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Rui Arantes

Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: arantesrui@hotmail.com

LEVANTAMENTOS BÁSICOS EM SAÚDE BUCAL. Organização Mundial da Saúde. São Paulo: Livraria Santos Editora Ltda., 1999. 4a Ed. 66 pp.

ISBN: 85-72881-09-3

A Organização Mundial da Saúde (OMS) vem estimulando a realização de levantamentos epidemiológicos em saúde bucal para o conhecimento da prevalência e tipologia das doenças bucais no mundo desde a década de 1960. Os levantamentos epidemiológicos em saúde bucal são fundamentais para o conhecimento da prevalência das principais doenças bucais, monitorar tendências, avaliar programas de saúde bucal, estimar as necessidades de tratamento e fornecer subsídios para o planejamento de serviços de saúde.

A primeira edição do Oral Health Surveys ­ Basic Methods foi publicada em 1971. Em 1977, a segunda edição trouxe alguns aperfeiçoamentos, principalmente em relação às doenças periodontais. Dez anos depois, em 1987, saiu a terceira edição, lançada no Brasil em 1991, com modificações bastante significativas em relação à obtenção da amostra, na determinação das faixas etárias, códigos e critérios de diagnóstico, além de propor o uso de um novo índice periodontal, o ICNTP.

Em sua quarta edição, publicada no Brasil em 1999 com o título Levantamentos Básicos em Saúde Bucal, os métodos básicos para execução de levantamentos epidemiológicos em saúde bucal foram atualizados para incluir desenvolvimentos recentes em relação aos tratamentos e diagnósticos das doenças bucais e técnicas epidemiológicas. Foram incluídas novas seções sobre avaliação clínica extra-bucal, da mucosa bucal, articulação têmporo-mandibular, hipoplasia/ opacidade de esmalte, perda de inserção periodontal e anomalias dento-faciais. O objetivo das mudanças foi fornecer uma análise mais completa das condições de saúde e doenças bucais. Na mais nova versão do manual, são apresentados de forma detalhada os passos necessários para se realizar um levantamento epidemiológico de forma sistemática, assegurando comparabilidade, reprodutibilidade e confiabilidade, por meio de mensurações padronizadas e descrição de critérios de diagnósticos, facilmente compreendidos e aplicados em diferentes países. Todas as etapas são descritas, desde as iniciais, relativas à organização do levantamento, passando pelo processo de articulação com as autoridades locais, orçamento, programação, treinamento e calibração dos profissionais envolvidos, até a implementação do levantamento propriamente dito, análise e tabulação dos dados obtidos.

Alguns aspectos importantes abordados nessa quarta edição, como metodologia dos levantamentos pioneiros ou exploratórios, a calibração dos examinadores, os critérios de avaliação básica de saúde bucal e necessidades de tratamento, merecem ser discutidos com mais detalhes pois fornecem informações cruciais para o sucesso de um levantamento epidemiológico.

O chamado "método pioneiro" visa a levantar o perfil de saúde bucal dos principais subgrupos de uma população. A técnica para esta amostragem é denominada pelo manual como uma "técnica estratificada conglomerada para coleta de amostras". A coleta de amostras geralmente é baseada nas divisões administrativas de um país, estado, cidade e áreas rurais. A intenção é incluir os subgrupos populacionais mais importantes, que provavelmente, terão níveis diferentes de doença, representativos de diferentes áreas urbanas e rurais. Este método é o recomendado tanto para um levantamento piloto local como para um levantamento nacional. Ele determina grupos etários ou idades-índices para verificar a ocorrência das doenças bucais ao longo da vida, uma vez que estas apresentam forte correlação com a idade.

O manual recomenda o número mínimo de elementos por grupo etário (idades-índices) da amostra em função da prevalência e severidade da cárie. Assim, para regiões de baixa ou muito baixa prevalência (20% ou mais de crianças livres de cárie aos 12 anos) cada grupo etário deverá ter 25 elementos, independente do tamanho da população. Em áreas de prevalência de moderada a alta (de 5 até 20% de crianças livres de cárie aos 12 anos), o número de elementos por faixa etária deverá ser de 40 a 50 elementos. Não estão expostos no manual os princípios que nortearam esta metodologia amostral, apenas é mencionado que as características individuais da epidemiologia das doenças bucais permitem este tipo de metodologia amostral. Alguns trabalhos criticam essa simplificação excessiva adotada pela OMS na determinação do tamanho da amostra. Uma outra crítica em relação à representatividade da amostra diz respeito à aleatoriedade da escolha dos elementos amostrais. Apesar do manual mencionar a "coleta aleatória das amostras de indivíduos dentro de cada grupo", não explicita como deve ser feita a escolha aleatória dos elementos.

No que diz respeito ao processo de calibração entre os examinadores, o manual traz informações mais consistentes em relação à edição anterior. Resumidamente, apresenta os passos a serem seguidos em um processo de calibração, ainda que não entre em detalhes. No Anexo 2, há uma útil indicação de como proceder a avaliação da reprodutibilidade, por meio do cálculo do coeficiente Kappa, mostrando como calcular este coeficiente para verificar a coerência intra e interexaminadores.

O Capítulo 5 diz respeito à avaliação de saúde bucal e necessidades de tratamento. Nesse capítulo, o mais extenso do manual, a ficha padronizada para a avaliação está reproduzida, e são feitas as considerações de como devem ser realizados os exames de cada um dos índices preconizados. Foram acrescentados alguns itens em relação à edição anterior, como a avaliação clínica extrabucal e as anomalias dento-faciais. Outros indicadores passaram a ser obtidos de forma mais detalhada como a avaliação da articulação têmporo-mandibular, da mucosa bucal, condições e necessidades protéticas. O índice periodontal (ICNTP) passou a ser denominado simplesmente de IPC (Índice Periodontal Comunitário) e passaram também a ser coletadas informações sobre a perda de inserção gengival dos dentes indicadores. O objetivo foi de se obter informações a respeito da destruição periodontal acumulada durante a vida. A análise das condições dentárias avalia não apenas a situação da coroa, mas incluiu também as condições das raízes dentárias.

Nesta quarta edição houve a substituição da sonda exploradora pela sonda IPC (sonda utilizada para aferição do índice IPC) no diagnóstico da cárie, considerado um avanço. O emprego da sonda exploradora já vinha sendo questionado desde a terceira edição do manual, devido à possibilidade de seu uso provocar cavitação em lesões ainda não cavitadas e transmitir microbiota cariogênica de um sítio dentário para outro. Ainda, segundo alguns trabalhos, o exame tátil pela sonda exploradora não acrescentava informações significativas ao exame visual.

Os problemas oclusais passaram a ser avaliados por meio das anomalias dento-faciais, segundo os critérios do Índice Estético Dentário (IED). Esse índice permite uma avaliação mais detalhada das dentições permanentes superior e inferior no que diz respeito à oclusão e à estética. Esse índice é composto por dez variáveis, entre elas o número de dentes ausentes, apinhamentos e espaçamentos do segmento anterior, presença de diastema, presença de sobressalência anterior superior e inferior, e avaliação da relação antero-posterior de molares. O manual, além de fornecer as informações necessárias para a coleta de cada uma das variáveis do IED, apresenta em seu Anexo 2, os procedimentos para calcular os valores do IED, que vão indicar a severidade da má-oclusão na população.

Os esforços da OMS em padronizar os procedimentos de coleta de dados sobre saúde bucal nas populações por meio da publicação do Oral Health Surveys ­ Basic Methods são imprescindíveis para a confiabilidade e comparabilidade dos dados obtidos em diferentes regiões do planeta. Infelizmente nesta última versão do manual, a OMS não publicou um modelo da ficha de avaliação de saúde bucal simplificada, onde somente as principais doenças bucais são avaliadas (cárie, doença periodontal, má-oclusão e fluorose). A ficha padronizada apresenta um total de 180 campos a serem preenchidos, 40 a mais que a ficha completa da versão anterior do manual, que apresentava também uma ficha de avaliação simplificada. O grande número de variáveis a serem observadas pode, em muitos casos, prejudicar a realização do levantamento, aumentando o tempo de execução, dificultando a análise dos dados, elevando os custos, e tornando árduo o processo de calibração entre os examinadores. Nestes casos, seria interessante eleger as variáveis a serem incluídas no levantamento, levando em consideração as características da população estudada, os objetivos do levantamento, o número de profissionais disponíveis, a logística necessária, os custos, o tempo de execução, etc. Este ajuste à realidade local vai viabilizar a execução dos levantamentos de acordo com os recursos disponíveis e dentro dos critérios preconizados pela OMS, garantindo a qualidade dos dados obtidos.

José Carlos Rodrigues

Departamento de Comunicação Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

FRÁGEIS DEUSES: PROFISSIONAIS DA EMERGÊNCIA ENTRE OS DANOS DA VIOLÊNCIA E A RECRIAÇÃO DA VIDA. Suely Ferreira Deslandes. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2002. 196 pp.

ISBN: 85-86156-03-5

A bibliografia sobre saúde pública no Brasil se enriqueceu com o lançamento de Frágeis Deuses: Profissionais da Emergência entre os Danos da Violência e a Recriação da Vida, um estudo de Suely Deslandes sobre a interferência cotidiana da violência na organização dos serviços de saúde. E enriqueceu-se em um ponto muito importante de estudar, uma vez que a complexidade do fenômeno da violência ultrapassa em muito o controle das enfermidades, não se aplicando neste campo o modelo biomédico tradicional. Não se aplica porque, além de desafiar a especialização dos conhecimentos, o entendimento da violência sempre exige estreita colaboração entre diferentes disciplinas.

O livro resulta de pesquisa baseada estrategicamente nos serviços de emergência de dois hospitais do Rio de Janeiro. Como a autora pretendeu, as páginas de Frágeis Deuses: Profissionais da Emergência entre os Danos da Violência e a Recriação da Vida nos convencem plenamente de que em nenhum outro lugar a violência se revela com maior constância ou com mais cristalina visibilidade: porque os serviços de emergência são o primeiro, e muitas vezes o único, ponto de contato das vítimas de violência com o sistema de saúde; porque se transformaram em entrada lateral, usada como atalho pela população, para driblar as insuficiências crônicas do sistema público de saúde; porque, enfim, constituem ambientes carregados de tensão e de sofrimento pela proximidade constante da morte.

Nas emergências, até mesmo os profissionais responsáveis pelos atendimentos, com freqüência se transformam em vítimas de violência. Mas algumas vezes se fazem também algozes. Tudo isso configura um quadro no qual a violência, muito mais do que rotineira, mostra-se potencializada física e simbolicamente ­ com o que isto acarreta do ponto de vista moral, ético e político.

A via metodológica fundamental escolhida para perseguir este objeto foi a perspectiva etnográfica. Privilegiando a observação direta, a autora conseguiu apreender e compreender as condições objetivas e subjetivas a que os profissionais e os pacientes estão submetidos. Por este caminho, Suely Deslandes forneceu ao leitor uma paisagem de extraordinária limpidez, retratando por dentro a cultura que efetivamente opera nas mentes dos trabalhadores das emergências.

Essa cultura é o que leva os profissionais, por exemplo, a fazerem seus próprios julgamentos "nativos" sobre o que deve ser considerado violência, distinguindo de uma maneira própria, muitas vezes independente do que reza a legislação oficial, aquilo que é violência pública, que deve constituir caso de notificação policial, daquilo que pode ser visto como um episódio de foro apenas íntimo e familiar, que deve ter seu curso limitado a essas esferas, portanto.

Nos resultados da pesquisa também ficaram bastante evidenciados os ritos de passagem pelos quais, simbolicamente, se efetua a despersonalização daqueles que ingressam nos domínios da emergência e que continuamente transformam pessoas em pacientes. Esses ritos que são analisados como sendo essencialmente mecanismos de poder, que se destinam a controlar, pelos primeiros, as relações entre profissionais e pacientes.

Da mesma forma, o método etnográfico empregado permitiu compreender com base no interior, as interessantes relações de comunidade e de identificação que unem, por um lado, os trabalhadores da emergência entre si, assim como com as tarefas que realizam; por outro, esta perspectiva colocou em evidência os laços de identidade e de solidariedade que os pacientes tecem com aqueles que se encontram em situação semelhante.

Graças também ao método etnográfico utilizado, o texto nos fornece ainda um panorama bastante claro das interações e das negociações formais e informais que ocorrem entre as distintas profissões e entre as diversas posições hierárquicas envolvidas na divisão do trabalho de cuidado e de atendimento. Sobretudo, aprendemos com a aplicação deste método quais são as regras implícitas, que operam nos bastidores dos serviços de emergência. Isto é, ficamos sabendo quais são os dispositivos oficiosos que efetivamente decidem como as coisas podem ser obtidas no âmbito das emergências. E este é um grande mérito da investigação, pois, como se sabe, tais estratagemas, que são acionados ora corporativa ora individualmente e quase sempre meio por baixo dos panos, em geral são muito difíceis de abordar.

Suely Deslandes nos mostra ademais como, nas interações entre pacientes e profissionais da emergência, a violência tende a reproduzir a distribuição desigual de poder existente na sociedade. Ressalta, assim, que essa violência é da própria estrutura do sistema de interações desse meio social específico e demonstra claramente que ela não pode ser vista como sendo meramente interpessoal.

Não obstante, mesmo reconhecendo este ponto, a autora consegue ver na violência também algum traço de resistência. E, assumindo uma atitude propositiva, sugere caminhos de superação das dificuldades, colocando-se em uma posição em que se recusa a aceitar o que acusa de "niilismo reprodutivista" ­ ou seja, aquele pensamento que se limita a imaginar que profissionais e usuários estejam destinados a contínua e passivamente reatualizar as mesmas estruturas de dominação.

É importante frisar que o tema da violência, sempre passível de redundar em obviedades e em ideologizações, é de dificílimo tratamento. A autora tentou e foi bem sucedida em fugir dessas dificuldades. Contudo, permanece no leitor a impressão de que a violência de que o livro trata seja acidental ou incidental (isto é, aquela explosiva, que decorre dos acidentes, dos conflitos entre pessoas, dos choques entre profissionais e pacientes...). Permanece a impressão de que o livro trata de uma violência gerenciável, tratável técnica, administrativa ou politicamente.

Sem dúvida essa violência existe e é muito bem compreendida pelo belo trabalho de Suely Deslandes. Entretanto, poder-se-ia adicionar à perspectiva etnográfica um olhar antropológico, isto é, comparativo. Por ele teríamos sempre presente que a violência se faz também de um modo culturalmente mais estrutural, mais específico e menos gerenciável. Teríamos, então, sempre viva em nossas mentes a consciência de uma violência que é manifestação típica das sociedades em que vivemos, modernas, urbanas, capitalistas e industriais.

Teríamos sempre presente, por conseguinte, como pano de fundo de nossa reflexão, uma violência fria, imanente, moralmente admitida e mesmo desejada: uma violência já transformada em costume e em cotidiano, tecnologicamente refinada, materializada pelo "progresso" das armas cada vez mais destrutivas, dos meios de transporte cada vez mais ameaçadores, da exploração do trabalho cada vez mais sutil, das obras de engenharia que sempre em muito superam a escala dos seres humanos individuais, da indiferença recíproca que resulta das conquistas da privacidade e do individualismo sempre crescentes... Teríamos sempre presente, então, uma violência de civilização.

Celeste Emerick

Coordenação de Gestão Tecnológica, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: emerick@fiocruz.br

BIOÉTICA E BIORRISCO. ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR. Silvio Valle & José Luiz Telles. Rio de Janeiro, Editora Interciência, 2003. 417 pp.

ISBN: 85-7193-075-9

Nas duas últimas décadas, as aplicações do conhecimento da genética têm ocupado a mídia e as pautas governamentais. Tanto no âmbito de suas aplicações nos humanos quanto nos animais e vegetais, a genética tem provocado bastante polêmica. Em nosso país, o caso das sementes e dos alimentos modificados geneticamente, ou simplesmente transgênicos, como ficou conhecido pelo público em geral, é exemplar. De um lado, as empresas transnacionais que propagandeiam seus produtos como alternativas para melhorar o rendimento da colheita, diminuir os custos finais da produção e reduzir a utilização de agrotóxicos. De outro, organizações de defesa do meio ambiente e de defesa dos direitos do consumidor alertando o público que tais sementes e/ou alimentos podem ser nocivos à saúde humana e prejudicial ao meio ambiente. Por conta desta polêmica, o plantio comercial de sementes transgênicas, em particular o da soja transgênica, continua proibida por uma liminar da justiça, apesar de parecer favorável da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança. Mas afinal, o que fazer diante destas e de outras inovações na área das modernas biotecnologias? O mais prudente seria o público estar informado para que os setores organizados da sociedade possam interferir no debate público e nas decisões governamentais.

Foi com esse espírito que comecei a ler o livro Bioética e Biorrisco: Abordagem Transdisciplinar, organizado por Silvio Valle e José Luiz Telles, ambos pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz. O primeiro, milita há anos na área de biossegurança e é conhecido por suas intervenções contundentes e, por vezes polêmicas, na defesa de uma política de biossegurança no Brasil. José Luiz Telles, por sua vez, é um pesquisador e professor na área da bioética atuando na Fiocruz e em outras instituições no Brasil. Uma combinação acertada, pois as questões de biossegurança que envolvem a genética deveriam vir, necessariamente, acompanhadas pela reflexão da bioética.

Já no sumário podemos notar que o livro é bastante pretensioso em seu escopo, pois alia a discussão mais geral sobre as biotecnologias e a bioética com questões mais técnicas de biossegurança. Talvez por ter essa pretensão tão ampla, o leitor poderá sentir falta, como eu senti, de uma apresentação por parte dos organizadores que explicasse a intenção de reunir dezoito autores, das mais variadas formações, para discorrerem sobre as áreas abrangentes da biossegurança, da bioética e da ética animal.

Na primeira parte do livro, então, iniciamos um mergulho nos termos técnicos da engenharia genética aplicada à agricultura e às questões de mercado que estão por trás do plantio e do consumo de tais produtos. Apesar da dimensão desta temática, os autores conseguem oferecer ao leitor uma riqueza de informações de forma didática e agradável. Instigante é o debate sobre a concepção de risco, que embasa todas as políticas de segurança na área. Nesta parte, somos convidados a fazer um exercício de ficção, em um dos artigos, para mirar as possibilidades, não tão distantes, de utilização das técnicas de engenharia genética para fins de bioterrorismo. Cenário assustador, com certeza, mas tem o intuito de chamar a atenção para o debate necessário sobre a ética na aplicação destas tecnologias. Os autores que tratam a questão do risco, por sinal, deixam bem claro ao leitor que o conceito de risco não é derivado apenas da ciência, mas que existe uma percepção de risco construída no imaginário social. Essa é uma questão importante, na medida em que não basta apenas afirmar que tal tecnologia tem risco reduzido, pois a credibilidade das instituições, governamentais ou não, é fundamental para que a sociedade tenha segurança sobre determinadas políticas, como é o caso dos alimentos transgênicos. O termo "bioética" aparece no título de um dos artigos dessa coletânea. No entanto, o artigo não trata especificamente da bioética. Me pergunto se não seria necessário, já que o livro se chama Bioética e Biorrisco, de ter artigos que tratassem com profundidade a temática da bioética. Na verdade, a bioética perpassa todo o debate sobre as modernas biotecnologias. Talvez, se os organizadores, em uma apresentação, adiantassem para o leitor o modo como a bioética foi tratada no livro, não ficaria essa sensação de "estar faltando alguma coisa". A clonagem humana também foi tratada por um artigo específico e tem o mérito de esclarecer as diferentes possibilidades de aplicação da tecnologia de clonagem celular em humanos.

Na segunda parte do livro, a biossegurança é apresentada em suas aplicações práticas em laboratório. Tomamos ciência das medidas de contenção biológica, de prevenção de incêndios e até de normas de arquitetura para se construir laboratórios seguros. A não ser que o leitor tenha uma inserção profissional na área de pesquisa em laboratório, a leitura dessa parte do livro acaba se tornando um mero exercício de curiosidade. No entanto, tal fato não retira o mérito de se buscar uma articulação mais estreita entre o debate acadêmico na área e as medidas de biossegurança.

Ao chegar ao final da minha leitura tenho a sensação de estar diante de uma obra importante e inovadora. Muito dessa sensação vem da constatação do grau de complexidade que os governos no mundo têm de enfrentar para decidir sobre os rumos da pesquisa e das aplicações tecnológicas na área da genética. Tais decisões, sejam elas tomadas pelo Legislativo ou Executivo, devem ser baseadas em informações com critério científico e com a participação da sociedade civil organizada. E aqui reside a importância do livro no atual cenário brasileiro. Os nossos congressistas, governantes e a sociedade têm sido chamados a tomar decisões que irão impactar profundamente a existência humana, a curto, a médio e a longo prazo, como no caso das aplicações biotecnológicas. Este livro auxiliará o leitor na compreensão dos temas que envolvem as modernas biotecnologias, por intermédio das contribuições multidisciplinares desse seleto grupo de pesquisadores, permitindo assim uma consciência sobre as responsabilidades e desafios que teremos pela frente.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Set 2003
  • Data do Fascículo
    Ago 2003
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