em crianças acompanhadas com e sem a síndrome congênita do zika vírus.

Os escores essencial e geral foram maiores para os responsáveis cujos filhos tiveram a confirmação para SCZV, embora a diferença entre os grupos não tenha apresentado significância estatística. Em relação aos atributos, percebeu-se também uma melhor experiência para esse grupo de mães, com exceção para os atributos utilização e acessibilidade. Entretanto, as diferenças encontradas também não apresentaram significância estatística.

Para os responsáveis das crianças confirmadas para SCZV, 60,0% dos atributos foram avaliados negativamente, com valores abaixo de 6,6. Para as outras mães, 70,0% dos atributos apresentaram valores inferiores ao padrão utilizado.

Discussão

O funcionamento dos atributos da APS definidos por Barbara Starfield são essenciais para que a atenção primária possa cumprir seu papel e contribuir para a melhoria da saúde da população, subsidiando a obtenção de resultados positivos, como: redução da mortalidade e de internações por causas evitáveis; maior satisfação dos usuários; ampliação e qualificação do acesso de acordo com a necessidade; maior qualidade no atendimento; diagnóstico e tratamento precoce de doenças e agravos; e redução de procedimentos especializados desnecessários1919 Starfiled B, Shi L, Macinko J. Contribution of primary care to health systems and health. Milbank Q 2005; 83(3):457-502..

A avaliação dos atributos apontou para questões importantes e desafiadoras para o cuidado das crianças e suas famílias. A gravidade do impacto da SCVZ e a necessidade de cuidado para toda a vida, as incertezas sobre consequências nas crianças expostas na gestação, a falta de profissionais especializados com formação para lidar com múltiplas e complexas deficiências, além do isolamento familiar e de estigmas produzidos pela síndrome, demandam o fortalecimento da APS para assegurar a ampliação do acesso e o cuidado integral e resolutivo2020 Bailey Jr. DB, Ventura LO. The likely impact of congenital Zika syndrome on families: considerations for family supports and services. Pediatrics 2018; 141(Suppl. 2):180-187.. A coordenação do cuidado, com seus componentes de sistemas de informação e integração de cuidados, o primeiro contato, com seu componente de utilização, e o grau de afiliação apresentaram as melhores avaliações.

O grau de afiliação, primeiro atributo avaliado, que representa o reconhecimento da equipe de saúde como referência no cuidado, foi uma das dimensões com melhor desempenho, acompanhado de primeiro contato, com seu componente de utilização, quando os usuários reconhecem que a atenção primária é o primeiro recurso a ser buscado quando há uma necessidade de saúde. Isso significa que o vínculo entre as famílias e as equipes está fortalecido e a atenção primária se configura como elo na rede de saúde, representando o primeiro contato em um cuidado permanente e complexo, como aquele relacionado às crianças com a síndrome congênita do zika vírus.

Esse resultado corrobora com os achados de Lima et al.2121 Lima EFA, Sousa AI, Primo CC, Leite FMC, Lima RCD, Maciel ELN. Avaliação dos atributos da atenção primária na perspectiva das usuárias que vivenciam o cuidado. Rev Latino-Am Enfermagem 2015; 23(3):553-559., Quaresma e Stein2222 Quaresma FRP, Stein AT. Attributes of primary health care provided to children/adolescents with and without disabilities. Cien Saude Colet 2015; 20(8):2461-2468. e Sala et al. 23, que identificaram as equipes de saúde da família como serviços de referência para os seus usuários.

Por sua vez, o atributo de acesso de primeiro contato, em seu componente de acessibilidade, apresentou baixo escore. O acesso é fundamental para a qualidade do cuidado, uma vez que representa que os usuários, conforme afirmam Norman e Tesser2424 Norman AH, Tesser CD. Acesso ao cuidado na Estratégia Saúde da Família: equilíbrio entre demanda espontânea e prevenção/promoção da saúde. Saude Soc 2015; 24(1):165-179., “conseguem o cuidado quando dele necessitam” (p. 168). Vários dispositivos associados, como acolhimento em função da vulnerabilidade e risco, mecanismos de desospitalização e cuidado domiciliar, apoio especializado matricial e projetos terapêuticos singulares, são fundamentais para assegurar acesso, cuidado integral e resolutivo, e quando insuficientes contribuem para esse baixo resultado encontrado.

Na atenção às crianças com SCZV o cuidado é complexo. Ele estará presente em toda a sua vida e se estende à família, que diante de necessidades inesperadas necessita do fortalecimento do vínculo, do cuidado longitudinal e do acesso às ações e serviços de saúde nos mais diversos níveis de atenção. A capacidade de resolver problemas, lidar com projetos singulares e incluir os núcleos de apoio à saúde da família e outras possibilidades de apoio especializado matricial são estratégias fundamentais na atenção às crianças e famílias no contexto da epidemia por zika vírus e SCZV.

Segundo Norman e Tesser2424 Norman AH, Tesser CD. Acesso ao cuidado na Estratégia Saúde da Família: equilíbrio entre demanda espontânea e prevenção/promoção da saúde. Saude Soc 2015; 24(1):165-179., o acesso é condição indispensável para que a APS possa assegurar a oferta e coordenação efetiva do cuidado longitudinal, abrangente (integral) e orientado à família e à comunidade.

Assim como encontrado nesse estudo, Mesquita Filho, Luz e Araújo2525 Mesquita Filho M, Luz BSR, Araújo CS. A atenção primária à saúde e seus atributos: a situação das crianças menores de dois anos segundo suas cuidadoras. Cien Saude Colet 2014; 19(7):2033-2046. também identificaram baixos valores nesse atributo, mencionando que a dificuldade de acesso foi relatada por mais de 90% dos entrevistados. Para os autores, a avaliação negativa demonstra as iniquidades às quais as crianças estão submetidas. Segundo Kovacs et al.2626 Kovacs MH, Feliciano KVO, Sarinho SW, Veras AACA. Acessibilidade às ações básicas entre crianças atendidas em serviços de pronto-socorro. J Pediatr 2005; 81(3):251-258., as dificuldades de acesso são importantes motivações para não considerar a rede de atenção primária como primeiro contato diante de uma necessidade ou problema de saúde.

A longitudinalidade, atributo essencial que representa a continuidade da atenção, a confiança e vínculo entre o usuário e os serviços de saúde, não alcançou resultado favorável. A fragilidade nessa dimensão demonstra que, apesar de as amplas necessidades de saúde apresentadas pelas crianças com SCZV exigirem uma atenção contínua, com forte relação com os profissionais e os serviços de saúde, a conexão e o reconhecimento dessas necessidades são insipientes, assim como das estratégias necessárias para responder às demandas.

A associação entre a longitudinalidade e o acesso oportuno é uma das chaves para a efetividade e a qualidade do cuidado contínuo. Isso reforça que o acesso deve estar vinculado à longitudinalidade2727 Tesser CD, Norman AH, Vidal TB. Acesso ao cuidado na Atenção Primária à Saúde brasileira: situação, problemas e estratégias de superação. Saúde Debate 2018; 42(esp. 1):361-378.. No entanto, as duas dimensões não foram bem avaliadas neste estudo, o que pode interferir na definição do sentido da projetualidade terapêutica singular a cada criança, contínua, com definição de responsáveis, objetivos, metas e reavaliação permanente pela equipe de referência. Pode interferir também em potenciais indicadores associados a esses objetivos, a saber: quantos usuários sabem informar o nome dos profissionais de sua equipe de referência, quantos são acompanhados por essa equipe em caso de internação, quantos têm projetos terapêuticos elaborados e que geraram articulação intersetorial, entre outros.

A garantia de uma atenção primária longitudinal é indispensável para atender às demandas das crianças com SCZV e de suas famílias, uma vez que o atributo assegura o aocmpanhamento permanente e o cuidado necessário com os diagnósticos e tratamentos mais precisos.

Quando o modelo de proteção social adotado em um país define a atenção primária ampliada como eixo estruturante do sistema de saúde, a coordenação do cuidado é ponto-chave para o modelo de atenção2828 Rodrigues LBB, Silva PCS, Peruhype RC, Palha PF, Popolin MP, Crispim JA, Pinto IC, Monroe AA, Arcêncio RA. A atenção primária à saúde na coordenação das redes de atenção: uma revisão integrativa. Cienc Saude Colet 2014; 19(2):343-352.

29 Almeida PF, Fausto MCR, Giovanella L. Fortalecimento da atenção primária à saúde: estratégia para potencializar a coordenação dos cuidados. Rev Panam Salud Publica 2011; 29(2):84-95.
-3030 Conill LM, Fausto MCR, Giovanella L. Contribuições da análise comparada para um marco abrangente na avaliação de sistemas orientados pela atenção primária na América Latina. Rev. Bras. Saude Matern Infant 2010; 10(Supl. 1):S15-S27..

A coordenação do cuidado, representada pelos componentes da integração do cuidado e dos sistemas de informação, apresentou boa avaliação no presente estudo. Isso significa que os responsáveis pelas crianças com síndrome congênita do zika vírus avaliaram relativamente bem a capacidade da rede básica de saúde de integrar o cuidado necessário à rede de serviços.

Com o objetivo de alcançar a melhor atenção ao usuário, a coordenação do cuidado representa a articulação entre os diversos serviços e as ações relacionadas a essa atenção2323 Sala A, Lupp CG, Simões O, Marsiglia RG. Integralidade e atenção primária à saúde: avaliação na perspectiva dos usuários de unidades de saúde do município de São Paulo. Saude Soc 2011; 20(4):948-960., o que exige o fortalecimento das redes de saúde e da integração entre seus componentes, sujeitos, subjetividades, equipes, serviços e território.

Há de se concordar com Almeida et al. 31, que compreendem que a coordenação do cuidado, para ser efetiva, precisa ser dinâmica, com um profundo diálogo com as especificidades, a complexidade, o nível de fragmentação do sistema e as subjetividades daqueles para os quais e em função dos quais o sistema de saúde existe e se concretiza.

Fragilidades no atributo da coordenação do cuidado na atenção primária foram encontradas em alguns estudos. Não há rede de atenção sem uma atenção primária robusta e capaz de coordenar o cuidado3232 Bousquat A, Giovanella L, Camps EMS, Almeida PF, Martins CL, Mota PHS, Mendonça MHM, Medina MG, Viana ALD, Fausto MCR, De Paula DB. Atenção primária à saúde e coordenação do cuidado nas regiões de saúde: perspectiva de gestores e usuários. Cien Saude Colet 2017; 22(4):1141-1154.. Articulação é essencial, sobretudo diante da necessidade de cuidados diários e intensos que estarão presentes nas famílias das crianças com síndrome congênita do zika vírus durante, provavelmente, o resto de suas vidas.

O atributo da integralidade pressupõe que a APS reconheça a amplitude e diversidade das necessidades de saúde, sobretudo no caso das crianças com SCZV, cuja condição de saúde é imprevisível e as condições de vida, em sua maioria, são precárias1111 Williamson KE. Cuidado nos tempos de Zika: notas da pós-epidemia em Salvador (Bahia), Brasil. Interface (Botucatu) 2018; 22(66):685-696..

Assim como observado em alguns estudos2121 Lima EFA, Sousa AI, Primo CC, Leite FMC, Lima RCD, Maciel ELN. Avaliação dos atributos da atenção primária na perspectiva das usuárias que vivenciam o cuidado. Rev Latino-Am Enfermagem 2015; 23(3):553-559.,2525 Mesquita Filho M, Luz BSR, Araújo CS. A atenção primária à saúde e seus atributos: a situação das crianças menores de dois anos segundo suas cuidadoras. Cien Saude Colet 2014; 19(7):2033-2046., a integralidade não obteve escores satisfatórios nos dois componentes avaliados: serviços disponíveis e serviços prestados. A avaliação negativa sugere que ainda há um importante caminho a ser percorrido pela APS para responder às necessidades das crianças e de suas famílias, distanciando-se, como afirmam Diniz e colaboradores 33, do tão desejado cuidado integral.

Compreendemos a integralidade na abordagem das crianças, famílias e sua rede social como a capacidade de uma prática de clínica ampliada e compartilhada3333 Campos GWS. Saúde Paidéia. São Paulo: Editora Hucitec; 2003., que articule trabalho em equipe interdisciplinar e interprofissional, bem como diferentes serviços com diversas identidades compondo uma rede coordenada. Produzir o efeito da integralidade é essencial no contexto do estudo.

Os atributos de orientação familiar e comunitária refletem os menores valores de escores encontrados, bem abaixo do suficiente, com os mais baixos valores em ambos os grupos de crianças confirmadas e não confirmadas com a SCZV, sendo evidência bastante relevante no contexto do fenômeno em questão.

A atenção à saúde centrada na família (orientação familiar), segundo Starfield1515 Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: Unesco/Ministério da Saúde (MS); 2002., é orientada pela avaliação das necessidades individuais para a atenção integral, considerando o contexto familiar e seu potencial de cuidado e de ameaça à saúde, incluindo o uso de ferramentas de abordagem familiar. De acordo com a autora, a orientação comunitária se refere ao reconhecimento por parte do serviço de saúde das necessidades em saúde da comunidade por meio de dados epidemiológicos e do contato direto com a comunidade, assim como ao planejamento e à avaliação conjuntos dos serviços.

A análise dos valores relativos aos dois atributos reflete a preocupação com a orientação política e quais diretrizes de modelo de atenção e gestão as redes têm trabalhado no contexto da epidemia zika. A necessidade de cuidados em múltiplas dimensões e o apoio psicossocial às mães e suas redes sociofamiliares, considerando a gravidade do impacto e as incertezas diante do desconhecimento da doença, mostram que são necessários serviços centrados na família e na comunidade, além da coordenação de cuidados extensivos2020 Bailey Jr. DB, Ventura LO. The likely impact of congenital Zika syndrome on families: considerations for family supports and services. Pediatrics 2018; 141(Suppl. 2):180-187.,3434 Santos-Pinto CDB, Soares-Marangoni DA, Ferrari FP, Ajalla MEA, Venâncio FA, Rosa TS, Oliveira EF. Health demands and care of children with congenital Zika syndrome and their mothers in a Brazilian state. BMC Public Health 2020; 20(1):762.. Para além da avaliação quantitativa em relação à abordagem familiar e comunitária das equipes na atenção primária à saúde, fica evidente no conjunto dos atributos o modo de funcionamento da vigilância em saúde, o apoio institucional aos serviços territoriais, a centralidade das ações nos sujeitos, seus contextos familiares e comunitários, bem como a fragilidade da territorialização em saúde. Isso aponta para a necessária continuidade de pesquisas que abram caminhos para novas intervenções.

Combinar os cuidados individuais e coletivos, valendo-se dos conceitos de educação em saúde, temas de saúde coletiva e da abordagem familiar e comunitária no contexto da epidemia zika/SCZV, torna-se diretriz essencial para a análise da vulnerabilidade produzida pelo modo como as redes se organizam na garantia do acesso, da integralidade e da coordenação do cuidado. Isso também se traduz nos conceitos de produção de autonomia e fortalecimento dos grupos, ampliando a capacidade de intervenção diante desse complexo problema de saúde.

Conclusão

É inconteste que o fortalecimento da atenção primária à saúde impacta positivamente na vida e na saúde das pessoas e que a expansão na cobertura e na qualidade fortalece sistemas nacionais e universais capazes de responder às antigas e às novas epidemias. Assegurar a ampliação do acesso e do cuidado integral e resolutivo, bem como orientar a implementação de equipes interdisciplinares em rede integrada, com métodos e instrumentos de orientação do trabalho, é ainda mais importante quando o cuidado envolve famílias e crianças em situação complexa e com múltiplas necessidades. Isso significa também que a garantia de direitos dos usuários, a proteção social e as ações no âmbito da promoção da saúde têm relação com a garantia de direitos humanos e fundamentais à vida.

Percebe-se, neste estudo, a suficiência do grau de afiliação e acesso, entretanto, observa-se a insuficiência dos atributos de coordenação do cuidado, longitudinalidade, integralidade e orientações familiar e comunitária. Esses dois últimos atributos apresentaram os mais baixos valores em ambos os grupos de crianças, chamando atenção pela caraterística do agravo evitável, com forte associação socioambiental com modos de viver e habitar das grandes cidades.

No contexto de aumento da pobreza e da desigualdade na sociedade brasileira, é necessária a revisão dos repasses financeiros estabelecidos pelo governo federal ao SUS e das regras para o financiamento da atenção primária. Defender a vida das pessoas em um cenário complexo de desigualdades e iniquidades em saúde exige forte investimento técnico, político e financeiro na APS, com apoio e suporte aos territórios na superação dos problemas de maneira complexa e articulada com a proteção social.

Identificamos algumas limitações da pesquisa, a saber: a dinâmica da rede APS e a influência das políticas de saúde ao longo do tempo podem alterar o “retrato” aqui evidenciado; as limitações do próprio instrumento ao considerar que todos os atributos possuem o mesmo grau de peso para orientações dos modelos de atenção e gestão ou para abordagem de fenômenos diferentes; a existência de atributos não incluídos no instrumento que fazem parte da análise de qualidade da APS; a avaliação partindo de um instrumento quantitativo; e a não existência de um modelo ideal para todo o SUS no Brasil.

No entanto, o presente estudo aponta resultados importantes. Considerando a zika e a SCZV, os atributos de vínculo e garantia de acesso, coordenação do cuidado, integralidade da atenção, orientação familiar e comunitária são caraterísticas imprescindíveis para a promoção e prevenção, o tratamento e acompanhamento clínico, o apoio e a reabilitação de crianças e famílias. São dispositivos associados a objetivos amplos e de eficácia, eficiência, capazes de ampliar a capacidade de estabelecer contratos e compromissos das equipes de saúde com as pessoas, reduzir danos, produzir integralidade, entre outros aspectos.

Novos caminhos de investigação e investimentos em pesquisas precisam se apoiar nas melhores explicação e intervenção diante das evidências deste e de outros estudos, mas também diante das limitações metodológicas e dos instantâneos de uma realidade não estática, não reprodutível matematicamente. Estudos pautados na pesquisa-ação e na pesquisa-intervenção são necessários, produzindo outra relação entre teoria e prática, entre sujeito e objeto.

Ampliar a suficiência e a qualidade dos atributos significa ampliar a capacidade de resolver problemas a partir de uma APS articulada em rede, fundamental para a resposta a essa epidemia e a tantas outras. A produção de saúde a partir desses domínios, características e atributos dependem da orientação dos modelos de atenção e gestão locais e regionais, mas com fortes investimentos estaduais e federal, de maneira que a atenção primária possa trabalhar em rede articulada e integrada para resolução desse e de outros problemas de saúde das crianças, suas famílias e redes sociais. A defesa da vida da população brasileira depende da capacidade de colocar a vida acima de todas as outras racionalidades.

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  • Financiamento

    Por meio dos editais Facepe 04/2016 (Estudos e Pesquisas para Políticas Públicas Estaduais de Apoio Emergencial para Estudo do Vírus Zika) e Facepe 10/2017 (Programa de Pesquisa para o SUS: Gestão Compartilhada em Saúde PPSUS - Pernambuco, CNPq/MS/SES/Facepe).

Editado por

Editores-chefes:

Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    Mar 2022

Histórico

  • Recebido
    11 Maio 2020
  • Aceito
    26 Jan 2021
  • Publicado
    28 Jan 2021
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