Open-access A capacidade institucional do Setor Saúde e a resposta à COVID-19 em perspectiva global

Resumo

O artigo analisa o Índice da Segurança Sanitária Global (ISSG) à luz das respostas nacionais ao primeiro ciclo da pandemia da COVID-19. O ISSG classifica a capacidade dos países no enfrentamento dos riscos biológicos graves. O artigo examina os dados da pandemia de 50 países para avaliar o poder preditivo do ISSG. A ausência da vacinação determinou difusão da COVID-19 no primeiro ciclo da pandemia em 2020. Os indicadores dos países são correlacionados e demonstrados por estatística descritiva. A metodologia de aglomeração por clusters agrupa os países segundo a similaridade da composição etária. A principal restrição que pode ser atribuída ao ISSG diz respeito ao privilegiamento das variáveis biomédicas para a mensuração da capacidade institucional. O artigo evidencia que, paradoxalmente, o primeiro ciclo da pandemia teve um impacto significativo nos países teoricamente mais preparados, segundo o ISSG, para controlar a disseminação de doenças e oferecer mais acesso à assistência à saúde. O artigo assinala que durante o primeiro ciclo da pandemia, o setor saúde dependeu da cooperação dos governos na adoção do distanciamento social. O ISSG não considerou o papel das lideranças políticas que desafiam o risco sanitário severo por veto às medidas de distanciamento social.

Palavras-chave: Índice de Segurança Sanitária Global; COVID-19; Pandemia; Capacidade institucional; Análise comparada

Abstract

This study approaches the Global Health Security Index (GHSI) according to the responses to the first cycle of the COVID-19. The GHSI ranks countries’ institutional capacity to address biological risks. We analyzed data regarding the spread of COVID-19 pandemic in 50 countries to assess the ability of GHSI to anticipate health risks. The lack of vaccination determined the spread of the COVID-19 in the first cycle of the pandemic in 2020. Country indicators are correlated and demonstrated by descriptive statistics. The clustering method groups countries by similar age composition. The main restriction that can be attributed to the GHSI concerns the preference of biomedical variables for measuring institutional capacity. Our work shows that the pandemic had a significant impact on better-prepared countries, according to the GHSI, to control the spread of diseases and offer more access to health care in 2020. This paper points out that the health sector depended on the cooperation of governments in the adoption of social distancing during the first cycle of the pandemic. The GHSI failed to consider the role of political leaders who challenge severe health risks by vetoing social distancing.

Key words: Global Health Security Index; CO VID -19; Pandemic; Institutional capacity; Compa rative analysis

Introdução

Este texto analisa os efeitos da primeira onda da pandemia da COVID-19 em 50 Estados nacionais à luz do Índice da Segurança Sanitária Global - ISSG (The Global Health Security Index - GHSI) da Johns Hopkins University (JHU)1. Poucos estudos utilizaram o ISSG para descrever comparativamente as condições de segurança sanitária dos países durante os primeiros meses da pandemia2. Esta escassez foi surpreendente porque o ISSG agrega extensa documentação e dados quantitativos, de acesso aberto, que permitem a avaliação da capacidade institucional do setor saúde face aos riscos sanitários catástroficos3. Não resta dúvida que a compreensão da validade propositiva do ISSG tornou-se particularmente instigante diante da insegurança coletiva associada à disseminação em escala global do SARS-CoV-2 em 2020.

O ISSG apresenta um rol de indicadores complexos e úteis sobre a capacidade institucional dos países no enfrentamento dos riscos biológicos graves que causam danos em escala global, inviabilizam o desenvolvimento social e disseminam doenças letais. O ISSG é composto por seis variáveis: prevenção da emergência de epidemias; agilidade na detecção e informação sobre epidemias com alto potencial de risco; rapidez na resposta para mitigar a disseminação da epidemia; acessibilidade do setor saúde para assistir a população; comprometimento do país com as normativas de saúde internacionais, inclusive em termos financeiros e condição geral de risco ambiental e biológico do país1. O maior valor agregado do ISSG foi atribuído aos Estados Unidos (83,5 pontos). É importante destacar que predominam no ISSG as variáveis biomédicas da vigilância epidemiológica. Com a criação do ISSG, Johns Hopkins University defendeu enfaticamente a inclusão do tema dos riscos biológicos na agenda dos governos nacionais por força das interconexões mundiais que favorecem a criação e difusão de novos patógenos1.

Diante do evento de risco biológico extraordinário em curso, cabe considerar se a capacidade institucional do setor saúde medida pelo ISSG fez diferença na mitigação dos danos esperados pela disseminação do SARS-CoV-2. Não resta dúvida que a atual pandemia tem imposto ao ISSG monumental teste de estresse em função da escala dos casos e mortes associada ao novo coronavírus. Para Dalglish4, a saúde global nunca será a mesma após a COVID-19. Com base na amostra dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Abbey et al.5 afirmam, por exemplo, que raros sistemas de saúde foram efetivos na resposta ao SARS-CoV-2 nos primeiros meses da pandemia. A baixa efetividade dos países da OCDE na resposta à COVID-19 comprovaria que o ISSG falhou na previsão dos países mais preparados para a emergência sanitária. Para os autores, a discrepância entre a classificação do ISSG e a resposta dos países da OECD à pandemia da COVID-19 comprovaria que ISSG subestimou o nível de preparo de muitos países e superestimou de outros. Os autores demandam inclusive que o painel de indicadores do ISSG seja reavaliado, incluindo especialmente a dimensão da “liderança política nacional” por força dos exemplos de sucesso da Nova Zelândia e da Coreia do Sul no início da pandemia5.

A conclusão dos autores deve ser vista com muita atenção porque ratifica a percepção de que as epidemias causadas pelos novos coronavírus (SARS-CoV-1, MERS e SARS-CoV-2) interromperam a estável relação da sociedade contemporânea com os eventos sanitários severos, alterando o padrão estabelecido pela pandemia da gripe espanhola de 1918-1919.

Nesses termos, é razoável esperar que os parâmetros dominantemente biológicos de qualificação das nações utilizados pela Johns Hopkins University tenham sido estressados em função da indisponibilidade de tecnologias farmacológicas (antiviral específico e vacina) para o tratamento da COVID-19 e controle dos SARS-CoV-2 ao longo do primeiro ciclo pandemia (março-dezembro de 2020).

Cabe destacar que, até o começo deste século, os Estados nacionais reduziram de modo contínuo a morbidade e a mortalidade por meio da centralização burocrática e especialização profissional para a provisão de bens coletivos no setor saúde6,7. Mckeown8 chama a atenção para a contribuição, neste processo bem-sucedido, das intervenções de natureza técnico-científica, como controle de vetores, da imunização e da introdução contínua de novos fármacos, que promoveram a redução da morbidade e da mortalidade por doenças infecciosas, favorecendo o notável aumento da longevidade da população mundial8.

Em função da presente falha da intervenção em escala coletiva da biomedicina nas sucessivas ondas da pandemia em 2020, os governos nacionais foram, de fato, convocados a impor o distanciamento social massivo combinado com testagem, rastreamento de contato e quarentena9-11. Cabe assinalar que as primeiras vacinas para a COVID-19, só foram disponibilizadas para poucos países no começo de dezembro de 2020, nove meses após a decretação do estado de pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS)12. Antes da vacina, as medidas de distanciamento social reduziram a velocidade da disseminação do SARS-CoV-2 em países asiáticos no começo da pandemia em 202013. Portanto, ao longo de 2020, poucos países puderam reivindicar sucesso sustentável na contenção do SARS-Cov-2 ao adotar o distanciamento social massivo (lockdown) defendido pelos especialistas14.

Na realidade, o primeiro ciclo da pandemia, ao longo de 2020, caracterizado pela indisponibilidade das vacinas, exacerbou as preocupações com os grupos vulneráveis15, especialmente pela extrema letalidade da COVID-19 na população de idosos16,17 e do risco elevado de mortes da população obesa18.

Material e métodos

Para testar a consistência do ISSG como indicador da capacidade de resposta dos sistemas nacionais de saúde a eventos biológicos severos, este artigo examina os dados dos 50 países mais populosos (87% da população mundial em 2019). O artigo mediu o coeficiente de correlação (r) do ISSG com a incidência acumulada e a mortalidade acumulada por 100 mil habitantes, a letalidade por 1.000 casos, a taxa de testagem e a sobremortalidade atribuídas à COVID-19 nos nove primeiros meses da pandemia.

O cálculo da sobremortalidade acumulada não período deriva da equação dy dydx , onde dy é a participação percentual do país no total global de óbitos atribuídos à COVID-19 e dx é a participação percentual da população do país na população global em 2019. O resultado da operação maior que de 1 indica a condição de sobremortalidade do país.

O ISSG é também correlacionado as condições econômicas, demográficas e de oferta de serviços de saúde como renda per capita, proporção de pessoas com igual ou mais de 65 anos, proporção de obesos, idade média da população e disponibilidade de leitos.

A descrição por meio do coeficiente de correlação r de variáveis quantitativas propõe identificar o grau de dependência especialmente dos indicadores de incidência e de mortalidade acumuladas por 100 mil habitantes em 2020 a variáveis estruturais na amostra dos países mais populosos. O indicativo de que há ou não correlação entre as variáveis selecionadas é o coeficiente de correlação, que assume valores entre -1 a +1. Quanto maior o valor do coeficiente de correlação, independente de assumir valor positivo ou negativo, maior o grau de associação linear entre as variáveis19.

O artigo também utiliza a classificação dos 50 casos nacionais nos estratos de baixa, média e alta capacidade institucional do setor saúde segundo a Johns Hopkins1.

A amostra de 50 países se diferencia das amostras por conveniência dos estudos de avaliativos da efetividade explicativa do ISSG pela diversidade regional e alta assimetria nas condições de riqueza e oferta de leitos hospitalares.

Para medir a variabilidade dos casos selecionados, os indicadores são também descritos pela distribuição mediana e pelo coeficiente de variação. O coeficiente de variação mede a variabilidade relativa de uma distribuição e expressa o percentual do desvio padrão em relação à média20.

A metodologia de aglomeração por clusters21 é utilizada para agrupar os países segundo a similaridade da composição etária (pessoas com >65 anos e idade média da população).

As informações sobre o primeiro ciclo da pandemia da COVID-19 contemplam o período de 1º de março de 2020 a 30 de novembro de 2020. Os dados analisados pela versão do SPSS 25.

As fontes dos dados são a publicação da Johns Hopkins University1, Banco Mundial22 e o sítio OurWorld in Data23. Os dados sobre a prevalência da obesidade na população adulta (índice de massa corporal igual ou superior a 30) são da Organização Mundial de Saúde24,25.

Resultados

O Quadro 1 mostra que apenas 6 países da amostra (12%) foram classificados pelo escore global do ISSG como altamente capacitados no campo biomédico para oferecer resposta rápida a eventos sanitários severos: Canadá, França, Coreia do Sul, Tailândia, Estados Unidos e Reino Unido. No polo aposto, 10 países de grande porte (20%) foram colocados na condição de baixa capacidade de responder com presteza a eventos epidemiológicos de alto risco, a maioria no continente africano. Os demais 34 países da amostra (68%) teriam média capacidade de oferecer respostas com presteza às emergências associadas epidemias e pandemias. Chama a atenção no Quadro 1 que apenas um país de economia secundária (Tailândia) tenha sido classificado na condição de alto ISSG, como assinalam Abbey et al.5. Como mostra o Gráfico 1, a posição dos países no ISSG está positivamente correlacionada à riqueza dos países medida pelo PIB per capita.

Gráfico 1
Distribuição do ISSG segundo o PIB per capita em 2019.

Quadro 1
Distribuição 50 Maiores dos Países Segundo o ISSG em novembro de 2019 (n=50).

A Tabela 1 mostra a incidência e os óbitos acumulados por 100 mil habitantes entre 1º de março e 30 de novembro de 2020. Os coeficientes de variação dos indicadores da incidência acumulada e dos casos são elevadíssimos (respectivamente, 122% e 141%), indicando que a disseminação da COVID-19 apresentava um padrão completamente assimétrico na amostra analisadas dos 50 maiores países.

Tabela 1
Distribuição da Incidência Acumulada e Mortes Acumuladas por 100 mil habitantes, atribuídas à COVID-19 entre 1º de março e 30 de novembro de 2020, nos 50 países mais populosos do mundo.

Contudo, a Tabela 2 mostra que os países com maiores índices de segurança sanitária são os que detêm também de maior proporção de idosos e idade média elevada. Os valores altos do ISSG estão também correlacionados às nações com grande quantidade de casos, óbitos, sobremortalidade pela COVID-19 e alta prevalência de população adulta obesa.

Tabela 2
Correlação do ISSG, PIB per capita, idade média da população, proporção de idosos, realização de teste, dummy para sobremortalidade, incidência, casos acumulados de COVID-19 e leitos por mil habitantes (n=50).

O ISSG está também correlacionado aos países que implantaram testagem em massa como estratégia de vigilância epidemiológica e dispõe de maior oferta de leito em hospital. Ainda assim, a densidade na oferta de leitos não está correlacionada à menor incidência acumulada de óbitos.

A Tabela 2 mostra, portanto, que os países com ISSG mais elevados não apresentam letalidade significativamente diferente dos demais países, apesar dos seus sistemas nacionais de saúde terem sofrido monumental pressão de demanda por atendimento em 2020. A estrutura de oferta de leitos fez diferença apenas na mitigação da letalidade do SARS-CoV-2 nos países classificados com alto ISSG em comparação com os países pobres de baixa com baixa capacidade sanitária.

A Tabela 3 mostra que dois países com alto ISSG não implantaram a testagem em massa para orientar as decisões governamentais em relação ao distanciamento social (França e Tailândia). De modo geral, a testagem como ferramenta de vigilância epidemiológica da COVID-19 não foi implantada em 19 (38%) dos países de grande porte, indicando que as informações sobre o número de casos e mesmo óbitos na amostra podem ser de baixa confiabilidade para muitos países. Os países de baixo ISSG mostraram extraordinária falta de comprometimento com a implantação da testagem em massa - apenas 2 em 10 o fizeram em 2020.

Tabela 3
Implementação de Testagem em Massa nos Países segundo o ISSG nos Países Populosos (>acima de 28 milhões de habitantes) (n=50).

Até novembro de 2020, estavam também em condição de déficit na informação epidemiológica, pela falta de adoção da testagem massiva, apesar da sobremortalidade por COVID-19, o Brasil e França. Os demais grandes países com déficit informacional pela não aplicação da testagem massiva, mas com a mortalidade informada abaixo do esperado em relação proporção da sua população na amostra eram Afeganistão, Argélia, Angola, Argentina, China, República Democrática do Congo, Egito, Quênia, Moçambique, Myanmar, Sudão, Tanzânia, Tailândia, Uzbequistão, Venezuela, Vietnam e Iêmen.

Por fim, os dados da Tabela 4 mostram que a estrutura demográfica foi um fator de risco para a mortalidade associada à disseminação do novo coronavírus ao longo de 2020, como indicou a literatura. Os países com alta proporção de idosos, com exceção do Japão, tiveram uma taxa de mortalidade 24 vezes maior do que os países com estrutura demográfica jovem. Os dados da Tabela 4 ressaltam também a lenta transição demográfica nos países da África na amostra: a proporção de população idosa é residual no cluster de países agregados como de “população muito jovem” (3%). O predomínio das nações do continente africano neste cluster é notável.

Tabela 4
Mediana da proporção de pessoas com >65 anos, produto interno bruto per capita e mortes por 100 mil habitantes pela COVID-19, segundo os clusters dos países pela estrutura demográfica.

Conclusão

Este artigo problematiza criticamente Índice da Segurança Sanitária Global (ISSG) da Johns Hopkins University como um indicador efetivo para estimar a capacidade de resposta dos países durante o primeiro ciclo da pandemia da COVID-19 em 2020 face à indisponibilidade de vacinas. A principal restrição que pode ser atribuída ao ISSG diz respeito ao privilegiamento das variáveis biomédicas para a mensuração da capacidade institucional das nações. Por força dessa configuração, o artigo demonstra que os países com o ISSG mais elevado foram duramente desafiados pela ausência de ferramentas farmacológicas para controlar a disseminação do SARS-CoV-2 e a mortalidade causadas pela COVID-19 em 2020.

A falta de ferramentas farmacológicas deixou o setor saúde desses países fortemente dependente da cooperação da sociedade e governos para implantar o distanciamento social. O ISSG não contemplou a hipótese de que as lideranças políticas pudessem desafiar o risco sanitário severo, negando-se a implantar as medidas de distanciamento social. Este artigo chama a atenção que, em muitos países de grande porte e ricos, a prescrição do distanciamento social para controlar a disseminação do SARS-CoV-2 foi objeto de veto político do governo central ao longo de 2020.

Nesse contexto, a questão específica da orientação da liderança governamental em relação à ciência10 fragilizou a tentativa da JHU em construir um índice de capacidade institucional do setor saúde em escala global. Muitos países fracassaram na construção do consenso sobre a severidade da COVID-19 em razão do negacionismo militante dos governos centrais. Os exemplos de negacionismo dos governos centrais de Brasil26,27, Estados Unidos28 e México29 são emblemáticos. Os Estados Unidos responderam de modo errático ao ciclo da pandemia de 2020 em função do negacionismo científico do governo Trump30, apesar do primeiro lugar na classificação do ISSG. Não resta dúvida que o ISSG pode aprimorar sua métrica no sentido de dar mais destaque às variáveis políticas e institucionais das nações.

Já é consensual o reconhecimento de que a atuação do governo central na implantação com presteza do distanciamento social e na disseminação da informação científica fez a diferença em países específicos, permitindo que o setor saúde conquistasse o apoio da maioria da sociedade durante o primeiro ciclo da pandemia de 202031.

A baixa incidência de casos e dos óbitos em países com baixo ISSG, identificada no artigo, também pode, assim, ser explicada por escolhas da sociedade, como demonstrada na experiência de outras epidemias igualmente severas neste século32.

Como assinala Dalglish4, o aprendizado social de controle dos coronavírus, presente em países asiáticos, também foi mimetizado por nações com baixo ISSG. Não resta dúvida que a mobilização cívica e a indução governamental dessas sociedades podem ter possibilitado a mitigação da ameaça biológica catastrófica que foi a disseminação global do SARS-CoV-2 em 2020.

Em resumo, o maior paradoxo evidenciado neste artigo é que a pandemia declarada pela OMS em 11 de março de 202025 teve um impacto devastador nos países teoricamente mais preparados, segundo o ISSG, para controlar a disseminação de doenças e oferecer mais acesso à assistência à saúde em 2020. A análise com base na amostra dos grandes países evidencia, assim, o fracasso dos sistemas nacionais de saúde da maioria das nações ricas e emergentes na proteção das populações contra o SARS-CoV-2. A sobremortalidade produzida pela COVID-19 esteve diretamente correlacionada aos sistemas de saúde dos países de alta renda que receberam a classificação de elevada capacidade institucional para lidar com emergência sanitária no ISSG. Ao contrário do esperado, estes países não demonstraram capacidade de lidar com a emergência do SARS-CoV-2 em 2020.

Algumas características estruturais dos países de alta renda podem explicar este fracasso. Este artigo identifica a influência da estrutura demográfica e da distribuição da obesidade na surpreendente na concentração da sobremortalidade nos países que foram classificados com escores elevados do ISSG em comparação aos países com estrutura populacional mais jovem. A falta de ferramentas farmacológicas também contribuiu para a relativa falha da maioria das nações ricas em oferecer assistência aos idosos e pessoas obesas, mesmo nas nações com sistema de saúde com alta densidade de oferta de leitos em hospitais.

Por outro lado, o bônus demográfico (população muito jovem) pode ter favorecido o bom desempenho das nações com baixo ISSG quando confrontadas pelo SARS-Cov-2 ao longo do primeiro ciclo da pandemia de 2020. Contudo, é necessário também chamar à atenção para a possibilidade de que os países com baixo ISSG tenham sido beneficiados, nas informações divulgadas pelo sítio Ourworld in Data, pela subnotificação sistêmica derivada da incapacidade governamental de detectar e reportar doenças e causas de morte. Cabe ressaltar, como mostrado no artigo, que quase 80% dos países mais populosos com baixo ISSG e taxas residuais de incidência da COVID-19, não realizaram a testagem em massa para o rastreamento dos casos e causas de óbitos, colocando em dúvida a validade e a confiabilidade dos dados divulgados ao longo do ciclo de 2020.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Out 2021
  • Data do Fascículo
    Out 2021

Histórico

  • Recebido
    20 Nov 2020
  • Aceito
    31 Maio 2021
  • Publicado
    02 Jun 2021
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