Acessibilidade / Reportar erro

Maior acesso à informação sobre como prevenir o câncer bucal entre idosos assistidos na atenção primária à saúde

Resumo

Na promoção de saúde, as ações educativas são prioridade na Estratégia de Saúde da Família (ESF). Evidencia-se a eficácia dessas ações na adesão a comportamentos saudáveis e na redução nas taxas de morbimortalidade por câncer bucal. Objetivou-se identificar se o acesso a informações sobre como prevenir o câncer bucal é maior entre idosos residentes em domicílios cadastrados na ESF. Utilizou-se o SPSS® na obtenção de estimativas corrigidas pelo efeito do desenho amostral, considerando as magnitudes das associações do acesso a tais informações com os determinantes pessoais, uso dos serviços/custos com a saúde, comportamentos relacionados à saúde e desfechos da saúde. Dentre os 492 idosos, 58,9% relataram ter tido acesso a tais informações. Verificaramse maiores chances de acesso entre residentes em domicílios cadastrados na ESF; com maior renda per capita (2,01/1,18-3,43); não tabagistas (2,00/1,16-3,46); que realizaram autoexame bucal (6,35/3,46-11,64); e que não autoperceberam incômodo na boca, cabeça ou pescoço (2,06/1,024,17). O acesso foi maior entre os residentes em domicílios cadastrados na ESF. Determinantes pessoais, comportamentos relacionados à saúde e desfechos de saúde sofrem influência ou influenciam a oferta e o acesso a essas informações.

Palavras-chave
Câncer bucal; Idoso; Alfabetização em saúde; Atenção primária à saúde; Estratégia Saúde da Família

Abstract

Educative actions are an important component of health promotion in Brazil's primary healthcare program, the Family Health Strategy (FHS). The efficacy of these actions is evidenced by compliance with healthy behaviors and in the reduction of rates of mortality and morbidity. The objective of this study was to identify whether access to information regarding the prevention of oral cancer is greater among elders whose residences are registered with the FHS. SPSS® was utilized to obtain estimates that were corrected for sample design, considering the magnitude of the associations between access to such information with personal determinants, the use and cost of healthcare, health-related behaviors and health outcomes. 58.9% of the 492 participating elders reported having access to such information. We verified that there was a greater chance for access among residents of houses registered by the FHS; those with greater per capita income (2.01/1.183.43); non-smokers (2.00/1.16-3.46); those that realized oral self-examination (6.35/3.46-11.64); and those that did not perceive discomfort in the mouth, head or neck (2.06/1.02-4.17). Access was greater among residents of homes registered by the FHS. Personal determinants of health, health-related behaviors and health outcomes are influenced or influence access to information regarding the prevention and management of oral diseases.

Keywords
Oral cancer; seniors; health literacy; primary healthcare; Family Health Strategy

Introdução

Os idosos brasileiros são expostos a fatores de risco que aumentam as taxas de morbidade e mortalidade por doenças crônicas degenerativas nesse estrato etário1Schmidt MI, Duncan BB, Silva GA, Menezes AM, Monteiro CA, Barreto SM, Chor D, Menezes PR. Doenças crônicas não transmissíveis no Brasil: carga e desafios atuais. Lancet 2011; 377(9781):2042-2053., especialmente os referentes ao câncer, que devido a sua alta letalidade são um problema de saúde pública2Pisani P, Parkin DM, Bray F, Ferlay J. Estimates of the worldwide mortality from 25 cancers in 1990. Int J Cancer 1999; 83(1):18-29.,3Torres-Pereira CC, Angelim-Dias A, Melo NC, Lemos Júnior CA, Oliveira EMF. Abordagem do câncer da boca: uma estratégia para os níveis primário e secundário de atenção em saúde. Cad Saude Publica 2012; 28(Supl.):S30-S39.. O câncer bucal gera altas taxas de mortalidade e letalidade2Pisani P, Parkin DM, Bray F, Ferlay J. Estimates of the worldwide mortality from 25 cancers in 1990. Int J Cancer 1999; 83(1):18-29., além disso, tem impacto negativo na qualidade de vida das pessoas4Andrade FP, Antunes JLF, Durazzo MD. Evaluation of the quality of life of patients with oral cancer in Brazil. Braz Oral Res 2006; 20(4):290-296.. De acordo com estimativas mundiais do projeto Globocan 2012, da Agência Internacional para Pesquisa em Câncer (IARC, do inglês International Agency for Research on Cancer), da Organização Mundial da Saúde (OMS), houve 14,1 milhões de casos novos de câncer e um total de 8,2 milhões de mortes por câncer, em todo o mundo, em 2012. A carga do câncer continuará aumentando nos países em desenvolvimento e crescerá ainda mais em países desenvolvidos, se medidas preventivas não forem amplamente aplicadas. O câncer bucal é considerado um problema de saúde pública em todo o mundo. Estimam-se, para o Brasil, no ano de 2014, 11.280 casos novos deste câncer em homens e 4.010 em mulheres. Tais valores correspondem a um risco estimado de 11,54 casos novos a cada 100 mil homens e 3,92 a cada 100 mil mulheres. Sem considerar os tumores de pele não melanoma, o câncer bucal em homens é o quinto mais frequente e o décimo primeiro mais frequente em mulheres5Instituto Nacional do Câncer (INCA). Estimativa de incidência de câncer no Brasil para 2014. Rio de Janeiro: INCA; 2014. [acessado 2014 set 3]. Disponível em: http://www.inca.gov.br/estimativa/2014/sintese-deresultados-comentarios.asp
http://www.inca.gov.br/estimativa/2014/s...
. No Brasil, a distribuição de novos casos deste câncer é heterogênea, havendo maior concentração nas regiões sudeste e sul6Warnakulasuriya S. Global epidemiology of oral and oropharyngeal cancer. Oral Oncology 2009; 45(45):309-316..

As taxas de mortalidade por câncer bucal destacam-se dentre as demais taxas de mortalidade por outros tipos de neoplasia7Blot WJ, McLaughlin JK, Winn DM, Austin DF, Greenberg RS, Preston-Martin S, Bernstein L, Schoenberg JB, Stemhagen A, Fraumeni Junior JF. Smoking and drinking in relation to oral and pharyngeal cancer. Cancer Research 1988; 48(11):3282-3287.

Franceschi S, Talamini R, Barra S, Barón AE, Negri E, Bidoli E, Serraino D, La Vecchia C. Smoking and Drinking in Relation to Cancers of the Oral Cavity, Pharynx, Larynx, and Esophagus in Northern Italy. Cancer Res 1990; 50(20):6502-6507.
-9Jayalekshmi PA, Gangadharan P, Akiba S, Koriyama C, Nair R R K. Oral cavity cancer risk in relation to tobacco chewing and bidi smoking among men in Karunagappally, Kerala, India: Karunagappally cohort study. Cancer Sci 2011; 102(2):460-467.. A dieta1010 Shanmugham JR, Zavras Athanasios I, Rosner B, Edward G. Alcohol-folate interactions in women's oral cancer risk: A prospective cohort study. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev 2010; 19(10):2516-2524.,1111 Vaccarezza GF, Antunes JL, Michaluart-Júnior P. Recurrent sores by ill-fitting dentures and intra-oral squamous cell carcinoma in smokers. J Public Health Dent 2010; 70(1):52-57., a baixa renda, a escolaridade1111 Vaccarezza GF, Antunes JL, Michaluart-Júnior P. Recurrent sores by ill-fitting dentures and intra-oral squamous cell carcinoma in smokers. J Public Health Dent 2010; 70(1):52-57. e as infecções pelo Human papillomavirus (HPV)1212 Syrjänen K, Syrjänen S, Lamberg M, Pyrhönen S, Nuutinen J. Morphological and immunohistochemical evidence suggesting human papillomavirus (HPV) involvement in oral squamous cell carcinogenesis. Int J Oral Surg 1983; 12(6):418-424., além do sinergismo constatado mediante consumo concomitante de tabaco e álcool1313 Ko YC, Huang YL, Lee CH, Chen MJ, LM Lin, Tsai CC. Betel quid chewing, cigarette smoking and alcohol consumption related to oral cancer in Taiwan. J Oral Med Pathol 1995; 24(10):450-453., são fatores de risco para os diversos tipos de câncer bucal. Um ensaio randomizado1414 Sankaranarayanan R, Ramadas K, Thomas G, Muwonge R, Thara S, Mathew B, Rajan B Effect of screening on oral cancer mortality in Kerala, India: a cluster-randomized controlled trial. Lancet 2005; 365(9475):1927-1933. foi conduzido em Kerala, na Índia, entre 167.741 participantes, durante nove anos (1996 a 2004). Os participantes do grupo intervenção (87.655) foram submetidos, em três momentos distintos, a cada três anos, a ações educativas referentes aos efeitos nocivos do tabaco e álcool quanto ao risco para o câncer bucal; aos rastreamentos feitos por profissionais treinados para identificação de lesões cancerizáveis; ao diagnóstico precoce desse câncer bucal, assim como a tratamentos imediatos. Já os participantes do grupo controle (80.086) foram avaliados no início e no final da investigação e receberam as ações rotineiras dos serviços de saúde. As taxas de mortalidade e de letalidade por câncer bucal foram menores no grupo intervenção do que no grupo controle. A associação entre as taxas de mortalidade e a intervenção entre todos os participantes não foi estatisticamente significante, porém entre os homens que tinham hábitos etilistas e/ou tabagistas as taxas de mortalidade no grupo intervenção foram menores1414 Sankaranarayanan R, Ramadas K, Thomas G, Muwonge R, Thara S, Mathew B, Rajan B Effect of screening on oral cancer mortality in Kerala, India: a cluster-randomized controlled trial. Lancet 2005; 365(9475):1927-1933.. Sugere-se, portanto que ações educativas, especialmente entre os expostos a fatores de risco, podem minimizar as taxas de mortalidade e de letalidade por câncer bucal. Enfim, ações de promoção da saúde, dentre elas as educativas, de prevenção, de diagnóstico precoce e de tratamento do câncer bucal são importantes.

Ações de promoção de saúde/educação, prevenção, rastreamento, diagnóstico precoce e tratamento do câncer bucal tem importância reconhecida pela OMS1515 Petersen PE. Oral cancer prevention and control – The approach of the World Health Organization. Oral Oncology 2009; 45(4-5):454-460.. Nesse sentido, políticas de promoção de saúde/educação e prevenção do câncer bucal foram implantadas1616 Antunes JLF, Toporcov TN, Wunsch-Filho V. Resolutividade da campanha de prevenção e diagnóstico precoce do câncer bucal em São Paulo, Brasil. Rev Panam Salud Publica 2007; 21(1):30-36., na atenção primária à saúde (APS). No Brasil a APS é ofertada na Estratégia da Saúde da Família (ESF), sendo esta a estratégia eleita para reorganização da APS do “Sistema Único de Saúde” (SUS)1717 Pinto RM, Wall M, Yu G, Penido C, Schmidt C. Primary care and public health services integration in Brazil's unified health system. Am J Public Health 2012; 102(11):69-76.,1818 Alencar MN, Coimbra LC, Morais APP, Silva AAM, Pinheiro SRA, Queiroz RCS. Avaliação do enfoque familiar e orientação para a comunidade na Estratégia Saúde da Família. Cien Saude Colet 2014; 19(2):353-364.. Dentre as atribuições do SUS, destaca-se a assistência integral à saúde com ênfase nas ações de promoção da saúde, que visam desenvolver processos educativos para a saúde, voltados à melhoria do autocuidado dos indivíduos1919 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Saúde da Família: uma estratégia para a reorientação do modelo assistencial. Brasília: MS; 1997.. No contexto da promoção da saúde, as intervenções de educação em saúde têm como objetivo o aumento dos níveis de alfabetização em saúde das pessoas. Sørensen et al disponibilizaram um modelo teórico que apresenta variáveis que influenciam e são influenciadas pelos níveis de alfabetização em saúde2020 Sørensen K, Van den Broucke S, Fullam J, Doyle G, Pelikan J, Slonska Z, Brand H. Health literacy and public health: a systematic review and integration of definitions and models. BMC Public Health 2012; 12:80. (Figura 1).

Figura 1
Modelo teórico da alfabetização em saúde apresentado por Sørensen et al. em 2012.

O modelo exibe fatores proximais e distais determinantes e/ou determinados pelos níveis de alfabetização em saúde, representado pelas formas ovais concêntricas do núcleo do modelo. As seguintes variáveis foram consideradas na identificação dos níveis de alfabetização em saúde: conhecimentos prévios referentes a um tema de saúde; competências necessárias para o autocuidado e motivação para acessar, compreender, avaliar e aplicar informações relacionadas à saúde. O acesso, condição inicial da alfabetização em saúde refere-se à capacidade de procurar, encontrar e obter informações de saúde; a compreensão refere-se à capacidade de compreender as informações relativas à saúde; a avaliação dessas informações diz respeito à capacidade de interpretar, filtrar e julgar essas informações; já a aplicação refere-se à capacidade de se comunicar e usar as informações para tomar decisões com o intuito de manter e ou melhorar a sua condição de saúde. O modelo ainda exibe fatores associados de forma dinâmica à alfabetização em saúde, ou seja, seus principais determinantes e/ ou consequências. Estão entre eles, os determinantes distais, que podem ser sociais e ambientais (situação demográfica, cultura, língua, forças políticas e sistemas sociais); os proximais, determinantes sociais situacionais (suporte social, influências da família e dos colegas, uso de mídia e condições físicas do meio ambiente) e os pessoais (idade, sexo, raça, condição socioeconômica, estado civil, educação, ocupação, emprego, renda e escolaridade). Apresentam-se ainda outros fatores possivelmente associados à alfabetização em saúde (determinantes e ou consequências): uso dos serviços de saúde, custos com a saúde, comportamentos relacionados à saúde, desfechos de saúde, participação das pessoas, empowerment, equidade e manutenção. Nesse modelo, observa-se uma relação de retroalimentação entre os fatores apresentados e a alfabetização em saúde2020 Sørensen K, Van den Broucke S, Fullam J, Doyle G, Pelikan J, Slonska Z, Brand H. Health literacy and public health: a systematic review and integration of definitions and models. BMC Public Health 2012; 12:80.. A idade e a raça das pessoas são os únicos fatores que não apresentam uma relação de retroalimentação, ou seja, não podem ser modificados pelos níveis da alfabetização em saúde. No contexto da promoção da saúde, o acesso a informações relacionadas à saúde é indispensável para melhorar os níveis de alfabetização em saúde. Deste modo, identificar a prevalência do acesso a informações sobre como prevenir o câncer bucal e se idosos residentes em domicílios cadastrados na ESF estão tendo maior acesso a essas informações, do que aqueles não cadastrados, pode subsidiar melhorias nas políticas de saúde que consideram a saúde dos idosos uma questão prioritária. Entretanto, não foram identificados estudos sobre essa questão.

Na ESF, tem-se o contexto adequado para intervenções de promoção de saúde, com ênfase para educação em saúde e estímulo à aplicação das informações relativas à saúde, ou seja, adoção de comportamentos saudáveis. Sendo assim, este estudo objetivou identificar, a partir do modelo teórico conceitual da alfabetização em saúde2020 Sørensen K, Van den Broucke S, Fullam J, Doyle G, Pelikan J, Slonska Z, Brand H. Health literacy and public health: a systematic review and integration of definitions and models. BMC Public Health 2012; 12:80., se o acesso a informações sobre como prevenir o câncer bucal é maior entre idosos residentes em domicílios cadastrados na ESF.

Métodos

Estudo transversal, conduzido em uma amostra probabilística complexa por conglomerado em dois estágios de idosos de Montes Claros, município brasileiro de grande porte populacional, situado no norte de Minas Gerais. Foram considerados idosos aqueles com idade entre sessenta e cinco e setenta e quatro anos, conforme recomendação da OMS2121 World Health Organization (WHO). Oral health surveys: basic methods. 4th Ed. Geneva: WHO; 1997.. No cálculo amostral, considerou-se a estimativa para proporções da ocorrência dos eventos ou doenças de 50% da população, um erro de 5,5%, uma taxa de não resposta de 20%, a garantia de proporcionalidade por sexo e um deff (design effect - efeito de desenho) de 2,0. Desta forma, estimou-se uma amostra de 740 idosos2222 Martins AMEBL, Santos-Neto PE, Batista LHS, Nascimento JE, Gusmão AF, Eleutério NB, Guimarães ALS, Paula AMB, Haikal DS, Silveira MF, Pordeus IA. Plano amostral e ponderação pelo efeito de desenho de um levantamento epidemiológico de saúde bucal. RUC 2012; 14(1):15-29.. Conglomerados, setores censitários e quadras, foram selecionados de forma aleatória simples e a coleta foi domiciliar. Os critérios de diagnóstico das condições bucais foram aqueles preconizados pela OMS em 19972121 World Health Organization (WHO). Oral health surveys: basic methods. 4th Ed. Geneva: WHO; 1997.. Os exames intrabucais foram realizados nos domicílios dos participantes, por cirurgiões-dentistas, em ambiente amplo, sob iluminação natural, empregando espelho e sonda CPI (Community Periodontal Index) esterilizados2121 World Health Organization (WHO). Oral health surveys: basic methods. 4th Ed. Geneva: WHO; 1997.. Participaram da coleta de dados, vinte e quatro entrevistadores/anotadores (acadêmicos do curso de Odontologia) treinados, e vinte e quatro examinadores (cirurgiões-dentistas)2323 Martins AMEBL, Haikal DS, Santos-Neto PE, Alves SFF, Eleutério NB, Oliveira, PHA, Gomes GP, Guimarães BL, Ferreira RC, Silveira MF, Pordeus IA. Calibração de examinadores do Levantamento epidemiológico das condições de saúde bucal da população de Montes Claros, MG - Projeto SBMOC. RUC 2012; 14(1):43-56. treinados e calibrados (Kappa e coeficiente de correlação intraclasse superiores a 0,60)2424 Cicchetti DV, Volkmar F, Sparrow SS, Cohen D, Fermanian J, Rourke BP. Assessing the reliability of clinical scales when the data have both nominal and ordinal features: proposed guidelines for europsychological assessments. J Clin Exp Neuropsychol 1992; 14(5):673-686.. Foram utilizados computadores de mão com um programa de computador desenvolvido para a coleta e a construção simultânea do banco de dados, denominado Programa Coletor de Dados em Saúde2525 Martins AMEBL, Rodrigues CAQ, Haikal DAS, Silveira MF, Mendes DC, Oliveira MP, Andrade AF, Freitas CV, Pordeus IA. Desenvolvimento de um programa de computador para levantamentos epidemiológicos sobre condições de saúde bucal. RUC 2012; 14(1):30-42..

Dentre os que aceitaram participar do estudo, foram excluídos das análises os que relataram nunca ter utilizado serviços odontológicos e os que não responderam à pergunta relativa ao acesso a informações sobre como prevenir o câncer bucal. A construção da variável dependente – acesso a informações sobre como prevenir o câncer bucal – foi obtida somente entre os idosos que não apresentavam problemas cognitivos. A identificação dos idosos com problemas cognitivos foi feita empregando-se a versão validada no Brasil do Mini-exame do Estado Mental (MEEM)2626 Bertolucci PHF, Brucki SMD, Campacci SR, Juliano Y. O mini-exame do estado mental em uma população geral: impacto da escolaridade. Arq Neuropsiquiatr 1994; 52(1):1-7., considerando os níveis de escolaridade do idoso2727 Kochhann R, Varela JS, Lisboa CSM, Chaves MLF. The Mini Mental State Examination: review of cutoff points adjusted for schooling in a large Southern Brazilian sample. Dement Neuropsychol 2010; 4(1):35-41.. Os que responderam positivamente a pergunta Receberam informações sobre como evitar o câncer bucal nos serviços odontológicos? foram considerados idosos que tiveram acesso a informações sobre como evitar o câncer bucal.

Tomando-se o modelo de Sørensen et al., 20122020 Sørensen K, Van den Broucke S, Fullam J, Doyle G, Pelikan J, Slonska Z, Brand H. Health literacy and public health: a systematic review and integration of definitions and models. BMC Public Health 2012; 12:80., como referência teórica, reuniu-se as variáveis independentes em cinco grupos: 1) acesso a informações relativas à saúde (condição inicial da alfabetização em saúde), 2) determinantes pessoais, 3) uso dos serviços de saúde/custos com a saúde, 4) comportamentos relacionados à saúde e 5) desfechos de saúde2020 Sørensen K, Van den Broucke S, Fullam J, Doyle G, Pelikan J, Slonska Z, Brand H. Health literacy and public health: a systematic review and integration of definitions and models. BMC Public Health 2012; 12:80..

Os determinantes pessoais foram: faixa etária em anos, raça autodeclarada, sexo, estado civil, escolaridade em anos de estudo e renda per capita em salários mínimos. As variáveis referentes aos serviços de saúde/custos com a saúde foram: serviço odontológico utilizado, residir em domicílio cadastrado na ESF, tempo da última visita ao dentista em anos e motivo do uso do serviço odontológico.

Os comportamentos relacionados à saúde foram: hábito tabagista atual ou passado, hábito etilista atual ou passado e autoexame bucal. Ressalta-se que, nesse estudo, o ex-tabagista foi considerado como tabagista. Quanto aos desfechos de saúde, foram considerados dois subgrupos: 1) saúde geral relatada: presença de doenças e uso de medicamentos e 2) condições normativas e subjetivas de saúde bucal. As condições normativas de saúde bucal incluíram as alterações de tecidos moles bucais e uso de prótese dentária removível. Já as condições subjetivas de saúde bucal foram representadas pela autopercepção da necessidade de tratamento odontológico, autopercepção da dor em dentes e gengivas nos últimos seis meses, autopercepção de incômodo na boca, cabeça ou pescoço e identificação de possíveis consequências (impactos) das desordens bucais, através da versão validada no Brasil do Oral Health Impact Profile (OHIP)2828 De Oliveira BH, Nadanovsky P. Psychometric properties of the Brazilian version of the oral Health Impact Profile-Short form. Community Dent Oral Epidemiol 2005; 33(4):307-314.. Todos os indivíduos que responderam afirmativamente (repetidamente/ sempre), em pelo menos uma das quatorze questões do OHIP, apresentavam alguma consequência, ou seja, algum impacto decorrente das desordens bucais.

Na análise dos dados, empregou-se o SPSS® 18.0. A correção pelo efeito do desenho amostral nas estimativas obtidas foi realizada. A análise descritiva incluiu frequência relativa corrigida pelo efeito amostral, erro padrão (EP) e o efeito do conglomerado (Deff) para variáveis categóricas. Para as variáveis quantitativas, a média, o EP e o Deff foram estimados. Análises bivariadas foram conduzidas para seleção das variáveis (p < 0,20) a serem consideradas na análise múltipla. Nas análises bivariadas e na múltipla, através de Regressão Logística, foram estimadas as odds ratio e os intervalos de confiança de 95% (OR/IC 95%). No modelo final foram mantidas as variáveis associadas (p < 0,05) ao acesso a informações sobre como prevenir o câncer bucal. Foram respeitados os princípios éticos da Resolução do Conselho Nacional de Saúde n°196/962929 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 196 de 10 de outubro de 1996. Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos. Diário Oficial da União 1996; 16 out..

Resultados

Dentre os 740 avaliados (taxa de resposta 92%), 492 idosos foram considerados neste estudo por atenderam aos critérios de inclusão. Desses, 58,9% relataram que obtiveram acesso a informações sobre como prevenir o câncer bucal. A média de idade dos idosos foi de 68,35 anos, EP 0,16 e Deff 1,47; a maioria tinha idade entre 65-68 anos; declarou pertencer à raça parda; ser do sexo feminino e ser casado ou ter união estável. A escolaridade média dos idosos foi de 5,07 anos, EP 0,36, Deff 4,04; a renda per capita média em reais foi de R$ 404,17, EP R$ 34,37, Deff 2,65. A maioria relatou residir em domicílio cadastrado na ESF e a maior parte relatou comportamentos favoráveis referentes a hábitos tabagistas e etilistas. A maioria relatou ter doença crônica diagnosticada por um médico. A maior parte não apresentava alterações de tecidos moles bucais, usava próteses removíveis e não relatou impacto consequente das desordens bucais (Tabela 1).

Tabela 1
Acesso a informações relativas à saúde, determinantes pessoais, uso dos serviços de saúde/custos com a saúde; comportamentos relacionados à saúde, desfechos de saúde, entre idosos de Montes Claros/MG, 2008/2009. n = 492.

Na análise bivariada, constatou-se associação (p ≤ 0,20) do acesso à informação sobre como prevenir o câncer bucal com: raça autodeclarada, estado civil, escolaridade, renda per capita, residência em domicílio cadastrado na ESF, hábito tabagista atual ou passado, autoexame da boca, presença de doenças crônicas, autopercepção de incômodo na boca/cabeça ou pescoço e impacto da saúde bucal em suas dimensões (Tabela 2).

Tabela 2
Análise bivariada entre acesso a informações sobre como evitar o câncer de boca e determinantes pessoais, uso de serviços de saúde/custos com a saúde, comportamentos relacionados à saúde, desfechos de saúde entre idosos de Montes Claros/MG, 2008/2009. n = 492

Na análise múltipla, constatou-se associação do acesso à informação sobre como prevenir o câncer bucal com: determinantes pessoais, uso dos serviços de saúde/custos com a saúde, comportamentos relacionados à saúde e desfechos de saúde (Tabela 3).

Tabela 3
Análise multivariada entre acesso a informações sobre como prevenir o câncer bucal ajustada por variáveis estaticamente significantes (p ≤ 0,05), entre idosos de Montes Claros/MG, 2008/2009.

Discussão

A avaliação dos níveis de “alfabetização em saúde” é uma proposta relativamente nova no campo da promoção da saúde, pois avança na concepção de educação em saúde para além da oferta de informação, enfocando a capacidade das pessoas de acessar, compreender, avaliar e aplicar ou não tais informações eficientemente. A melhoria dos níveis de alfabetização em saúde depende de inúmeras variáveis, dentre elas, destaca-se o empowerment2020 Sørensen K, Van den Broucke S, Fullam J, Doyle G, Pelikan J, Slonska Z, Brand H. Health literacy and public health: a systematic review and integration of definitions and models. BMC Public Health 2012; 12:80., que se refere a ações sociais que promovem a participação das pessoas, de organizações e das comunidades no controle do seu próprio destino e do destino da sociedade. Deste modo, as pessoas criam ou são dadas a elas oportunidades para cuidar de sua própria saúde, a partir de uma série de experiências através das quais elas aprendem a ver uma correspondência mais estreita entre os seus objetivos e um senso de como alcançá-los, e assim ganham maior acesso e controle sobre os seus próprios recursos, sobre os recursos disponíveis nas organizações governamentais/não governamentais e/ou sobre os recursos disponíveis em comunidades que buscam a promoção da saúde e a prevenção das doenças3030 Wallerstein N, Bernstein E. Empowerment education: Freire's ideas adapted to health education. Health Educ Q 1988; 15(4):379-394..

A prevalência do acesso a informações sobre como evitar o câncer bucal, condição inicial da alfabetização em saúde, foi de 58,9%. A chance de ter apresentado tal acesso entre idosos que residiam em domicílios cadastrados na ESF foi aproximadamente três vezes àquela verificada entre os que não residiam, mesmo depois de ser controlada por determinantes pessoais, por comportamentos relacionados à saúde e por desfechos de saúde. A chance de acesso a essas informações foi maior entre aqueles com maior renda per capita, entre os que não apresentavam hábitos tabagistas, os que realizaram autoexame bucal e entre os que não perceberam incômodo na boca, cabeça ou pescoço. Não foram encontrados estudos que tenham identificado fatores associados ao acesso a informações sobre como prevenir o câncer bucal entre idosos, impossibilitando o confronto dos resultados encontrados entre os idosos de Montes Claros com resultados encontrados em outros estudos. Por outro lado, alguns estudos identificaram diferentes níveis de conhecimento e/ou conscientização sobre o câncer bucal, seus fatores determinantes e suas medidas preventivas3131 Quirino MRS, Gomes FC, Marcondes MS, Balducci I, Anbinder AL. Avaliação do conhecimento sobre o câncer de boca entre participantes de campanha para prevenção e diagnóstico precoce da doença em Taubaté – SP. Rev Odontol UNESP 2006; 35(4):327-333.

32 Ribeiro R, Martins MAT, Fernandes KPS, Bussadori SK, Miyagi SPH, Martins MD. Avaliação do nível de conhecimento de uma população envolvendo câncer oral. ROBRAC 2008; 17(44):104-109.

33 Peker I, Alkurt MT. Nível de conscientização do público sobre câncer bucal em um grupo de pacientes odontológicos. J Contemp Pract Dent 2010; 11(1):49-56.
-3434 Elango KJ, Anandkrishnan N, Suresh A, Iyer SK, RamaIyer SK, Kuriakose MA. Mouth self-examination to improve oral cancer awareness and early detection in a high-risk population. Oral Oncology 2011; 47(7):620-624..

Mais de um terço dos idosos avaliados relataram não ter tido qualquer acesso à informação sobre como prevenir o câncer bucal proveniente dos serviços de saúde, fato preocupante, visto que a aquisição de informações consistentes sobre o câncer bucal, seus fatores determinantes e suas medidas preventivas pode subsidiar a adoção de hábitos saudáveis que contribuam para a prevenção e diagnóstico precoce desse câncer2020 Sørensen K, Van den Broucke S, Fullam J, Doyle G, Pelikan J, Slonska Z, Brand H. Health literacy and public health: a systematic review and integration of definitions and models. BMC Public Health 2012; 12:80., 3131 Quirino MRS, Gomes FC, Marcondes MS, Balducci I, Anbinder AL. Avaliação do conhecimento sobre o câncer de boca entre participantes de campanha para prevenção e diagnóstico precoce da doença em Taubaté – SP. Rev Odontol UNESP 2006; 35(4):327-333.

32 Ribeiro R, Martins MAT, Fernandes KPS, Bussadori SK, Miyagi SPH, Martins MD. Avaliação do nível de conhecimento de uma população envolvendo câncer oral. ROBRAC 2008; 17(44):104-109.

33 Peker I, Alkurt MT. Nível de conscientização do público sobre câncer bucal em um grupo de pacientes odontológicos. J Contemp Pract Dent 2010; 11(1):49-56.

34 Elango KJ, Anandkrishnan N, Suresh A, Iyer SK, RamaIyer SK, Kuriakose MA. Mouth self-examination to improve oral cancer awareness and early detection in a high-risk population. Oral Oncology 2011; 47(7):620-624.

35 Souza LRB, Ferraz KD, Pereira NS, Martins MV. Conhecimento acerca do câncer bucal e atitudes frente à sua etiologia e prevenção em um grupo de horticultores de Teresina (PI). Rev Bras Cancerol 2012; 58(1):31-39.
-3636 Ratzan SC, Parker RM. Introduction. In: Selden CR, Zorn M, Ratzan SC, Parker RM, editors. National Library of Medicine current bibliographies in medicine: health literacy. Bethesda: NLM; 2000.. Entre os participantes da Campanha de Prevenção e Diagnóstico Precoce do Câncer Bucal, em um município brasileiro, Taubaté-SP, avaliou-se o conhecimento sobre esse câncer nos anos de 2001, 2003 e 2005. O relato de conhecimento das causas desse câncer variou de 32,68% a 40,52%. Em 2001, 16,52% referiram saber o que é autoexame bucal; em 2003, 31,97% e em 2005, 22%3131 Quirino MRS, Gomes FC, Marcondes MS, Balducci I, Anbinder AL. Avaliação do conhecimento sobre o câncer de boca entre participantes de campanha para prevenção e diagnóstico precoce da doença em Taubaté – SP. Rev Odontol UNESP 2006; 35(4):327-333., ressaltando uma baixa prevalência do conhecimento sobre essa medida entre os entrevistados3131 Quirino MRS, Gomes FC, Marcondes MS, Balducci I, Anbinder AL. Avaliação do conhecimento sobre o câncer de boca entre participantes de campanha para prevenção e diagnóstico precoce da doença em Taubaté – SP. Rev Odontol UNESP 2006; 35(4):327-333.. Possivelmente, conforme propõe o modelo teórico de Sørensen et al.2020 Sørensen K, Van den Broucke S, Fullam J, Doyle G, Pelikan J, Slonska Z, Brand H. Health literacy and public health: a systematic review and integration of definitions and models. BMC Public Health 2012; 12:80., o baixo conhecimento pode ter sido influenciado pelos níveis de conhecimentos prévios, pela competência e motivação das pessoas que tiveram acesso a informações relacionadas à saúde. Melhorias dependiam ainda da compreensão dessas informações, considerando as diversidades demográficas, culturais e educacionais que mediante avaliação dos participantes da investigação poderiam ou não gerar a aplicação desses conhecimentos sobre as doenças2020 Sørensen K, Van den Broucke S, Fullam J, Doyle G, Pelikan J, Slonska Z, Brand H. Health literacy and public health: a systematic review and integration of definitions and models. BMC Public Health 2012; 12:80..

No contexto da promoção da saúde, ações educativas influenciam a percepção das pessoas sobre sua condição bucal, subsidiam o autodiagnostico e o autocuidado em busca da prevenção e/ou em busca da cura das doenças bucais ainda em seus estágios iniciais3737 Silva SRC, Fernandes RAC. Autopercepção das condições de saúde bucal por idosos. Rev Saude Publica 2001; 35(4):349-355.. A maioria dos idosos brasileiros percebeu sua saúde bucal como satisfatória, mesmo apresentando problemas bucais3838 Martins AMEBL, Barreto SM, Pordeus IA. Auto-avaliação de saúde bucal em idosos: análise com base em modelo multidimensional. Cad Saude Publica 2009; 25(2):421-435.. Talvez por causa dessa percepção positiva da saúde bucal, o idoso não ache necessário buscar informações sobre sua saúde bucal, comprometendo assim o acesso a informações sobre como prevenir o câncer bucal. Por outro lado, em estudos conduzidos nos Estados Unidos, alguns cirurgiões-dentistas justificaram o não fornecimento de orientações sobre prevenção de agravos bucais, incluindo o câncer, por falta de tempo3939 Horowitz AM, Siriphant P, Sheikh A, Child, WL. Perspectives of Maryland dentists on oral cancer. JADA 2001; 132(1):65-72., por não achar necessário ou por não serem remunerados para realizar tal procedimento4040 Gajendra S, Cross GD, Kumar JV. Oral cancer prevention and early detection: knowledge, practices and opinions of carers oral health in New York State. J Cancer Educ 2006; 21(3):157-162.. Além disso, a adesão de estratégias de educação permanente por parte dos profissionais está associada à adequação do espaço físico, à abordagem multidisciplinar e aos aspectos epidemiológicos da população4141 d’Ávila LS, Assis LN, Melo MB, Brant LC. Adesão ao Programa de Educação Permanente para médicos de família de um Estado da Região Sudeste do Brasil. Cien Saude Colet 2014; 19(1):1-16.. Possivelmente, tais questões (tempo e remuneração), entre outras, como a formação profissional, sejam a explicação para o fato dos cirurgiões dentistas não garantirem aos seus pacientes o acesso a informações preventivas sobre o câncer bucal.

Em um estudo conduzido em uma localidade rural da região sul do Brasil, mais da metade dos participantes (65%) relataram ter recebido informações sobre como evitar problemas bucais. Entretanto, apesar da grande maioria (83%) estar satisfeita com o recebimento, observou-se que 42,6% acharam que o cirurgião-dentista poderia ter fornecido mais informações. Tal estudo revelou que essa medida educativa nem sempre vem acompanhada da satisfação com sua qualidade4242 Mialhe FL, Oliveira CSR, Silva DD. Acesso e avaliação dos serviços de saúde bucal em uma localidade rural da região sul do Brasil. Arq Cien Saude Unipar 2006; 10(3):145-149.. Os profissionais de saúde ao repassarem informações sobre saúde precisam conhecer previamente os níveis de “alfabetização em saúde” dos pacientes e familiares com o intuito de aperfeiçoar as ações educativas. Questões referentes à alfabetização em saúde/empowerment2020 Sørensen K, Van den Broucke S, Fullam J, Doyle G, Pelikan J, Slonska Z, Brand H. Health literacy and public health: a systematic review and integration of definitions and models. BMC Public Health 2012; 12:80.,3636 Ratzan SC, Parker RM. Introduction. In: Selden CR, Zorn M, Ratzan SC, Parker RM, editors. National Library of Medicine current bibliographies in medicine: health literacy. Bethesda: NLM; 2000.,4343 Coulter A, Ellins J. Effectiveness of strategies for informing, educating, and involving patients. BMJ 2007; 335(7609):24-27. não avaliadas entre os idosos investigados, possivelmente são responsáveis pela explicação da ausência das associações entre o acesso a informações sobre como evitar o câncer bucal e algumas variáveis consideradas no modelo teórico adotado2020 Sørensen K, Van den Broucke S, Fullam J, Doyle G, Pelikan J, Slonska Z, Brand H. Health literacy and public health: a systematic review and integration of definitions and models. BMC Public Health 2012; 12:80.. Provavelmente, os profissionais que realizaram o atendimento desses idosos não consideraram todas as variáveis propostas no modelo teórico adotado, que preconiza ações de educação em saúde contextualizadas no âmbito da promoção da saúde2020 Sørensen K, Van den Broucke S, Fullam J, Doyle G, Pelikan J, Slonska Z, Brand H. Health literacy and public health: a systematic review and integration of definitions and models. BMC Public Health 2012; 12:80.. Entre os idosos de Montes Claros, a prevalência da oferta de medidas educativas relacionadas à prevenção do câncer bucal, por parte dos dentistas, não foi investigada. Talvez uma maior proporção de idosos tenham tido acesso, mas como não geraram conhecimento, eles não se lembram de tê-las recebido. Por outro lado, os que foram orientados e obtiveram conhecimentos podem ou não tê-los colocado em prática, conforme avaliação e ou consideração dos seus níveis de empowerment2020 Sørensen K, Van den Broucke S, Fullam J, Doyle G, Pelikan J, Slonska Z, Brand H. Health literacy and public health: a systematic review and integration of definitions and models. BMC Public Health 2012; 12:80..

A maior chance de acesso a informações sobre como prevenir o câncer bucal entre idosos que residiam em domicílios cadastrados na ESF, possivelmente é decorrente da maior ênfase dada às ações de promoção da saúde e prevenção dos agravos no contexto da ESF4444 Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. Lancet 2011; 377(9779):1778-1797.. A formação dos profissionais que trabalham nesse serviço também pode ter contribuído nesse sentido. Este achado é digno de nota e sugere avanço no desempenho dos serviços públicos de saúde bucal, fato que merece ser reconhecido. Ainda assim, 48,3% dos idosos que residiam em domicílios cadastrados na ESF relataram que não tiveram acesso a tais informações, o que merece atenção. Embora tenham sido registrados avanços nas políticas públicas implantadas nos últimos anos, tais como a inclusão da equipe de saúde bucal na ESF, ainda são necessários esforços para que seja efetivada uma política ampla capaz de reduzir desigualdades sociais no acesso e no processo do cuidado, assim como na avaliação dos resultados na área de saúde bucal4545 Rocha RACP, Goes PSA. Comparação do acesso aos serviços de saúde bucal em áreas cobertas e não cobertas pela Estratégia Saúde da Família em Campina Grande, Paraíba, Brasil. Cad Saude Publica 2008; 24(12):2871-2880., uma vez que o cirurgião-dentista desempenha papel fundamental na difusão das medidas de prevenção3232 Ribeiro R, Martins MAT, Fernandes KPS, Bussadori SK, Miyagi SPH, Martins MD. Avaliação do nível de conhecimento de uma população envolvendo câncer oral. ROBRAC 2008; 17(44):104-109.. Os serviços de saúde, especialmente os públicos, precisam contribuir para o alcance dos almejados princípios da equidade e universalidade, conferindo ao ambiente clínico maiores oportunidades de aprendizado e procurando assegurar a todos o acesso aos recursos necessários para que cuidados odontológicos sejam um direito humano4646 Narvai PC. Collective oral health: ways from sanitary dentistry to buccality. Rev Saude Publica 2006; 40(Spec nº):141-147.. Destaca-se ainda que diferentes condições devem ser consideradas nas ações que visam a melhoria dos níveis de alfabetização, dentre elas destaca-se a renda per capita das pessoas.

A chance do acesso a informações sobre como prevenir o câncer bucal foi maior entre idosos com maior renda per capita, tal associação indica iniquidade no acesso a estas informações. Entre pacientes de um hospital-escola brasileiro, identificou-se que o câncer bucal foi associado a piores condições sociais, como baixa renda e baixa escolaridade1111 Vaccarezza GF, Antunes JL, Michaluart-Júnior P. Recurrent sores by ill-fitting dentures and intra-oral squamous cell carcinoma in smokers. J Public Health Dent 2010; 70(1):52-57.. Em um estudo do tipo caso controle conduzido em Kerala, na Índia, constatou-se uma menor chance de ocorrência das lesões bucais cancerizáveis entre aqueles com melhores condições socioeconômicas4747 Hashibe M, Jacob BJ, Thomas G, Ramadas K, Mathew B, Sankaranarayanan R, Zhang ZF. Socioeconomic status, lifestyle factors and oral premalignant lesions. Oral Oncology 2003; 39(7):664-671.. Os resultados apresentados nesse estudo4747 Hashibe M, Jacob BJ, Thomas G, Ramadas K, Mathew B, Sankaranarayanan R, Zhang ZF. Socioeconomic status, lifestyle factors and oral premalignant lesions. Oral Oncology 2003; 39(7):664-671. são possivelmente explicados pelo maior acesso a informações sobre como prevenir o câncer bucal, assim como por maior possibilidade de colocar em prática tais informações entre aqueles com maior renda per capita. Por outro lado, estudos prévios evidenciaram maior preocupação dos cirurgiõesdentistas em garantir o acesso a informações de saúde para os desfavorecidos quanto aos aspectos socioeconômicos, por acharem que essas pessoas são mais desinformadas1111 Vaccarezza GF, Antunes JL, Michaluart-Júnior P. Recurrent sores by ill-fitting dentures and intra-oral squamous cell carcinoma in smokers. J Public Health Dent 2010; 70(1):52-57.,4747 Hashibe M, Jacob BJ, Thomas G, Ramadas K, Mathew B, Sankaranarayanan R, Zhang ZF. Socioeconomic status, lifestyle factors and oral premalignant lesions. Oral Oncology 2003; 39(7):664-671.. Sugere-se que, em Montes Claros, boa parte dos cirurgiões-dentistas não considera piores condições socioeconômicas como pré-requisito para oferta de informações relacionadas à saúde. No contexto da promoção da saúde, estratégias de educação em saúde que considerem as condições socioeconômicas das pessoas são importantes na programação sobre como a população será orientada quanto a prevenção do câncer bucal1010 Shanmugham JR, Zavras Athanasios I, Rosner B, Edward G. Alcohol-folate interactions in women's oral cancer risk: A prospective cohort study. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev 2010; 19(10):2516-2524., pois os desfavorecidos podem apresentar dificuldade de compreensão, avaliação e aplicação das mensagens repassadas2020 Sørensen K, Van den Broucke S, Fullam J, Doyle G, Pelikan J, Slonska Z, Brand H. Health literacy and public health: a systematic review and integration of definitions and models. BMC Public Health 2012; 12:80.. Enfim, esperava-se maior prevalência de acesso a informações preventivas sobre o câncer bucal entre os idosos de Montes Claros, uma vez que a maioria apresentou condições socioeconômicas desfavoráveis, características que influenciam o desenvolvimento do câncer bucal1111 Vaccarezza GF, Antunes JL, Michaluart-Júnior P. Recurrent sores by ill-fitting dentures and intra-oral squamous cell carcinoma in smokers. J Public Health Dent 2010; 70(1):52-57.,4747 Hashibe M, Jacob BJ, Thomas G, Ramadas K, Mathew B, Sankaranarayanan R, Zhang ZF. Socioeconomic status, lifestyle factors and oral premalignant lesions. Oral Oncology 2003; 39(7):664-671..

Dentre as informações a serem repassadas nas ações que visam melhorar os níveis de alfabetização em saúde, destacam-se as referentes ao tabagismo. O tabaco é um importante fator de risco relacionado à ocorrência do câncer bucal7Blot WJ, McLaughlin JK, Winn DM, Austin DF, Greenberg RS, Preston-Martin S, Bernstein L, Schoenberg JB, Stemhagen A, Fraumeni Junior JF. Smoking and drinking in relation to oral and pharyngeal cancer. Cancer Research 1988; 48(11):3282-3287.,3939 Horowitz AM, Siriphant P, Sheikh A, Child, WL. Perspectives of Maryland dentists on oral cancer. JADA 2001; 132(1):65-72., porém a avaliação da associação entre o acesso à informação sobre como prevenir o câncer bucal e esse fator de risco em estudos transversais é complexa. Se por um lado, espera-se que o dentista seja motivado a repassar essas informações, especialmente entre os que têm comportamento de risco (maior acesso à informação entre tabagistas), por outro espera-se que a pessoa que tem acesso a informações sobre o comportamento de risco para a sua saúde mude de comportamento adotando hábitos mais saudáveis (o acesso leva ao abandono do hábito, maior acesso a informação entre não tabagistas).

Entre os idosos de Montes Claros, constatouse que o acesso a informações sobre a prevenção do câncer bucal foi maior entre aqueles que não eram tabagistas, ressalta-se, entretanto, que entre os considerados tabagistas havia ex-tabagistas, não podendo ser descartada a possibilidade de que esses indivíduos possam ter abandonado tal hábito como consequência do maior acesso a informações preventivas. Há que se considerar ainda que o tabagista atual possa relatar falta de acesso a informações preventivas por mecanismo de defesa, já que mudanças de hábitos são difíceis e que o conhecimento, por si só, pode ser incapaz de mudar hábitos comportamentais. Tabagistas e etilistas usuários de próteses odontológicas removíveis mal adaptadas podem apresentar ferimentos na mucosa bucal e ou lesões cancerizáveis. Esta observação está de acordo com a hipótese de que a irritação física recorrente da mucosa contribui para o efeito tópico carcinogênico do tabaco na boca, o que deve ser levado em consideração no planejamento de ações de promoção de saúde/educação em saúde, de ações preventivas e curativas nos serviços odontológicos1111 Vaccarezza GF, Antunes JL, Michaluart-Júnior P. Recurrent sores by ill-fitting dentures and intra-oral squamous cell carcinoma in smokers. J Public Health Dent 2010; 70(1):52-57.. Os tabagistas podem preocupar-se menos com a própria saúde por não abandonarem este hábito nocivo e, portanto, sugere-se que podem preocupar-se menos com o diagnóstico precoce do câncer bucal. Por outro lado, os tabagistas com altos níveis de alfabetização em saúde que não conseguem abandonar este hábito nocivo, podem preocupar-se mais com o diagnóstico precoce de doenças decorrentes do tabagismo. Um estudo evidenciou que a demora no diagnóstico precoce desse tipo de câncer foi maior entre os não tabagistas4848 Pitiphat W, Diehl SR, Laskaris G, Cartsos V, Douglass CW, Zavras AI. Factors Associated with Delay in the Diagnosis of Oral Cancer. J Dent Res 2002; 81(3):192-197., observando-se, portanto, a associação entre o tabagismo e o diagnóstico precoce do câncer bucal, que pode ser precedido pelo autoexame bucal.

Apesar de não ter sido encontrado estudo que comprove a associação entre autoexame bucal e redução das taxas de mortalidade e letalidade por câncer bucal, em um ensaio randomizado constatou-se que o rastreamento feito por profissionais treinados para identificação de lesões suspeitas de câncer bucal e a confirmação através de exames histopatológicos permitem o diagnóstico precoce do câncer bucal; e que quando este diagnóstico precoce é sucedido por tratamento imediato observa-se uma diminuição dessas taxas1414 Sankaranarayanan R, Ramadas K, Thomas G, Muwonge R, Thara S, Mathew B, Rajan B Effect of screening on oral cancer mortality in Kerala, India: a cluster-randomized controlled trial. Lancet 2005; 365(9475):1927-1933..

O diagnóstico precoce do câncer bucal pode ocorrer mediante consultas odontológicas por livre demanda, rastreamentos ou consultas odontológicas consequentes da identificação de lesões suspeitas de câncer bucal após autoexame da boca. Existem localidades nas quais os rastreamentos não são conduzidos, assim como existem outras onde tal procedimento é feito periodicamente em diferentes espaços de tempo. Se as pessoas forem orientadas e fizerem o autoexame bucal, inclusive nos intervalos existentes entre as consultas e ou rastreamentos, poderão maximizar a possibilidade de diagnóstico precoce e tratamento desse câncer. Enfim, nos locais onde o rastreamento não é uma política perene, onde esta política não foi implantada e/ou onde o rastreamento configura-se como uma política perene sugere-se que a pratica do autoexame bucal pode minimizar a morbimortalidade por câncer bucal. Essa situação é revestida de importância, pois o acesso à informação sobre como prevenir o câncer bucal associado ao autoexame bucal, seguido por exame bucal feito por um profissional, aumenta a chance do diagnóstico precoce do câncer bucal. A chance do acesso a informações sobre como evitar o câncer bucal entre os que realizaram autoexame bucal foi seis vezes àquela verificada entre os que não realizaram esse autoexame, mesmo após controle por outras variáveis. Dentre os idosos que realizam autoexame bucal, mais de 70% afirmaram ter tido acesso a informações sobre como prevenir o câncer bucal. Sugere-se que as orientações recebidas foram eficazes, pois podem ter gerado mudanças quanto a esse hábito comportamental, já que este comportamento pode ter sido adotado após o acesso. Deve-se considerar ainda a possibilidade de retroalimentação nesta associação, uma vez que a identificação de alterações na cavidade bucal durante o autoexame pode levar as pessoas a buscarem informações relacionadas à saúde bucal.

Pesquisas realizadas na Alemanha4949 Klosa K, Wiltfang J, Wenz HJ, Koller M, Hertrampf K. Opinions and practices of dentists in oral cancer prevention and early detection in Northern Germany. Eur J Cancer Prev 2011; 20(4):313-319. e nos Estados Unidos5050 Choi Y, Dodd V, Watson J, Tomar SL, Logan HL, Edwards H. Perspectives of African Americans and dentists concerning dentist-patient communication on oral cancer screening. Patient Educ Couns 2008; 71(1):41-51. mostraram que a maioria dos dentistas concorda com a importância do exame preventivo para câncer bucal, mas menos da metade trocam informações sobre essa questão com seus pacientes. Em Montes Claros, principalmente entre os dentistas que não trabalham na ESF, há necessidade de melhorias quanto à atualização profissional, no que diz respeito à importância da alfabetização em saúde. Há ainda, necessidade de incremento nas ações de promoção de saúde/educação em saúde, prevenção e diagnóstico precoce do câncer bucal. A assistência pública odontológica, principalmente aquela destinada a idosos, precisa ser reavaliada. Propõe-se a elaboração de políticas de saúde que incluam ações de promoção de saúde/educativas voltadas para o autodiagnóstico e autocuidado, além de ações preventivas, de manutenção da saúde e reabilitadoras3737 Silva SRC, Fernandes RAC. Autopercepção das condições de saúde bucal por idosos. Rev Saude Publica 2001; 35(4):349-355.. Além disso, sabe-se que a insatisfação com o serviço odontológico utilizado pode estar associado aos problemas no acesso a informações preventivas sobre como evitar problemas bucais5151 Martins AMEBL, Jardim LA, Souza JGS, Rodrigues CAQ, Ferreira RC, Pordeus IA. Is the negative evaluation of dental services among the Brazilian elderly population associated with the type of service? Rev Bras Epidemiol 2014; 17(1):71-90. De forma contraditória àquela possivelmente registrada nos idosos de Montes Claros, entre pessoas com mais de 40 anos da Itália, em um estudo prospectivo com intervenção, verificou-se mais conhecimento no grupo instruído sobre prevenção do câncer bucal do que no grupo controle, mas esse conhecimento não levou ao aumento significativo do autoexame no grupo instruído5252 Petti S, Scully C. Oral cancer knowledge and awareness: Primary and secondary effects of an information leaflet. Oral Oncology 2007; 43(4):408-415.. Sugere-se que as abordagens feitas na Itália possam não ter considerado questões propostas no modelo teórico da alfabetização em saúde2020 Sørensen K, Van den Broucke S, Fullam J, Doyle G, Pelikan J, Slonska Z, Brand H. Health literacy and public health: a systematic review and integration of definitions and models. BMC Public Health 2012; 12:80.,3030 Wallerstein N, Bernstein E. Empowerment education: Freire's ideas adapted to health education. Health Educ Q 1988; 15(4):379-394., ou mesmo que para estas pessoas outras questões são mais importantes do que a mudança de hábitos com o intuito de prevenir doenças. Pesquisas transversais no Brasil também mostram que, apesar de ter conhecimento sobre o câncer bucal e sobre seus fatores de risco, muitas pessoas continuam com hábitos nocivos à saúde e não realizam o autoexame3535 Souza LRB, Ferraz KD, Pereira NS, Martins MV. Conhecimento acerca do câncer bucal e atitudes frente à sua etiologia e prevenção em um grupo de horticultores de Teresina (PI). Rev Bras Cancerol 2012; 58(1):31-39.,5353 Dias GF, Fernandes DR, Mestriner SF, Júnior WM. Autocuidados na prevenção do câncer bucal. Rev Científica da Universidade de Franca 2005; 5(1/6):14-20.. Sendo assim, é necessário que estratégias diversas sejam utilizadas e avaliadas, considerando questões propostas no modelo teórico da alfabetização em saúde2020 Sørensen K, Van den Broucke S, Fullam J, Doyle G, Pelikan J, Slonska Z, Brand H. Health literacy and public health: a systematic review and integration of definitions and models. BMC Public Health 2012; 12:80., dentre elas o empowerment das pessoas assistidas3030 Wallerstein N, Bernstein E. Empowerment education: Freire's ideas adapted to health education. Health Educ Q 1988; 15(4):379-394., buscando a aquisição de conhecimentos e práticas que visem controlar os problemas de saúde.

A chance de acesso a informações preventivas sobre o câncer bucal foi maior entre os que não relataram incômodo na boca, cabeça ou pescoço. Há possiblidade de retroalimentação nessa associação, ou seja, o incômodo poderia levar a pessoa a buscar pela informação, assim como a informação poderia aumentar os níveis de alfabetização em saúde das pessoas que poderiam identificar uma lesão não sintomática como um incômodo. Investigações longitudinais poderiam elucidar melhor essa associação, pois a presença de incômodos deveria gerar uma maior preocupação por parte dos profissionais da saúde em oferecer informações preventivas. Já foi evidenciada associação entre presença de úlceras bucais recorrentes por dentaduras mal ajustadas e câncer bucal1111 Vaccarezza GF, Antunes JL, Michaluart-Júnior P. Recurrent sores by ill-fitting dentures and intra-oral squamous cell carcinoma in smokers. J Public Health Dent 2010; 70(1):52-57.,5454 Marques LA, Eluf-Neto J, Figueiredo RA, Góis-Filho JF, Kowalski LP, Carvalho MB, Abrahão M, Wünsch-Filho V. Oral health, hygiene practices and oral cancer. Rev Saude Publica 2008; 42(3):471-479., sendo assim sugere-se a importância do acesso a informações relacionadas a incômodos na boca e o câncer bucal.

É provável que condições desfavoráveis se somem num contexto de menor acesso a informações relacionadas à saúde, já que o acesso a essas informações foi menor entre os com menor renda, os que apresentaram piores comportamentos relacionados à saúde e entre aqueles que relataram presença de incômodos. Estudo prévio verificou que indivíduos com menor status socioeconômico foram menos propensos a utilizar serviços odontológicos e, quando o utilizaram, apresentaram menor possibilidade de receber tratamentos mais conservadores, receberam menos informações e relataram menor conhecimento de certos tratamentos que poderiam prevenir a perda de dentes5555 Gilbert GH, Duncan RP, Shelton BJ. Social Determinants of Tooth Loss. Health Serv Res 2003; 38(6 Pt 2):1843-1862.. Esses resultados sugerem um paradoxo quanto à iniquidade na assistência à saúde bucal do idoso. Por um lado sugere-se iniquidade, uma vez que foi observado menor acesso entre aqueles com menor renda, por outro, se observou maior acesso entre os residentes em domicílios cadastrados na ESF, que possivelmente são os que apresentam menor renda, uma vez que a proposta da ESF deve ser prioritária entre os que mais necessitam de assistência à saúde.

Aumentar os níveis de alfabetização em saúde representa um caminho promissor para melhorar a capacitação das pessoas dentro dos domínios dos serviços de saúde, da prevenção das doenças e da promoção da saúde com o intuito de incentivar as pessoas a adotar de forma rotineira práticas preventivas saudáveis de autocuidado. Porém a adoção das teorias propostas no modelo de Sørensen et al.2020 Sørensen K, Van den Broucke S, Fullam J, Doyle G, Pelikan J, Slonska Z, Brand H. Health literacy and public health: a systematic review and integration of definitions and models. BMC Public Health 2012; 12:80., na prática, apresenta desafios, ainda pouco explorados. No contexto da alfabetização em saúde, as qualidades cognitivas específicas a serem atingidas dependem tanto da qualidade da informação fornecida2020 Sørensen K, Van den Broucke S, Fullam J, Doyle G, Pelikan J, Slonska Z, Brand H. Health literacy and public health: a systematic review and integration of definitions and models. BMC Public Health 2012; 12:80. quanto da motivação individual e consciente de cada indivíduo3030 Wallerstein N, Bernstein E. Empowerment education: Freire's ideas adapted to health education. Health Educ Q 1988; 15(4):379-394..

Algumas variáveis consideradas no modelo teórico proposto por Sørensen et al.2020 Sørensen K, Van den Broucke S, Fullam J, Doyle G, Pelikan J, Slonska Z, Brand H. Health literacy and public health: a systematic review and integration of definitions and models. BMC Public Health 2012; 12:80. não foram avaliadas entre os idosos de Montes Claros. Por outro lado, este trabalho seguiu o rigor metodológico exigido em uma pesquisa transversal: planejamento amostral, calibração e análises estatísticas com correção pelo efeito desenho.

Conclusões

A maioria dos idosos teve acesso à informação sobre como prevenir o câncer bucal, a prevalência foi maior entre os residentes em domicílios cadastrados na ESF. Há necessidade de incremento na oferta dessas informações preventivas por parte dos profissionais dos serviços odontológicos, especialmente entre os que não residem em domicílios cadastrados, os desfavorecidos socialmente, os tabagistas, os que não realizam autoexame bucal e os que relataram a presença de incômodo na boca, cabeça ou pescoço. Sugere-se que houve implementação prática dos conhecimentos adquiridos, no contexto do modelo teórico de alfabetização em saúde adotado, quanto ao tabagismo, quanto à importância do autoexame bucal e quanto a existência de possível associação do câncer bucal com a presença de incômodos na boca. Há que se considerar ainda que as associações entre o acesso a informações sobre como evitar o câncer bucal e o tabagismo, a realização do autoexame bucal e os relatos da presença de incômodo na boca devem ser avaliadas considerando-se a possibilidade de retroalimentação.

Agradecimentos

O projeto foi financiado pela FAPEMIG e Prefeitura Municipal de Montes Claros, recebeu apoio logístico da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes, da Faculdade de Odontologia da UFMG e das Faculdades Unidas do Norte de Minas FUNORTE. AMEBL Martins é bolsista de pós-doutorado do CNPQ; IA Pordeus, EF Ferreira e SM Barreto são bolsistas de produtividade do CNPQ. Os autores gostariam de agradecer as contribuições do Dr. Kimberly Marie Jones (SOEBRAS) pela tradução da versão original em português deste manuscrito.

Referências

  • 1
    Schmidt MI, Duncan BB, Silva GA, Menezes AM, Monteiro CA, Barreto SM, Chor D, Menezes PR. Doenças crônicas não transmissíveis no Brasil: carga e desafios atuais. Lancet 2011; 377(9781):2042-2053.
  • 2
    Pisani P, Parkin DM, Bray F, Ferlay J. Estimates of the worldwide mortality from 25 cancers in 1990. Int J Cancer 1999; 83(1):18-29.
  • 3
    Torres-Pereira CC, Angelim-Dias A, Melo NC, Lemos Júnior CA, Oliveira EMF. Abordagem do câncer da boca: uma estratégia para os níveis primário e secundário de atenção em saúde. Cad Saude Publica 2012; 28(Supl.):S30-S39.
  • 4
    Andrade FP, Antunes JLF, Durazzo MD. Evaluation of the quality of life of patients with oral cancer in Brazil. Braz Oral Res 2006; 20(4):290-296.
  • 5
    Instituto Nacional do Câncer (INCA). Estimativa de incidência de câncer no Brasil para 2014 Rio de Janeiro: INCA; 2014. [acessado 2014 set 3]. Disponível em: http://www.inca.gov.br/estimativa/2014/sintese-deresultados-comentarios.asp
    » http://www.inca.gov.br/estimativa/2014/sintese-deresultados-comentarios.asp
  • 6
    Warnakulasuriya S. Global epidemiology of oral and oropharyngeal cancer. Oral Oncology 2009; 45(45):309-316.
  • 7
    Blot WJ, McLaughlin JK, Winn DM, Austin DF, Greenberg RS, Preston-Martin S, Bernstein L, Schoenberg JB, Stemhagen A, Fraumeni Junior JF. Smoking and drinking in relation to oral and pharyngeal cancer. Cancer Research 1988; 48(11):3282-3287.
  • 8
    Franceschi S, Talamini R, Barra S, Barón AE, Negri E, Bidoli E, Serraino D, La Vecchia C. Smoking and Drinking in Relation to Cancers of the Oral Cavity, Pharynx, Larynx, and Esophagus in Northern Italy. Cancer Res 1990; 50(20):6502-6507.
  • 9
    Jayalekshmi PA, Gangadharan P, Akiba S, Koriyama C, Nair R R K. Oral cavity cancer risk in relation to tobacco chewing and bidi smoking among men in Karunagappally, Kerala, India: Karunagappally cohort study. Cancer Sci 2011; 102(2):460-467.
  • 10
    Shanmugham JR, Zavras Athanasios I, Rosner B, Edward G. Alcohol-folate interactions in women's oral cancer risk: A prospective cohort study. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev 2010; 19(10):2516-2524.
  • 11
    Vaccarezza GF, Antunes JL, Michaluart-Júnior P. Recurrent sores by ill-fitting dentures and intra-oral squamous cell carcinoma in smokers. J Public Health Dent 2010; 70(1):52-57.
  • 12
    Syrjänen K, Syrjänen S, Lamberg M, Pyrhönen S, Nuutinen J. Morphological and immunohistochemical evidence suggesting human papillomavirus (HPV) involvement in oral squamous cell carcinogenesis. Int J Oral Surg 1983; 12(6):418-424.
  • 13
    Ko YC, Huang YL, Lee CH, Chen MJ, LM Lin, Tsai CC. Betel quid chewing, cigarette smoking and alcohol consumption related to oral cancer in Taiwan. J Oral Med Pathol 1995; 24(10):450-453.
  • 14
    Sankaranarayanan R, Ramadas K, Thomas G, Muwonge R, Thara S, Mathew B, Rajan B Effect of screening on oral cancer mortality in Kerala, India: a cluster-randomized controlled trial. Lancet 2005; 365(9475):1927-1933.
  • 15
    Petersen PE. Oral cancer prevention and control – The approach of the World Health Organization. Oral Oncology 2009; 45(4-5):454-460.
  • 16
    Antunes JLF, Toporcov TN, Wunsch-Filho V. Resolutividade da campanha de prevenção e diagnóstico precoce do câncer bucal em São Paulo, Brasil. Rev Panam Salud Publica 2007; 21(1):30-36.
  • 17
    Pinto RM, Wall M, Yu G, Penido C, Schmidt C. Primary care and public health services integration in Brazil's unified health system. Am J Public Health 2012; 102(11):69-76.
  • 18
    Alencar MN, Coimbra LC, Morais APP, Silva AAM, Pinheiro SRA, Queiroz RCS. Avaliação do enfoque familiar e orientação para a comunidade na Estratégia Saúde da Família. Cien Saude Colet 2014; 19(2):353-364.
  • 19
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Saúde da Família: uma estratégia para a reorientação do modelo assistencial Brasília: MS; 1997.
  • 20
    Sørensen K, Van den Broucke S, Fullam J, Doyle G, Pelikan J, Slonska Z, Brand H. Health literacy and public health: a systematic review and integration of definitions and models. BMC Public Health 2012; 12:80.
  • 21
    World Health Organization (WHO). Oral health surveys: basic methods 4th Ed. Geneva: WHO; 1997.
  • 22
    Martins AMEBL, Santos-Neto PE, Batista LHS, Nascimento JE, Gusmão AF, Eleutério NB, Guimarães ALS, Paula AMB, Haikal DS, Silveira MF, Pordeus IA. Plano amostral e ponderação pelo efeito de desenho de um levantamento epidemiológico de saúde bucal. RUC 2012; 14(1):15-29.
  • 23
    Martins AMEBL, Haikal DS, Santos-Neto PE, Alves SFF, Eleutério NB, Oliveira, PHA, Gomes GP, Guimarães BL, Ferreira RC, Silveira MF, Pordeus IA. Calibração de examinadores do Levantamento epidemiológico das condições de saúde bucal da população de Montes Claros, MG - Projeto SBMOC. RUC 2012; 14(1):43-56.
  • 24
    Cicchetti DV, Volkmar F, Sparrow SS, Cohen D, Fermanian J, Rourke BP. Assessing the reliability of clinical scales when the data have both nominal and ordinal features: proposed guidelines for europsychological assessments. J Clin Exp Neuropsychol 1992; 14(5):673-686.
  • 25
    Martins AMEBL, Rodrigues CAQ, Haikal DAS, Silveira MF, Mendes DC, Oliveira MP, Andrade AF, Freitas CV, Pordeus IA. Desenvolvimento de um programa de computador para levantamentos epidemiológicos sobre condições de saúde bucal. RUC 2012; 14(1):30-42.
  • 26
    Bertolucci PHF, Brucki SMD, Campacci SR, Juliano Y. O mini-exame do estado mental em uma população geral: impacto da escolaridade. Arq Neuropsiquiatr 1994; 52(1):1-7.
  • 27
    Kochhann R, Varela JS, Lisboa CSM, Chaves MLF. The Mini Mental State Examination: review of cutoff points adjusted for schooling in a large Southern Brazilian sample. Dement Neuropsychol 2010; 4(1):35-41.
  • 28
    De Oliveira BH, Nadanovsky P. Psychometric properties of the Brazilian version of the oral Health Impact Profile-Short form. Community Dent Oral Epidemiol 2005; 33(4):307-314.
  • 29
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 196 de 10 de outubro de 1996. Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos. Diário Oficial da União 1996; 16 out.
  • 30
    Wallerstein N, Bernstein E. Empowerment education: Freire's ideas adapted to health education. Health Educ Q 1988; 15(4):379-394.
  • 31
    Quirino MRS, Gomes FC, Marcondes MS, Balducci I, Anbinder AL. Avaliação do conhecimento sobre o câncer de boca entre participantes de campanha para prevenção e diagnóstico precoce da doença em Taubaté – SP. Rev Odontol UNESP 2006; 35(4):327-333.
  • 32
    Ribeiro R, Martins MAT, Fernandes KPS, Bussadori SK, Miyagi SPH, Martins MD. Avaliação do nível de conhecimento de uma população envolvendo câncer oral. ROBRAC 2008; 17(44):104-109.
  • 33
    Peker I, Alkurt MT. Nível de conscientização do público sobre câncer bucal em um grupo de pacientes odontológicos. J Contemp Pract Dent 2010; 11(1):49-56.
  • 34
    Elango KJ, Anandkrishnan N, Suresh A, Iyer SK, RamaIyer SK, Kuriakose MA. Mouth self-examination to improve oral cancer awareness and early detection in a high-risk population. Oral Oncology 2011; 47(7):620-624.
  • 35
    Souza LRB, Ferraz KD, Pereira NS, Martins MV. Conhecimento acerca do câncer bucal e atitudes frente à sua etiologia e prevenção em um grupo de horticultores de Teresina (PI). Rev Bras Cancerol 2012; 58(1):31-39.
  • 36
    Ratzan SC, Parker RM. Introduction. In: Selden CR, Zorn M, Ratzan SC, Parker RM, editors. National Library of Medicine current bibliographies in medicine: health literacy Bethesda: NLM; 2000.
  • 37
    Silva SRC, Fernandes RAC. Autopercepção das condições de saúde bucal por idosos. Rev Saude Publica 2001; 35(4):349-355.
  • 38
    Martins AMEBL, Barreto SM, Pordeus IA. Auto-avaliação de saúde bucal em idosos: análise com base em modelo multidimensional. Cad Saude Publica 2009; 25(2):421-435.
  • 39
    Horowitz AM, Siriphant P, Sheikh A, Child, WL. Perspectives of Maryland dentists on oral cancer. JADA 2001; 132(1):65-72.
  • 40
    Gajendra S, Cross GD, Kumar JV. Oral cancer prevention and early detection: knowledge, practices and opinions of carers oral health in New York State. J Cancer Educ 2006; 21(3):157-162.
  • 41
    d’Ávila LS, Assis LN, Melo MB, Brant LC. Adesão ao Programa de Educação Permanente para médicos de família de um Estado da Região Sudeste do Brasil. Cien Saude Colet 2014; 19(1):1-16.
  • 42
    Mialhe FL, Oliveira CSR, Silva DD. Acesso e avaliação dos serviços de saúde bucal em uma localidade rural da região sul do Brasil. Arq Cien Saude Unipar 2006; 10(3):145-149.
  • 43
    Coulter A, Ellins J. Effectiveness of strategies for informing, educating, and involving patients. BMJ 2007; 335(7609):24-27.
  • 44
    Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. Lancet 2011; 377(9779):1778-1797.
  • 45
    Rocha RACP, Goes PSA. Comparação do acesso aos serviços de saúde bucal em áreas cobertas e não cobertas pela Estratégia Saúde da Família em Campina Grande, Paraíba, Brasil. Cad Saude Publica 2008; 24(12):2871-2880.
  • 46
    Narvai PC. Collective oral health: ways from sanitary dentistry to buccality. Rev Saude Publica 2006; 40(Spec nº):141-147.
  • 47
    Hashibe M, Jacob BJ, Thomas G, Ramadas K, Mathew B, Sankaranarayanan R, Zhang ZF. Socioeconomic status, lifestyle factors and oral premalignant lesions. Oral Oncology 2003; 39(7):664-671.
  • 48
    Pitiphat W, Diehl SR, Laskaris G, Cartsos V, Douglass CW, Zavras AI. Factors Associated with Delay in the Diagnosis of Oral Cancer. J Dent Res 2002; 81(3):192-197.
  • 49
    Klosa K, Wiltfang J, Wenz HJ, Koller M, Hertrampf K. Opinions and practices of dentists in oral cancer prevention and early detection in Northern Germany. Eur J Cancer Prev 2011; 20(4):313-319.
  • 50
    Choi Y, Dodd V, Watson J, Tomar SL, Logan HL, Edwards H. Perspectives of African Americans and dentists concerning dentist-patient communication on oral cancer screening. Patient Educ Couns 2008; 71(1):41-51.
  • 51
    Martins AMEBL, Jardim LA, Souza JGS, Rodrigues CAQ, Ferreira RC, Pordeus IA. Is the negative evaluation of dental services among the Brazilian elderly population associated with the type of service? Rev Bras Epidemiol 2014; 17(1):71-90.
  • 52
    Petti S, Scully C. Oral cancer knowledge and awareness: Primary and secondary effects of an information leaflet. Oral Oncology 2007; 43(4):408-415.
  • 53
    Dias GF, Fernandes DR, Mestriner SF, Júnior WM. Autocuidados na prevenção do câncer bucal. Rev Científica da Universidade de Franca 2005; 5(1/6):14-20.
  • 54
    Marques LA, Eluf-Neto J, Figueiredo RA, Góis-Filho JF, Kowalski LP, Carvalho MB, Abrahão M, Wünsch-Filho V. Oral health, hygiene practices and oral cancer. Rev Saude Publica 2008; 42(3):471-479.
  • 55
    Gilbert GH, Duncan RP, Shelton BJ. Social Determinants of Tooth Loss. Health Serv Res 2003; 38(6 Pt 2):1843-1862.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul 2015

Histórico

  • Recebido
    08 Mar 2014
  • Revisado
    13 Nov 2014
  • Aceito
    15 Nov 2014
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Av. Brasil, 4036 - sala 700 Manguinhos, 21040-361 Rio de Janeiro RJ - Brazil, Tel.: +55 21 3882-9153 / 3882-9151 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cienciasaudecoletiva@fiocruz.br