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Validação inicial do índice de necessidade de atenção à saúde bucal para as equipes de saúde bucal na estratégia de saúde da família

Initial validation of the index of oral healtcare needs for oral health teams in the family healthcare strategy

Resumos

Este trabalho objetivou validar o Índice de Necessidade de Atenção à Saúde Bucal (INASB), a partir de um algoritmo pré-definido baseado nas condições sociais das famílias. Utilizaram-se informações obtidas na ficha A do sistema de informação da atenção básica. A validação do índice foi realizada através da validação de face e de construto, e nesta foram coletados dados de experiência de cárie, dor de dente e acesso aos serviços de saúde bucal através de uma amostra aleatória, estratificada e baseada no índice de 412 crianças nas faixas etárias 3-5 e 7-12 anos em Recife-PE. Para análise foi utilizado o nível de significância de 5%. O índice foi considerado adequado na validação de face. Na validação de construto convergente foi associado ao componente cariado do ceo-d (p = 0,03) e CPO-D (p = 0,01); e na divergente foi associado ao acesso ao dentista (p = 0,001) e ao componente obturado do ceo-d (p = 0,05) não sendo associado ao componente obturado do CPO-D. O Índice de Necessidade de Atenção à Saúde Bucal demonstrou possuir uma boa validade inicial podendo ser usado como instrumento de programação para as equipes de saúde bucal da família.

Vigilância epidemiológica; Equidade em saúde; Odontologia em saúde pública


This survey set out to validate the Index of Oral Healthcare Needs (IOHN), based on a pre-defined algorithm of the social status of families. The validation process was divided into two phases, namely a face validation and a construct validation. In the latter, data on caries experience, toothache and access to oral health services was collected. To validate the index a random, stratified sample of 412 children aged 3-5 and 7-12 was obtained, based on the IOHCN algorithm, all the children being from the areas of Recife covered by the family healthcare program. The analysis consisted of a descriptive and an analytical phase, adopting a 5% level of significance. The index was considered by an expert committee to have good face validity. The convergent construct validation was associated with a decay component of dmft (p = 0.03) and DMFT (p = 0.01); the divergent construct validation was associated with access to oral care (p = 0.001) and filled component of dmft (p = 0.05), showing no association with the filled component of DMFT. The Index of Oral Healthcare Needs was shown to have good initial validation and canbe used as a useful tool in the planning of dental care at a local level.

Epidemiologic surveillance; Equity in health; Public health dentistry


ARTIGOS ARTICLES

Leonardo CarnutI; Leonardo Vilar FilgueirasII; Nilcema FigueiredoIII; Paulo Sávio Angeiras de GoesI

IFaculdade de Odontologia, Universidade de Pernambuco. Avenida General Newton Cavalcanti, Tabatinga. 54753-901 Camaragibe PE. leonardo.carnut@gmail.com

IIDepartamento de Atenção à Saúde, Secretaria de Saúde de Camaragibe, Prefeitura Municipal de Camaragibe

IIIDiretoria Geral de Assistência à Saúde, Secretaria de Saúde, Prefeitura da Cidade do Recife

ABSTRACT

This survey set out to validate the Index of Oral Healthcare Needs (IOHN), based on a pre-defined algorithm of the social status of families. The validation process was divided into two phases, namely a face validation and a construct validation. In the latter, data on caries experience, toothache and access to oral health services was collected. To validate the index a random, stratified sample of 412 children aged 3-5 and 7-12 was obtained, based on the IOHCN algorithm, all the children being from the areas of Recife covered by the family healthcare program. The analysis consisted of a descriptive and an analytical phase, adopting a 5% level of significance. The index was considered by an expert committee to have good face validity. The convergent construct validation was associated with a decay component of dmft (p = 0.03) and DMFT (p = 0.01); the divergent construct validation was associated with access to oral care (p = 0.001) and filled component of dmft (p = 0.05), showing no association with the filled component of DMFT. The Index of Oral Healthcare Needs was shown to have good initial validation and canbe used as a useful tool in the planning of dental care at a local level.

Key words: Epidemiologic surveillance, Equity in health, Public health dentistry

RESUMO

Este trabalho objetivou validar o Índice de Necessidade de Atenção à Saúde Bucal (INASB), a partir de um algoritmo pré-definido baseado nas condições sociais das famílias. Utilizaram-se informações obtidas na ficha A do sistema de informação da atenção básica. A validação do índice foi realizada através da validação de face e de construto, e nesta foram coletados dados de experiência de cárie, dor de dente e acesso aos serviços de saúde bucal através de uma amostra aleatória, estratificada e baseada no índice de 412 crianças nas faixas etárias 3-5 e 7-12 anos em Recife-PE. Para análise foi utilizado o nível de significância de 5%. O índice foi considerado adequado na validação de face. Na validação de construto convergente foi associado ao componente cariado do ceo-d (p = 0,03) e CPO-D (p = 0,01); e na divergente foi associado ao acesso ao dentista (p = 0,001) e ao componente obturado do ceo-d (p = 0,05) não sendo associado ao componente obturado do CPO-D. O Índice de Necessidade de Atenção à Saúde Bucal demonstrou possuir uma boa validade inicial podendo ser usado como instrumento de programação para as equipes de saúde bucal da família.

Palavras-chave: Vigilância epidemiológica, Equidade em saúde, Odontologia em saúde pública

Introdução

Desde sua inserção até os dias atuais, as ações de odontologia vêm se consolidando no SUS1, no entanto, a equidade no acesso as suas ações ainda é um problema a ser enfrentado, principalmente devido à íntima relação das doenças bucais e condições socioeconômicas desfavoráveis2-7. Vários autores2-7 descreveram as evidências da relação entre cárie dentária (e suas conseqüências) com os determinantes mais distais da vida coletiva. Entre as condições estudadas, algumas têm sido consideradas mais fortes na determinação da cárie dentária como a baixa escolaridade dos pais, em especial a da mãe, e a baixa renda familiar3,4.

O SUS legalmente preconiza o uso da equidade como forma de dirimir as iniquidades provocadas por estas condições sociais adversas8. Na práxis do acesso aos serviços de saúde, o uso deste princípio tende a ser uma alternativa factível do ponto de vista local considerando que as desigualdades sociais refletem quase sempre no padrão de saúde-doença da população9. Mais especificamente em relação ao acesso, a lei do cuidado inverso em saúde tende a prevalecer em sociedades iníquas favorecendo o acesso aos serviços de saúde àqueles que detêm melhor condição social10. Logo, pautar o processo de trabalho em saúde praticando equidade é fundamental, e para isso é necessário o uso de informações sobre as condições de vida da população. Estas informações devem servir de base para análise de situação de saúde-doença de cada coletividade, como também para programar as ações visando quem mais precisa11. Resumindo: deve-se usar a informação para a ação12 (garantindo que as ações desenvolvidas sejam equânimes).

Uma forma simples de captar informações em saúde no SUS pode ser realizada através dos Sistemas de Informação em Saúde (SIS), alguns sistemas, como por exemplo o SIA-SUS, registram dados de saúde bucal. Entretanto, estas informações são basicamente procedimentais e refletem uma lógica administrativa, servindo muitas vezes para caracterizar práticas assistenciais, ou no máximo, formular indicadores de processo13, os quais teriam uso limitado no planejamento das ações. Para a obtenção de diagnósticos populacionais de saúde bucal em unidades de saúde, ou até mesmo para a construção de indicadores de resultados, se faz imprescindível a informação epidemiológica, que atualmente, não está disponível nos SIS para o nível local13. Mesmo com esforços para inclusão de dados epidemiológicos bucais no SIAB (através da Ficha D-Saúde Bucal), o registro das informações em saúde bucal na atenção básica ainda se restringe àquelas de caráter administrativo-procedimental14.

Portanto, há o desafio de se obter informações epidemiológicas em saúde bucal no nível local. Esta informação é um insumo essencial ao planejamento e programação das ações. Para Mota e Carvalho11 a informação epidemiológica, quando fornecida com precisão15, é de importância capital para a institucionalização de um modelo de vigilância à saúde como se deseja no SUS, pois tende a revelar perfis e tendências nas condições de saúde, sendo assim aplicável às atividades de vigilância11. Partindo-se desse pressuposto, seria de se esperar que o cirurgião-dentista, que atue na atenção básica, dispusesse dos conhecimentos necessários para realizar levantamentos epidemiológicos locais, todavia a filosofia de formação desse profissional reforça a prática assistencialista16 ocasionando dois grandes entraves na institucionalização do modelo de vigilância: a incipiência do trabalho com informações em saúde, e por consequência, a ausência de planejamento e programação local13,17,18.

Levando-se em consideração esses problemas, alguns autores19-21 sugeriram índices de necessidade de tratamento odontológico que orientam o processo de atenção, auxiliando os cirurgiões-dentistas na programação de suas demandas. Embora estes índices signifiquem um avanço, os mesmos refletem uma ótica biomédica valorizando a doença em detrimento do conceito ampliado de saúde, utilizando para isto apenas o diagnóstico clínico normativo. Com base nessas questões o presente estudo objetivou a validação inicial do Índice de Necessidade de Atenção à Saúde Bucal (INASB) tomando como hipótese que as informações sociais disponíveis na ficha-A do SIAB poderiam estimar a informação epidemiológica (em termos de cárie dentária - problema prioritário da saúde bucal) em uma população adstrita a uma equipe de saúde bucal da estratégia de saúde da família.

Metodologia

Esse estudo foi desenvolvido na Cidade do Recife-PE entre abril e agosto de 2008 em uma Unidade de Saúde da Família (USF) com Equipe de Saúde Bucal (ESB) na proporção de 2:1, sendo a ESB modalidade II. A referida USF foi escolhida por se constituir em uma referência para atividades de preceptoria, graduação e pós-graduação na área.

O INASB foi um índice desenvolvido com o intuito de classificar as famílias de áreas adstritas à estratégia de saúde da família baseando-se nas informações sociais encontradas na ficha-A do SIAB (tipo de moradia e escolaridade materna). Estas variáveis foram selecionadas pela facilidade de serem obtidas e estarem associadas às condições de saúde bucal2-7. Para a construção do INASB foi hipotetizado um algoritmo (Quadro 1) que classifica como "alto risco" sempre que a condição de maior vulnerabilidade social estiver presente. Por exemplo: se a mãe é analfabeta ou mora em casa de material reciclado (portanto uma condição de alto risco) leva a esta família ser classificada como alto risco mesmo na presença de outra condição menos vulnerável.


A validação de medidas para serem utilizadas em estudos epidemiológicos está associada à validade interna desses estudos. Para o presente estudo foi seguido o protocolo de validação proposto por Lucena et al22 onde é preconizado os estágios de validação de face, de conteúdo e de construto, bem como a reprodutibilidade da medida.

Para a validação de face o algoritmo foi submetido a um grupo de cinco especialistas em odontologia e saúde coletiva, os quais concensuaram com a construção proposta de acordo com a evidência teórica proposta, formulada para o índice. Por não se tratar de questões ou quesitos para aplicação a um interlocutor, a validação de conteúdo não se aplicaria ao caso do índice proposto (não sendo necessário medidas de consistência interna como α-cronbach). Para a validação de construto convergente foi testado se níveis maiores de cárie, medido pelo componente cariado do ceo-d e CPO-D e maior frequência de dor nos últimos seis meses estaria associado ou correlacionado com maior classificação na escala do INASB. Contrariamente, na validação de construto divergente foi testado se menor frequência de acesso nos últimos 12 meses e menores níveis de atenção odontológica medida pelo componente obturado do ceo-d e CPO-D reproduziam níveis mais elevados de risco na escala proposta pelo INASB.

A coleta de dados para o processo de validação se deu em duas fases metodologicamente distintas. A primeira fase constituiu-se na coleta de dados secundários a partir da ficha-A do Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB). Foi realizado um censo das famílias que possuíam indivíduos na idade de 5 e 12 anos (ao todo 130 famílias) cadastradas na USF, no entanto o número total de indivíduos nessas idades não foi o suficiente para retirar uma amostra e testar a associação. Para isso, resolveu-se ampliar as idades para duas faixas etárias (3-5 e 7-12 anos) que englobassem as idades-índices de 5 e 12. Após recenseadas novamente em formulário padrão obteve-se 777 famílias com indivíduos nas faixas de 3-5 e 7-12 anos. Essas famílias foram classificadas segundo o algoritmo do INASB em 03 grupos distintos (alto risco, médio risco e baixo risco).

Uma vez as famílias recenseadas e separadas em 03 grupos (alto risco = 80 famílias, médio risco = 153 famílias e baixo risco = 519 famílias) foram obtidas 03 amostras aleatórias, uma de cada um dos grupos com fins de testar a hipótese. Para tal, tomou-se como referência a prevalência de cárie dentária, para a região nordeste, na idade de 12 anos segundo dados do SBBrasil 2003 usando o programa Epi Info 6.04. Foi utilizada a fórmula para comparação de duas proporções com intervalo de confiança de 95% e erro de 5%, obtendo-se uma amostra total de 438 indivíduos somando-se as faixas etárias de 3-5 e 7-12 anos estratificadas de acordo com o INASB. Os 438 indivíduos resultaram do sorteio de 518 famílias das 777 que tinham crianças nas faixas etárias alvo.

A segunda fase caracterizou-se pela coleta de dados primários epidemiológicos de cárie dentária na população de 3-5 e 7-12 anos sorteada. A unidade amostral primária constituiu-se nos domicílios. Para coletar os dados, três examinadores (cirurgiões-dentistas) e dois anotadores (01 auxiliar de saúde bucal e 01 técnico em saúde bucal) foram devidamente calibrados para este fim como descrito nos critérios de confiabilidade dos dados a seguir. A tomada do consentimento livre esclarecido do responsável foi conduzida primeiramente e após feita a coleta dos dados não-clínicos (condições sociais) e os clínicos (cárie dentária).

Para garantir a confiabilidade dos dados clínicos coletados, foi realizado o treinamento e a calibração dos examinadores, sendo a qualidade dos exames aferidos pelo Teste Kappa. Os resultados evidenciaram uma concordância (Kappainter = 0,87) excelente seguindo os parâmetros estabelecidos por Cohen23. Em adição, o controle de qualidade dos dados foi realizado através do re-exame dos indivíduos no prazo entre dois dias (48 horas) até no máximo uma semana (01 semana) (calibração intra-examinador) cujo teste Kappa obtido alcançou o nível de excelência para os examinadores que participaram do estudo (Kappaintra1 = 0,87, Kappaintra2 = 0,94 e Kappaintra3 = 0,95). Observou-se ainda que a taxa de completude das fichas-A foi de 100%, em adição, visando garantir a validade dos dados das condições sociais presentes na ficha-A, coletou-se in loco os mesmos dados, que depois de submetidos à comparação com as informações contidas nestas fichas observou-se uma concordância considerada aceitável23 (Kappa = 0,50).

Dentre as variáveis analisadas, as mesmas foram divididas de acordo com a análise proposta pela metodologia do estudo em: variável dependente (INASB) e variáveis independentes (sexo, idade, dor de dente nos últimos 6 meses, acesso ao dentista nos últimos 12 meses e os componentes cariado e obturado dos ceo-d/CPO-d). O Quadro 1 mostra esquematicamente a definição e a operacionalização das mesmas. A análise estatística dos dados coletados foi processada pelo Statistical Package for Social Science (SPSS) versão 11.0. A análise dos dados ocorreu em duas fases distintas: uma descritiva e outra analítica. Na fase descritiva foram feitas as distribuições de freqüências das variáveis e, quando apropriado, foram calculadas as medidas de tendência central, de dispersão e proporções. Na fase analítica/inferencial foram testadas as associações entre o INASB e as variáveis com distribuição não-normal utilizando-se o teste de Kruskal-Wallis e Qui-quadrado. A avaliação da normalidade das variáveis continuas foi realizada utilizando o teste Kolmogorov-Smirnov (Teste KS). Para todas as análises foi considerado o nível de significância de 5%.

Após análise do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Pernambuco a pesquisa foi aprovada como estando em consonância com a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, com a Declaração de Helsinque e com o código de Nuremberg para experimentação humana através do parecer n. 88/08.

Resultados

Ao final de três meses de coleta de dados primários foi obtida uma amostra de 412 (n = 412) indivíduos entrevistados e examinados, totalizando um percentual de perda amostral de 5,9% em relação à amostra calculada para o estudo.

Após a análise da amostra obtida, dentre as condições sociodemográficas, foi observado que, em relação ao sexo, 49,5% dos indivíduos eram do sexo masculino (204) e 50,5% do sexo feminino (208). Em relação à faixa etária pertencente, observou-se que 26,7% pertenciam à faixa etária de 3-5 anos de idade (110) e em contrapartida 73,3% dos indivíduos pertenciam à faixa etária de 7-12 anos (302). Para a classificação de risco a amostra se comportou como esperado pela estratificação com 15% dos indivíduos pertencentes ao grupo de alto risco (62), 23,3% pertencentes ao grupo de médio risco (96) e 61,7% pertenciam ao grupo de baixo risco (254).

Em relação aos dados clínicos, obteve-se a média para o índice ceo-d de 1,86 e CPO-D de 0,63 dentes. A média do componente cariado para o ceo-d foi de 1,41 (95% IC = 1,19 - 1,63, DP = 2,28) enquanto que, para o CPO-D foi de 0,44 (95% IC = 0,33 - 0,55, DP = 1,12). Quanto à composição percentual predominante tanto no ceo-d, quanto no CPO-D constituiu-se pelo componente cariado, atingindo 75,8% para dentes decíduos e 69,8% para dentes permanentes. Em seguida com maior proporção no montante do ceo-d/CPO-D segue o componente obturado com uma freqüência percentual de 12,3% para o ceo-d e 25,3% para o CPO-D. Em terceiro, segue o componente perdido com 11,2% para o índice ceo-d e 4,7% para o CPO-D.

Em uma análise exploratória com o Teste KS, verificou-se a normalidade dos dados e observou-se que os mesmos se distribuíam de forma não-normal. Na validação de construto convergente pelo teste de Kruskal-Wallis, (tomando-se como variável dependente INASB) observou-se uma relação estatisticamente significante tanto com o componente cariado do ceo-d (p = 0,008) como no do CPO-D (p = 0,013), no entanto para o componente obturado, a significância estatística apenas foi constatada no ceo-d (p = 0,044) (Tabelas 1 e 2). Observou-se que a freqüência dos componentes cariado e obturado do ceo-d obtiveram associação estatisticamente significante com a classificação INASB, enquanto que para o CPO-D apenas o componente cariado demonstrou significância. O Acesso ao Dentista nos últimos 12 meses demonstrou forte associação estatística com a classificação proposta pelo índice, como pode ser observado na Tabela 3.

Discussão

O presente estudo demonstrou uma associação entre a classificação de risco social atribuído às famílias através do INASB, obtido com informações da ficha-A, com a cárie dentária, podendo se caracterizar como uma medida que auxilie as ESB da ESF a programar ações para a população infantil de áreas cobertas pela estratégia. A proposição deste índice foi baseado na sólida associação demonstrada por vários estudos entre condições sociais e saúde bucal (entre a qual está a cárie - problema prioritário de saúde bucal das populações)2-7.

A classificação de risco das famílias proposta pelo INASB foi associada ao componente cariado do ceo e CPO. Isto demonstra a validade ao índice, haja vista que há uma bem descrita associação entre condição sócio-econômica e cárie2-7. No entanto não foi evidenciado uma associação do índice e dor de dente, esta associação tem sido demonstrada ainda de forma contraditória na literatura, alguns estudos não tem evidenciado esta associação24, enquanto outros em população brasileira tem relatado a mesma3,6. Esta associação pode não ter sido evidenciada nesse estudo por duas razões: (1) devido aos níveis de ceo e CPO encontrados serem menores que média nacional para a região, demonstrando uma validação de construto convergente parcial; (2) bem como o fato de parte da amostra ser de indivíduos com dentição decídua, e serem raros os estudos que demonstram uma alta prevalência de dor de dente nesta dentição25.

Outro dado importante foi a fraca associação do componente obturado com o INASB. A instabilidade observada entre as associações do índice proposto e o componente obturado, a depender do teste utilizado, pode estar demonstrando que ao não programar sua demanda de forma equânime o serviço atinge a todos de forma igualitária, haja vista que a doença é maior nos indivíduos pertencentes às famílias de alto risco, produzindo desta forma desigualdades na assistência a saúde.

O fato descrito acima pode ser confirmado pela forte associação entre a classificação de risco proposta pelo INASB e a variável acesso ao Dentista nos últimos 12 meses. Evidenciou-se que entre os indivíduos pertencentes às famílias de alto risco, há quase o dobro de percentual de não ter acesso ao Dentista em relação àqueles pertencentes ao baixo risco. Embora a existência de uma discussão acadêmica em torno do conceito de acesso aos serviços de saúde, considerando as muitas dimensões que este pode ser avaliado26; o suplemento-saúde da PNAD/98 retratou o acesso/utilização de serviço sendo entendido como o encontro comportamental entre o usuário e o profissional de saúde que o conduz dentro do sistema. Evidenciou-se, na época, um grave problema odontológico nacional: 19% dos brasileiros nunca tinham ido ao dentista, o que se analisado de acordo com a região, pode chegar ao número de 39 milhões de brasileiros27.

Mais recentemente, Rocha e Goes28 compararam o acesso de áreas cobertas e não cobertas por equipes de Saúde Bucal da ESF, no município de Campina Grande. Foi demonstrado um maior acesso para os indivíduos em áreas não-cobertas do que em áreas cobertas; revelando um importante papel dos fatores sociodemográficos, o que nos leva a refletir que embora a descentralização dos serviços tenha contribuído para o processo de superação das barreiras geográficas sobre o acesso aos serviços28, é fato que o acesso aos mesmos ainda são iníquos, devido à persistência causada pelas desigualdades sociais29.

Os achados deste estudo podem ser uma explicação para o fato de que as iniqüidades de acesso à saúde bucal ainda perdurem mesmo após o investimento maciço do governo federal na estruturação do Brasil Sorridente e o aumento do número das equipes de saúde bucal na estratégia de saúde da família. Ficando evidenciado, que a determinação equânime de quem necessita de atenção é falho; e demonstra uma falta de planejamento e programação das equipes de saúde bucal ao atender a população de sua própria área adstrita17. Daí a contribuição que o presente índice pode trazer para as equipes de saúde bucal.

Ante o exposto, fica claro que o índice proposto pode representar uma boa ferramenta de programação para o nível local. Primeiro porque ele se fundamenta na implantação de ações baseadas no paradigma da eqüidade indo ao encontro do estabelecimento de diagnóstico de saúde, tomando a posição do individuo dentro do seu ambiente em contraste com os demais que são essencialmente baseados no modelo biomédico19,20,21. Muito embora para sua validação inicial tenha se considerado os níveis de cárie medidos através de índices normativos como o ceo e CPO.

Além disso, as informações que subsidiam a formulação do presente índice podem ser retiradas da própria ficha-A que é preenchida nas visitas que o agente comunitário de saúde (ACS) faz às famílias de sua comunidade, devendo ser periodicamente atualizada30. Essas informações parecem servir para estimar cárie nas populações e não comprometem as atribuições legais do ACS, ressaltando-se que ao optar por exames de diagnóstico em saúde bucal, mesmo em se tratando de levantamentos epidemiológicos, isto é uma prerrogativa exclusiva do cirurgião-dentista como elencado em documentosoficiais31,32.

Mesmo com as soluções trazidas com a utilização do INASB deve-se salientar que o mesmo apresenta certas limitações. Validações mais robustas devem ser feitas em relação ao seu potencial de detecção das mudanças frente a intervenções. As mudanças produzidas pelas intervenções devem ser avaliadas tanto na perspectiva quantitativa, bem como na perspectiva qualitativa. Nesta última o foco deve estar na compreensão das relações e das interpretações dos diversos atores sobre o processo propiciando uma análise do contexto onde essas intervenções acontecem. Desta forma a triangulação de métodos avaliativos, poderia ser usada devido à complexidade do objeto, e não pela linha epistemológica do observador33. Em adição, é importante que este trabalho seja replicado em outras faixas etárias e com outros agravos à saúde bucal para que seja avaliada sua estabilidade e coerência metodológica.

Contudo, vale observar as características que conferem validade ao presente estudo. O mesmo teve como base uma amostra calculada com critérios estatísticos coerentes, desde sua técnica de amostragem até a coleta de dados. Os critérios de exames são universalmente aceitos e o controle de qualidade dos dados foi atingido seguindo a metodologia de calibração proposta por diversos estudos e autores15,22,25 conferindo a confiabilidade necessária aos seus achados.

Conclusões

1. A Classificação de risco das famílias proposta pelo INASB esteve associada ao componente cariado do ceo e CPO o que demonstra que o índice ajuda na indicação das famílias que necessitam de maior atenção à saúde bucal, facilitando assim a programação da demanda com informações obtidas por instrumentos de uso cotidiano na atenção básica;

2. O acesso ao Dentista nos últimos 12 meses esteve associado à classificação proposta pelo índice, evidenciando-se desta maneira que crianças classificadas em "alto risco" tinham menor acesso ao Dentista quando comparadas com as de "baixo risco";

3. Foi demonstrado que o índice possui validade de construto convergente (componente c do ceo e CPO) e divergente para as variáveis analisadas (acesso aos serviços de saúde bucal, e componente o do ceo), o que demonstra a inversão do cuidado em saúde, observando-se que as crianças de famílias com melhores condições sociais (baixo risco) acessam mais os serviços odontológicos, contrariando assim a lógica da equidade.

Colaboradores

Carnut L foi responsável pela coleta de dados, revista de literatura, confecção do artigo científico e concepção teórica do INASB em conjunto como os demais autores. Filgueiras LV trabalhou na coleta de dados e organização da revista de literatura. Figueiredo N co-orientou o trabalho, conduziu o processo de calibração dos examinadores e concepção teórica do INASB em conjunto como os demais autores. Goes PSA orientou o trabalho, delineou a metodologia adequada, corrigiu o artigo científico e trabalhou na concepção teórica do INASB em conjunto como os demais autores.

Artigo apresentado em 16/03/2009

Aprovado em 08/06/2009

Versão final apresentada em 02/07/2009

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    Initial validation of the index of oral healtcare needs for oral health teams in the family healthcare strategy
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jul 2011
    • Data do Fascículo
      Jul 2011

    Histórico

    • Recebido
      16 Mar 2009
    • Aceito
      02 Jul 2009
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